Lançada mundialmente pela Netflix em 8 de janeiro de 2021, a série Lupin se tornou de imediato um sucesso avassalador. Merece: tem um monte de exageros, é forçoso admitir, mas a produção é cuidadíssima, os atores estão muito bem, a trama é engenhosa, envolvente, fascinante.
Mas…
É, tem um “mas”. Assim como o personagem central, Assane Diop (o papel do astro Omar Sy), um fanático por Arsène Lupin – o ladrão de casaca criado por Maurice Leblanc no comecinho do século XX –, a série engana, prega peça.
Assane Diop, exatamente como seu ídolo Arsène Lupin, engana a polícia, engana o mundo inteiro. E a série engana os espectadores.
Em momento algum a série diz que estes 5 episódios são só o começo da história.
Não está dito “Primeira Temporada” em lugar algum.
Mary e eu nos dispusemos a ver porque nos pareceu uma série com começo, meio e fim. Poderia até haver alguma segunda temporada – mas a história básica terminaria. Teria um fim, uma conclusão.
Lego engano. Ao final do quinto episódio… tudo, absolutamente tudo fica em aberto.
Pior ainda: termina em aberto num momento em que o espectador fica absolutamente doido para saber o que virá a seguir.
Como numa novela, ou ao final do primeiro ou do segundo episódio de uma série muito bem escrita, sacumé? Aqueles finais feitos exatamente para que o espectador fique fisgado para ver o seguinte.
Só que ainda não há episódio seguinte.
É uma baita, mas uma baita sacanagem com o pobre espectador.
Ficamos absolutamente furiosos.
Se o eventual leitor é curioso, daquele tipo que gosta de maratonar para ver logo o que acontece ao final – como eu, por exemplo –, melhor deixar pra ver Lupin depois que a segunda temporada estiver disponível.
Já se informou que os próximos episódios estréiam ainda no primeiro semestre de 2021.
E, segundo o site AlloCiné, que tem tudo sobre os filmes e séries franceses, não é uma segunda temporada – é a parte dois da primeira.
A primeira série francesa a chegar ao nº 1 nos EUA
O sucesso destes primeiros cinco episódios parece ser algo absolutamente fantástico. Quase escandaloso.
Vejo, por exemplo, numa reportagem do UOL de 24 de janeiro de 2021 que, de acordo com um levantamento feito pela Decode, empresa especializada em coleta de dados e performance, a busca no Google pelo título de livros com o nome “Lupin” disparou 4.336%, enquanto o nome do ator Omar Sy aumentou 1.802% após a estreia da série.
A Hachette, que edita os livros de Maurice Leblanc na França, relançou vários deles. (No Brasil, estranhamente, os livros – que já tiveram várias edições – parecem estar esgotados, fora de catálogo.)
A série conseguiu um feito histórico: foi a primeira produção francesa a chegar à lista das 10 mais vistas na Netflix nos Estados Unidos – e conseguiu chegar ao topo da lista, deixando para o segundo lugar a badaladíssima Bridgerton!
E não foi só nos Estados Unidos, mas em diversos países que Lupin ficou entre as produções mais vistas na Netflix – inclusive o Brasil.
É uma criação de George Kay, um jovem roteirista, produtor e diretor que parece ter chegado para arrasar. Neste mês de janeiro de 2021 em que Lupin foi lançada e obteve esse tremendo sucesso, ainda não havia biografia do rapaz nem no IMDb nem na Wikipedia. Mas o sujeito escreveu dois episódios da primeira temporada de Killing Eve para a BBC America, e foi o roteirista e um dos criadores do ótimo e impressionante conjunto de séries Criminal – feitas no Reino Unido, Alemanha, França e Espanha.
Cercou-se de diversos outros roteiristas para fazer a trama desses cinco primeiros episódios: François Uzan, Florent Meyer, Tigran Rosin, Marie Roussin, Anne Cissé, Eliane Montane.
Deu estupidamente certo.
O protagonista da história, Assane Diop, é um filho de senegaleses que imigrou com o pai para a França nos anos 80. Em 1995, quando Assane estava aí com uns 14 anos de idade, seu pai, Babakar Diop (Fargass Assandé), foi acusado de ter roubado um colar de pérolas valiosérrimo que havia pertencido – incrível! – a Maria Antonieta, a última rainha da França, a mulher de Luís XVI.
