Sangue da Terra / Blowing Wild

1.0 out of 5.0 stars

Bom filme, isso Blowing Wild, no Brasil Sangue da Terra, de 1953, está longe de ser. Se fosse para ser rigoroso, daria para dizer que é uma gigantesca bobagem. Mas, como peça de museu, é muito interessante.

Bem, muito interessante pelo menos para quem gosta de filmes da fase mais clássica de Hollywood. Eu, pelo menos, fiquei fascinado quando, zapeando, de noitão, dei com ele bem no início, nos créditos iniciais, e não consegui mais parar. Tive uma vaga sensação de que já havia visto antes, mas só isso mesmo, uma vaga sensação. Só no dia seguinte, na hora de fazer esta anotação, chequei que tinha visto, sim, em 2002, também na TV a cabo. Na época, dei uma estrelinha, anotei apenas a ficha técnica básica e esta frase: “Uma gigantesca bobagem. Credo, põe bobagem nisso”.

Pois é. Mas tem no elenco Gary Cooper e Barbara Stanwyck. Meu, Gary Cooper e Barbara Stanwyck! Reencontrando-se ali na trama depois de um longo e tenebroso período – e reencontrando-se diante das câmaras 12 anos depois de Adorável Vagabundo/Meet John Doe, uma das obras-primas de Frank Capra, e de Bola de Fogo, deliciosa comédia de Howard Hawks, ambos de 1941. Ele então com 52 anos, ela com 46 – sempre belos, presença forte, magnetismo saindo pelo ladrão.

E ainda tem Anthony Quinn, num papel extremamente apropriado para ele – um sujeito sanguíneo, passional, virulento, violento. Mais Ruth Roman, atriz de beleza suave, agradável, jeito de moça vizinha do bairro, e ainda Ward Bond, o coadjuvante de tantos filmes do mestre John Ford e que trabalhou com Frank Capra, John Huston, Raoul Walsh, Nicholas Ray.

Argumento e roteiro de Philip Yordan (1914-2003), autor ou co-autor de quase 70 roteiros, três indicações ao Oscar por Dillinger (1945), Chaga de Fogo/Detective Story (1951) e Lança Partida (1955) – e vencedor, por este último, do Oscar de melhor história.

Direção de Hugo Fregonese (1908-1987), muito provavelmente o primeiro sul-americano a se tornar diretor em Hollywood. (Vale a pena falar dele mais adiante.)

Uma história sobre gringos extraindo petróleo na América do Sul – uma boa oportunidade de ver como Hollywood retratava um país sul-americano no início dos anos 1950.

Uma heroína que é anti-heroína – Marina, o papel de La Stanwyck. Uma mulher que não presta: “Marina, you’re no good!”, diz para ela Jeff Dawson, o personagem de Gary Cooper. E ele ainda repete: – “You’re no good!” Em pleno vigor ainda do Código Hays, o código de autocensura dos grandes estúdios, que proibia terminantemente casos extra-conjugais, uma anti-heroína casada que confessa o amor, a paixão louca por outro homem, que implora que ela a tome, a possua, a leve embora.

Uau! É muito elemento interessante. Pode ser um filme danado de ruim – mas que beleza de peça de museu!

Na América do Sul como se fosse num bangue-bangue

Sangue da Terra/Blowing Wild é assim uma mistura de western com aventura/ação com melodramão.

Passa-se ali pelo início dos anos 1950 em um país não determinado da América do Sul – mas o país não determinado da América do Sul que o filme retrata é bem parecido com o Oeste Selvagem, o Wild West, o Far West de 1850 ou pouco depois. Há grupos imensos de bandidos armados de revólveres e espingardas que cavalgam pelos descampados praticando assaltos – exatamente como se estivessem ali perto do Monument Valley, no Novo México, no Arizona, nas redondezas de Tombstone, Kansas City, aquelas cidades do faroeste. Até falam a mesma língua de muitos bandidos dos westerns, “o mexicano” – como tantos personagens de filmes americanos se referem ao espanhol.

