Terra do Sonho Distante / America America

4.0 out of 5.0 stars

America America, no Brasil Terra do Sonho Distante, é o preferido do seu realizador, o grande, imenso, gigantesco Elia Kazan (1909-2003). Kazan fez poucos filmes, se compararmos com outros realizadores: apenas 19 longa-metragens, ao longo de 31 anos de carreira. Poucos – mas vários deles são obras-primas.

Só para pegar um indicador: seus 19 filmes tiveram nada menos de 58 indicações ao Oscar, e levaram 21 estatuetas. Ele, pessoalmente, teve 7 indicações ao prêmio, como diretor, produtor e roteirista. Venceu duas vezes como melhor diretor, por A Luz é Para Todos/Gentlemen’s Agreement (1947) e por Sindicato de Ladrões/On the Waterfront (1954). Foi um dos fundadores do Actors Studio, que passaria a ser reconhecido como uma das principais escolas de arte dramática do mundo. Foi o diretor que descobriu e levou para o sucesso Marlon Brando, James Dean e Warren Beatty.

É facílimo entender por que o realizador de tantos grandes filmes tem um carinho especial por este aqui. A explicação vem na voz dele mesmo, antes de vermos a primeira sequência deste filme longo, de 168 minutos:

– “Meu nome é Elia Kazan. Sou grego de sangue, turco de nascimento e americano porque meu tio fez uma viagem.”

America America é a história desse tio de Elias Kazantzoglou, seu nome original. Começando pela sua juventude, na região próxima ao Monte Argeu, passando pela longa, interminável viagem a pé e depois de trem até a então Constantinopla, a dureza extrema da vida na grande cidade e sua obsessão por conseguir uma passagem em um navio para a América, a terra dos sonhos, a terra de todas as oportunidades.

É uma trajetória épica, uma epopéia. Uma triste, terrível, duríssima sequência de provações, de tristezas, de frustrações.

No filme, o tio se chama Stavros Topouzoglou – e Kazan escolheu para o papel um jovem grego, Stathis Giallelis, que na época (o filme é de 1963) estava com 22 anos, e era quase tão belo quanto aqueles três atores que o diretor havia lançado anos antes, citados aí acima. Pena que não tivesse o talento de um Brando, um Dean, um Beatty.

Mas, como Kazan é um exímio diretor de atores, dos melhores que já houve, a atuação do rapaz não chega a comprometer, a atrapalhar o filme.

America America é uma maravilha.

Fotografia, direção de arte, trilha – tudo é magnífico

O filme foi rodado na Turquia e na Grécia, e fotografado por um gênio, Haskell Wexler (1922-2015), cinco vezes indicado ao Oscar, vencedor duas vezes (por Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, 1966, e Esta Terra é Minha Terra/Bound for Glory, 1976). Em 1963, a imensa maior parte dos filmes de Hollywood era em cores, mas Kazan teve a sabedoria, a perspicácia, de fazer America America em preto-e-branco.

Não poderia jamais ser em cores. É uma história que se passa a partir de 1896, e vai aí até a primeira década do século XX; e durante a maior parte do tempo o que se retrata é pobreza, muita pobreza, paisagens duras, hostis. Tinha que ser em preto-e-branco – e a fotografia do mestre Wexler e mais a direção de arte de Gene Callahan são absolutamente extraordinárias.

O visual do filme é um brilho, uma absoluta maravilha.

Kazan e Wexler abusam de imagens de gente pobre, miserável, feia, gente do povo, gente sofrida. São imagens que remetem aos grandes clássicos das primeiras décadas do cinema, obras de Serguei Mikhailovich Eisenstein, F. W. Murnau, Carl Theodor Dreyer. No ano seguinte, 1964, Pier Paolo Pasolini usaria esse mesmo tipo de close-up de gente pobre, sofrida, que também remetia aos filmes dos grandes mestres do passado, em seu O Evangelho Segundo São Mateus.

Não poderia de jeito algum ser um filme em cores.

Ao visual deslumbrante se soma a trilha sonora, que Kazan, sabiamente, encomendou a um dos dois maiores compositores gregos da segunda metade do século XX, o gigante Manos Hadjidakis (o outro é Mikis Theodorakis, autor, entre tantas outras, da trilha de Zorba, O Grego).

É uma absoluta maravilha.

Kazan defende os gregos e armênios e ataca os turcos

“Sou grego de sangue, turco de nascimento.”

