Otto Preminger não queria dirigir o filme – nunca tinha feito um western, e jamais voltaria a fazer um. Marilyn Monroe não queria atuar nele. Mas atriz e diretor foram obrigados a trabalhar na produção por causa do contrato de cada um com o estúdio, a 20th Century Fox.
O ambiente nas filmagens foi infernal, absolutamente infernal.
Ao ver o material filmado, que Preminger deixou em meio à pós-produção para viajar de férias à Europa, o produtor se convenceu de que tinha escolhido mal o diretor.
Preminger e Marilyn falaram mal do filme, depois que ele foi concluído.
Preminger ficou tão desgosto com a experiência que decidiu jamais voltar a trabalhar para um estúdio sob contrato – e pagou à Fox uma indenização de US$ 150 mil, uma soma bem alta na época, 1954, para cancelar o já assinado.
No entanto…
Pois é. No entanto, River of No Return, no Brasil O Rio das Almas Perdidas, foi um grande sucesso de bilheteria. O crítico Jean Tulard se refere a ele no seu Dicionário de Cinema – Os Cineastas como “brilhante”.
Eu não iria tão longe a ponto de usar esse adjetivo, mas acho que sem dúvida é um filme fascinante – por diversos motivos. A fotografia em CinemaScope e as paisagens são estonteantes – o filme foi rodado em dois parques nacional canadenses na província de Alberta. As muitas sequências da jangada levando Marilyn Monroe, Robert Mitchum e o garoto Tommy Rettig, os três atores principais, no meio das perigosas corredeiras do rio do título (filmadas em quatro rios diferentes) são bem realizadíssimas, impressionantes.
A trama é boa. Os personagens centrais são interessantes, e bem construídos. Há diversos pontos altos nos diálogos bem escritos pelo roteirista Frank Fenton.
E, afinal de contas, tem Marilyn, uai. Tem Marilyn quase o tempo todo na tela – inclusive cantando cinco canções, com sua voz pequena mas sensualíssima, três delas apresentadas por uma Marilyn vestida para matar, as belíssimas coxas à mostra.
O trailer do filme traz o seguinte texto, em letras garrafais:
“Só as maravilhas do CinemaScope e Som Estereofônico poderiam trazer para você todas as maravilhas de Marilyn Monroe, vencedora da cobiçada Medalha de Ouro da revista Photoplay como a atriz mais popular do ano!”
Como as coisas são relativas, não? Hoje quem se lembra da existência de uma revista chamada Photoplay, ou de sua medalha de ouro para a atriz mais popular do ano?
Um homem, uma mulher e um garoto num lugar feio e de altíssima tensão
É a história do encontro de um homem, uma mulher e um garoto de 9 anos de idade, num lugar e num momento de altíssima tensão: o Noroeste da América na segunda metade do século XIX, num lugar muito distante de qualquer civilização onde havia sido descoberto ouro.
Na segunda sequência do filme, vemos um grande amontado de gente – centenas, várias centenas de homens e mulheres recém-chegados àquele fim de mundo. Tão recém-chegados que não houve ainda tempo para se construir uma único prédio, de madeira que fosse: é um gigantesco amontado de barracas, barracas de todos os tipos e tamanhos. O armazém funciona numa grande barraca, o saloon é uma outra gigantesca barraca.
O homem, o protagonista, é um sujeito absolutamente estranho a tudo aquilo. Ao contrário das multidões que acorreram ao lugar em busca de ouro, ele está ali para plantar e colher; comprou uma fazenda bem junto ao belo rio que corre na região, construiu uma casa e trabalha na terra de sol a sol.
(O filme não explicita em momento algum o nome da região, o nome do rio. Só dá para perceber que é uma região de muito frio, Noroeste da América – pode ser nos Estados de Washington, Montana, ou nas províncias canadenses do outro lado da fronteira. A única cidade que tem seu nome citado – Council City – é fictícia.)
A mulher é um ser estranho naquele mundo feio, medonho, horroroso. É linda, deslumbrantemente linda, e canta no saloon, acompanhando-se ao violão, exibindo o corpo diante daquela homarada suada, suja, fedorenta e bêbada. Dirá bem mais tarde, quando a narrativa já está bem adiantada, que estava ali para juntar dinheiro para sair daquele lugar para sempre, para viver em uma grande cidade.
Poderia seguramente ganhar rios de dinheiro se se dispusesse a fazer mais para aquela homarada cheia de ouro nos bolsos do que exibir o corpo de longe e cantar – mas não faria isso jamais. Não é desse tipo.