Para realçar ainda mais o clima de western, em diversas sequências Jeff Dawson e Paco Conway, os personagens de Gary Cooper e Anthony Quinn, andam armados, com aquele cinturão de balas e o coldre do lado direito, igualzinho aos que Gary Cooper usou em Matar ou Morrer/High Noon (1952) ou Vera Cruz (1954), ou que Anthony Quinn usou em Minha Vontade é Lei/Warlock ou Duelo de Titãs/Last Train from Gun Hill (ambos de 1959), só para dar uns poucos exemplos dos muitos westerns em que os dois atores trabalharam.

Há ainda um elemento a mais a aproximar este Blowing Wild do western: nos créditos iniciais, um sujeito de vozeirão grave, pesado, canta uma canção grave, pesada. É Frankie Laine, exatamente o mesmo que já havia cantado outra canção grave, pesada, do mesmo Dimitri Tiomkim, um ano antes, em Matar ou Morrer. “Do not forsake me, oh, my darling, on this wedding day”, cantava ele em Matar ou Morrer – e aquilo ficou gravado para sempre nos meus neurônios jovenzinhos.

Aqui, ele canta os seguintes versos cometidos por Paul Francis Webster, um letrista que fez muita coisa melhor que isso: “Maureen of mine / Set me free / Free from black gold / Blowin’ wild blowin’ low”. Pois é, temos um problema: a anti-heroína se chama Marina, e a letra fala em Maureen. A pronúncia em inglês é bastante parecida, mas de qualquer forma é esquisito haver uma canção composta para o filme que não soletra direito o nome da anti-heroina.

O problema muito maior, claro, é a melodia grave, pesada, e os versos dramalhões, babacas, basbaques: me deixe livre, livre do ouro negro.

Ouro negro. Chamar petróleo de ouro negro é uma coisa horripilantemente brega. Mas a verdade é que o filme Blowing Wild é exatamente isso: um dramalhão horripilantemente brega. Falo disso logo em seguida.

O lado ação/aventura do filme começa pelo fato de estarem todos aqueles ianques – os personagens de Gary Cooper, Barbara Stanwyck, Anthony Quinn, Ruth Roman, Ward Bond metidos em algum tipo de encrenca (ou ação, ou aventura) tão longe de casa, tão ao Sul do Rio Grande, num mundo bárbaro, sem lei, sem alma…

Jeff Lawson-Gary Cooper, seu grande amigo, parceiro Dutch Peterson-Ward Bond e Paco Conway-Anthony Quinn são, todos eles, gente da busca por petróleo. Prospectors – a palavra inglesa significa garimpeiro, minerador, e creio que não há uma palavra específica, nem em inglês nem em português, para quem é garimpeiro de petróleo.

Mas é isso que são os protagonistas da história: aventureiros que procuram petróleo. E que agem bastante como os aventureiros que iam para o Oeste à procura de ouro. Não são gente de empresa, não são capitalistas, não são empreendedores – são aventureiros.

Uma paixão furiosa pelo amigo do marido       

Um dramalhão horripilantemente brega.

É mais ou menos assim:

Lá no passado, muitos anos atrás, Jeff e Paco e Dutch tinham trabalhado juntos garimpando o ouro negro – na Califórnia, no México, na Nicarágua, na Venezuela. No entanto, quando descobriram óleo, Jeff e Dutch tinham cascado fora da sociedade com Paco, por algum motivo não explicado.

E aí tinha acontecido que todos eles tinham ido procurar petróleo naquele país não identificado da América Latina.

(É importante registrar: é claro que as referências todas são à Venezuela, o país sul-americano que mais cedo demonstrou ter imensas reservas de petróleo, e para onde foram centenas de americanos, exatamente ali pelos anos 1940, 1950. Mas, para despistar, para não parecer que estava dizendo que aquilo ali era a Venezuela, cita-se em um ou outro diálogo que aquelas pessoas já haviam passado pela Califórnia, pelo México, pela Nicarágua, pela Venezuela – para indicar que é algum outro país, algum país que não é o pais que na verdade está sendo mostrado, a Venezuela.)