A frase inicial pronunciada por Elias Kazantzoglou – filho de gregos nascido na então capital turca, Constantinopla, na abertura de seu filme mais pessoal, e por isso seu preferido – já traz a marca de um paradoxo, quase um oxímoro. Gregos e turcos são inimigos históricos, seculares, milenares.

Realizadores da que é certamente a região mais conflagrada do Planeta, o Oriente Médio, e vieram muito depois de Kazan, têm feito belos filmes em que procuram não tomar partido por um dos lados em eterno conflito. Ao contrário: tentam mostrar os argumentos dos dois lados. São muitos os exemplos de filmes das últimas décadas realizados tanto por israelenses quanto por árabes que, em vez de ficar ruminando sobre episódios das lutas dos tetravós, tentam averiguar as possibilidades de haver paz para os filhos ou netos.

Presenteiam-nos com belezas como Lemon Tree, A Banda, Dégradée, O Atentado, E Agora, Aonde Vamos?, etc, etc, etc.

Kazan, no entanto, de maneira bem diferente da postura adotada pelos bons cineastas árabes e israelenses autores desses filmes, toma partido de seu povo, o grego – e desce o pau nos turcos sem dó nem piedade.

Após aquela frase inicial, vemos tomadas gerais de uma região dura, seca, pedregosa. Uma montanha imponente, coberta de neve no topo. São tomadas de uma beleza absurda – da mesma maneira com que o autor Kazan inicia sua narrativa como uma frase impressionante, fortíssima, Haskell Wexler apresenta para o espectador um show de imagens poderosas naquele magnífico preto-e-branco.

A voz em off do diretor volta depois de um breve momento em que ouvimos uma voz cantando uma melodia triste, doída:

– “Essa história foi contada há muitos anos pelos membros mais velhos da minha família. Eles lembram de Anatólia, o grande planalto central de Turquia e Ásia. E eles se lembram do Monte Argeu. A Anatólia foi o antigo lar de armênios e gregos.”

Vemos tomadas gerais de um povoado miserável.

“Mas, 500 anos atrás, o local foi invadido pelos turcos. E desde então gregos e armênios vivem aqui como minorias. Os gregos, povo submisso. Os armênios, povo submisso. Eles vestem as mesmas roupas dos turcos – chapéus, sandálias. Comem a mesma comida. Suportam juntos o mesmo calor. Usam os jumentos para carregar as coisas. E olham para o mesmo monte – mas com sentimentos diferentes. Uns são conquistadores, outros são conquistados. Os turcos têm um exército. Os gregos e armênios tentam viver da melhor forma que podem.”

Vemos então dois homens recolhendo pedras de gelo das partes mais elevadas do Monte Argeu, colocando-as em uma carroça, para vender bem mais adiante, em seu povoado. Um deles é armênio; chama-se, veremos, Vartan Damadian (Frank Wolff). O outro, bem mais jovem, é grego. É Stavros – o tio de Elia Kazan. O sujeito que fez uma viagem – e por causa disso Elias Kazantzoglou o seguiria com seus pais, e chegaria à Ellis Island, à entrada de Nova York, com 4 anos de idade, em 1913.

Como Stavro, também emigrei – mas foi bem mais fácil

Tinha visto America America duas vezes na vida, mas parece que foi em uma outra encadernação. (Jornalista não reencarna – reencaderna.) A primeira vez foi em um cinema da lendária Galeria Alasca, numa fantástica viagem que fizemos ao Rio de Janeiro, meu irmão Geraldo, nosso grande amigo-irmão Jorge Teles e eu, em 1967. A segunda foi no ano seguinte, já depois de eu ter me mudado (para sempre) para São Paulo, no também lendário Cine Bijou. Nem me lembrava dessa segunda vez, que só verifiquei agora, vendo minhas anotações no segundo caderninho de cinema.

(Emigrar para lugar rico, em busca de uma vida melhor, era bem menos complicado para quem saía de Belo Horizonte, passando por Curitiba, em direção a São Paulo, do que havia sido para aquele pobre Stavros Topouzoglou sair dos confins da Anatólia rumo a Nova York.)

Não me lembrava, agora, de quase nada do filme – apenas do tom geral, é claro, e da miséria, da dificuldade da epopéia do jovem desde o lugar perdido no fim de mundo até Constantinopla e daí para o navio que o levaria através do Mediterrâneo e do Atlântico.

