Na quarta e na quinta temporadas, lançadas respectivamente em 2014 e 2015, a equipe de Homeland – vasta, numerosa – realizou uma façanha: conseguiu melhorar ainda mais o que já era ótimo.
Impressiona demais a atualidade: às vezes dá a sensação de que estamos vendo não uma ficção, uma série feita para a TV, mas o noticiário internacional de um bom canal de notícias. Nas temporadas de número 4 e 5, Homeland fala do terrorismo pós-morte de Bin Laden: o Exército Islâmico, os ataques terroristas na Europa, o conflito na Síria, as facções em jogo ali, Bashar al-Assad, a crise dos milhares e milhares de refugiados da Síria e dos países vizinhos, os acampamentos de refugiados, a ação dos talibans na região da fronteira Afeganistão-Paquistão, a ameaça de uso de armas químicas e biológicas.
E fala do mundo pós WikiLeaks, Edward Snowden, os hackers que conseguem ter acesso a documentos secretos dos órgãos oficiais.
É exposto um belo material para que o espectador opine sobre a dicotomia entre a preservação da absoluta privacidade pessoal e, do outro lado, o dever de os serviços de inteligência dos países democráticos se informarem sobre os movimentos dos grupos terroristas na tentativa de evitar a morte de dezenas de inocentes.
É tudo, tudo muito atual, moderno, contemporâneo, up-to-date.
Não dá para parar de ver, não dá para deixar de lado
De fato, às vezes parece mais jornalismo que ficção.
Mas é ficção, e das boas, das excelentes, com uma trama fantástica, o surgimento de várias novidades a cada episódio, surpresas, suspense. Se fosse um livro, seria – o Português não tem palavras exatas para definir isso – page turner, unputdownable. Que obriga o leitor a virar sem parar as páginas para ver o que acontece no momento seguinte. Que não dá para deixar de lado.
Como um Stieg Larsson, um Jo Nesbø, uma Agatha Christie, um Leonardo Padura.
Não dá para parar de ver Homeland. Simplesmente não dá.
Cada temporada tem 12 episódios, e cada episódio dura cerca de 55 minutos. São, portanto, 10 horas cada temporada. Mary e eu vimos as 30 horas das primeiras três temporadas ao longo de apenas 8 dias. Repetimos a dose ao ver a quarta e a quinta temporadas. E aí brincamos que tivemos que enfrentar baita crise de abstinência – cold turkey, como dizem os viciados que falam inglês. A sexta foi apresentada na TV americana entre janeiro e abril deste ano de 2017, e ainda não estava disponível no Brasil em meio oficial quando terminamos a quinta, no final de junho de 2017. (Parece que já há cópias piratas, mas não mexo com isso.)
Já está garantido que haverá uma sétima e uma oitava temporadas, com previsão de exibição em 2018 e 2019.
Ao final da terceira temporada encerra-se a trama envolvendo o sargento Brody
Foi uma grande sorte eu ter decidido escrever uma anotação sobre as primeiras três temporadas, sem esperar pela ocasião de ver as seguintes. Quando tomei a decisão eu não sabia disso, é claro, mas o fato é que ao final da terceira temporada encerra-se uma grande trama que vem desde o iniciozinho da série.
Ao longo das três primeiras temporadas, Carrie Mathison, a agente da CIA que é a protagonista da série, belissimamente interpretada por Claire Danes, está às voltas com o sargento dos fuzileiros navais Nicholas Brody (Damian Lewis), que reapareceu oito anos após ter sido dado como morto em combate no Iraque. Tinha sido feito prisioneiro pelo grupo do terrorista Abu Nazir (Navid Negahban), e passara oito anos em cativeiro. Mas Carrie Mathison, uma agente extremamente abnegada, competente, workaholic, dotada de uma espécie de sexto sentido, de um faro fenomenal, desconfia que Brody pode ter sido convertido não apenas à fé islâmica mas também ao radicalismo, à Jihad, à Guerra Santa contra os imperialistas e infiéis do Ocidente.
A trama daquelas primeiras temporadas é fantasticamente bem armada; inclui diversas subtramas, e não fica restrita apenas aos movimentos da CIA (Central Intelligence Agency) e de seus chefes e agentes, mas se aprofunda nas relações humanas dos personagens, na vida pessoal e familiar de Carrie, na vida pessoal e familiar de Brody.
Pois então: depois que termina a terceira temporada…
Quem não viu as primeiras temporadas não deveria ler a partir daqui
Bem, aqui, obviamente, vai um spoiler para quem não viu a terceira temporada, ou nenhuma das três primeiras.
A rigor, quem não viu até a terceira temporada de Homeland e tem vontade de ver a série (e deveria ver, porque ela é excelente) teria que parar de ler esta anotação aqui.
