Rio

Nota: ★★★★

Anotação em 2011: Rio, a animação dirigida por Carlos Saldanha que vem fazendo merecidíssimo sucesso, é um filme em tudo por tudo magnífico, espetacular. É uma maravilha de diversão para toda a família, uma deliciosa aventura. Mas é mais ainda.

Além de ser um filme brilhante, é o melhor presente que a cidade do Rio de Janeiro, tão maravilhosa, tão sofrida, vítima de tantos seguidos desgovernos, poderia receber.

Carlos Saldanha é um desses geninhos da raça. Nascido no Rio de Janeiro em 1968, classe média média, estudou computação e em 1991 imigrou para os Estados Unidos com cara, coragem e talento. Em Nova York, passou pela School of Visual Arts e se graduou com honras, depois de criar dois curta-metragens de animação. Foi convidado por Chris Wedge, um dos fundadores do Blue Sky Studios, para trabalhar no time de criação da empresa. Foi o co-diretor de A Era do Gelo (2002) e Robôs (2005), e dirigiu A Era do Gelo 2 (2006) e A Era do Gelo 3 (2009).

Com o absoluto sucesso da trilogia Ice Age, já tinha prestígio suficiente para fazer Rio, a partir de uma história de sua autoria, na qual trabalharam também Earl Richey Jones e Todd Jones. O roteiro final leva a assinatura de quatro profissionais, duas duplas de criadores, Don Rhymer e Joshua Sternin & Jeffrey Ventimilia e Sam Harper. Esse tipo de assinatura indica que a primeira dupla fez um roteiro, que depois foi retrabalhado pela segunda dupla. Os grandes projetos de Hollywood são assim.

É uma superprodução. Custou US$ 90 milhões, um orçamento folgado até para os padrões americanos. Para dublar os principais personagens, o estúdio reuniu grandes nomes: Jesse Eisenberg, garoto em grande ascensão, indicado ao Oscar por sua interpretação de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, em A Rede Social, a gracinha Anne Hathaway, tão jovem e já estrela consagrada, o rapper will.i.am, Jamie Foxx, Oscar de melhor ator por Ray e uma indicação ao de melhor ator coadjuvante por Colateral. E o elenco de vozes tem ainda Rodrigo Santoro, o ator brasileiro mais bem aceito no cinema americano de hoje.

A trilha sonora é um brilho total. As composições originais para a trilha são do americano John Powell, mas a supervisão musical é de Sérgio Mendes – e o homem não perdeu a ginga, mesmo após tantos anos radicado nos Estados Unidos. Várias canções são co-assinadas por Carlinhos Brown. Rio tem samba, tem funk carioca, tem swing, tem gingado que não deixa os pés do espectador parados.

Todos os movimentos de câmara já criados estão ali

A qualidade da animação é absolutamente prodigiosa. Tem a marca da trilogia A Era do Gelo – com a vantagem de que tudo é muito mais supercolorido, já que, em vez da paisagem gelidamente branca, aqui é a festa de cores dos pássaros brasileiros, da mata atlântica, e das ruas, praias, favelas, morros de uma das cidades mais technicolor do mundo.

O domínio da técnica é colossal. Como em outras animações recentes, há movimentos de câmara de babar – fantásticos zooms partindo do mais amplo plano geral para os close-ups e vice-versa, travellings sensacionais que prescidem dos carrinhos sobre trilhos, grandes plongées e contreplongées. Todos os recursos de movimentos de câmara que o cinema levou décadas para criar estão reunidos ali.

As tomadas da paisagem carioca – o Pão de Açúcar, a Enseada de Botafogo, o Corcovado, a Pedra da Gávea, o mar, Ipanema, Copacabana – são de deixar a gente sem fôlego.

A técnica é perfeita, maravilhosa, mas o melhor é a história, a emoção, o coração

Mas o melhor de tudo, na minha opinião, não é a técnica – é o coração, a emoção, é a história, a trama, a criação dos personagens.

É uma delícia, uma maravilha de trama. A essa altura, até os mais surrados guarda-sóis de Copacabana já a conhecem de cor e salteado, e então não vou me alongar, vou tentar resumir.