Babakar – um homem absolutamente íntegro, culto, um cultivador do bom idioma e da literatura – morreu na prisão. Segundo a versão jamais contestada, enforcou-se.
Ele havia sido contratado como motorista de um biliardário, um empresário bem sucedido que atuava em vários ramos de negócios, Hubert Pellegrini (o papel de Hervé Pierre). Basta o espectador olhar para a cara desse Pellegrini para saber que é um mau caráter, um crápula. Mais adiante se verá que é também corrupto. Bem diferente de sua mulher, Anne (interpretada – que luxo! – pela maravilhosa Nicole Garcia).
Madame Pellegrini é uma boa mulher. Trata de forma cortês o motorista, e se afeiçoa pelo adolescente Assane (interpretado, então, por Mamadou Haidara).
Quando Pellegrini chama a polícia para comunicar que havia sido roubado de seu cofre o colar da rainha Maria Antonieta, denuncia Babakar com toda veemência possível. Garante de pé junto que é ele.
O criador George Kay montou a estrutura de sua história alternando fatos ocorridos naquele ano de 1995 e os eventos dos tempos atuais, 2020; diversas vezes é feita referência a “25 anos atrás”.
Na primeira sequência da série, vemos Assane Diop – na pele do astro Omar Sy, repito – trabalhando como faxineiro no Museu do Louvre. Onde vai se realizar, dali a alguns dias, o sensacional, fantástico leilão do Colar da Rainha!
Depois de ter desaparecido da mansão dos Pellegrini, o colar havia sido finalmente encontrado – e agora a família estava colocando a jóia mais que preciosa em leilão para, com a fortuna que receberia por ela, criar uma Fundação Pellegrini, dedicada às boas causas de defesa da cultura, e blá-blá-blá…
Ainda no primeiro episódio, Assane – com a astúcia, a inteligência, a genialidade de seu ídolo Arsène Lupin – vai conseguir roubar o colar.
O brilho é a forma com que ele executa o roubo. O planejamento, a idéia, aquilo é uma beleza de gol de George Kay e sua equipe de roteiristas. Uma maravilha.
Histórias de vida que se entrelaçam ao longo dos anos
Todo o trabalho de criação da trama, da forma com que os personagens se entrelaçam, da maneira com que a narrativa vai e vem no tempo, alternando a cada momento fatos de 1995 com os de 2020 – é tudo de um brilhantismo de se aplaudir de pé como na ópera.
Por exemplo: a relação entre Assane e Juliette Pellegrini, a filha única dos milionários – interpretada por Lea Bonneau quando adolescente, em 1995, e por Clotilde Hesme quando adulta, em 2020.
Ao obter autorização de Madame Pellegrini para usar a piscina da mansão, o garoto Assane atrai a atenção da Juliette uns 3 ou 4 anos mais velha que ele. Vemos os dois, 25 anos depois, no mesmo ambiente, o salão do Louvre em que se realiza o leilão do Colar da Rainha – Juliette é a estrela da festa, já que o colar pertence à sua família, e ela será a administradora da fundação que leva seu sobrenome. Assane está ali fantasiado de um milionário que participa do leilão.
Uma das muitas especialidades de Assane é se fantasiar.
No leilão, ele a vê, mas ela não o vê.
Mais adiante, os dois se reencontram, no Jardin des Tuileries, numa sequência absolutamente sensacional. E lá pelo episódio 4, se não me engano, nós os vemos num encontro ocorrido em 2006 – e é aí que o espectador tem a confirmação de que, sim, a garota milionária e o menino filho do motorista senegalês acusado de roubo tiveram um caso que, aparentemente, durou um bom tempinho. Nesse encontro de 2006, Assane diz a ela que o caso deles tem que acabar: ele não quer magoar Claire, não quer continuar traindo Claire.
A relação entre Assane e Claire é outra pérola da trama cheia de histórias que se interpenetram, como num belo novelo de lã.
Conhecem-se – a garota loura e o garoto negro – no colégio de ricos em que uma alma generosa e anônima matriculou Assane, depois que o pai dele morreu na prisão e ele chegou a ser entregue a uma instituição para órfãos pobres.
A garotinha Claire (interpretada por Ludmilla Makowski) estava sendo perseguida por três colegas chatinhos, assanhados. Assane vai em socorro dela. Ficam amigos.