O fato é que, depois que termina a terceira temporada, muda-se de página, de capítulo, de assunto. Desaparecem Nicholas Brody, sua bela mulher Jessica (interpretada pela carioquinha de nascimento Morena Baccarin), seus filhos, a sempre problemática Dana (Morgan Saylor), o sempre traquilo Chris (Jackson Pace). E somem também Abu Nazir e seu entorno.
Na quarta temporada, assim como na quinta, surgem novas situações, novas realidades, novos desafios, novas ameaças. Mas é claro que continuamos acompanhando Carrie Mathison – ela é a personagem central da série –, e também as demais figuras da CIA que são fundamentais na trama toda:
* Saul Berenson (Mandy Patinkin), oficial sênior da Agência, extremamente experiente, um grande estrategista, o homem que descobriu Carrie, a treinou, ensinou a ela quase tudo o que ela sabe; como mentor de Carrie, ele também a protege quando ela entra em fria ou em crise psiquiátrica – profissional extraordinária, a moça sofre no entanto de transtorno bipolar, a doença que até uns 15 anos atrás, antes da mania do politicamente correto, os psiquiatras chamavam de PMD, psicose maníaca-depressiva. Eu, pessoalmente, conheço bem a doença – minha família toda conhece bem.
* Peter Quinn (Rupert Friend), muito mais um soldado, um homem de ação, do que um enxadrista, um planejador, um estrategista. Homem de ação – quase um super-homem. Peter Quinn é fodinha: trabalho sujo, trabalho duro, missão impossível é com ele mesmo.
* Dar Adal (o papel do ótimo F. Murray Abraham, que não consigo ver sem lembrar de sua interpretação como o compositor Antonio Salieri na obra-prima Amadeus de Milos Forman, de 1984), outro oficial sênior da Agência. Dar Adal está para Peter Quinn assim como Saul Berenson está para Carrie: foi Dar que descobriu Peter Quinn, o treinou, ensinou tudo. Logicamente, Dar Adal tem um perfil mais de ação, mais de combate, mais de campo, do que Saul Berenson, que é bom de campo também, mas cuja especialidade é o gabinete, o estudo, o traçar de estratégias.
Estes são os personagens principais do núcleo da CIA, tanto nas três primeiras quanto nas temporadas quarta e quinta. Nestas, porém – repito – surgem novas situações, novas realidades, novos desafios, novas ameaças.
E novos personagens – alguns deles interpretados por grandes atores do cinema, como os alemães Sebastian Koch e Nina Hoss e a australiana Miranda Otto.
A temporada 4 se passa no Paquistão, e a 5, na Alemanha
A temporada número 4 se passa quase inteiramente no Paquistão. A de número 5, praticamente toda na Alemanha.
Quando a temporada 3 acaba, Carrie Mathison negociava com o então diretor-geral da Agência, Andrew Lockhart (Tracy Letts), assumir a chefia do escritório da CIA em Istambul.
Quando a temporada 4 começa, o espectador vê que não deu certo a planejada ida para Istambul. Carrie está chefiando o escritório da CIA em um local ainda mais complicado, complexo, perigoso, que a capital da Turquia: o de Cabul, no Afeganistão.
O chefe do escritório da CIA em Islamabad, a capital do Paquistão, Alan Hensleigh (Nick Boraine), sempre teve excelentes informações sobre a localização de grupos terroristas. Ninguém sabe direito quais são suas fontes, mas elas são excelentes. E então, com base na informação de Alan de que o procuradíssimo terrorista Haissam Haqqani (Numan Acar, na foto acima) estava em uma determinada cidade paquistanesa perto da fronteira com o Afeganistão, Carrie dá a ordem para que aviadores das forças especiais bombardeiem o local.
Na casa bombardeada estava sendo realizado um casamento. O lugar estava cheio de mulheres e crianças.
Um dos poucos sobreviventes do ataque é um jovem estudante de Medicina, Aayan Ibrahim (Suraj Sharma, na foto abaixo). Ele tinha filmado cenas da festa pós o casamento – gente feliz dançando, cantando, um monte de crianças ali. Todos mortos num ataque americano.
A princípio, acreditava-se que o chefe terrorista Haissam Haqqani havia sido morto no bombardeio. Ao menos isso – os imperialistas tinham matado um monte de mulheres e crianças, mas tinham conseguido eliminar uma ameaça a todas as cidades do Ocidente.
Depois se revela que não, Haissam Haqqani não havia sido morto no bombardeio.
Ou seja: Carrie Mathison tinha feito uma imensa merda, que resultou numa onda de propaganda anti-Estados Unidos no mundo todo.
Um grande número de surpresas. E cenas de ação maravilhosas
Isso é só o começo. Virá ainda, nessa temporada número 4, um número espantoso de surpresas, reviravoltas. Descobre-se que há um traidor dentro da Embaixada Americana em Islamabad, que passa informações para as autoridades paquistanesas, que, por baixo do pano, as repassam para o terrorista Haissam Haqqani.
