The Post, o filme de Steven Spielberg de 2017 sobre o jornal Washington Post e os Papéis do Pentágono, é um filme extraordinário em todos os sentidos, um filmaço, uma obra-prima – e de imensa importância, por relatar aqueles fatos que são fundamentais não apenas para a História dos Estados Unidos da América como também de toda a civilização humana.
Mas dizer isso é chover no molhado. Tudo isso já foi dito por todo mundo.
Gostaria demais é que Roger Ebert – o sujeito que amava ver filmes, o melhor crítico de cinema que já houve – ainda estivesse vivo, para ler o que ele escreveria.
Roger Ebert desrespeitava todos os mandamentos, as leis básicas da crítica de cinema dentro do jornalismo tradicional, que determinam que os textos devem ser impessoais. Roger Ebert mandava os mandamentos, as leis básicas às favas: acho que dá pra dizer que ele jamais fez um único texto sobre um filme em que não colocasse o pronome proibido, “eu”. Bem ao contrário: tudo o que ele escrevia era pessoal, era em primeira pessoa.
Roger Ebert seria capaz de começar o texto dele assim:
“Chorei ao ver The Post como há muito, muito tempo não chorava diante de um filme.”
O filme emociona o espectador – e é também um exercício intelectual
The Post é um filme absolutamente emocionante, que remexe profundamente com as emoções do espectador – e essa é uma de suas características mais impressionantes.
Um dos grandes filmes sobre a guerra do Vietnã teve um título bem escolhido demais, que passou a ser usado a partir daí a torto e a direito – Corações e Mentes. Muitos bons filmes sobre o Vietnã mexeram com corações e mentes de pessoas no mundo todo. The Post é um dos melhores de todos eles – talvez o melhor de todos eles – exatamente porque é capaz de mexer não apenas com as mentes, mas também com os corações dos espectadores.
Isso, afinal, é a marca registrada desse senhor Steven Allan Spielberg, desde que era muito jovem e surpreendeu o mundo com um filme feito para a TV em 1971 com poucos recursos, Encurralado/Duel. Deixando de lado, jogando no lixo – assim como Roger Ebert fez com leis absolutas – as teses todas dos teóricos de que a melhor obra de arte deve atingir o intelecto, Spielberg sempre soube tocar o fígado, o estômago, o coração dos espectadores.
Em The Post, mostra que nestes 46 que se passaram deste Encurralado não deixou esse talento de lado. Ao contrário: soube aprimorá-lo mais e mais.
Pois é. No entanto, paradoxalmente, ou por mais paradoxal que possa parecer, The Post, um filme que pega o espectador pelo coração, é também um arguto exercício de apresentação de fatos, nomes, datas, argumentos.
The Post despeja sobre o espectador, em seus 116 minutos que passam extremamente depressa, como tudo que é bom demais na vida, uma quantidade vertiginosa, abissal, amazônica, jupiteriana de dados.
São fatos reais, fatos históricos – mas é informação demais mesmo para quem conhece um pouco daquilo, como é, por exemplo, o meu caso.
Pois esta é a segunda grande e magnífica característica deste filme maior: além de ser um filme que emociona, The Post é um filme tão bem escrito, tão bem concebido, que consegue contar uma história verdadeira extremamente complexa de uma maneira que o público em geral a compreenda, a acompanhe. Mesmo quem não conhecia ao menos parte daqueles fatos.
The Post é um filme que remexe corações e atiça mentes. Hearts and Minds. Ou Hearts and Bones, como diria Paul Simon.
A terceira fantástica característica do filme é que ele esclarece fatos históricos fundamentais. Recoloca no lugar coisas que não estavam sendo vistas corretamente.
Diante dos Papéis do Pentágono, Watergate é um conjunto menor de crimes
Um dos melhores dos muitos filmes sobre a Guerra do Vietnã, The Post é também um dos melhores dos muitos filmes sobre jornalismo.