O espectador só vê essas cenas de quando os dois se conheceram, em 1995, talvez 1996, ali pelo terceiro episódio. Mas vê Claire logo na segunda sequência do primeiro episódio, logo depois que a câmara acompanha o Assane fantasiado de faxineiro pelos corredores do Louvre.
Na segunda sequência de Lupin, Assane está sentado com uma bela loura em um café de Paris. Ele conta para ela que arranjou emprego – mas não explica, claro, que o emprego como faxineiro no Louvre é apenas uma peça do quebra-cabeças que montou para roubar o Colar da Rainha.
Assane e Claire (interpretada, na maturidade, por Ludivine Sagnier, na foto abaixo) conversam como dois velhos amigos. Na hora da despedida, Claire fala algo a respeito do encontro que ele havia marcado com Raoul (Etan Simon). Veremos logo que Raoul, adolescente aí de uns 14 anos, mais ou menos da idade que Assane tinha lá atrás, em 1995, é filho daqueles dois que vemos conversando no café.
Fico sempre encantando quando vejo na tela casais formados por pessoas de cor de pele diferente.
Ninguém leva a sério o policial que se refere a Lupin
Há muitas relações entre personagens que são ricas, interessantes – revelando um belíssimo trabalho de criação da trama. Veremos, por exemplo, que o comissário de polícia que supervisiona as investigações sobre o roubo do Colar da Rainha em pleno Museu do Louvre, Gabriel Dumont (Vincent Garanger), havia sido, 25 anos antes, quando era um jovem investigador, o policial encarregado do caso do desaparecimento do colar da mansão de Pellegrini. Quando jovem, Dumont (interpretado então por Johann Dionnet) era um policial sério, honesto, trabalhador. E não conseguia encontrar evidências que comprovassem as acusações de Pellegrini contra seu motorista Babakar Diop.
Para investigar o roubo do Colar da Rainha do Louvre, em 2020, são destacados três policiais: o capitão Romain Laugier (Vincent Londez), a tenente Sofia Belkacem (Shirine Boutella) e o investigador Youssef Guedira (Soufiane Guerrab.
Este Guedira acontece de ser um leitor apaixonado dos romances de Maurice Leblanc com Arsène Lupin, o ladrão de casaca, o larápio fino, elegante.
O policial Guedira é o primeiro – e por bastante tempo o único – a perceber que o ladrão que eles estão procurando, o sujeito que conseguiu roubar o Colar da Rainha dentro do Louvre super vigiado, super policiado, tem um modo de agir bastante parecido, mas bastante parecido mesmo, com o do mais famoso ladrão da literatura francesa. E mais ainda: às vezes executa ações que reproduzem ações de Lupin descritas nos livros.
Uma pessoa “contraditória e ambígua”, “mutável e ibíqua”
Babakar Diop, o imigrante vindo do Senegal, gostava dos romances de Maurice Leblanc com o herói-anti-herói Arsène Lupin. Presenteia o filho com um dos romances – o primeiro de toda a série, Arsène Lupin Gentleman Cambrioleur. (Cambrioleur é assaltante, ladrão, furtador. No Brasil, onde já teve várias edições agora parece que esgotadas, o livro chamou-se Ladrão de Casaca.)
Depois de ler o primeiro livro, o jovem Assane Diop passa a devorar todos os demais. Fica absolutamente fascinado, apaixonado por Arsène Lupin.
Arsène Lupin surgiu em uma daquelas felizes, maravilhosas, especiais combinações de tempo e espaço que foi a fervilhante Paris da Belle Époque, com aquela absurda concentração de jovens talentos – na pintura, na literatura, no teatro, na dança – como houve poucas na História. Apareceu pela primeira vez em 1904, na revista mensal Je Sais Tout, que o editor Pierre Laffitte acabava de lançar. Viveu suas primeiras aventuras ali, como herói de folhetim; só surgiria em livro em 1907.
Desde que irrompeu na cena parisiense do início do século passado, foi sucesso tremendo.