Uma ararinha azul das florestas brasileiras é capturada, junto com várias outras aves das mais diversas espécies, e contrabandeada para os Estados Unidos, mais precisamente para Minnesota. Numa pequena cidade gelada daquele Estado do Meio-Oeste, a caixa em que estava a ararinha cai do caminhão que a transportava. Uma garotinha vê a pequena ave, e passa a cuidar dela.

Passam-se muitos anos. Linda, a garota (voz de Leslie Mann), vira dona de uma livraria na pequena cidade. Sua companhia de toda a vida, de todas as horas é a arara macho Blu (voz de Jesse Eisenberg), um bichinho a essa altura absolutamente domesticado, acostumado a viver dentro de casa – e incapaz de voar.

A vida tranquila de Linda e Blu é duramente abalada com a chegada de um dedicado ornitologista brasileiro, Tulio (voz de Rodrigo Santoro). Tulio tem, em sua instituição que cuida de aves, uma arara azul fêmea, chamada Jewel (a voz de Anne Hathaway), e acontece que Blu e Jewel são os únicos seres de sua espécie remanescentes de que se tem notícia. Tulio quer levar Linda e Blu para o Rio de Janeiro, na esperança de Blu e Jewel garantam a continuidade de sua raça.

A princípio, tanto Linda quanto Blu relutam diante da idéia, mas como, afinal, trata-se de uma tentativa de não permitir a extinção total de uma bela espécie, empreendem a viagem ao Rio.

E aí vão se meter nas maiores aventuras e perigos: Blu e Jewel serão roubados por contrabandistas de aves exóticas.

A trama, sempre deliciosa, vai incluir o carnaval carioca e o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. O ritmo do filme é frenético, como deve ser numa boa aventura – parece Indiana Jones em seus melhores momentos. Com direito a ótimas piadas, sensacionais personagens da fauna carioca – com asas e sem – e muita, mas muita música.

Uma maravilha de filme.

Uma belíssima declaração de amor a uma cidade linda como poucas

Uma maravilha de declaração de amor ao Rio de Janeiro, à beleza da paisagem, ao ambiente multicolorido, miscigenado, à ginga e até à malandragem carioca. Depois de tantas asneiras estrangeiras descrevendo o Brasil de uma maneira geral, e o Rio especificamente, como um lugar exótico, perigoso, uma selva pavorosa, Rio se derrete de amor à cidade que continua sendo uma das mais belas do mundo, e a seu povo.

Nisso, Rio faz lembrar Bossa Nova, o belo filme cartão-postal em que Bruno Barreto faz como fazia Woody Allen com sua Nova York: aplicou grandes toques de photoshop para retirar de cena qualquer resquício de sujeira, de impureza.

Rio faz lembrar também o desenho original de Walt Disney do início dos anos 40 em que surgiu pela primeira vez o personagem Joe Carioca, aqui Zé Carioca. Por coincidência, poucas semanas antes de eu ver Rio algum bom amigo me mandou o link dessa animação simpática, gostosa, genial, daquele tempo em que não havia computador e cada quadro era desenhado a mão – e são, como se sabe, necessários 24 quadros por segundo para fazer uma animação.

Eram, é claro, outros tempos, anos dourados do Rio capital federal, a então única metrópole do país.

Pensar no Rio dos anos 40 e no que o Rio virou depois é algo como ver a cidade da trilogia De Volta Para o Futuro caída em desgraça, tomada pela corrupção, pela falta de moral – ou ainda a cidadezinha de A Felicidade Não Se Compra imaginada pelo anjo Clarence caso George Bailey não existisse: um antro absoluto de perdição.

Nos últimos anos, felizmente, houve alguma melhora no Rio; a cidade parece ter recuperado ao menos em parte sua auto-estima. Aleluia.

Rio comprova definitivamente que o Rio não precisa de Olimpíada e Copa

Mas aí, depois de me maravilhar com o filme, e já querendo revê-lo, arrependido por Mary ter alugado o Blu-ray do filme em vez de tê-lo comprado, fiquei pensando que não era preciso Olimpíada, ou Copa do Mundo, para vender o Rio e o Brasil ao mundo. O garoto Carlos Saldanha já fez isso, da melhor maneira possível. Ao contrário do que acontecerá com a Olimpíada e a Copa, Rio não gastou um tostão do dinheiro público, ou, para parafrasear o sergipano mais carioca que existe, Alcelmo Gois, do dinheiro meu, seu, nosso; investiu US$ 90 milhões de dinheiro privado, e sua arte já foi plenamente recompensada: lançado no mercado americano em 15 de abril de 2011, em apenas quatro meses rendeu lá US$ 143 milhões, US$ 482 milhões no mundo todo – e ainda deverá render bem mais.