Não sabia muito bem o que era a Anatólia – ou, se já soube, tinha esquecido, o que dá na mesma.

É uma dessas regiões em que ao longo dos séculos existiram diferentes países, que foram mudando de nome, às vezes desaparecendo. Também chamada de Ásia Menor, é uma península, banhada pelo Mar Negro ao Norte, o Mediterrâneo ao Sul e o Egeu a Oeste.

Quando Elia Kazan usa a expressão “500 anos atrás”, está se referindo, creio, à expansão do Império Otomano, que foi quando os turcos se apoderaram da Anatólia.

O Genocídio Armênio – o extermínio, pelo governo otomano, da minoria armênia, com a morte de entre 800 mil e 1,5 milhão de pessoas – aconteceu em 1915. No início de seu épico, Kazan mostra com força os antecedentes do genocídio – a perseguição da minoria armênia pelo exército turco.

Kazan primeiro escreveu o livro, e depois fez o filme

É fantástico lembrar que em princípio foi o verbo. Elia Kazan, o homem da encenação, do teatro, e depois das imagens, primeiro escreveu America America em forma de romance – um romance curto, enxuto, publicado inicialmente em 1961. Dois anos antes, portanto, do lançamento do filme.

A dedicatória é assim: “Ao meu tio Avraam Elia Kazanjoglou, conhecido como Joe Kazan”.

O primeiro título que Kazan deu ao livro foi The Anatolian Smile. O sorriso meio bobo, meio infantil, de garoto bom, inocente, é uma característica de Stavros, o alter ego de Avraam Elia Kazanjoglou que o autor criou primeiro em palavras, e só depois naquelas belíssimas imagens.

O romance que primeiro se chamou The Anatolian Smile e depois virou America America, numa bela sacada do autor, é, repito, curto, enxuto. Na edição que tenho, um livro de bolso da inglesa Sphere Books de 1969, tem menos de 190 páginas, com letras em corpo grande.

É fascinante comparar com o romance que Elia Kazan lançaria seis anos depois de America America, em 1967, The Arrangement, no Brasil O Compromisso. Na edição brasileira, O Compromisso é um catatau massudo de 580 páginas e corpo pequeno.

Depois de America America, Kazan ficou seis anos sem dirigir um filme. Em 1969, lançou The Arrangement, seu segundo filme consecutivo baseado em romance de sua própria autoria. The Arrangement, no Brasil Movidos pelo Ódio, é a história de um publicitário fantasticamente bem sucedido que, de repente, na meia idade, resolve questionar toda a sua vida, todos os valores pelos quais baseou sua existência nos últimos muitos anos.

É só bem mais para o final do filme que se vê que o protagonista, Eddie Anderson, é descendente de imigrantes gregos – e então Kazan mostra, ainda que rapidamente, algumas das magníficas e tristíssimas tomadas de America America em que Stavros Topouzoglou está finalmente concluindo sua odisséia e se aproximando da terra dos sonhos, a terra de todas as oportunidades.

Detalhinho: Eddie Anderson, o protagonista, é interpretado por Issur Herschelevitch Danielovitch, um filho de casal de imigrantes judeus da Bielo-Rússia que também aportou em Ellis Island, assim como o tio, os pais e o próprio Elia Kazan. Ah, sim, Issur Herschelevitch Danielovitch passou a usar o nome artístico de Kirk Douglas.

O cinema é a arte mais coletiva que existe. É necessariamente obra de dezenas, centenas de profissionais. É indústria. Mas uma das mais belas experiências que pode haver para um amante de cinema é ver filmes que retratam experiências pessoais.

Não é à toa que alguns dos maiores gênios desta arte são os que souberam fazer filmes pessoais – Woody Allen, François Truffaut, Martin Scorsese, Elia Kazan, para citar só alguns.

Filmes que tratam de um grande tema: a América

Leonard Maltin deu a cotação máxima de 4 estrelas: “O sonho da passagem para a América – como ele se revelava para os imigrantes do final do século 19 – é emocionantemente captado pelo escritor-diretor Kazan neste filme longo, absorvente filme, baseado nas experiências de seu tio. Sincero e comovente, com uma impressionante direção de arte e decoração de interiores por Gene Callahan.”