Era uma pessoa “contraditória e ambígua”, “mutável e ibíqua”, para usar os adjetivos justíssimos evocados por Mário Pontes na introdução a uma então nova edição de Ladrão de Casaca no Brasil, em 1972, pela Nova Fronteira (na foto). Adjetivos de fato precisos – que servem perfeitamente, como luvas, a esse Assane Diop da série criada por George Kay mais de 110 anos depois. Como seu ídolo e modelo, Assane Diop é contraditório, ambíguo. Mutável – ora faxineiro do Louvre, ora milionário que participa do leilão do Colar da Rainha, ora motoqueiro entregador de comida, ora… E, sim, ubíquo: o raio do Assane Diop se parece com Deus: consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E é perfeito.
Eis aqui uma maravilhosa definição de Arsène Lupin, de autoria de Pierre Lazareff, autor do prefácio de uma das reedições de Arsène Lupin Gentleman Cambrioleur, reproduzido na edição braileira de 1972:
“Vivo, audacioso, impertinente, desafiando sem cessar o comissário (de polícia), arrastando corações atrás de si e pondo os que riem do seu lado, zombando das posições conquistadas, ridicularizando os burgueses, socorrendo os fracos, Arsène Lupin, cavalheiro furtador, é um Robin Hood da Belle Époque. Um Robin bem francês; não se leva muito a sério, suas armas mais mortíferas são as do engenho; não é um aristocrata que vive como anarquista, mas um anarquista que vive como um aristocrata.”
O editor encomendou a Leblanc um personagem
Nesse prefácio que citei, Pierre Lazareff conta que foi o editor da revista Je Sais Tout, Pierre Laffitte, que encomendou a Maurice Leblanc “uma novela policial cujo herói fosse o equivalente na França do que representavam juntos na Inglaterra Sherlock Holmes e Raffles”. E “foi assim que, por encomenda, surgiu o primeiro Arsène Lupin”.
Raffles. Arthur J. Raffles. Nunca tinha ouvido falar nele – ou, se alguma vez ouvi falar, não me lembrava, o que dá no mesmo. Vivendo e aprendendo. Wimwenders e aprendenders.
Arthur J. Raffles, ensina a Wikipedia, essa maravilha, “é um personagem de novelas policiais criado pelo autor britânico E. W. Hornung em volta de 1890. Hornung era cunhado de Sir Arthur Conan Doyle e se inspirou no seu famoso detetive para criar o personagem. Ainda assim Raffles é, de muitas maneiras, o inverso de Sherlock Holmes; ele é um ladrão-cavalheiro, que mora no Albany, uma região de classe alta de Londres. Do mesmo modo que Holmes tem o Dr. Watson para narrar suas aventuras, Raffles tem Harry “Bunny” Manders, um antigo colega seu que foi salvo da desgraça e do suicídio por Raffles, o qual o persuadiu a acompanhá-lo em um roubo. Apesar de sua relativa inocência, da qual Raffles às vezes tira vantagem, Bunny, em várias ocasiões, salva ambos quando Raffles os coloca em situações de que ele não consegue escapar.”
Sherlock Holmes tinha seu amigo John Watson para escrever suas aventuras. Arthur J. Raffles tinha Harry Manders para escrever as suas. O narrador das aventuras de Arsène Lupin também era – como o dr. Watson, como esse Harry Manders que eu não conhecia – um confidente do protagonista.
Embora isso não tenha a ver diretamente com a série Lupin, não consigo deixar de registrar aqui que há muitas coincidências nas vidas de Holmes e Lupin, assim como nas do escocês de Edimburgo Arthur Conan Doyle (1859-1930) e do francês de Rouen Maurice Leblanc (1864-1941). A começar pelo fato de que, como mostram as datas logo acima, os dois eram contemporâneos, exatamente da mesma geração – separados apenas pelo Canal da Mancha e uma rivalidade milenar, que incluía uma guerra de cem anos.
O detetive inglês, evidentemente, nunca soube quem era aquele ladrão de casaca francês. Já o ladrão enfrentou o detetive em mais de uma aventura. Um dos 30 e tantos livros de Maurice Leblanc com seu personagem se chama Arsène Lupin contra Herlock Sholmes. (Na primeira metade dos anos 60, em Belo Horizonte, o garoto que eu fui em outra encadernação leu Arsène Lupin Contra Herlock Sholmes e babou. Não tanto quanto Assane Diop, certamente, mas babou.)