Rio comprova definitivamente que o Rio não precisa de Olimpíada ou Copa. Depois de Rio, essa extraordinária maravilha, vai ter o Rock in Rio agora, também sem dinheiro público. Se tivesse um pouco mais de governo com vergonha na cara, o Rio de Janeiro daria a todos nós ainda mais orgulho.

***

Ah, sim. Parece que a versão dublada é caprichadíssima, um luxo, uma maravilha, com vozes de bons atores. O que é uma dádiva para pais de filhos que ainda não têm sete anos de idade, uma rara, bela oportunidade de reunir a família inteira, de brasileiros de qualquer lugar, para ver e rever e triver e quadriver um filme de qualidade sobre nossa mais bela cidade.

Claro que, se os meninos já tiverem sete anos, o melhor é sugerir a eles que vejam a versão original, com legendas. Ler – inclusive legendas de filmes – faz bem. Só faz bem. Entre as piores coisas que há na vida – além da miséria absoluta, da violência urbana, da falta de liberdade – está o louvor do monoglotismo e da ignorância, coisa que este país vem praticando há oito anos e meio.

Rio

De Carlos Saldanha, EUA, 2011.

Com as vozes de Jesse Eisenberg (Blu), Anne Hathaway (Jewel), will.i.am (Pedro), Jamie Foxx (Nico), George Lopez (Raphael), Tracy Morgan (Luiz), Jemaine Clement (Nigel), Rodrigo Santoro (Tulio), Leslie Mann (Linda), Jake T. Austin (Fernando), Jane Lynch (Alice), Wanda Sykes (Chloe), Davi Vieira (Armando), Carlos Ponce (Marcel)

Argumento Carlos Saldanha e Earl Richey Jones & Todd Jones

Roteiro Don Rhymer e Joshua Sternin & Jeffrey Ventimilia e Sam Harper Fotografia Renato Falcão

Música John Powell

Supervisão musical Sérgio Mendes

Produção 20th Century Fox. Blu-ray e DVD Fox.

Cor, 95 min

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4 Comentários para “Rio”

  1. Comecei e terminei a leitura deste post assim:rindo (mesmo com a provocação do final :P). Eu sempre me doía de não ter visto Rio ainda e vi este fim de semana. Que lindeza! Rio me fez bem, me fez mais leve, mais vibrante, mais feliz. Fico arrepiada só de lembrar. Eu amo o Rio (a cidade, o estado, o filme). O que mais gostei foi a extrema leveza, o brilho que cada instante trazia. Brilho que se fez aqui, também. Brigadinha.

  2. Estou de volta…. estou vendo que seguiu minha dica de assistir algum filme de animação, rsrsrrs Rio é realmente muito bonito filme para todos os públicos, para mim que fui ao Rio de Janeiro apenas uma vez e ainda por apenas 3 maravilhosos dias, esse filme traz à tona minhas boas lembranças. Bem eu sou fã da animação (isso você já deve ter percebido), por isso gostaria de lhe indicar um bem legal, “Mary and Max de Adam Elliot” não sei se já ouviu falar é uma animação para adultos que aborda o lado “psico-social” do homem, espero que goste.

  3. Ainda não vi, tenho um pouco de preguiça de ver desenho animado, mas fiquei querendo assistir depois de ler seu texto.

    E mesmo sem ter assistido já digo que o melhor desenho ever, pra mim, é e sempre será *O Rei Leão. Ele foi relançado agora em 3D, nos cinemas, e vai ficar poucos dias em cartaz. Amei como na primeira vez em que assisti, há 17 anos (tô velha!).
    Já se tornou um clássico da Disney.

    * adoro a polêmica que os evangélicos criaram em torno dele, de que é um desenho satânico e cheio de mensagens subliminares – isso só me faz gostar mais ainda. hahaha

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