Solteiros com Filhos / Friends with Kids

Nota: ★★★☆

Solteiros com Filhos, no original Friends with Kids, é um ótimo filme. Uma comédia romântica gostosa, inteligente, mas que é mais que apenas isso, e faz boas, argutas observações sobre casamento e sobre filhos. E é também a revelação de uma nova realizadora de talento. Jennifer Westfeldt – eis aí um nome para se guardar.

Jennifer Westfeldt (na foto abaixo, com Adam Scott-Jason). Nascida em 1970, em Connecticut, o que a princípio indica que vem de uma família bem de vida. Estudou em Yale, uma das universidades da Grande Liga, das melhores que existem. Teve experiências no teatro, em peças dramáticas e musicais. Trabalhou como atriz em 23 filmes e/ou séries de TV. Foi co-autora do roteiro de Beijando Jessica Stein (2001), e, sozinha, assinou o roteiro de Ira & Abby (2006).

Solteiros com Filhos/Friends with Kids, lançado em 2012, é sua estréia na direção; ela é também a autora do argumento e do roteiro.

É uma estréia de babar. Tem talento saindo pelo ladrão.

Seu primeiro filme como diretora tem a bênção do grande Mike Nichols, o veterano realizador, entre tantos belos filmes, de A Primeira Noite de um Homem/The Graduate, Segredos do Poder/Primary Colors e Ardil 22/Catch-22. Nichols é um dos produtores executivos de Solteiros com Filhos.

Tem também a bênção de Edward Burns, que trabalha no filme como ator, em um papel importante mas pequeno – uma participação especial.

Quando vi o filme de estréia de Edward Burns, Os Irmãos McMullen, em 1996, uma década antes de pensar em ter um site sobre filmes, fiz uma anotação só para mim mesmo (como fazia de muitos dos filmes que me impressionavam) em que dizia: Uma bela surpresa. O filme, independente, dirigido por um garoto estreante de 28 anos com orçamento de US$ 25 mil, chegou ao Sundance Festival, promovido por Robert Redford, e ganhou o Grande Prêmio da Crítica. (…) É uma alegria ver um filme americano independente, muitíssimo longe dos padrões de Hollywood.  

No ano seguinte, 2007, depois de ver o segundo filme de Ed Burns, Nosso Tipo de Mulher/She’s the One, anotei: Minha sensação, ao ver o filme pela primeira vez na noite de sabadão (eu veria de novo no domingo), foi: meu Deus, esse menino Edward Burns é um novo Woody Allen!

Uma realizadora nas pegadas de Edward Burns, Nora Ephron, Rob Reiner

Posso estar errado. É claro, é óbvio, é evidente que posso estar errado. Mas Jennifer Westfeldt parece ser uma nova Edward Burns, uma nova Nora Ephron, uma nova Rob Reiner. Quem sabe uma nova Woody Allen.

Belíssimo time, esse, a que essa moça se inscreve.

A menção a Nora Ephron e a Rob Reiner não é, de forma alguma, gratuita. Como Woody Allen, como Ed Burns, Nora e Reiner fazem filmes inteligentes, sensíveis, sobre pessoas comuns, gente como a gente, e seus pequenos e grandes problemas. São, todos eles, realizadores de obras engraçadas mas que abordam temas sérios; obras autorais, com um espírito independente – mesmo quando são financiados pelos grandes estúdios. Filmes que às vezes têm grandes astros e estrelas, e até orçamentos razoáveis – mas que estão a léguas de distância do cinemão comercial padrão de Hollywood.

E há mais um motivo para citar Nora Ephron e Rob Reiner. Nora escreveu o roteiro de Harry e Sally – Feitos um para o Outro/When Harry Met Sally…, a comédia romântica de 1989 dirigida por Reiner que virou um instantâneo novo clássico.

Solteiros com Filhos tem muito a ver com When Harry Met Sally… Ele é assim um When Harry Met Sally… com filhos no meio.

Dois casais casados e um par de amigos muito íntimos

O filme abre com um telefone celular tocando. É alta madrugada. Jason (Adam Scott) atende. É Julie (interpretada pela própria autora e diretora), com uma pergunta do tipo: “Morte lenta e dolorosa por doença… ou ver o amor de sua vida morrer de morte lenta e dolorosa por doença?”