Segundo a Wikipedia, Arthur Conan Doyle ficou bravíssimo com a gozação que o colega francês fez de seus personagens Sherlock Holmes e Watson.
Numa dessas peças que o destino prega nas pessoas, Leblanc iria sofrer do mesmo mal que também atormentou Conan Doyle. O grande escritor escocês, como se sabe, ficou profundamente desgostoso com o extraordinário sucesso de seu próprio personagem, e, para se ver livre dele, matou-o. Queria ser reconhecido como um escritor de valor, e não apenas como autor das histórias do detetive da Baker Street. A comoção que a morte de Sherlock Holmes causou, no entanto, foi tão grande que Doyle teve que ressuscitar o detetive. O mesmo aconteceu com Leblanc e Lupin; o primeiro matou o segundo, na novela 813, mas teve que ressuscitá-lo em diversos outros livros – Le Bouchon de cristal, Les Huit Coups de l’horloge, La Comtesse de Cagliostro.
Muitos bons elementos para explicar o sucesso
Toda a mágica aura existente em torno do personagem Arsène Lupin seguramente tem a ver com o extraordinário sucesso da série Lupin. É parte da explicação para o sucesso.
Outro fator determinante, tenho a certeza, é a engenhosidade com que George Kay e seus colaboradores criaram a história. Sem dúvida alguma, é uma trama fantástica, uma deliciosa teia de eventos fascinantes.
Nos créditos finais de cada episódio aparece a expressão “arcos dramáticos”. No meio dos créditos aos autores da trama, é dito que que os “arcos dramáticos” são de George Kay e François Uzan, com a participação de Eliane Montane Anne Cissé. Foi a segunda vez que ouvi falar nisso – a primeira em outra bela série francesa, Chamas do Destino / Le Bazar de la Charité, de 2019, criada por duas mulheres, Catherine Ramberg e Karin Spreuzkouski.
Os franceses sempre gostaram de ser muito explícitos sobre quem bolou o que, quem escreveu o quê nas histórias dos filmes. Nos cinemas inglês, americano, italiano, espanhol, etc, costuma-se dizer quem é o autor do argumento (a trama, a história) e quem é o autor do roteiro (o guia, a base para o filme, que contém todos os diálogos e as indicações de como a câmara filmará cada tomada, que tipo de som será usado, se haverá música, que tipo de música, etc). Os franceses gostam de especificar, além disso, quem fez a adaptação (a transformação da história original, do livro ou da peça de teatro, na história que será usada no roteiro) e quem escreveu os diálogos.
Mas registrar quem é o responsável por criar os “arcos dramáticos”, isso só vi em Chamas do Destino e agora neste Lupin. “Arcos dramáticos”. Acho chiquetérrimo. Mas a verdade é que os cinco episódios de Lupin têm (assim como Chamas do Destino, ou, só para dar mais um exemplo, a magnífica série espanhola Pátria) arcos dramáticos muitíssimo bem bolados.
Outro elemento que garante o sucesso da série, creio, é a direção – Louis Leterrier fez alguns episódios, Marcela Said fez os outros. Dirigem, os dois, com absoluta segurança, um excelente ritmo – e obtêm ótimas interpretações de todos os atores, indistintamente, dos protagonistas aos meros coadjuvantes que fazem pequenos papéis.
E, sim, claro, os atores são parte fundamental da explicação para o sucesso da série.
Achei fantástico o fato de atrizes da estatura de Nicole Garcia (na foto acima) e Ludivine Sagnier terem aceitado participar da série. Prova de que acreditaram na qualidade do projeto.
Claro, há imensa, descomunal distância entre as duas.
Nicole Garcia, de 1946, é uma veterana, que como atriz trabalhou com praticamente todos os maiores realizadores franceses, de Alain Resnais a Claude Miller, de Claude Lelouch a Betrand Blier. Tem uma bela carreira como roteirista e diretora, realizou filmes bons e/ou respeitáveis como Place Vendôme (1998), O Adversário (2002), Um Belo Domingo (2013), Um Instante de Amor (2016).
Diante de Nicole Garcia, Ludivine Sagnier, de 1979, parece quase uma iniciante. Mas também tem uma carreira de respeito, com 66 títulos entre sua estréia em 1989, aos 10 anos de idade, e 2021, entre eles 8 Mulheres (2002), Swimming Pool (2003), A Pequena Lili (2003), Uma Garota Dividida em Dois (2007), Crime de Amor (2010).