Ensina lições até a velhos jornalistas.
Eu mesmo achava que o grande feito do Washington Post, da proprietária Katharine Graham e do editor-chefe Ben Bradlee (na foto acima) tinha sido a cobertura do escândalo Watergate, que estourou em julho de 1972 e acabou levando à renúncia do presidente Richard M. Nixon em agosto de 1974.
Não, não foi.
O primeiro grande feito do Washington Post, de Kay Graham e de Ben Bradlee foi, depois que o New York Times começou, ter ido em frente na revelação dos Pentagon Papers. Aconteceu ainda em 1971, um ano antes do assalto à sede do Comitê Nacional do Partido Democrata, no conjunto de prédios Watergate, durante a campanha presidencial em que Richard Nixon tentava a reeleição.
Todo o escândalo Watergate é fichinha perto dos Papéis do Pentágono.
Fichinha. Brincadeira de criança. Bobagem. Furto de carteira.
Watergate demonstrou, ao fim e ao cabo, que Nixon sabia do assalto ao Comitê Democrata e havia autorizado a ação criminosa. Comprovou que Nixon mentiu diversas vezes, ao longo das investigações.
Em suma, Watergate demonstrou que Nixon era um mentiroso e havia autorizado um crime durante sua campanha eleitoral.
Mas só cegos, ou loucos, ou republicanos xiitas é que não sabiam disso.
Os Papéis do Pentágono, muito ao contrário, são muito mais importantes, muito mais profundos, muito mais reveladores, muito mais apavorantes.
Os documentos comprovavam que os presidentes mentiram ao povo americano
Os Papéis do Pentágono comprovavam – como é dito diversas vezes ao longo de The Post – que todos os governos americanos após a Segunda Guerra Mundial, as administrações de Harry S. Truman, Dwight D. Eisenhower, John F. Kennedy, Lyndon B. Johnson e Richard M. Nixon haviam mentido ao povo americano a respeito do Vietnã. Haviam escondido informações, falsificado fatos. Sabiam, desde sempre, que seria impossível vencer uma guerra ali – e no entanto mandaram para lá mais e mais jovens americanos, para lutar e morrer por uma causa sobre a qual eles não tinham a menor noção.
Os Papéis do Pentágono comprovavam, claramente, que Kennedy, Johnson e Nixon enviaram centenas de milhares de jovens americanos para lutar em uma guerra que eles sabiam perfeitamente que não poderia ser vencida.
Segundo a BBC, 2,5 milhões de americanos foram enviados ao Vietnã; 58 mil morreram. Evidentemente, o número de rapazes feridos, traumatizados, jamais pôde ser calculado.
O roteiro de The Post – assinado por Liz Hannah e Josh Singer – demonstra esses fatos com uma rapidez e uma clareza impressionantes.
O filme abre com uma sequência em plena Guerra do Vietnã. Um letreiro informa o onde e o quando: Província de Hai Ngnia, Vietnã, 1966. Um soldado pergunta quem é aquele sujeito cabeludo, e o outro responde que é Ellsberg, que trabalha com Lansdale na Embaixada.
Quem conhece um pouco sobre os Papéis do Pentágono se lembra do nome: Daniel Ellsberg (interpretado por Matthew Rhys, na foto acims) era um analista militar, e trabalhava para o Departamento de Estado. Esteve no Vietnã como observador, a pedido do então secretário de Estado, Robert McNamara – em 1966, o democrata Lyndon Johnson, que havia sido vice de John Kennedy, era o presidente da República.
Vemos Ellsberg participando de uma ação militar nas selvas do Vietnã, em que um grupo de soldados cai numa emboscada. Corta, e vemos Ellsberg pensativo, em um avião oficial do governo americano. Um funcionário diz que o secretário quer falar com ele. Ellsberg vai até os assentos dianteiros, onde Robert McNamara (Bruce Greenwood, muito bem maquiado, com o rosto trabalhado para ficar bem semelhante ao secretário de Estado) conversa com um tal Robert Komer (David Beach), amigo próximo do presidente Johnson.