É um joguinho que fazem sempre, conforme o espectador verá rapidamente.

Jason quer saber se Julie não quer vir até o seu apartamento, para conversarem pessoalmente. Ela pergunta se Katherine está na cama com ele, ele diz que sim – uma mulher dorme o sono dos justos na cama dele. Na cama de Julie há um homem. Julie diz que é melhor não ir.

Começam os créditos iniciais – interrompidos por sequências em que conheceremos os dois casais que são os grandes amigos de Jason e Julie. Os seis amigos se reúnem em um restaurante finório.

Temos o casal Alex e Leslie, interpretado por Chris O’Dowd e Maya Rudolph. E temos o casal Ben e Missy (Jon Hamm e Kristen Wiig, os quatro na foto acima).

O primeiro casal comenta com Jason e Julie que Ben e Missy estão faz 20 minutos no banheiro. Juntos. Trepando. Ben e Missy trepam em todos os lugares.

Os seis amigos conversam. Em mesas próximas, há casais com filhos. Os seis amigos – todos aí na faixa entre os 35 e os 40 anos, todos com empregos e sem filhos, sem problemas de falta de dinheiro – comentam que é esquisito levar crianças para um restaurante caro como aquele.

Alex e Leslie anunciam então que estão grávidos.

Mary e eu nos perguntamos qual seria exatamente a relação entre Jason e Julie, os dois protagonistas da história. Os outros dois casais são importantes, aparecerão ao longo de toda a narrativa – mas os protagonistas da história são Jason e Julie, que moram no mesmo prédio em Manhattan, cada um dorme com seu/sua namorado/a da vez, mas falam-se ao telefone a qualquer hora do dia ou da madrugada, brincam de fazer perguntas um ao outro sobre que tipo de tragédia preferem.

Seriam Jason e Julie irmãos? Ex-amantes que viraram grandes amigos para toda vida?

Bem rapidamente, o roteiro esperto de Jennifer Westfeldt mostra que Jason e Julie são simplesmente o/a melhor amigo/a um/a do/a outro/a; conhecem-se desde sempre – mais tarde saberemos que se conhecem há exatamente a metade da vida de cada um. Estão na faixa dos 38, se conhecem intimamente desde os 19. São como irmãos.

Os dois casais com filhos agora parecem viver à beira de um ataque de nervos

Depois que Alex e Leslie anunciam a gravidez, corta, e um letreiro avisa que agora estamos quatro anos mais tarde.

Alex e Leslie já tiveram um segundo filho.

Ben e Missy tiveram seu primeiro.

Quando há nova reunião dos seis amigos, os filhos dos dois casais choram, enchem o saco inominavelmente – e seus pais parecem à beira de um ataque de nervos.

Ter filhos é difícil, é duro. A vida muda para todo o sempre – e muda muito, demais da conta. Nada será como antes.

Antigamente, gente como a gente, pessoas de classe média, sem fome e sem muito dinheiro (o verso “sem fome, sem telefone” não tem mais sentido hoje em dia, quando absolutamente todo mundo tem telefone), tinham filhos na faixa dos 20 anos. Alguns menos precavidos tinham filhos até mesmo antes dos 20 anos. As coisas mudaram, algumas para melhor, e entre as coisas que mudaram para melhor está o fato de que a maioria das pessoas de classe média, gente como a gente, espera um pouco mais para ter filhos. Vai tê-los na faixa dos 30, em geral depois dos 35, quando já se está com a profissão encaminhada, a vida material mais cuidada, assentada, algum dinheiro no banco, alguma maturidade emocional adquirida.

É a realidade que vejo hoje, na geração da minha filha, gente nascida a partir de 1970 – a geração da diretora Jennifer Westfeldt e dos cinco outros atores que interpretam os três casais centrais da história.

Algumas realidades transcendem fronteiras, transcendem o Equador, transcendem o fosso Primeiro Mundo x o Resto do Mundo. Imagino, creio que até no mais profundo do profundo do Décimo Quinto Mundo – a África, a Índia, os países muçulmanos –, essa realidade seja a mesma, na classe média, pelo menos.