Nesse gênero machista que é o western, há, de uma maneira geral, dois tipos de mulher: as virtuosas, honestas, perfeitas, mães de família, de um lado, e as não tão virtuosas, não tão perfeitas, nada mães de família, em geral cantoras de cabarés, dançarinas ou abertamente profissionais do sexo. De uma maneira simplificada, santas de um lado e putas de outro.
Essa Kay interpretada por Marilyn Monroe foge dessa divisão das mulheres nessas duas categorias antagônicas. É uma cantora de cabaré – mas é virtuosa como uma professorinha de escola, como tantas personagens virtuosas de outros westerns.
E está apaixonada. O felizardo é um jogador de cartas, um trapaceiro, um sujeito que vai rapidamente se revelar um absoluto mau caráter, um tal Harry Weston (o papel de Rory Calhoun).
O garoto, assim como o homem que ara a terra que todos cavocam em busca de ouro e a mulher esplendorosa perdida no meio de tanta feiura, é um ser estranho. Foi deixado ali naquela cidade-acampamento por um homem, e agora está ali absolutamente sozinho, sem mãe, sem pai.
Aos 9 anos de idade, o garoto Mark vê o pai pela primeira vez
O homem, Matt Calder – o papel de Robert Mitchum, à época um astro consagrado, de grande fama –, chega à cidade-acampamento vindo de sua pequena fazenda na beira do rio ao mesmo tempo que um padre. Pega no chão a Bíblia que o religioso havia deixado de cair e entrega para ele. No primeiro diálogo que o espectador ouve no filme, o padre diz a Matt:
– “Eu esperava encontrar um entreposto, mas, em vez disso… Sodoma e Gomorra! Tudo porque alguém descobriu ouro. Vim como missionário para os índios, mas acho que o homem branco precisa mais de mim.”
Matt se dirige então a um sujeito que tem jeito de conhecer tudo por ali: – “Quem é o encarregado disto tudo?”
O homem: – “O padre diz que é o diabo.”
Matt insiste, pergunta quem é que cuida do armazém – e então o homem diz que é ele mesmo. Matt pergunta se ele soube de um estranho que teria chegado há pouco com um menino de 9 anos. O encarregado diz que o garoto deve estar perdido por aí.
A câmara do diretor de fotografia Joseph LaShelle encontra o menino antes de Matt, e então o espectador o vê trabalhando no saloon – o mesmo em que Kay canta, as pernas esplendorosas à mostra. Um sujeito do bar manda o menino levar dois baldes de cerveja até um determinado lugar. Quando o menino sai da barraca gigantesca do saloon, um gaiato atira num dos baldes, depois noutro.
Matt aparece nessa hora exata, e dá uma surra no gaiato. Depois se dirige ao garoto. É a primeira vez que o menino Mark Calder (Tommy Rettig) vê o pai.
Mark é um garoto esperto. Não acredita de cara na afirmação daquele homem – que já começou a admirar por ter esmurrado o fanfarrão que atirou nos baldes que carregava. Faz perguntas. Matt exibe uma foto da mãe do garoto – aí é a prova definitiva.
O garoto diz ao pai que, antes de ir embora com ele, precisa se despedir de uma amiga, uma mulher que cuidou dali desde que chegou. E leva o pai até uma barraca adjacente à gigantesca barraca em que funciona o saloon onde está Kay, entre um número de música e outro.
Matt e Kay se estranham de cara. Eis o diálogo:
Mark: – “Kay, achei! É ele!”, diz, feliz, carregando o pai pela mão.
Kay: – “Que absurdo deixar um garoto sozinho num lugar destes. Que tipo de pai você é?”
Matt: – “O pior.”
Kay: – “Ainda bem que admite.”
Matt: – “Foi gentileza sua ajudá-lo. Gostaria de lhe dar um pouco de dinheiro.”
Kay, pobre mas orgulhosa: – “Obrigado, eu tenho um pouco.”
Matt: – “Então obrigado. Vamos, garoto.
Mark, para ela: – “Espero ver você de novo.”
Kay, pondo a mão no ombro do menino: – “É um prazer conhecer um cavalheiro.”
Como quem diz para o pai: – “Você não é um cavalheiro, mas seu filho é.”
Há uma regra básica nos filmes, fundamental nas comedinhas românticas, mas que funcionam também em westerns e dramas: se o moço e a moça se desentendem de cara, se se hostilizam, no final ficarão juntos. Se o moço e a moça forem os principais atores que apareceram nos créditos iniciais, aí é absolutamente inevitável.