Saul Berenson, que havia pedido demissão da CIA e trabalhava então numa empresa de segurança privada, vai a Islamabad para tentar ajudar Carrie a apagar o incêndio – e acaba sendo capturado pelos terroristas.
Andrew Lockhart, o diretor-geral da CIA, também vai para Islamabad – mas, nas conversas com as autoridades paquistanesas, que a embaixadora Martha Boyd (Laila Robins), experiente, safa, tenta levar com a mais perfeita diplomacia, o chefão do serviço de inteligência do governo americano age como um elefante numa loja de porcelana.
Entre os altos membros do governo paquistanês, há um bonzinho e uma mazinha. O primeiro é um coronel do Exército, Aasar Khan (Raza Jaffrey), um legalista, pessoa correta, que até tentará ajudar Carrie naquele monte de fogo cruzado. A má é uma alta funcionária do Ministério de Relações Exteriores, Tasneem Qureshi, que, o espectador logo vê, trabalha mais para o chefe terrorista Haissam Haqqani do que para o governo do Paquistão.
Essa Tasneem é interpretada por uma atriz chamada Nimrat Kaur (na foto abaixo), que me fez ficar pensando como esse povo de casting da série encontra tanta mulher bonita para interpretar gente dos mais diferentes países, Venezuela, Líbano, Paquistão…
O IMDb informa que Nimrat Kaur nasceu no Rajastão, e foi criada num ambiente marcial – o pai era militar, e se mudou diversas vezes de cidade. Acabaria morto numa operação anti-terrorismo! A família mudou-se em 2004 para Bombaim (Mumbai é o cacete!), e aí a beleza da moça fez o resto.
A temporada 4 de Homeland traz ainda mais uma aventura sexual de Carrie – a moça não perde uma oportunidade sequer –, e, sobretudo, nos quatro últimos episódios, cenas de ação absolutamente impressionantes. Absolutamente impressionante.
Dois modos muito distintos de narrar histórias de espionagem
E aqui me permito fazer umas considerações – uma pensatinha, ou talvez um viajandão.
Desde os anos 50, início dos anos 60 – auge da Guerra Fria, o mundo dividido entre duas superpotências adversárias, inimigas, Estados Unidos e União Soviética, mas mais do que isso, entre duas ideologias conflitantes, incapazes de coexistir em paz, em tranquilidade, o capitalismo e o comunismo –, a literatura e o cinema têm duas formas também distintas de mostrar a espionagem, os espiões, os homens das agências de inteligência de um lado e de outro do conflito.
Uma delas mostra tudo como uma grande aventura, um super-espetáculo, um mundo povoado por super-heróis.
A outra mostra os agentes, os espiões, como homens que sofrem demais, que comem o pão que o diabo amassou. Como peões que muitas vezes se sentem inteiramente perdidos no meio de um xadrez complicadíssimo que eles não dominam completamente. “Only a pawn in their game”, para usar a canção que Bob Dylan criou ali por 1963, a época em que surgiam no cinema James Bond e George Smiley.
São os exemplares mais típicos que poderia haver dos dois modos de narrar para o grande público as histórias envolvendo espionagem, espiões, agentes secretos.
James Bond, criado pelo escritor inglês Ian Fleming (1908-1964), que trabalhou como oficial no serviço de inteligência da Marinha do Império Britânico, é aventura, super-espetáculo, um super-herói no meio de super-bandidos e super-mulheres gostosérrimas doidas para dar.
George Smiley, criado pelo escritor inglês John Le Carré (1931, 85 anos de idade neste 2017), que trabalhou tanto no Serviço de Segurança quanto no Serviço Secreto de Inteligência do Império Britânico (ou seja, o M15 e o MI6), sofre demais, come o pão que o diabo amassou.
James Bond come umas três mulheres e mata uns 36 inimigos em cada filme – e seu terno jamais fica amarrotado.
George Smiley se contorce em dúvidas e dores – e às vezes a esposa o trai da forma mais triste que pode haver, como no filme Chamada para um Morto/The Deadly Affair (1966).
No filme O Espião Que Veio do Frio (1965), o protagonista, que se chamou Alec Leamas por algum problema de direito autoral, mas é o George Smiley de sempre, diz o seguinte, com aquela voz poderosa, inimitável, de Richard Burton:
– “Que merda você acha que os espiões são? Filósofos medindo cada coisa que fazem segundo as palavras de Deus ou Karl Marx? Nada disso! Eles são apenas um bando de bastardos maltrapilhos, esquálidos, como eu: homens pequenos, bêbados, veados, maridos dominados pelas suas mulheres, funcionários públicos brincando de caubóis e índios para abrilhantar suas pequeninas vidas podres. Você acha que eles se sentam como monges em uma cela, dividindo as coisas entre o bem e o mal?”