Ao contrário do que fazíamos antigamente, as pessoas afortunadas que têm a chance de se educar deixam essa coisa de ter filhos para depois dos 35 anos.

Amigos para sempre, Jason e Julie resolvem ter um filho – mas sem casamento

Mas então o fato é que os casais Alex-Leslie e Bem-Missy têm filhos, e a vida não é, de forma alguma, tão confortável quanto era antes.

Jason e Julie, solteiros, não têm esse problema. A vida deles continua tão absolutamente confortável quanto sempre tinha sido. Jason é um comedor – tem uma namorada a cada seis meses, ou menos. Ligação duradoura, séria, nenhuma. Julie não tem tantos namorados.

Os casais Alex-Leslie e Bem-Missy têm compromisso, companheiro/a para a vida – mas têm filhos, e perderam o conforto que tinham antes. Jason e Julie têm conforto – mas não têm alguém para dividir a cama, o travesseiro, as pequenas alegrias e as tristezas, a vida.

Mas bem que Jason e Julie gostariam de ter um filho. Ela, inclusive, tem a questão da urgência: está chegando na idade limite.

E então, conversa vai, conversa vem (os dois se entendem perfeitamente, são almas gêmeas, amigos desde sempre, praticamente irmãos), têm a idéia: e se eles tivessem um filho, pelo prazer de ter um filho, e dividissem igualmente todos os deveres e custos, sem ter que enfrentar o problema que é modificar inteiramente o casamento com a chegada de um filho?

Cada um deles poderia depois procurar pelo grande amor da vida – já tendo um filho.

Estamos aí com meia hora de filme quando Jason e Julie têm a idéia.

Amor. Felicidade. Filhos. Só dá para escolher duas opções, diz o filme

Muito do que virá depois é previsível. Quem gosta de imprevisibilidades deveria ver filmes de ação do cinemão comercial, seja ele americano, brasileiro, francês, sueco. As comédias românticas são previsíveis por definição – especialmente as mais sérias, as melhores, as que contam histórias mais plausíveis, parecidas com a vida real.

Quer coisa mais previsível que a vida real? A gente nasce, cresce, morre e muitas vezes não é feliz, como Domingos Oliveira escreveu em Todas as Mulheres do Mundo, uma das melhores comédias românticas jamais feitas neste planeta.

Em Todas as Mulheres do Mundo há uma sequência pesada. É exatamente a sequência em que se diz essa frase triste – a gente nasce, cresce, morre e muitas vezes não é feliz. A sequência pesada daquele filme carioca e solar acontece em São Paulo, a cidade que, no imaginário carioca mais óbvio, é sombria, feia, triste, pesada.

Há uma sequência pesada nesta comédia romântica passada em Nova York – e ela acontece numa casa de campo, em Vermont, no inverno profundo, na véspera do ano novo. Reúnem-se ali não apenas os três casais de amigos e seus filhos, mas oito adultos – estão presentes também a namorada de Jason, a gata esplendorosa MaryJane (o papel da moça saída do Photoshop Megan Fox) e o namorado de Julie, Kurt (o papel de Edward Burns, ele mesmo).

Era para ser feliz encontro de grandes amigos, reunidos para passar a rodada de ano. Inicia-se uma discussão séria. Uma nuvem negra baixa sobre aquelas oito pessoas.

Uma diretora estreante de 42 anos que consegue escrever, dirigir e atuar numa sequência como essa é alguém para quem se deve tirar o chapéu.

Eu aconselho os eventuais dois leitores (se houver tantos) deste texto que não tiverem ainda visto Solteiros com Filhos a ver o filme.

É uma beleza.

Anotação em setembro de 2012

Solteiros com Filhos/Friends with Kids

De Jennifer Westfeldt, EUA, 2012.

Com Adam Scott (Jason), Jennifer Westfeldt (Julie), Maya Rudolph (Leslie), Chris O’Dowd (Alex), Kristen Wiig (Missy), Jon Hamm (Ben), Megan Fox (MaryJane), Edward Burns (Kurt)

Argumento e roteiro Jennifer Westfeldt

Fotografia William Rexer

Música Marcelo Zarvos e The 88

Produção Points West Pictures, Locomotive, Red Granite Pictures. DVD Paris Filmes.