Matt ajuda Kay e seu namorado, mas este retribui roubando o homem que o salvou
O roteirista Frank Fenton soube muito bem, acho eu, colocar a questão de Matt e seu filho Mark.
Não se diz explicitamente, mas tudo leva a crer que a mãe do menino morreu, pouco antes de a ação começar, pouco antes, portanto, de Matt encomendar a um homem que levasse Mark para aquele lugar. Informado da morte da mulher, Matt não tinha outra opção a não ser cuidar do filho.
O motivo pelo qual Matt havia passado vários anos sem ver o filho, a rigor desde que ele era bem pequeno, o espectador só ficará sabendo lá pelo meio do filme.
É um elemento chave da história. Evidentemente, revelá-lo seria spoiler.
Mas creio que é necessário relatar ainda um pouquinho mais da história, além dos fatos já narrados, que acontecem bem no iniciozinho do filme.
Harry, o jogador por quem Kay está apaixonado, ganha, numa mesa de carteado, a concessão de uma mina. Conta para ela que precisa, com a maior urgência, ir á cidade mais próxima, Council City, para passar a concessão para o nome dele. Fica bastante claro para o espectador que Harry deve ter trapaceado de alguma forma para ganhar a tal concessão – motivo pelo qual tem tanta urgência em legalizar a passagem para seu nome.
Pega com a namorada um dinheiro, compra uma jangada, e embarcam os dois nela para viajar até Council City pelo rio.
Quando estão passando perto da fazenda de Matt, já estão em apuros com as corredeiras. Matt consegue salvá-los e à jangada, que deixa bem amarrada ali. Oferece a casa para o casal descansar, serve a eles comida que ele mesmo preparou.
Harry retribui a hospitalidade roubando de Matt a sua única espingarda e seu único cavalo.
Antes de roubar, tenta uma negociação. É mais um ótimo diálogo neste western com belos diálogos.
Harry: – “Quanto você quer pelo seu cavalo e sua arma?”
Matt: – “Dinheiro? O que eu faria? Arar com um dólar de prata? E, quando os índios chegassem, jogaria a moeda na cara deles?”
Para escapar dos índios, fogem pela jangada o homem, a mulher e o garoto
Se não deu pela via da negociação, Harry apela para as vias de fato. Na verdade, quando propôs o negócio, já estava de posse da espingarda.
E então diz que vai até Council City para regularizar a posse da concessão da mina, e depois voltaria para devolver a arma e o cavalo.
Matt pede que o sujeito leve o garoto, para poupar sua vida em caso de um ataque de índios. O canalha nega.
Matt tenta uma manobra para tomar a arma do sujeito, mas leva uma coronhada na cabeça e cai no chão desacordado.
Kay se irrita profundamente com a atitude do cara que ama. E decide não ir com ele na garupa do cavalo: diz que vai ficar ali e esperar por ele.
Quando Harry vai embora com o único cavalo e o único rifle da fazenda, é observado por um grande grupo de índios. Assim que recobra os sentidos, Matt percebe que os índios vão atacar. Sem ter como se defender e defender o filho, ele decide fazer o que havia dito que Harry e Kay não conseguiriam jamais: entrar na jangada e enfrentar as corredeiras perigosíssimas..
Saem os três – o garoto, a mulher e o homem – na jangada momentos antes de os índios chegarem e botarem fogo na casa que ele havia construído.
Estamos aí com 35 minutos de um filme que dura apenas 91.
Se todos estivessem apaixonados pelo projeto, já não seria uma filmagem fácil
Alguém deveria fazer um filme sobre as filmagens de River of No Return. Daria um filme sensacional, com uma trama fascinante.
Quando o filme foi feito, Marilyn estava se convertendo na maior estrela de Hollywood.
Em 1952, foram lançados cinco filmes com ela; em três deles, eram papéis pequenos – O Inventor da Mocidade, Páginas da Vida, Só a Mulher Peca. Em Travessuras de Casados e Almas Desesperadas, já interpretava personagens mais importantes.
Entre 1953 e 1954, chegaram aos cinemas cinco filmes em que Marilyn já estava entre os protagonistas: Torrentes de Paixão/Niagara, Os Homens Preferem as Louras, Como Agarrar um Milionário, O Rio das Almas Perdidas e O Mundo da Fantasia. Nessa ordem.
River of No Return estreou em abril de 1954. Em setembro daquele ano, quando começaram as filmagens de O Pecado Mora ao Lado/The Seven Year Itch, ela já era a maior estrela de Hollywood. O Pecado Mora ao Lado teria pré-estréia de gala em Nova York em 1º de junho de 1955, o dia em que Marilyn completava 29 anos de idade.