O filme não conta explicitamente o que aconteceu no passado – mas dá claramente para o espectador mais sonso, menos atento notar que, lá no passado, Jeff e Marina tinham tido uma furiosa paixão. Mas Marina, uma mulher que, como diz Jeff, é “no good”, acabou se casando com Paco, porque ele descobriu petróleo primeiro e ficou rico.

Pois é – mas, agora, neste momento em que a ação se passa, quando os amigos Jeff e Dutch por acaso se reencontram com o casal Paco e Marina, a paixão dela ressurge com toda a intensidade. Na verdade, ela jamais havia esquecido o seu grande amor. Só que Jeff, bom caráter, bom sujeito (ou não seria um personagem que merecesse Gary Cooper), embora tivesse sido, no passado, apaixonadão por Marina, agora não quer saber. Homem honrado algum quer saber da mulher de amigo – esse poderia ser o bordão do íntegro Jeff.

E Marina se oferece, se oferece, se oferece – mas Jeff é íntegro, não quer saber. Diacho, Jeff é o mocinho da história!

E ele diz pra ela: – “Marina, you’re no good!”

O diretor abriu todo o espaço para Barbara Stanwyck

O diretor Fregonese não era bobo nem nada, e abriu todo o espaço possível para que a soberba Barbara Stanwyck mostrasse seu magnetismo. Há duas sequências sensacionais, e não propriamente curtas, em que vemos Marina-Barbara Stanwyck cavalgando a uma velocidade estonteante, a câmara a mostrando sempre em um quase close-up.

Ter filmado Barbara Stanwyck em close, ter dado a ela imenso espaço diante da câmara, é, na minha opinião, a melhor prova de talento que Hugo Fregonese dá no filme.

Parece ter sido uma grande figura, esse Hugo Fregonese. Nascido em Mendoza, em 1908, fez filmes na sua Argentina natal e também nos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Espanha e França! O verbete sobre ele no Dicionário de Cinema – Os Diretores de Jean Tulard começa assim: “Filmou em inúmeros países filmes de qualidade que lhe valeram a estima dos cinéfilos. Jornalista, foi estudar tecnicas de cinema em Hollywood. De volta à Argentina, deu início à sua carreira. Sua reputação fez com que se sentisse novamente atraído pelos Estados Unidos, onde rodou para a Universal uma série de westerns e de thrillers.”

O Guide des Films do mesmo Jean Tulard faz uma gozação com o filme, em vez de apresentar propriamente uma avaliação dele: “É preferível ver o filme em versão francesa: a canção leitmotiv, que volta com a regularidade de um metrônomo assim que uma mulher se aproxima de um homem, é cantada por Dario Moreno”.

Que coisa engraçada – e esquisita: quer dizer então que na versão dublada para o francês tiraram a voz de Frankie Laine e a substituíram por um cantor que canta uma versão da canção…

Leonard Maltin deu 2 estrelas em 4 para o filme: “A tempestuosa Stanwyck é casada com o barão do petróleo Quinn, mas fica de olho no caçador de poços Cooper, que está totalmente recuperado do caso que os dois tiveram no passado. Emoções calorosas não conseguem aquecer essa história arrastada, filmada no México.”

Anotação em maio de 2019    

Sangue da Terra/Blowing Wild

De Hugo Fregonese, EUA, 1953.

Com Gary Cooper (Jeff Dawson), Barbara Stanwyck (Marina Conway), Anthony Quinn (Paco Conway), Ruth Roman (Sal Donnelly), Ward Bond (Dutch Peterson), Ian MacDonald (Jackson), Richard Karlan (Richard Karlan), Juan García (El Gavilan)

Argumento e roteiro Philip Yordan

Fotografia Sidney Hickox

Música Dimitri Tiomkin

Montagem Alan Crosland Jr.  

P&B, 90 min.

Produção Milton Sperling, Warner Bros, United States Pictures.

R, *

Título em Portugal: Vento Selvagem. Na França: Le Souffle Sauvage.

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