Homeland junta bem elaboradas cenas de ação com trama inteligente, séria
Enquanto via Homeland, tanto as três primeiras temporadas que comentei em outro texto quanto nas de números 4 e 5, pensei muito nisto: esta série de TV estupidamente bem feita de alguma maneira rompe com aquela divisão rígida entre filmes de espiões que são aventura, ação pura, e filmes de espiões que são cerebrais, sérios, amargos.
Em Homeland há muita ação – e também muito cérebro, muito sofrimento, muita amargura.
Nunca é uma ação tipo aventura, tipo veja, caro espectador, como James Bond mata aqueles cinco sujeitos de forma divertida.
É ação tratada não como aventura, brincadeira, diversão. É ação de guerra, de gente que mata e gente que morre – e matar e morrer não são jamais uma aventura, uma brincadeira, uma diversão.
Se eu estou querendo dizer que os livros e filmes tipo os de Ian Fleming e James Bond são, a rigor, a rigor, uma imensa bobagem? Uma brincadeira, uma diversão feita com coisa séria? Enquanto os livros e filmes tipo os de John Le Carré e George Smiley são bons, são sérios?
É claro que estou dizendo isso.
Mas é mais que apenas isso, já que isso é obviedade.
Homeland não apenas é bom, é sério, na comparação com os divertissement tipo James Bond ou Austin Powers.
Homeland é bom, é sério, mais, muitíssimo mais que coisas como a franquia Bourne, que não são frívolas como James Bond ou Austin Powers.
Porque consegue juntar bem elaboradíssimas cenas de ação com uma trama séria, pesada, cerebral, madura, adulta.
Carrie deixou a CIA, vive na Alemanha, trabalha para um industrial milionário
Na quinta temporada, muda tudo.
Bem, quase tudo. Os personagens centrais se mantêm: além de Carrie, também estão aí Saul Berenson, Peter Quinn, Dar Adal.
Mas o cenário, a situação, tudo é bem diferente.
O espectador vai sendo surpreendido ao saber das novidades.
Carrie deixou a CIA, e está trabalhando em Berlim como chefe da segurança de um milionário alemão, o herdeiro de um império industrial que veio de antes do nazismo (e que, na época do nazismo, colaborou com o regime). Chama-se Otto Düring, é interpretado pelo ótimo Sebastian Koch (nas fotos acima e abaixo) de Operação Valkiria (2004), A Vida dos Outros (2006), Desconhecido (2011), O Fim de Semana (2012), A Ponte dos Espiões (2015).
Até porque quer se livrar da mancha do passado de sua família que colaborou com o nazismo, mas também porque é uma pessoa de bem, Otto Düring tem uma fundação que leva seu nome, e passa mais tempo nela que nas suas indústrias, que aliás vão muito bem. A fundação ajuda pessoas da comunidade muçulmana, de vários países de maioria islâmica, que vieram se estabelecer na Alemanha.
Na Fundação Otto Düring trabalha uma jornalista americana, Laura Sutton (Sarah Sokolovic), uma esquerdoidinha que gostaria de ser uma nova Edward Snowden, para ferrar o sistema de defesa e inteligência do governo de seu país.
Carrie se tornou católica!
E parou de beber! No episódio 2 da Quinta Temporada, ela diz para o patrão Otto Düring que está sóbria faz 9 meses.
Católica, sóbria, e vivendo com uma pessoa normal!
Carrie está vivendo com Jonas Hollander (Alexander Fehling), um jovem advogado que é um dos homens de confiança de Otto Düring.
É uma situação inédita para essa mulher exageradamente boa de serviço, mas também dotada de uma rebeldia e uma auto-segurança que muitas vezes a coloca em situações perigosíssimas, e além do mais bipolar, e portanto dependente de muito medicamento.
Só nos primeiros episódios da quinta temporada Carrie estará muito bem casada com um sujeito “normal” – ou mesmo normal, sem aspas, embora de perto ninguém seja normal, como nos alerta Caetano Veloso.
Todos os demais casos afetivos (ou os meramente sexuais) de Carrie são estranhos, esquisitos, problemáticos.
Jonas Hollander é um bom sujeito.
Um hacker obtém documentos secretíssimos da CIA
A questão é que Carrie não está preparada para uma vida “normal”.
E então essa quinta temporada terá um hacker, Numan (Atheer Adel), que ganha acesso, sem querer, a documentos confidencialíssimos da CIA e de um acordo dos americanos com os órgãos de segurança da Alemanha, e passará os documentos para a esquerdoidinha Laura Sutton.
Laura Sutton publicará documentos que mostram que a CIA estava fazendo na prática o trabalho sujo de espionar cidadãos alemães e imigrantes muçulmanos vivendo na Alemanha – coisa que as leis alemãs, severas, proíbem as forças de segurança da própria Alemanha fazerem.