Quando as filmagens começaram, estavam reunidos ali uma estrela em fulminante, fantástica ascensão, que não queria aquele papel, um astro que adorava uma birita, e um diretor já experiente, famoso, respeitado, com fama de durão, de déspota nos sets, acostumado a fazer filmes urbaníssimos, em preto-e-branco, alguns noir mesmo, uma obra-prima inegável no currículo – Laura, de 1944 –, sem experiência em westerns, sem gosto por essa coisa de cenários naturais, no meio da natureza, e trabalhando por obrigação contratual.
E com a obrigação de fazer um western com um monte de sequências em uma jangada no meio de um rio, e no formato de tela grande, alongada, bem mais retangular que o que sempre havia sido usual desde a primeira sessão de cinema, na Paris dos irmãos Lumière, em 1896 – o tal do CinemaScope.
Hollywood estava investindo tudo nos formatos de tela maiores, para competir com a rival recém-chegada, a TV. O formato CinemaScope era tão importante que o trailer de River of No Return traz a palavra em letras garrafais, ocupando a tela inteira, por três vezes.
Se estivesse todo mundo apaixonado pelo projeto já não seria uma filmagem simples, fácil.
Pois é.
Uma acting coach dava instruções a Marilyn – e o diretor se enfurecia
Marilyn tinha uma acting coach – uma personal trainer para fins de atuação diante da câmara. Chamava-se Natasha Lytess, e estava junto da atriz o tempo todinho, dando instruções a ela.
Mais ou menos como se Neymar tivesse no campo, falando para ele o tempo todo, um técnico exclusivo – e Tite, ou Martínez García, ou quem quer que fosse o técnico do time, que se danasse.
Às vezes Natasha Lytess dava instruções a Marilyn bem diferentes das do realizador do filme. (A foto acima é uma publicity still, foto feita durante as filmes para divulgação, para o marketing.)
Otto Preminger, vienense, de formação rígida, fama de durão, de déspota, de ditador nos sets, ia aguentar aquilo?
Foi ter uma conversa com Stanley Rubin, o produtor. Dá para imaginar o que ele falou, naquele inglês com sotaque alemão carregadérrimo. Queria Natasha Lytess fora dos sets de filmagem.
O produtor mandou proibir Natasha Lytess de ficar nos sets de filmagem.
Marilyn ligou para Darryl F. Zanuck, o chefão do estúdio.
Zanuck mandou o produtor e o diretor se danarem e permitir que Natasha Lytess ficasse nos sets.
Dá para imaginar a raiva de Otto Preminger.
Robert Mitchum bebia.
Chovia muito, e as filmagens tinham que esperar.
Marilyn machucou o tornozelo numa das muitas cenas dela com Mitchum e o garoto Tommy Rettig na jangada. Ficou vários dias sem poder filmar.
Ainda bem que ao menos o jovem Tommy Rettig não dava trabalho, e obedecia às ordens do diretor.
Consta que Natasha Lytess começou a conversar com o garoto, dar palpites sobre como ele deveria atuar.
Um inferno. Um absoluto inferno.
Preminger cascou fora e foi para a Europa, deixando tudo a cargo do montador
Há uma discrepância nos relatos existentes sobre aquele inferno. Segundo algumas fontes, Preminger exigiu que os próprios atores participassem das cenas de ação mais perigosas, a bordo da jangada que enfrenta em vários momento o perigo das corredeiras. Outros dizem que em boa parte dessas cenas foram usados dublês profissionais.
Assim que as filmagens se encerraram, Otto Preminger cascou fora daquela loucura – embarcou para a Europa.
Consta que o produtor Stanley Rubin ficou chocado ao ver o que o montador Louis R. Loeffler tinha nas mãos para transformar em um filme. Jean Negulesco – que dirigiu Marilyn em Como Agarrar um Milionário – foi chamado para refilmar algumas cenas.
Anos mais tarde, numa entrevista, Marilyn Monroe disse que River of No Return foi o pior filme de sua carreira.
“A maestria do enquadramento se impõe desde os créditos iniciais”
Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4 ao filme. Ao contrário de mim, que achei que há grandes diálogos, o autor do guia de filmes mais vendido do mundo diz que os diálogos deixam muito a desejar, mas que vale a pena ver Mitchum e Monroe – “isso para não mencionar alguns locações deslumbrantes – vistas melhor em CinemaScope”.
Em seu Dicionário de Filmes – Os Diretores, Jean Tulard historia o início da carreira de Otto Preminger, ainda na Europa: “foi ator e diretor em Zurique e em Praga; fundou a Komödie em Viena. Diretor de teatro entre 1932 e 1934, optou pelo exílio em 1935. A Broadway ofereceu-lhe a possibilidade de dar vazão a seu talento, mas ele preferiu Hollywood. Sua melhor fase correspondeu ao apogeu do filme noir. Ele mostra o vínculo existente entre o expressionismo (alemão) e a evolução do filme policial”.
Depois de falar de Laura, “sua obra-prima”, Tulard diz: “Teria saído bem com o western. O único que filmou, O Rio das Almas Perdidas, é brilhante, sobretudo quando Marilyn canta ‘Down in the Meadow’ ou ‘I’m Gonna File My Claim’”.
O Petit Larousse des Films dá um spoiler, na sinopse, ao revelar de cara por que Matt ficou tantos anos sem ver o filho. Mas, no segundo parágrafo, faz uma bela apreciação do filme:
“Cineasta urbano por excelência, Otto Preminger não tinha afinidade alguma com o western, mas sua única incursão no gênero não é menos que um triunfo. Esse filme de encomenda, destinado a promover o novo formato, o CinemaScope (e os atributos de uma Marilyn Monroe em plena ascensão), cumpre escrupulosamente o contrato. A maestria do enquadramento se impõe desde os créditos iniciais…”
É bem verdade. A primeira sequência do filme, que começa enquanto rolam os créditos iniciais, é toda formada por planos rigorosamente planejados. Vemos Robert Mitchum terminando de cortar uma árvore; o vemos subindo em seu cavalo e passando em plano americano diante da câmara, com a vastidão de um belíssimo vale atrás dele. O diretor de fotografia Joseph LaShelle filmou tomadas de Robert Mitchum cavalgando ali do alto até junto do rio com os mais diversos enquadramentos – em plano absolutamente geral, em plano de conjunto – de tal forma a permitir que, no laboratório, o montador Louis Loeffler fosse alternando as tomadas mais próximas e as mais distantes.
Voltando ao Petit Larousse Des Films:
“A maestria do enquadramento se impõe desde os créditos iniciais; as cenas no saloon exploram à vontade todos os recursos da tela grande, e o uso da grua – tão cara ao cineasta – ali é particularmente brilhante.”
O texto prossegue dizendo que a trama vai apresentando os mais diversos elementos, lutas, encontro com índios, para concluir: “As cenas de transição, as pausas, são de uma bela linhagem, e impregnadas de uma gravidade, de uma melancolia delicada, nada esperadas num tal contexto.”
Adoro os textos dos franceses sobre os filmes. E adoro ver como os franceses adoram os filmes americanos.
E de fato esse filme que tinha tudo para não dar certo é fascinante em muitos aspectos.
Mas aquela sequência final, depois que Kay-Marilyn canta “River of No Return” no saloon… Hum… Dizer que aquilo é machista é pouco…
Anotação em março de 2017
O Rio das Almas Perdidas/River of No Return
De Otto Preminger, EUA, 1954
Com Robert Mitchum (Matt Calder), Marilyn Monroe (Kay Weston)
e Tommy Rettig (Mark Calder), Rory Calhoun (Harry Weston), Murvyn Vye (Dave Colby), Douglas Spencer (Sam Benson)
Roteiro Frank Fenton
Baseado em história de Louis Lantz
Fotografia Joseph LaShelle
Música Cyril J. Mockridge e Leigh Harline
Canções Lionel Newman-Ken Darby
Montagem Louis Loeffler
Produção Stanley Rubin, 20th Century Fox. DVD Fox.
Cor, 91 min
R, ***
Título na França: Rivière sans retour. Em Portugal: Rio Sem Regresso.
O pior filme da carreira dela é bom!
Vi poucos filmes com Marylin Monroe. Recentemente revi alguns, como Os homens preferem as louras, e achei fraco inclusive nos diálogos. Como Agarrar um Milionário é fraquinho, apesar de MM e de Lauren Bacall (tadinhas). Mas este aqui eu vi tem poucos anos com minha mãe, que adorava MM e Mitchum – eu não chego a tanto, ele é tolerável e MM encantadora! – e lembro-me de que nós duas, minha mãe e eu, gostamos. Talvez seja o melhor que eu assisti com ela.
Podem falar o que Quiser, eu sei que a Marilyn não gostava desse filme. Mas foi nessa produção que ela Deu o Melhor de Si. Marilyn Monroe era uma Excelente Atriz, mas a Fox e a Imprensa a tratava como um Bibelô e uma Loira Sensual e Tola. E isso ela não era na Vida Real.