Tempestade Sobre Washington / Advise & Consent

4.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2011: Tempestade Sobre Washington, de Otto Preminger, é um filme tão poderoso, forte, sério, hoje, quanto era quando foi feito quase meio século atrás, em 1962. É um belo filme sobre política, sobre como funcionam as instituições americanas, o relacionamento entre Executivo e Legislativo, o jogo de forças, de interesses, de visões de mundo.

É extremamente ousado para a época em que foi feito, poucos anos depois da paranóia do macarthismo, a caça às bruxas que enxergava comunistas em todos os lugares, até no Capitólio, na Casa Branca, no cinema, no rádio, na TV, em qualquer sombra. Fala de guerra fria, de simpatias pelo comunismo – existentes na realidade ou não –, e também de baixarias, sujeira, aloprados, chantagem.

Ao contrário de outros filmes posteriores, que tratam do Congresso americano, da Casa Branca, usando tons de fantasia, de irrealidade, de sátira, de romance – Dave, Presidente por um Dia, Mera Coincidência/Wag the Dog, Meu Querido Presidente/The American President, Sete Dias em Maio –, este aqui tem um tom de retrato fiel da realidade. Nos créditos iniciais, há agradecimentos à associação dos correspondentes na Casa Branca, à associação dos repórteres fotográficos na Casa Branca.

O filme se baseia num romance – premiado com o Pulitzer – escrito por Allen Drury, correspondente do New York Times no Congresso à época em que escreveu o livro, os anos 50. Conhecia muito bem aquele universo. Praticamente todos os personagens são inspirados em personalidades reais da política americana.

Tempestade sobre Washington, assim, é da linha de filmes sérios, realistas, calcados na realidade da política americana, como Todos os Homens do Presidente, A Conspiração/The Contender, Segredos do Poder/Primary Colors, ou Faces da Verdade/Nothing but the Truth.

Não é a reconstituição de fatos históricos, reais, como é o caso de Todos os Homens do Presidente. É uma ficção, uma trama fictícia – baseada, porém, num cenário real, e usando personalidades reais como inspiração para a composição dos personagens.

Os anti-americanistas de plantão poderão dizer que é propaganda imperialista

Exatamente por retratar a Casa Branca e o Congresso, mais especificamente o Senado americano, é certamente um filme para o qual torcerão seus narizes os anti-americanistas de plantão, os esquerdiotas dos diversos matizes, que verão nele a eterna propaganda do imperialismo ianque. Mesmo que o filme mostre podres do sistema. Para os sempre alertas anti-americanistas de plantão, mesmo filme americano que mostre os podres do sistema é propaganda do imperialismo ianque.

Tirando esses aí, os demais espectadores brasileiros que virem Tempestade Sobre Washington muito provavelmente sentirão imensa vergonha do nosso Congresso, da nossa política. Mas volto a esse assunto mais tarde, depois de falar um pouco sobre do que trata o filme.

Uma trama fascinante como se fosse um thriller, e vários ótimos atores

E que bela trama – de ficção, é bom repetir – tem o filme. É uma trama que pode de início até parecer um tanto complicada, já que envolve um grande número de personagens, diversos senadores dos dois partidos, os dois partidos com suas divisões internas. Mas haverá tempo para que o espectador compreenda tudo o que se está contando – e a trama, embora trate desse assunto que para muitos é árido, a política partidária, é fascinante como a de um thriller, um filme de ação. Há segredos que serão revelados, velhas feridas do passado que serão reabertas. E os atores que fazem esses muito personagens são todos de primeiro time, e têm belas atuações.

É uma trama fascinante.

Quando a ação começa, os jornais matutinos estão anunciando que o presidente dos Estados Unidos (Franchot Tone) havia decidido indicar Robert A. Leffingwell (Henry Fonda, na foto acima) para o cargo fundamental, importantíssimo, de secretário de Estado – o equivalente ao ministro de Relações Exteriores. O anterior havia morrido duas semanas antes, e o presidente tinha pressa em substituí-lo. Escolheu, no entanto, surpreender o país, inclusive os congressistas, até mesmo os membros de seu partido, fazendo vazar a escolha para os jornais.

Uma manobra arriscada, já que a indicação precisa, necessariamente, ser aprovada pelo Senado Federal.

Tomados de supresa, os senadores estão em polvorosa. Os primeiros que vemos são Bob Munson, o líder da maioria do Senado (Walter Pidgeon) e seu braço direito Stanley Danta (Paul Ford). Iniciam imediatamente uma grande rodada de contatos, por telefone e pessoalmente. Munson fala com o próprio presidente; tenta falar com o indicado, Leffingwell, mas este não lhe dá retorno.

