Num Dia Claro de Verão / On a Clear Day You Can See Forever

2.0 out of 5.0 stars

Barbra Streisand aos 28 anos, em seu terceiro filme, depois dos sucessos Funny Girl (1968) e Alô, Dolly (1969). Yves Montand com seu absoluto charme chegando aos 50 anos. Na direção, Vincente Minnelli, o mestre do musical  e da comédia elegantes.

E, no entanto, On a Clear Day You Can See Forever, no Brasil Num Dia Claro de Verão, de 1970, é um filme bem fraquinho. A culpa, na minha opinião, é claramente da história – uma história bobinha demais.

Uma leitora do IMDb, Kathy Li, sintetizou muito bem, e então vou me apropriar da sinopse dela, acrescentando uma ou outra coisinha:

Daisy Gamble (o papel de Barbra, claro), uma moça bastante excêntrica, com alguns poderes extra-sensoriais, que ouve o telefone antes que ele comece a tocar, conversa com suas flores e faz com que elas cresçam muito mais mais depressa que todas as outras, quer parar de fumar para agradar ao namorado, Warren (Larry Blyden), um bobalhão que só pensa no trabalho numa companhia seguradora ou coisa parecida. Assim, Daisy procura numa Faculdade de Medicina um psiquiatra na esperança de que ele consiga fazê-la parar. O psiquiatra e professor, dr. Marc Chabot (Yves Montand), descobre, ao hipnotizar Daisy, que ela conta histórias de outras vidas. Cientista e portanto cético, o dr. Marc a princípio acha que tudo aquilo é delírio da moça – mas, com o tempo, vai ficando fascinado: de fato Daisy conta histórias de vidas passadas.

A ciência, o rigor científico versus fenômenos não explicados, paranormalidade, extrassensorial, reencarnação. Em tese, o embate poderia render boas situações, boas piadas, boas canções.

Pois é. Não rende – nem boas situações, nem boas piadas, nem boas canções.

O grande Alan Jay Lerner não estava num bom momento

On a Clear Day You Can See Forever é mais uma prova daquela verdade absoluta: ninguém acerta o tempo todo.

O autor da peça de teatro e do roteiro do filme é o grande Alan Jay Lerner (1918-1986), o cara que escreveu My Fair Lady (1964), Sinfonia de Paris/An American in Paris (1951), Gigi (1958), Camelot (1967), Núpcias Reais (1951), Os Aventureiros do Ouro/Paint Your Wagon (1969), A Lenda dos Beijos Perdidos/Brigadoon (1965).

Alan Jay Lerner teve cinco indicações ao Oscar, e levou para casa dois prêmios, por An American in Paris (melhor roteiro e história) e Gigi (melhor canção, com melodia de Frederick Loewe). Na Broadway, ganhou 3 prêmios Tony.

Um monstro, um artista extraordinário que, como diz a Wikipedia, criou, em colaboração com Frederick Loewe e mais tarde com Burton Lane, algumas das obras mais populares e duradouras dos musicais no teatro e no cinema.

Nesta fase em que criou On a Clear Day You Can See Forever, trabalhava com o compositor Burton Lane; é dele a trilha sonora do filme e as melodias das canções cantadas por Barbra Streisand e Yves Montand. Os arranjos e a direção musical são do maestro Nelson Riddle, o que acompanhou Frank Sinatra em muitos de seus discos dos anos da gravadora Reprise.

Pois é: e a sensação que tive ao ver agora o filme, pela primeira vez, foi a de que a dupla Lerner-Lane não conseguiu criar uma única canção memorável para embalar essa história fraquinha.

Parece que, na Broadway, a peça teve um sucesso modesto. A produção estreou no Mark Hellinger Theater em outubro de 1965 e teve 280 apresentações. Recebeu indicações para o Tony de melhor trilha, melhor ator para John Cullum e melhor atriz para Barbara Harris – a moça que estrelou o último filme de Alfred Hitchcock, Trama Macabra/Family Plot (1976).

Minha avaliação sobre as canções, de que não há belas, marcantes canções no filme, não parece desprovida de base. O disco com a trilha sonora do filme foi o que menos vendeu, entre todos os álbuns lançados por Barbra Streisand.

Um Jack Nicholson bem jovem num bom papel

Uma das poucas coisas saborosas deste On a Clear Day You Can See Forever é ver o jovem Jack Nicholson fazendo o papel de um garotão levemente hippie, um ano depois de Sem Destino/Easy Rider, o filme que mudou sua carreira – assim como as de Peter Fonda e Dennis Hopper.

Jack Nicholson, então com 33 aninhos, faz o papel de Tad Pringle, um sujeito que é bem o oposto do namorado de Daisy, o bobo do Warren: não quer saber de trabalho duro, escritório, essas coisas. Quer flanar, aproveitar a vida. Ele e Daisy haviam vivido um tempo como quase meio-irmãos, cada um filho do primeiro casamento de um dos cônjuges de uma nova união.

Isso é bem interessante, porque essa coisa das novas famílias estava apenas começando, naquela época, 1970.

O casamento do pai de um com a mãe de outra não ia lá muito bem – mas entre os dois quase meio-irmãos havia rolado um namoro. E lá pelas tantas Tad Pringle aparece de novo querendo paquerar a moça – que a essa altura já tem uma quedinha pelo charmoso psiquiatra e professor francês.