McNamara pede que Ellsberg dê sua opinião abalizada, de quem conhece de perto o front de batalha no Vietnã: a situação está melhor ou pior do que algum tempo atrás?
A situação não mudou; está a mesma coisa, assegura o analista militar que estivera na linha de fogo.
E McNamara argumenta com o amigo do presidente: Está vendo? Enviamos mais 100 mil homens, e a situação não se alterou, não melhorou nada. Isso significa que está pior.
Quando o avião pousa em Washington, e McNamara é cercado por repórteres, assume um sorriso e diz que a situação no Vietnã está muito melhor, tem havido muitos progressos na guerra, as forças americanas estão tendo muitas vitórias.
E logo vemos Ellsberg retirando de armários fechados com cadeado volumes de dossiês ultra-secretos, e em saindo com eles e xerocando-os.
Os documentos que passaram para a história como Os Papéis do Pentágono eram diversos volumes de análises de todas as ações dos governos americanos, desde Truman, em relação à Indochina. O gigantesco, cuidadoso estudo havia sido solicitado aos analistas do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa pelo secretário McNamara.
E eles demonstravam que não seria possível vencer a guerra.
Kay Graham herdou o jornal que o pai e depois o marido administraram
Depois de vermos Daniel Ellsberg copiar os documentos ultra-secretos, vemos pela primeira vez Meryl Streep interpretando Katharine Graham, a dona do Washington Post.
Kay, como era conhecida, acorda espantada, agitada – e vemos que ela havia levado para a cama grossos volumes de papel, estudos, levantamentos sobre a situação financeira do jornal.
Um segundo letreiro informa o onde e o quando: Washington, D.C., 1971.
Naquele ano em que o maior jornal americano, o New York Times, começou a divulgar parte dos Pentagon Papers, Katharine Graham estava para abrir o capital do Washington Post.
Com a maior naturalidade, inscrustando nos diálogos informações aqui e ali, The Post conta para o espectador muitos dados importantes sobre o jornal e sua proprietária. Pouco antes de morrer, em 1959, o pai de Kay, Eugene Meyer, entregou a direção da empresa dona do Washington Post ao genro, Philip Graham. Este tocou a empresa durante alguns anos, até morrer, em 1963, jovem demais, aos 48 anos.
E então Kay assumiu a presidência da empresa que o pai havia comprado em 1933. Estava com 45 anos então, e jamais havia tido um trabalho, uma profissão. Tinha sido a vida inteira a filha do dono, e depois a mulher do dono do jornal da capital federal. Uma senhora da alta sociedade de Washington, uma anfitriã perfeita, maravilhosa, que dava grandes festas frequentadas por vários dos mais importantes políticos, financistas e jornalistas do país.
E em 1971 ela tomou a decisão de abrir o capital da empresa.
Vemos Kay conversando com Fritz Beebe (Tracy Letts), grande amigo, conselheiro, membro do conselho de administração da empresa. Estão ensaiando o que Kay deveria dizer em reunião com banqueiros e com as pessoas da Bolsa de Valores de Nova York.
Seriam colocadas à venda 1,35 milhão de ações da empresa que editava o Washington Post; o valor de cada ação, calculado pelos banqueiros, oscilava entre US$ 24,50 e US$ 27,00. Uma diferença muito pequena em cada unidade, em cada ação – mas que, no total, faria uma diferença de US$ 3 milhões.
E Kay repete então o cálculo que havia feito junto com Fritz Beebe: US$ 3 milhões eram o equivalente a 5 anos de salários de 25 bons repórteres.
Não há democracia sem empresas jornalísticas fortes, ricas, poderosas
Esses números, esse cálculo – isso é da maior importância.
Em valores de 1971, eram necessários US$ 3 milhões para pagar os salários de 25 bons repórteres ao longo de 5 anos.
Todas as vezes que escrevo sobre filmes que tratam de jornalismo insisto sempre nisso: bom jornalismo custa caro. Notícia custa caro.
São axiomas, são truísmos, são verdades incontestes: não há democracia sem imprensa livre e independente. E, para ser livre e independente, as empresas jornalísticas têm necessariamente que ser fortes, economicamente poderosas.
Não há democracia sem empresas jornalísticas fortes.
A realidade, e também todos os grandes filmes sobre jornalismo, demonstram esses axiomas. The Post os demonstra com uma clareza incrível.
Logo depois daquela conversa com seu amigo e colaborador Fritz Beebe, Kay Graham atende ao telefone em sua casa. É Bob Haldeman, o chefe de gabinete do presidente Richard Nixon. (Quem conhece um pouco sobre o escândalo Watergate já ouviu o nome de Bob Haldeman; como figura de topo na hierarquia da Casa Branca durante os governos Nixon, foi importante nas investigações sobre o assalto ao escritório do comando da campanha presidencial democrata em 1972.)
Ele ligou para dizer que a repórter Judith Martin (Jessie Mueller) não seria bem-vinda à Casa Branca para cobrir o casamento da filha do presidente, Tricia, a ser realizado daí a poucos dias. Essa repórter havia invadido o casamento da outra filha do casal Pat e Richard Nixon, Julie, sem ter sido convidada, e com isso atraído a ira do presidente.
Na sequência seguinte, Kay Graham conta sobre o telefone a Ben Bradlee, durante um almoço em um dos mais belos restaurantes da capital federal. Era um costume que tinham: uma vez por semana, pelo menos, a proprietária e o editor-chefe do Washington Post almoçavam juntos, conversavam sobre o jornal, a situação política.
Ben Bradlee – que em Todos os Homens do Presidente (1979), o excelente filme que reconstitui as investigações do Washington Post sobre o assalto ao escritório democrata no conjunto Watergate, foi interpretado por Jason Robards – aqui vem na pele de Tom Hanks.
No meio da conversa, Kay Graham-Meryl Streep faz alguma sugestão a Ben Bradlee-Tom Hanks sobre como, afinal, fazer a cobertura do iminente casamento de Tricia Nixon – e então, de maneira educada porém absolutamente firme, Bradlee diz para a patroa que aquilo ali é com ele, e ela não tem que interferir.
Uma das coisas mais fascinantes de The Post é como o filme mostra o relacionamento entre Kay, a patroa, a proprietária, e Ben, o chefe da redação.
Têm uma relação próxima, bastante cordial – e extremamente respeitosa. Admiram-se, gostam-se – e respeitam-se. O relacionamento vinha já de algum tempo; Bradlee havia assumido a chefia de redação do Washington Post em 1968. Era comum Bradlee ir à casa da patroa para dar a ela informações, ou pedir informações.
Mas o filme mostra nitidamente que Kay não interferia em nada no trabalho jornalístico. Isso era com Bradlee, e só com ele.
Claro: as grandes decisões que poderiam interferir no negócio, na empresa, eram tomadas por Kay.
“Se houver um jeito de destruir o seu jornal, Nixon vai encontrar”
O filme mostra muito bem como são intrincadas, emaranhadas, entrelaçadas as relações entre jornalistas e políticos.
Ben Bradlee havia sido amigo íntimo de John F. Kennedy. O secretário de Estado Robert McNamara era amigo íntimo de Kay Graham, frequentava suas festas. Não se diz isso explicitamente, mas fica claro para os americanos e para qualquer pessoa com algum conhecimento que tanto o editor chefe quanto a dona do jornal têm amigos entre os democratas – não entre os republicanos. E o ocupante da Casa Branca naquele início dos anos 70, Richard Nixon, interrompia uma sequência de governos democratas iniciada em 1961 e que prosseguiu até 1969.
Quando o filme já está na segunda metade, há um diálogo forte entre Kay e o então ex-secretário McNamara. O New York Times havia começado a publicar trechos dos Papéis do Pentágono, e o Washington Post já estava de posse de cópias de centenas de páginas do imenso relatório sobre as relações governo americano-Vietnã.
Decisão judicial havia proibido o New York Times de continuar publicando os Papéis. Temia-se que houvesse decisão semelhante contra o Post caso ele também passasse a publicar trechos dos documentos ultra-secretos. Falava-se até na possibilidade de prisão de Kay Graham e de Ben Bradlee.
Cabia a Kay decidir se o Washington Post publicaria ou não.
Robert McNamara-Bruce Greenwood, o homem que havia encomendado o estudo ultra-secreto, diz para sua grande amiga dona do jornal:
– “Se você publicar, você vai atrair o pior dele (Nixon), e ele vai esmagar você!”
Kay diz: – “Eu sei, ele é horrível, mas eu…”
McNamara a interrompe, nervoso, agitado, irado: – “Ele é um… Nixon é um filho da puta. Ele odeia você, ele odeia Ben, faz anos que ele gostaria de arruinar o jornal, e ela vai aproveitar a chance, Kay. O Richard Nixon que eu conheço vai usar todo o poder da Presidência e, se houver um jeito de destruir o seu jornal, por Deus, ele vai encontrar.”
Em três sequências diferentes, ao longo dos 116 minutos do filme, vemos um ator, Curzon Dobell, interpretando Richard Nixon falando ao telefone perto de uma janela da Casa Branca. As tomadas são feitas com a câmara do lado de fora do prédio, um tanto distante da janela, e vemos o ator que faz Nixon de longe – mas a voz é mesmo a voz do único presidente americano que renunciou ao mandato, para escapar de um processo de impeachment após a revelação pelo Washington Post de sua participação no escândalo Watergate.
As falas de Nixon – informa o IMDb – foram retiradas das gravações feitas pela própria Casa Branca dos telefonemas do presidente.
Sem pessoas como Kay e Bradlee, diz o AFI, “a democracia morre na escuridão”
The Post é o primeiro filme em que contracenam Meryl Streep e Tom Hanks, esses dois gigantes do cinema americano das últimas muitas décadas. É estranho que os dois não tivessem se encontrado antes: Meryl já trabalhou ao lado de praticamente todos os grandes atores americanos, assim com Hanks já trabalhou ao lado de quase todas as grandes atrizes.
The Post preenche uma lacuna que havia na filmografia de cada um deles.
Por sua atuação como Kay Graham, Meryl teve sua 21ª indicação ao Oscar. Não levou. Em casa, já tem 3 estatuetas.
Tom Hanks tem 2 estatuetas; ao todo, foi indicado 5 vezes.
Foi a primeira vez em que Meryl atuou sob a direção de Steven Spielberg. Isso se não contarmos que em A.I.: Inteligência Artificial (2001), ela deu voz a uma personagem secundária, a Fada Azul.
Já Tom Hanks é useiro e vezeiro em fazer filmes com Spielberg. Este aqui foi o quinto, depois de O Resgate do Soldado Ryan (1998), Prenda-me Se For Capaz (2002), O Terminal (2004) e Ponte dos Espiões (2015). Também fizeram juntos, como produtores executivos, a série Band of Brothers (2001).
A indicação de Meryl ao Oscar de melhor atriz foi uma das duas únicas que o filme teve – a outra foi na principal categoria, a de melhor filme. (Perdeu para A Forma da Água.) Ao Globo de Ouro, The Post teve seis indicações, nas categorias de melhor filme drama, direção, roteiro, ator para Hanks, atriz para Meryl e música para John Williams. Não levou nenhum dos prêmios.
Foi o 28º filme de Spielberg com trilha sonora de John Williams.
Ao todo, The Post recebeu 99 indicações a prêmios, e levou 16. O mais importante deles creio que foi o de filme do ano do American Film Institute. Vale a pena registrar o texto oficial do AFI explicando a escolha:
“The Post faz a América se lembrar de um tempo em que o heroísmo era a manchete. O lugar garantido de Steven Spielberg no panteão ganha um pouco mais de contorno no granito pela maestria do ofício exibida nesta ode emocionante ao jornalismo. Guiada pelas palavras de Liz Hannah e Josh Singer e a personificação de Ben Bradlee por Tom Hanks, Meryl Streep captura a ferocidade perspicaz de Katharine Graham, provando que a luta pela verdade, pela Justiça e pelo American Way não é da alçada de super-heróis, mas de mulheres e homens corajosos dispostos a fazer o que é justo – porque sem eles, a democracia morre na escuridão.”
Spielberg tem feito diversos filmres sobre fatos históricos fundamentais
Algumas informações e curiosidades sobre o filme e sua produção, a maioria retirada da página de Trivia do IMDb, que tem nada menos de 73 itens:
* Em entrevistas, Spielberg definiu The Post como seu “primeiro thriller político”. Pode ser. Mas o fato é que o filme vem se somar a uma série de outros baseados em episódios históricos importantes, como a escravidão (Amistad, 1997), a luta pelo fim da escravidão e a consequente Guerra Civil Americana (Lincoln, 2012), o desembarque aliado na Normandia na Segunda Guerra Mundial (O Resgate do Soldado Ryan, 1998), o holocausto, os campos de concentração do nazismo (A Lista de Schindler, 1993), os campos de refugiados para estrangeiros durante a ocupação de parte da China pelo exército japonês na época da Segunda Guerra (Império do Sol, 1987), os ataques terroristas contra atletas israelenses na Olimpíada de 1972 (Munique, 2005), a Guerra Fria (Ponte dos Espiões, 2015).
* Todos os três principais personagens desta história real – Katharine Graham, Ben Bradlee e Daniel Ellsberg – escreveram suas memórias. Os roteiristas tiveram, portanto, amplo material original em que se basear.
Dos três, apenas Ellsberg estava vivo na época da produção do filme. Kay Graham morreu em 2001, aos 84 anos, e Ben Bradlee em 2014, aos 93. Spielberg teve encontros com Ellsberg, e resolveu expandir o papel dele no filme. Todas as sequências iniciais passadas no Vietnã, no avião presidencial, que relatei lá em cima, foram acrescentadas ao roteiro por decisão do diretor.
* Spielberg tinha pressa de lançar o filme o quanto antes, para aproveitar o clima reinante nos Estados Unidos com o governo Trump e suas acusações contra a imprensa, e toda a discussão sobre fake news. No total, entre o início da redação do roteiro até se chegar ao final cut, a montagem final, foram 9 meses, prazo curtíssimo para os padrões de Hollywood. As filmagens foram em maio e julho de 2017, e a montagem terminou duas semanas depois. O filme estreou nos Estados Unidos em 22 de dezembro de 2017; no Brasil, em 25 de janeiro de 2018.
* O filme foi dedicado à escritora, produtora e diretora Nora Ephron (1941-2012). Nora escreveu uma novela autobiográfica sobre o seu casamento com o jornalista Carl Bernstein – que, juntamente com o colega Bob Woodward, cobriu todo o caso Watergate para o Washington Post, desde o dia do assalto à sede da campanha democrata até a renúncia de Nixon. A novela foi filmada em 1986 por Mike Nichols com Meryl Streep no papel correspondente a Nora Ephron e Jack Nicholson no papel do personagem inspirado em Carl Bernstein; Heartburn no Brasil se chamou A Difícil Arte de Amar.
Interpretada por Meryl Streep em Heartburn, Nora Ephron dirigiu Tom Hanks nas comédias românticas Sintonia de Amor/Sleepless in Seattle (1993) e Mensagem para Você/You’ve Got Mail (1998). Os dois filmes, não por coincidência, tinham Meg Ryan como estrela, e baseavam-se e/ou homenageavam filmes clássicos: respectivamente Tarde Demais para Esquecer/An Affair to Remember (1957) e A Loja da Esquina/The Shop Around the Corner (1940).
* O roteirista Josh Singer foi também um dos autores do roteiro de Spotlight: Segredos Revelados (2015), outro grande filme sobre o trabalho da imprensa – a investigação, por um grupo de repórteres do Boston Globe, dos casos de abuso sexual de crianças e adolescentes por padres da Igreja Católica. Por uma dessas coincidências malucas de que é feita a vida, o filho de Ben Bradley, Ben Bradley Jr., é um dos personagens de Spotlight: ele era o segundo homem na hierarquia da redação do Boston Globe na época das reportagens sobre os padres pedófilos, e no filme é interpretado por John Slattery, o Roger Sterling da série Mad Men.
“A imprensa deve servir aos governados, não aos governantes.”
The Post termina exatamente como Todos os Homens do Presidente começa. É uma maravilha.
Por outra dessas coincidências de que é feita a vida, em Forrest Gump, o personagem que dá o título do filme – interpretado por Tom Hanks – acontece de ver uns tipos suspeitos na sede do comitê central do Partido Democrata no conjunto de prédios Watergate. É Forrest Gump, naquela fantasia dirigida por Robert Zemeckis, velho colaborador de Steven Spielberg, que liga para a polícia avisando que havia assaltantes ali.
Na sentença histórica da Suprema Corte que decidiu por 6 votos a 3 que o Washington Post e o New York Times poderiam continuar publicando os Papéis do Pentágono, o juiz Hugo Black escreveu:
“Apenas uma imprensa livre e sem controle pode efetiva expor as mentiras do governo. E uma das responsabilidades primordiais de uma imprensa livre é o dever de evitar que qualquer parte do governo engane as pessoas e as envie para terras distantes para serem mortos.”
Numa das sequências finais de The Post, uma jornalista, Meg Greenfield (Carrie Coon), ouve pelo telefone e repete para toda a redação ouvir um outro trecho da decisão final da Suprema Corte:
“Na Primeira Emenda, os Pais Fundadores deram à imprensa livre a proteção que ela deve ter para preencher seu papel essencial em nossa democraia. A imprensa deve servir aos governados, não aos governantes.”
Chorei ao ver The Post como há muito, muito tempo não chorava diante de um filme.
Anotação em maio de 2018
The Post: A Guerra Secreta/The Post
De Steven Spielberg, EUA-Inglaterra, 2017.
Com Meryl Streep (Kay Graham), Tom Hanks (Ben Bradlee)
e Sarah Paulson (Tony Bradlee), Bob Odenkirk (Ben Bagdikian), Tracy Letts (Fritz Beebe), Bradley Whitford (Arthur Parsons), Bruce Greenwood (Robert McNamara), Matthew Rhys (Daniel Ellsberg), Alison Brie (Lally Graham, a filha de Kay), Carrie Coon (Meg Greenfield), Jesse Plemons (Roger Clark), David Cross (Howard Simons), Zach Woods (Anthony Essaye), Pat Healy (Phil Geyelin), John Rue (Gene Patterson), Michael Stuhlbarg (Abe Rosenthal, do New York Times), Deborah Green (Ann Marie Rosenthal), Gary Wilmes (Punch Sulzberger, do New York Times), David Beach (Robert Komer), Curzon Dobell ( Richard Nixon), Jessie Mueller (Judith Martin, reporter do Post)
Roteiro Liz Hannah e Josh Singer
Música John Williams
Fotografia Janusz Kaminski
Montagem Sarah Broshar e Michael Kahn
Casting Ellen Lewis
Produção Amblin Entertainment, DreamWorks, Participant Media, Pascal Pictures, Star Thrower Entertainment
Cor, 116 min (1h56)
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