Outra atriz bem interessante que está no elenco é Clothilde Hesme, que faz Juliette Pellegrini. Talentosa, de uma beleza nada convencional, um rosto forte, marcante, trabalhou, entre outros 40 e tantos filmes, em Três Mundos (2012), Por uma Mulher (2013), Chocolate (2016).
Mas, naturalmente, a maior atração do elenco – e uma das razões do sucesso da série – é sem dúvida Omar Sy no papel principal.
Omar Sy é hoje um dos atores mais famosos do cinema francês. Depois do sucesso avassalador de Intocáveis (2011), dos ótimos Samba (2014) e Chocolate, virou astro internacional, chamado para blockbusters tipo X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014) e Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015).
Para Omar Sy, o céu é o limite. Ainda mais agora que encarnou esse sujeito que vem com a fama de Arsène Lupin nas costas.
Anotação em janeiro de 2021
Lupin/Lupin – Dans l’ombre d’Arsène
De George Kay, criador, roteirista. França, 2021
Direção Louis Leterrier, Marcela Said
Com Omar Sy (Assane Diop)
e Ludivine Sagnier (Claire), Etan Simon (Raoul, o filho de Assane e Claire), Mamadou Haidara (Assane adolescente), Ludmilla Makowski (Claire adolescente), Fargass Assandé (Babakar Diop, o pai de Assane), Antoine Gouy (Benjamin Ferel, o grande amigo de Assane), Adrian Valli De Villebonne (Benjamin Ferel adolescente),
Hervé Pierre (Hubert Pellegrini, o bilionário), Nicole Garcia (Madame Anne Pellegrini), Clotilde Hesme (Juliette Pellegrini), Lea Bonneau (Juliette Pellegrini adolescente),
Vincent Londez (capitão Romain Laugier), Soufiane Guerrab (Youssef Guedira, o policial fã de Arséne Lupin), Shirine Boutella (tenente Sofia Belkacem), Vincent Garanger (comissário Gabriel Dumont), Johann Dionnet (Gabriel Dumont jovem), Marie Barraud (Helene Dumont, a mulher de Gabriel), Adama Niane (Leonard), Moussa Sylla (tenente Barreto),
Anne Benoît (Fabienne Beriot, a jornalista), Arthur Choisnet (Rudy), Grégoire Colin (Vincent), François Creton (Etienne Comet, o preso doente), Linda Massoz (a enfermeira da prisão), Bérangère Dautun(Agatha Van Der Meulen), Valérie de Dietrich (Tania Fabre),
Roteiro George Kay (criador), com a colaboração de François Uzan e a participação de Florent Meyer, Tigran Rosin, Marie Roussin.
Arcos dramáticos por George Kay e François Uzan, com a participação de Eliane Montane e Anne Cissé
Baseado no personagem Arsène Lupin, criado por Maurice Leblanc
Fotografia Christophe Nuyens
Música Mathieu Lamboley
Montagem Jean-Daniel Fernandez-Qundez, Richard Marizy, Audrey Simonaud
Casting Michael Laguens, Catherine Chevron
Produção Gaumont Production, Netflix France.
Cor, cerca de 250 min (4h10)
Disponível na Netflix em 1/2021
***1/2
Muito boa resenha, Sérgio. Eu, o Walter e o Rodrigo lemos as coleções inteiras do Arsène Lupin, do Sherlock Holmes, do Charlie Chan e creio que tínhamos livros do Raffles também…
Assim como você, estou aguardando os próximos cinco capítulos da série.
Resenha fantástica!!! Li os livros, vi a série e melhorou ainda mais depois dos seus comentários. Brilhante como sempre.
Adoraria saber quem escreveu essa crítica.
Texto fantástico, e não me refiro a opinião do autor sobre a série.
Olá, João!
Rapaz, você me fez reparar que houve algum problema e sumiu o “Por Sérgio Vaz” que vinha logo abaixo do nome do site.
Os textos do site são todos meus. Sou jornalista, aposentado, e agora faço esse site e um irmão dele, + de 50 Anos de Textos.
No alto da página, à esquerda, há o link para uma “Apresentação”, em que falo um pouco de mim.
Agradeço muito sua gentileza.
Sérgio