A publicação dos documentos secretíssimos, evidentemente, criará uma gigantesca crise entre os órgãos americanos e os alemães.
E um grupo terrorista irá preparar um violentíssimo ataque com armas químicas a uma estação de metrô central de Berlim.
Não há um momento de sossego para os personagens – nem para os espectadores.
Têm grande importância na trama os personagens interpretados por Nina Hoss e por Miranda Otto.
A presença no elenco de Nina Hoss, uma das maiores atrizes do cinema alemão da atualidade (na foto abaixo), assim como a de Sebastian Koch, é um claro indício da importância que os atores dão a essa série.
Nina Hoss interpreta Astrid, uma agente do serviço secreto antiterrorismo alemão. Astrid já havia aparecido algumas vezes na quarta temporada, quando estava designada para trabalhar junto da embaixada alemã em Islamabad. No passado, tinha tido um caso com Peter Quinn. Agora de volta à Alemanha, ela terá vários encontros com autoridades da CIA – e também com Carrie Mathison.
Miranda Otto interpreta Allison Carr, a chefe da CIA em Berlim. No passado, já havia conhecido Carrie, que foi sua sucessora em um posto da CIA em Bagdá, vários anos antes. A atriz está ótima no papel, e Allison Carr é uma personagem fascinante.
Na quinta temporada, assim como na quarta, há um traidor. Havia um traidor dentro da Embaixada americana em Islamabad, há um traidor dentro da Embaixada americana em Berlim.
E há russos no pedaço.
Não são mais soviéticos, comunistas, inimigos figadais porque defendem um regime oposto ao que existe nos países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos.
São os russos de Putin, o cara que era da KGB, a polícia política da União Soviética, e há muitos anos é o atual czar do Kremlin.
É uma série contra o terrorismo, mas jamais anti-árabe
Uma das mais maravilhosas características da série Homeland – uma série americana, baseada em uma série israelense, sobre as ameaças do terrorismo islâmico contra os países do Ocidente – é que ela consegue não ser anti-árabe.
Homeland não é anti-árabe, anti-muçulmanos, anti-islamismo.
É anti-terrorismo.
Mostra com uma clareza absurda que nem todo árabe é terrorista ou pró-terrorismo.
Uma coisa é ser árabe, muçulmano, islamita.
Outra coisa, completamente diferente, é ser radical, pró Jihad, guerreiro da Guerra Santa contra o Grande Satã, o Imperialismo Ocidental, os Infiéis.
No começo do primeiro episódio da Quinta Temporada, Peter Quinn, o soldado, o homem da ação, faz um discurso duríssimo sobre os árabes de uma maneira geral.
É uma reunião importante em uma sala da CIA, em Langley. Estão presentes Saul Berenson, Dar Adal, generais do Pentágono, um político – provavelmente do comitê do Senado que trata de questões relacionadas a dar fundos para operações da Agência no exterior.
Peter Quinn faz uma apresentação seca do trabalho que vinha executando na Síria, mais exatamente em Al-Raqqa: – “”Eu chefiei uma equipe especial praticamente direto nos últimos 28 meses.”
O tal senador pergunta exatamente o que acontece por lá.
Quinn diz que o programa americano lá tem funcionado, e deveria continuar. O senador tem dúvidas. Pergunta para Quinn: – “Nossa estratégia está funcionando?”
Não se deve fazer perguntas deste tipo a um soldado, um homem de ação.
Quinn devolve a pergunta: – “Qual estratégia?” E depois: – “É exatamente esse o problema. Porque eles têm uma estratégia. Estão se reunindo em Raqqa, dezenas de milhares, escondidos entre a população civil, limpando as armas. Sabem exatamente o por quê. Chamam de final dos tempos. As decapitações são para quê? Gente crucificada em Deir Hafer. O renascimento da escravidão. Acha que inventam essa porcaria? Está no livro. O maldito livro deles. O único que eles lêem. Lêem o tempo todo. Sem parar. Eles estão lá somente por uma razão: morrer pelo califado e criar um mundo sem infiéis. Essa é a estratégia deles. E tem sido assim desde o século VII.”
E ele prossegue, como quem já enfiou uma faca na barriga do outro até o fim, mas agora começa a revirá-la:
– “E vocês acham mesmo que algumas forças especiais vão mudar alguma coisa?”
O abusado senador pergunta o que ele proporia, então. E Peter Quinn, o soldado que também sabe pensar muito bem, responde:
– “200 mil soldados americanos em campo, por tempo indeterminado, para dar segurança e apoio a um número igual de médicos e professores de ensino fundamental.”
O senador responde que isso não vai acontecer.
E Quinn termina o papo: – “Então é melhor eu voltar para lá.”
O personagem que faz um discurso anti-árabe é salvo por um árabe
Essa sequência, que acontece quando o primeiro episódio da Quinta Temporada está com 13 minutos, é uma absoluta maravilha.
Estão aí os argumentos básicos: desde o século VII parte daquele povo tem como estratégia criar um mundo sem infiéis. Ou seja: matar todos os não muçulmanos deste mundão véio de Deus e do Diabo.
Mas, para mudar alguma coisa, seria necessário muito professor, muito médico.
Nos anos 60, quando os americanos jogavam napalm contra os vietnamitas, Pete Seeger dizia na canção maravilhosa que as armas estavam erradas: “O inimigo é a fome e a ignorância”.
Peter Quinn fala quase exatamente a mesma coisa, depois de dizer que os árabes estão aí desde o século VII dispostos a matar todos os que não oram para Alá.
Mais adiante, Peter Quinn é baleado perto do estômago. É um ferimento extremamente sério, e, corretíssimo em seus princípios, querendo defender a amiga Carrie – que ele admira e, mais que isso, ama –, resolve se matar, para não abrir a possibilidade de a colega ser presa.
É salvo por um homem que se revela um anjo da guarda.
O homem primeiro impede – suavemente – que Quinn se mate. Depois o leva para seu apartamento, trata dele, faz transfusão do seu próprio sangue para repor o que o americano desconhecido havia perdido.
Chama-se Hussein (Mehdi Nebbou), é absolutamente árabe. Em seu país natal, era médico; quando bombardearam a clínica em que trabalhava, e mataram sua mulher, exilou-se na capital alemã. Como não tem seu diploma reconhecido, trabalha como zelador de um prédio em bairro pobre, e cuida de doentes que não têm como ser tratados no sistema de saúde oficial, que exige papéis, documentos, certidões.
Os criadores e roteiristas fazem um grande brainstorm a cada temporada
Homeland é uma criação de Alex Gansa e Howard Gordon; eles são os idealizadores da série – que se inspirou em uma da TV israelense, Hatufim, em inglês Prisioners of War, são roteiristas e produtores executivos. Dá para perceber que são eles os regentes dessa grande orquestra que já realizou e lançou seis temporadas.
O número de pessoas envolvidas no projeto é imenso. O cinema (e as séries de TV têm sido das melhores coisas que o cinema mundial produz nas últimas décadas) é uma arte que é também indústria, e tem necessariamente que contar com muita mão de obra. Mas Homeland excede nesse quesito equipe grande.
Nas seis temporadas já lançadas, nada menos que 23 diretores foram responsáveis pela realização dos diversos episódios. Mais ainda: nada menos que 18 escritores assinam os roteiros dos episódios.
É gente demais! Me parece uma conquista fantástica que a série tenha uma grande coerência formal – mesmo com tantos profissionais assinando a direção dos episódios.
Alex Ganza explicou um pouco sobre a forma de trabalho desse imenso time em um documentário de dez minutos que acompanha os DVDs da quinta temporada, Homeland in Berlin – Beyond the Wall:
– “A cada temporada, antes de começarmos os trabalhos, a primeira coisa que os roteiristas fazem é visitar Washington, D.C. E nos reunimos com nosso consultor, John McGaffen, que foi diretor adjunto da CIA. Ele pertence a um antigo e maravilhoso clube em Georgetown, The City Tavern Club. Fechamos o lugar por três dias e recebemos um grupo de oficiais de inteligência, tanto da ativa quanto aposentados, jornalistas, pessoal da Casa Branca, do Departamento de Estado. Fazemos uma imersão de alguns dias nos assuntos que as pessoas nas instâncias do poder estão pensando e comentando.”
E Lesli Linka Glatter, a diretora do maior número de episódios, ao longo de todas as temporadas (17 episódios, contra 8 de Michael Cuesta, o segundo lugar), complementa: – “É um apanhado geral incrível do que está acontecendo no mundo. E devo dizer que Alex Ganza faz as perguntas mais provocativas que pode haver, tipo ‘Qual é o seu maior pesadelo? O que não deixa você dormir?’ Em muitos aspectos, a temporada seguinte vem daí, dessas conversas. “
– “Na época da quinta temporada, todos estavam falando do Exército Islâmico, é claro”, conta Alex Ganza. “Do que estava acontecendo na Ucrânia, com a Rússia e Putin. E de Edward Snowden, também. Esses são os grandes temas que estão por trás da quinta temporada.”
Até a temporada 5, a série mostrou acontecimentos passados em Bagdá, Islamabad, Beirute, Teerã, Caracas e, finalmente, Berlim – além, claro, de Washington, D.C.
Com exceção de Berlim, as filmagens não foram nos próprios locais em que a ação se passa. Todas as cenas em locações da temporada 4, passadas em Islamabad e no interior do Paquistão, foram filmadas na África do Sul, em especial na Cidade do Cabo, onde, parece, há grande colônia paquistanesa. As cenas passadas em Caracas foram feitas em Porto Rico. As passadas em Teerã foram filmadas no Marrocos.
David Klein, um dos diretores de fotografia da série, conta do prazer que foi filmar Berlim em Berlim: – “Filmar Berlim por Berlim nos deu a chance de abrir mais as tomadas, dar mais amplitude e vida à série.” E Lesli Linka Glatter complementa: “O maravilhoso disso foi poder virar a câmara para qualquer lado. Acho que essa temporada tem o domínio da escala e do lugar.”
É extremamente difícil imaginar como os realizadores vão conseguir manter o nível das temporadas quatro e cinco na seis. De fato é muito difícil. Mas, diacho, eles conseguiram melhorar o que já era excelente nas temporadas um a três, então…
É aguardar. Com ansiedade.
Anotação em junho de 2017
Homeland – A Quarta e a Quinta Temporadas
De: Alex Gansa e Howard Gordon, roteiristas, produtores executivos, criadores, EUA, 2014 e 2015
Diretores: Lesli Linka Glatter, Daniel Attias. Clark Johnson, Keith Gordon, Seith Mann, Alex Graves, Tucker Gates, Carl Franklin, Michael Offer, Charlotte Sieling, John David Coles
Com Claire Danes (Carrie Mathison),
e (na CIA e seu entorno) Mandy Patinkin (Saul Berenson), Rupert Friend (Peter Quinn), F. Murray Abraham (Dar Adal), Miranda Otto (Allison Carr),
Tracy Letts (Andrew Lockhart), Sarita Choudhury (Mira Berenson, a mulher de Saul), Nazanin Boniadi (Fara Sherazi), Maury Sterling (Max Piotrowski), Hrach Titizian (Danny Galvez), Michael O’Keefe (John Redmond), Nick Boraine (Alan Hensleigh), Damian Lewis (participação especial, Nicholas Brody),
(no Paquistão) Laila Robins (Martha Boyd, a embaixadora), Mark Moses (Dennis Boyd), Nimrat Kaur (Tasneem Qureshi), Raza Jaffrey (Aasar Khan, o oficial do Exército), Suraj Sharma (Aayan Ibrahim), Numan Acar (Haissam Haqqani, o chefe terrorista),
(na Alemanha) Sebastian Koch (Otto Düring), Nina Hoss (Astrid), Alexander Fehling (Jonas Hollander), Sarah Sokolovic (Laura Sutton, a jornalista),
Atheer Adel (Numan, o hacker), Mark Ivanir (Ivan Krupin, o agente russo), Mehdi Nebbou (Hussein), René Ifrah (Bibi Hamed), Alireza Bayram (Qasim), Allan Corduner (Etai Luskin, o agente israelense),
(no entorno de Carrie) Victoria Clark (Ellen Mathison, a irmã)
Roteiro Gideon Raff, Alex Gansa, Howard Gordon, Chip Johannessen,
Charlotte Stoudt, Meredith Stiehm, Alexander Cary, Patrick Harbinson,
Ron Nyswaner, Ted Mann, Benjamin Cavell, Liz Flahive, David Fury
Fotografia David Klein
Música Sean Callery
Produção Teakwood Lane Productions, Cherry Pie Productions, Keshet, Fox 21, Showtime Networks. DVD Fox.
Cor, cerca de 600 min cada temporada (10h)
***1/2
Excelente o seu comentário sobre Homeland. Concordo com a classificação que dá, acho justíssima.
Penso que estas duas temporadas são as melhores da série (até agora), têm todos os ingredientes para seduzir o espectador.
Como dizem lá no Sul, você se puxou nesse texto, hein?! Tive que ler em várias sentadas.
Não duvido que “Homeland” tenha ficado ainda melhor nessas temporadas, visto que o núcleo chato da família do Brody saiu de cena, incluindo ele.
De todo modo, e mesmo com esse ótimo e detalhado texto, não me animei em voltar a ver a série (eu ia dizer os motivos, mas não quero que meu comentário fique enorme). Se desse pra ver a quinta temporada sem ver a quarta, talvez eu arriscasse, pois fiquei interessada nessa parte que se passa na Alemanha, e gosto da Nina Hoss.
“A presença no elenco de Nina Hoss, uma das maiores atrizes do cinema alemão da atualidade (na foto abaixo), assim como a de Sebastian Koch, é um claro indício da importância que os atores dão a essa série.”
Aqui, se me permite discordar, acho que você exagerou um pouquinho, no sentido de que acho que a afirmação inversa é que é verdadeira.
Qual ator europeu não gostaria de participar de uma série de sucesso como essa? Ainda mais sendo americana, e portanto, com grande visibilidade? Pergunte para um espectador fanático por séries, mas não tanto de filmes, se ele já conhecia os atores alemães antes de ver a série. Du-vi-do.
Cara Jussara acho que está muito confusa e nem sequer se explica sobre os seus motivos para tanta aversão por uma série que tem tantos méritos.
De qualquer forma acho que pode perfeitamente ver a quinta temporada sem ver a quarta ou há alguma esquisitice que eu não entendo.
Oi, José Luís, já que falou, aqui vão meus motivos:
Um, que eu achei que os roteiristas viajaram demais nas temporadas que assisti (não me lembro ao certo se na segunda ou terceira, mas não vem ao caso), e dois, que não quero mais ver séries que ainda não terminaram.
Mas não tenho aversão pela série, e é inegável que ela tem muitas qualidades, apenas perdi o pique para ver, não me cativou a ponto de me fazer querer continuar a assistir (e principalmente porque hoje penso que ainda tenho muitos filmes para ver na vida, e livros para ler), e as séries me tomam muito tempo). Então dou preferência àquelas que me acrescentam alguma coisa, ou de que eu goste muito, o que não é o caso de “Homeland”.
Perguntei se era possível ver a quinta temporada sem ter visto a quarta, porque na maioria das séries há uma certa continuidade e fatos amarrados às temporadas anteriores.
Abraço!
Jussara,
Acho que você pode perfeitamente ver a quinta temporada, que se passa em boa parte na Alemanha, sem ter visto a quarta. Não é fundamental ter visto a quarta. É nova situação, nova ambientação, novos personagens.
Um abraço!
Sérgio
Ah… uma das melhores séries! E vc Sérgio nos brinda com esta fantástica análise de cada Temporada! Leio e releio com entusiasmo! Abraços!
Acabei ontem de rever a quinta temporada e cheguei à conclusão que é a melhor de todas, incluindo a sexta, na minha opinião, claro.
Hoje comecei a ver a sétima e parece-me que é tão inferior como a sexta.
Já não espionagem, há maquinações políticas.
Muito aborrecido.
Nesta 5a temporada de Homeland, graças a alguns outros acontecimentos nefastos não relacionados a Brody em Bagdá que nunca morreram quando a guerra supostamente terminou, Carrie tem um flash de volta para aquela época em que ela era uma oficial de caso verde, cabelo preso para trás em forma afetada, olhos brilhantes e pronto para lutar uma guerra e reconstruir uma nação – (Ah, quem entre nós pode dizer que não tivemos sonhos tão grandiosos em nossos vinte anos?).
Ela vê a foto de Brody na parede e, ei, ele é um fuzileiro naval (muito lindo, tesudo, gostoso), então ela permanece em seu rosto.
E é isso, ela pensa em Brody e então sua mente vai para Jonas, seu atual amante, um cara que é totalmente normal em todos os sentidos, com dois pés no chão. E pensar em Jonas é, na verdade, apenas outra maneira de pensar em sua filha, para quem Jonas seria um padrasto estável e saudável. Carrie se lembra de Brody, ela se lembra do fogo desse amor e do fogo de seu trabalho, agora, ao mesmo tempo, e mais fortemente do que nunca, ela é atraída de volta à terra e à vida que ela deseja para sua filha. Realmente um enigma clássico para muitas mulheres.
Homeland nesta temporada é inteligente, talvez a mais inteligente que já existiu. Não há nada do amor incendiário e impulsivo colidindo com balas e edifícios em chamas que vimos nos anos de Brody. Carrie se acalmou consideravelmente, mesmo depois de interromper os remédios por um breve período. Ela tem uma filha em que pensar, embora, uma criança que é escoltada rapidamente para longe dela e em segurança. Ainda assim, Franny é A razão pela qual Carrie quer viver e continuar tentando amar. Agora Carrie ainda é Carrie, impulsionada em igual medida por sua inteligência e suas emoções.
“Carrie é, em muitos aspectos, um bicho-papão; ela é o que as mulheres profissionais, especialmente aquelas em profissões dominadas por homens, foram ensinadas a nunca se tornarem – emocionais, histéricas, loucas. A emoção é como as mulheres que querem ser levadas a sério são minadas e rejeitadas. Mesmo se você estiver perfeitamente são, ser emocional – e mais especialmente, estar com raiva – desvaloriza você e sua contribuição profissional … É certamente possível ler este arco como puramente trágico, a autodestruição de Carrie sendo o custo de salvar o mundo .. agora a meu ver, seu efeito é mais complexo. Isso transforma uma mulher louca e histérica em uma heroína, sem de forma alguma mitigar sua loucura ou histeria, e, assim, desfaz o argumento de que a emoção nas mulheres é uma fraqueza. ”
Em suma, em Carrie Mathison, Homeland criou uma nova versão do protagonista feminino. É um novo primeiro dia no que diz respeito às lideranças femininas.