Cor, 107 min

***

 

14 Comentários para “Solteiros com Filhos / Friends with Kids”

  1. eu vi esse filme tbm. Sérgio, e adorei, pensei q ia ver um filme bobinho apenas, pois estava sem opção no cinema, mas me surpreendi pela qualidade.

  2. Assim como a Creuza,vou ver tbm,com certeza.
    Tua indicação já diz tudo. Gosto muito tbm dos trabalhos do Edward Burns.

  3. Para uma comédia romântica o filme é mesmo acima da média, mas tem aquele problema que venho notando há algum tempo: é demasiado longo para o gênero, principalmente depois que a gente já sabe o desenrolar. A partir desse momento o filme não anda, e eu ficava toda hora olhando quanto tempo faltava pra terminar.

    Dito isso acho que ele mostra uma realidade que acomete muitos casais na vida pós-filhos, mas que poucos têm coragem de admitir. E não sei se é porque o roteiro foi escrito por uma mulher, mas ele deixa subentendido que em parte isso acontece porque os maridos não colaboram, não querem dividir as tarefas etc, deixando todo o peso sobre a mulher. Também querem levar a mesma vida sexual de antes, e nem é preciso ter filhos pra saber que isso é humanamente impossível, ao menos nos primeiros meses (anos?). Pesquisas já mostram que uma porcentagem alta de casais se separa após o nascimento do primeiro filho, o que só prova que o filme tem certa razão, e que ter filho não é brincadeira, requer responsabilidade e comprometimento de ambos.
    Apesar de ser uma comédia romântica, em nenhum momento achei graça de nada, não tem tempo de comédia. Se não fossem os personagens principais pareceria mais um drama leve.

    Só foi ruim ter que aguentar a cara de fuinha e a boca botocada da atriz/diretora. Ainda bem que tinha a Maya Rudolph pra mostrar que ainda existem atrizes normais, sem plástica, e até um pouco acima do peso, graças aos céus!

  4. Ah, não vem ao caso, mas foi a primeira vez que vi um filme com a tal Megan Fox. Sua definição de que ela saiu do photoshop foi ótima, hahaha.
    Gostei do papel do Edward Burns, mais um macho alfa desprezado pela personagem principal, que prefere ficar com o galinha da história. Ah, tá. Ele me lembrou um pouco o papel do Colin Firth naquele filme com a Helen Hunt. Ele tb era um pai divorciado e etc, com super jeito pra crianças.

  5. Promessa cumprida.Assisti hoje.De fato,uma comédia romantica muito bonita,gostosa e sensível.Faz uma referência sôbre casais pós
    nascimento do primeiro filho,sôbre o sexo depois disso e a paternidade/maternidade.
    Tem diálogos picantes,palavrões,mas passa longe do chulo e escatológico.Se bem que tem aquela cena quando ele limpa o bebê,mas essa cena foi até bem bacana.Achei muito bonita a cena em que o Jason fala para o Ben,como ele
    “conhecia” a Julie;aquilo foi lindo demais.
    Gostei da atuação da Jennifer e,sobretudo do Adan,muito bons.O final é previsível mas, como disseste, tôda comédia romantica é assim.Concordo e muito com o que dizes da Megan.
    Esta,para mim,foi uma das melhores comédias românticas que assisti.Muito bom ! !

  6. Uma coisa de nada mas que gostaría de dizer, o ator Jon Hamm, este é o primeiro filme que vejo com ele. Mas,já o vi algumas vezes no seriado “Mad Men” que era ou ainda é exibido no FOX.

  7. Gostei imensamente desse filme. Trata de um a assunto que é muito do meu agrado – relações humanas… Muito interessante o exame de cada um dos casais casados e.. dos solteiros, principalmente a mudança do sentimento dela… coisa que, para mim, acho que sempre acontece: a mulher acaba se apaixonando pelo parceiro sexual, quando antes parecia isenta disso… A participação de Edward Burns é um presentinho especial, pois sou fã dele. Não posso dar palpite dele como diretor, porquê não sei de cinema como o Sergio, mas gosto muito dele como ator e adoro sua voz ligeiramente rouca, acrescenta-lhe um charme especial.

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