Um filme que não acrescenta nada a Montand

Hollywood contratou o grande astro da música e do cinema franceses diversas vezes. Dez anos antes deste On a Clear Day You Can See Forever, em 1960, Yves Montand estrelou ao lado de Marilyn Monroe Let’s Make Love, no Brasil Adorável Pecadora. Marilyn era então a maior estrela de cinema do planeta – e os boatos sobre um possível caso entre ela e Montand chegaram a ameaçar a estabilidade do estabilíssimo casamento dele com Simone Signoret.

Montand ainda trabalharia ao lado de Ingrid Bergman em Mais uma Vez, Adeus/Goodbye Again (1961) e de Shirley MacLaine em Minha Doce Gueixa/My Geisha (1962).

Consta que a Paramount ofereceu US$ 200 mil de salário por este papel como o cientista que se depara com fenômenos que a ciência não explica. Montand, com medo de mais um filme americano em que ele aparece como um latin lover, pediu US$ 400 mil, para se livrar do assunto – mas a Paramount topou pagar.

Ter aceito o papel não diminui a grandeza do artista maravilhoso – mas também não acrescenta nem um pontinho à sua carreira.

Muito do que Minnelli filmou acabou ficando de fora

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas estrelas em 4 para o filme: “Colorido entretenimento do show de Alan Jay Lerner-Burton Lane sobre garota (Streisand) cujo psiquiatra (Montand) descobre que viveu uma vida anterior na Inglatera do século XIX. Suntuosas sequências de flashback sobrepujam a trama fragmentada dos dias de hoje – boa parte delas aparentemente abandonadas no laboratório de montagem. Brilhante mas nunca envolvente.”

Maltin está certíssimo: de fato consta que muitas cenas das vidas passadas de Daisy Gamble foram deixadas de lado na montagem final.

E não só sequências dos flashbacks, das vidas passadas. Uma sequência em que Jack Nicholson canta “Who Is There Among Us Who Knows?”, com Barbra fazendo a harmonia, também foi deixada de lado, assim como um dueto entre Barbra e Larry Blyden, o ator que faz o bocó do namorado de Daisy.

Consta que, em 1994, o produtor Howard W. Koch tentou encontrar os negativos dessa sequência em que Jack Nicholson cantava “Who is There Among Us?”, pois pretendia usá-la num tributo do American Film Institute ao ator – mas a busca foi em vão.

Diz o livro The Paramount Story: “O jeito seguro de Barbra Streisand, sua voz poderosa e nariz de Nefertiti não ajudaram muito seu personagem em On a Clear Day You Can See Forever. Mesmo assim, no papel duplo de uma estudante confusa e uma dama da Londres do século XVIII, uma encarnação prévia à qual ela regressa sob hipnose, ela atuou e cantou com toda a desenvoltura esperada por seus fãs. Isso, no entanto, não garantiu o sucesso de um grande musical dos anos70; cinco anos antes, a versão no teatro também havia sido um desapontamento. A bela produção de Howrd W. Koch se assentava sobre uma trilha do autor-letrista Alan Jay Lerner e do compositor Burton Lane. Estranhamente, as três melhores canções (a bela balada-título, a encantadora ‘Melinda’ e a estimulante ‘Come back to me’) foram para o outro astro, Yves Montand, como o psiquiatra hipnotizador de Barbra. Vincente Minnelli, encerrando uma brilhante carreira em Hollywood, dirigiu os dois, juntamente com Jack Nicholson, Bob Newhart e Simon Oakland.”

Sim, foi praticamente a despedida do grande Lester Anthony Minnelli (1903-1986). Depois deste filme aqui, ele ficaria seis anos sem filmar, e encerraria a gloriosa carreira em 1976 com Questão de Tempo/A Matter of Time, uma fantasia que reunia sua filha Liza Minnelli, Ingrid  Bergman, Charles Boyer, Gabrielle Ferzetti e Fernando Rey.

“Melinda”, a canção citada pelo livro The Paramount Story, é o nome de uma das encarnações anteriores de Daisy Gamble. Melinda foi também o título escolhido para o filme pelos exibidores tanto da França quanto de Portugal.

Melinda desagradou profundamente o auxiliar de Jean Tulard que escreveu sobre o filme no Guide des Films. Eis o que diz o grande guia: “Há qualidades, é verdade, mas não aquelas da insuportável Streisand e do medíocre Montand”.

Epa! O rapaz estava num dia ruim quando viu o filme. As coisas não são tão ruins assim, não. De jeito algum.

Anotação em junho de 2019

Num Dia Claro de Verão/On a Clear Day You Can See Forever

De Vincente Minnelli, EUA, 1970

Com Barbra Streisand (Daisy Gamble), Yves Montand (Dr. Marc Chabot)

e Bob Newhart (Dr. Mason Hume), Larry Blyden (Warren Pratt), Simon Oakland (Dr. Conrad Fuller), Jack Nicholson (Tad Pringle), John Richardson (Robert Tentrees), Pamela Brown (Mrs. Fitzherbert), Irene Handl (Winnie Wainwhisle), Roy Kinnear (príncipe regente), Peter Crowcroft (advogado do divórcio), Byron Webster (advogado de acusação), Mabel Albertson (Mrs. Hatch), Laurie Main (Lord Percy),

Kermit Murdock (Hoyt III)

Roteiro Alan Jay Lerner, baseado em sua peça

Fotografia Harry Stradling

Música Burtton Lane

Direção musical Nelson Riddle

Montagem David Bretherton

Produção Howard W. Kock, Paramount Pictures

Cor, 129 min (2h09)

**

Título na França e em Portugal: Melinda.

7 Comentários para “Num Dia Claro de Verão / On a Clear Day You Can See Forever”

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *