Romance e Cigarros / Romance & Cigarettes

3.0 out of 5.0 stars

Romance e Cigarros, de 2005, foi o terceiro dos até agora cinco longa-metragens dirigidos pelo sempre ótimo ator John Turturro. Ele foi também o autor da história e do roteiro.

É uma obra ousada. É um daqueles filmes em que a história não interessa tanto quanto a forma com que ela é contada.

A história é tão simples que até eu, sujeito absolutamente não dotado de capacidade de síntese, saberia descrever em uma única frase: mulher descobre que marido a está traindo com outra e a vida do casal e de suas três filhas vira um inferno.

A trama em si de fato é o de menos. Importa é que é um musical, há canções a cada dez minutos se intrometendo na ação, foge-se do realismo como o diabo da cruz e o vampiro do alho, os personagens dançam e cantam da maneira mais histriônica, teatral, circense possível, tudo é muito exagerado, over do over do over, tudo é muito rápido, e tudo é muito gritado.

É um tour de force. É uma exibição de talento. John Turturro quis mostrar que é fodinha, que é o tal. Mostrou, é bem verdade.

É um monte de ator bom. Kate Winslet faz a amante do protagonista

Eu, pessoalmente, fiquei exausto de ver tanto talento, tanta energia, tanto grito, tanto exagero.

Ah, sim, e tanto ator bom.

Meu Deus, como tem ator bom.

Susan Sarandon e James Gandolfini fazem o casal central da história, Nick Murder e Kitty Kane. Interessantes nomes, não? Um sujeito cujo sobrenome é Assassinato, uma mulher cujo apelido é Gatinha.

As três filhas do casal, todas mulheres feitas, são interpretadas por Mandy Moore, Mary-Louise Parker e Aida Turturro. Ainda os nomes dos personagens: a filha interpretada por Aida Turturro (ela é prima do diretor) se chama Rosebud, o que leva o cinéfilo diretamente a Cidadão Kane – Kane, o sobrenome da mãe, a Gata interpretada por Susan Sarandon.

O crème de la crème: a amante de Nick Murder, Tula, um mulherão, eternamente tarada, totalmente liberada, desbocada, que fala dois palavrões em cada frase, e pronuncia tudo num exageradíssimo sotaque cockney, a fala das pessoas pobres e iletradas de Londres, vem na figura fantástica de Kate Winslet. A maravilhosa Kate vinha do estrondoso sucesso mundial de Titanic (1997) e de outros filmes bons e importantes como Contos Proibidos do Marquês de Sade (2000), Iris (2001), A Vida de David Gale (2003) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004).

Tem Steve Buscemi, Bobby Cannavale e Christopher Walken. Este último faz – com todo exagero que existe – um primo da atraiçoada Kitty, que, entre outras coisas, vai ajudá-la a encontrar a amante do marido para um enfrentamento cara a cara. Bobby Cannavale faz um vizinho da família que namora uma das filhas do casal. E Steve Buscemi, ótimo como sempre, faz Angelo, um colega de trabalho de Nick Murder. Nick e Angelo são operários que trabalham na manutenção de uma das pontes que ligam Manhattan aos demais distritos de Nova York. As sequências com os dois trabalhando e conversando no alto das imensas estruturas, a, sei lá, 50, 80 metros do solo são hilariantes.

Tem até, num papel pequeno, de uma vizinha do casal de protagonistas, a fassbinderiana Barbara Sukowa.

Dá para imaginar que Turturro pensou:: “Vou fazer o meu One From the Heart”.

Consta que o próprio John Turturro escolheu as canções que entrariam na sua história. São todas canções conhecidas, sucessos populares dos anos 1950 para cá cujas letras têm alguma semelhança com a situação que os personagens estão vivendo em determinado momento. Um dos grandes achados do filme é que muitas vezes os atores cantam a música também, e suas vozes se juntam à voz do cantor ou da cantora da gravação original.

Tem de tudo na trilha sonora. Desde a breguice arrebatada de Tom Jones cantando “Delilah” até “Red Headed Woman”, de Bruce Springsteen – esta, creio que a mais recente de todas. Passando por outra breguice,  “A Man Without Love”, com Engelbert Humperdinck, uma gostosa Dusty Springfield, “Piece of my Heart”, um sucesso de Elvis Presley, “Trouble”.

Os personagens da história não apenas cantam as canções, juntamente com os cantores das gravações. Eles param o que estavam fazendo para dançar – e diversos dos números musicais se passam ao ar livre, na rua, e então, quando os personagens cantam e dançam, todo mundo que está passando pela rua canta e dança também.

E a narrativa mistura fatos que estão acontecendo com sonhos, visões dos personagens. O tempo todinho, uma mistura danada. Tour de force. Exibição de talento. Muito talento, muita energia, muito grito, muito exagero.

Ufa!

Fiquei pensando, depois que terminou este Romance & Cigarettes, que este filme está para John Turturro assim como O Fundo do Coração/One From the Heart (1981) está para Francis Ford Coppola.

O filme que levou a produtora de Coppola à falência é, como este aqui, uma história de um amor em momento de crise. Como neste aqui, os protagonistas são gente simples, gente comum, gente do povo, sem nada especial. Como este aqui, é um fiapinho de história. Como neste aqui, há elaborados números musicais. Nos dois filmes, muito mais que a trama em si, que a história, importa é a maneira com que a história é contada. O que manda é o estilo.

O Fundo do Coração é talvez o filme mais pessoal de toda a carreira do grande Francis Ford Coppola.

Dá para imaginar que John Turturro viu algumas vezes One From the Heart e pensou com seu botões: “Eu vou fazer o meu One From the Heart”.

Por problemas empresariais, o filme ficou inédito por anos nos EUA

Se filme de Coppola levou a Zoetrope Studios à falência, este aqui também teve a ver com negócios das companhias produtoras. O filme foi produzido pela United Artists, que foi comprada pela MGM, que por sua vez foi comprada por um consórcio chefiado pela Sony em 2005, o que levou a uma discussão sem fim sobre quem teria afinal os direitos sobre o filme.

E então aconteceu que Romance & Cigarettes foi mostrado no Festival de Veneza e chegou a ser lançado na Inglaterra em 2006 – mas ficou anos sem ser exibido nos Estados Unidos devido à disputa entre as empresas.

Há algumas curiosidades sobre as idades dos atores. Embora não pareça, a diferença de idade entre os atores que interpretam o casal de protagonistas é muito grande. Susan Sarandon é de 1946, e James Gandolfini é de 1961. Mas de fato não é muito aparente essa diferença de 15 anos entre eles: Susan Sarandon parece muito mais jovem que os 59 anos que tinha em 2005. E James Gandolfini, talvez por ser um tanto corpulento, aparenta mais do que 44 que tinha.

Essa coisa de ele parecer mais velho ajuda também a fazer o espectador não estranhar muito o fato de o grande ator interpretar o pai de Aida Turturro, que é só um ano mais jovem que ele, e Mary-Louise Parker, que é três anos mais nova que o ator.

Mary-Louise Parker… Gosto imensamente dessa atriz. Achei que um erro de John Turturro foi não aproveitar melhor o imenso talento e a beleza simpática da moça. Ela aparece bem pouco. Pena.

Todo mundo no filme fuma feito maria-fumaça. Fuma-se sem parar

Leonard Maltin deu só 2.5 estrelas, mas escreveu uma avaliação simpática ao filme, com a qual concordo plenamente. Diz ele: “Um filme indecente, altamente pessoal, do diretor-co-produtor-roteirista Turturro. É um musical-romance-comédia-drama urbano diferente de tudo o que você já viu. O casal da classe operária Gandolfini-Sarandon está enfrentando uma crise danada no seu casamento devido ao adultério dele. O elenco apresenta as canções em estilo karaokê (de Tom Jones a Bruce Springsteen). Loucamente irregular, mas encantadora declaração de amor a Queens. Os fãs de Kate Winslet têm que ver.”

Sim: “bawdy”, “indecente”. Foi bom que Maltin tenha falado isso, porque é preciso registrar esse elemento. O filme fala de sexo quase o tempo todo, como se fosse adolescente que acabou de descobrir o tema. E os diálogos insistem muito nas explicitudes. Fala-se em pau e xoxota com a boca mais suja do mundo.

Nada contra, tá? Apenas faço o registro de um fato.

Faltou falar de cigarros. Por que cigarros no título.

Ué, porque todo mundo no filme fuma feito maria-fumaça. Fuma-se mais que em filme francês. Fuma-se tanto quanto em Sobre Café e Cigarros (2003), Cortina de Fumaça (2004) e Sem Fôlego (2005).

Vive-se fumando, e depois de viver as pessoas morrem. Morre-se tendo sido fumante ou não, mas os não-fumantes insistem em que os fumantes morrem porque são fumantes.

Imagino que John Turturro fumasse, quando fez este filme doido e delicioso – assim como seguramente Jim Jarmusch, Wayne Wang e Paul Auster, os autores dos três filmes mencionados logo acima, também eram fumantes inveterados.

Imagino também que Turturro seja hoje um ex-fumante. Assim como eu. Assim como quase todo mundo.

Anotação em janeiro de 2017

Romance e Cigarros/Romance & Cigarettes

De John Turturro, EUA, 2005

Com James Gandolfini (Nick Murder), Susan Sarandon (Kitty Kane), Kate Winslet (Tula), Steve Buscemi (Angelo), Bobby Cannavale (Fryburg), Mandy Moore (Baby), Mary-Louise Parker (Constance), Aida Turturro (Rosebud), Christopher Walken (primo Bo), Barbara Sukowa (Gracie), Elaine Stritch (a mãe de Nick), Eddie Izzard (Gene Vincent), Amy Sedaris (Frances), P.J. Brown (policial), Adam LeFevre (o fruteiro)

Argumento e roteiro John Turturro

Fotografia Tom Stern

Montagem Ray Hubley

Casting Todd Thaler

Produção United Artists, GreeneStreet Filmsm Icon Entertainment International.

Cor, 105 min

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