O maravilhoso livro The Films of the Sixties – From La Dolce Vita to Easy Rider, de Douglas Brode, começa assim o texto sobre America America:

“Os filmes de Elia Kazan todos tratam de um grande tema; América. Em A Tree Grows in Brooklin (Laços Humanos, de 1945), seu primeiro filme, Kazan lidava com os sentimentos de uma família grande, tentando se manter firmes a seus velhos valores, no mundo em mudança de uma cidade grande; em Gentlemen’s Agreement (A Luz é Para Todos, de 1947) e Pinky (O Que a Carne Herda, 1949), ele tratou do anti-semitismo e racismo, revelando como eles infectam todos os aspectos de nossa sociedade; em Panic in the Streets (Pânico nas Ruas, 1950), ele se imiscuía na vida dos pobres de Nova Orleans e, em On the Waterfront (Sindicato de Ladrões, 1954), na dos trabalhadores de Nova York; em East of Eden e Splendor in the Grass (Vidas Amargas, 1955, e Clamor do Sexo, 1961), o diretor focalizou a rebeldia da juventude americana. Mesmo seus filmes posteriores, que tiveram bem menos sucesso, demonstram um escrutínio da ética americana de sucesso, e a influência corrupta nas pessoas criativas; The Arrangement (baseado em seu próprio romance de sucesso) e The Last Tycoon (tirado de um trabalho incompleto de F. Scott Fitzgerald) comprovam que os temas de Kazan, se não a qualidade de seu trabalho, permaneceram constantes. Mas em nenhuma outra obra o sentimento de Kazan pela América foi tão forte e sincero quanto em America America.”

Outro grande livro, Cinema Year by Year 1894-2000, que fala sobre os grandes filmes e grandes fatos de mais de um século de cinema em forma de notícias de jornal, dá um belo título: “Kazan paga sua dívida à América”. A “reportagem”, datada de Nova York, 16 de dezembro de 1963, o dia da première de gala do filme, é assim:

“O diretor Elia Kazan retorna às suas raízes de imigrante com America America, baseado em sua novela de 1962, em que retrata, com calorosa reflexão, as desventuras e problemas do seu próprio tio, em sua odisséia da Turquia para os Estados Unidos. Kazan nasceu Elia Kazanjoglou em Istambul em 1909, e foi trazido para a América por seus pais em 1913. A experiência do imigrante para o Novo Mundo é contada neste filme absorvente de duas horas e meia, soberbamente fotografado por Haskell Wexler. Formado pelo Group Theater, ao qual se juntou em 1932, Kazan dirigiu seu primeiro filme, A Tree Grows in Brooklyn, em 1945, e a partir daí dividiu seu tempo entre Hollywood e o influente trabalho no teatro. Comunista por um rápido período nos anos 30, em 1952 ele apresentou os nomes de companheiros comunistas ao Comitê da Câmara dos Deputados sobre Atividades Anti-americanas. Isso marcou seu futuro em Hollywood e o desrespeito de mais leais pares.”

Rápidas notas sobre o texto do Cinema Year by Year 1894-2000. Ele diz que o livro America America é de 1962, mas o copyright da obra, na edição que tenho, indica 1961. Há uma falha na grafia do nome de batismo, que é Elias, e não Elia. E, o mais importante: não vou entrar aqui na questão do depoimento de Elia Kazan ao comitê macarthista da Câmara dos Deputados, o HUAC, House of Un-American Committee. O tema está mais do que comentado na minha anotação sobre o ótimo documentário Uma Carta para Elia / A Letter to Elia, de Martin Scorsese e Kent Jones, de 2010.

Um filme de “uma absoluta sinceridade”

O Guide des Films de Jean Tulard dá a cotação máxima de 4 estrelas ao filme – algo bastante raro – e dedica a ele um verbete especialmente volumoso:

“Kazan nunca cessou, ao longo de sua obra, de prestar tributo à América. Cronologicamente, America America é o primeiro marco histórico de uma obra que pega a história americana de 1900 a 1970. É também o mais belo, o mais sóbrio e o mais humano de todos os filmes realizados por Kazan. De uma absoluta sinceridade, America America ficou muito tempo em gestação no coração do velho imigrante grego antes que ele se livrasse de tudo de uma vez, com força e lirismo, em um duplo grito comovente. Tudo neste retorno às fontes fascina: uma narrativa bem articulada que propulsiona o herói, a despeito das numerosas vicissitudes, rumo ao objetivo que ele persegue obstinadamente; o mundo cruel mas picaresco e cheio de vida que ele atravessa; os retratos humanos plenos de verdade; a evolução psicológica de Stavros, que passa de maneira convincente de garoto puro e inocente a um jovem experiente e calculador adaptado à sua futura vida de imigrante; o contexto histórico discreto que evita o didatismo. Em America America, Kazan, liberto de todos os maneirismos e esteticismos gratuitos, deixa falar o coração. Sua narrativa cativa como os contadores de histórias orientais. Com inteligência, ele escolheu o preto-e-branco e atores pouco conhecidos. Sua aparência, seus passos, seus tiques de linguagem foram escolhidos com meticulosidade e não se tem nunca a impressão de ver profissionais atuando. Todos vivem seus personagens, em particular Stathis Giallelis, um ator grego não profissional que está perfeito no papel principal.”

Esse texto do Guide de Jean Tulard é um absoluto brilho – mas, na minha opinião, tropeça no finalzinho, ao elogiar a atuação do rapaz que interpreta o protagonista. Quanto a isso, concordo é com Pauline Kael, que destaca, em sua crítica, que houve um erro na escolha do ator para o papel central: “Stathis Giallelis não convence o espectador que tem a vontade, a paixão – e o cérebro – para realizar seu sonho”, diz ela. Para, em seguida, afirmar que o filme tem imagens maravilhosas e algumas interpretações memoráveis, como as de Paul Mann como o comerciante rico e de Linda Marsh como sua filha.

O sonho americano não é para todos

Gostaria de concluir com uma sensação minha, que vem desde aquela primeira vez que vi esta beleza, quando tinha 17 aninhos, e que veio de novo agora, ao revê-la aos 70 anos.

Sim, sim, sim, claro: Elia Kazan faz aqui, como fez nos seus outros filmes, uma homenagem aos Estados Unidos da América, o país que o recebeu, que recebeu sua família, assim como recebeu tantas e tantas levas de pessoas pobres, miseráveis, infelizes, sem qualquer perspectiva, esperança, em sua terra natal.

Mas sua homenagem, seu tributo, seu elogio, sua elegia não vem, de forma alguma, em um tom ufanista, patrioteiro, de oba-oba isso sim é que é maravilha.

Muito antes ao contrário.

Quando a América terra dos sonhos, a terra de todas as oportunidades, se aproxima, o milionário a cuja mulher o jovem Stavros deu alegria berra para ele, no momento em que ele começa a ser duramente espancado: – “Isto aqui é a América!”

Na terra dos sonhos, a terra de todas as oportunidades, manda quem tem dinheiro – e é espancado furiosamente quem faz alguma ofensa a quem tem dinheiro.

Assim que Aratoon Kebabian (Robert H. Harris) berra aquele infame, nojento “This is America”, Kazan realça a ignomínia com a montagem rápida, eisensteinsiana, para o apito forte do navio, e logo em seguida a visão enevoada da Estátua da Liberdade.

O preço da liberdade – isso é o que, na minha opinião, esse artista maior, ex-comunista, depois odiado por seus pares, tachado como dedo-duro, delator, quis nos dizer, em America America – é altíssimo. Altíssimo demais da conta. Poucos são os que podem pagar.

O sonho americano não é para todos.

Anotação em agosto de 2020

Terra do Sonho Distante/America America

De Elia Kazan, EUA, 1963

Com Stathis Giallelis (Stavros Topouzoglou)

e Harry Davis (Isaac Topouzoglou, o pai), Elena Karam (Vasso Topouzoglou, a mãe), Estelle Hemsley (a avó), Gregory Rozakis (Hohanness Gardashian, o andarilho), Frank Wolff (Vartan Damadian, o amigo armênio), Lou Antonio (Abdul), Salem Ludwig (Odysseus Topouzoglou, o primo de Constantinopla), John Marley (Garabet),
Joanna Frank (Vartuhi), Paul Mann (Aleko Sinnikoglou, o ricaço), Linda Marsh (Thomna Sinnikoglou, a filha de Aleko), Robert H. Harris (Aratoon Kebabian, o milionário americano), Katharine Balfour (Sophia Kebabian, a mulher de Aratoon)

Roteiro Elia Kazan

Baseado em seu romance

Fotografia Haskell Wexler

Música Manos Hadzidakis

Montagem Dede Allen

Direção de arte Gene Callahan

No DVD. Produção Athena Enterprises, Warner Bros.. DVD M.D.V.R.

P&B, 168 min (2h48)

Disponível em DVD.

R, ****

Título na França: America, America. Em Portugal e Espanha: América, América.

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