Por algum tipo de preciosismo, de cuidado especial, o filme não especifica quem são os democratas e quem são os republicanos. É muito claro, no entanto, embora isso não seja dito explicitamente em momento algum, que o presidente é democrata, e a maioria no Senado é democrata. Os republicanos estão na oposição. Mas a maioria é por número pequeno de senadores, e os democratas estão divididos sobre a indicação de Leffingwell, um intelectual, um professor, tido pelos conservadores como fraco, tíbio, mais pró-entendimento com o inimigo, a União Soviética, do que pró-enfrentamento.

À direita, um senador conservador, “falcão”; à esquerda, um aloprado

O grande temor de Munson, o líder da maioria (em primeiro plano na foto), não são os senadores de oposição, e sim um senador da sua própria bancada, o veterano Seab Cooley, há 40 anos no Senado, sulista, conservador, “falcão”, na gíria política americana, ou seja, um defensor ferrenho de se enfrentar a União Soviética de forma firme, à base da força. Seab Cooley – numa interpretação extraordinária de Charles Laughton, de pé na foto – tem uma retórica brilhante, é muito influente, tem ódio pessoal de Leffingwell e fará tudo para impedir sua nomeação para o cargo.

Se de um lado o partido majoritário tem esse grande perigo à direita, tem também seu radical do lado contrário: Fred Van Ackerman (George Grizzard), um senador jovem, impetuoso, apóia a indicação de Leffingwell com ardor juvenil. O espectador verá que Van Ackerman é o aloprado deles: está disposto a tudo em defesa da aprovação do indicado – inclusive partir para a baixaria mais indigna possível.

Tentando equilibrar o partido entre essas posturas radicais, o líder Munson vai indicar um jovem senador sério, empenhado em servir ao país, para presidir a subcomissão do Senado que irá sabatinar o indicado Leffingwell. Esse jovem senador, Brig Anderson, interpretado por Don Murray, terá sérios, seriíssimos problemas à sua frente.

A essa altura, o espectador já foi informado de que o presidente está muito doente, e pode morrer a qualquer momento. O vice-presidente (Lew Ayres), que é também o presidente do Senado, é uma figura simpática, um sujeito calmo – mas que se diz abertamente não estar preparado para assumir a presidência.

Uma bela dama explica para a embaixatriz – e para o espectador – os meandros do Senado

O roteirista Wendell Mayes teve uma bela sacada para facilitar a vida do espectador, para ajudar quem não está familiarizado com os detalhes da política americana a compreender aqueles meandros. Quando, depois de muitas conversas nos bastidores, chega o momento de presenciarmos uma sessão do Senado, surge em cena uma bela mulher, Dolly Harrison – interpretada por Gene Tierney (ao centro na foto). É uma senhora respeitada por todos no meio político de Washington, viúva de um político importante. Ela está ciceroneando a esposa do novo embaixador da França, e a leva para assistir, das galerias, àquela sessão do Senado, ao lado de uma amiga. As duas vão explicando para a francesa – e para o espectador – alguns dados básicos sobre o sistema bipartidário americano.

Quando estamos aí com uns 20 minutos de filme, surge na subcomissão presidida pelo jovem senador Brig Anderson uma testemunha – arranjada pela velha raposa Seab Cooley – que afirma que o indicado ao cargo de secretário de Estado, Robert Leffingwell, pertenceu ao Partido Comunista.

A coisa pega fogo.

Atores certos nos lugares certos

Num filme com tantos personagens importantes, a escolha dos atores foi absolutamente brilhante. Os atores se encaixam em seus papéis à perfeição, como se fossem talhados para isso. Henry Fonda, com aquela postura altaneira, elegante, acima de qualquer suspeita, é perfeito para o papel do intelectual bem preparado, de fala suave e segura. Charles Laughton se excede como o veterano senador da Carolina do Sul, com seus ternos de linho branco absolutamente amarfanhados e sua retórica reacionária mas sedutora. Don Murray, que seis anos antes havia tido a oportunidade de estrelar um filme ao lado de Marilyn Monroe – Nunca Fui Santa/Bus Stop – tem o physique du rôle para o jovem senador que será bombardeado por todos os lados. O veterano Walter Pidgeon brilha como o experientíssimo líder da maioria.

Burgess Meredith, um ator sempre brilhante, coadjuvante perfeito em diversos grandes filmes, pega um papel sob medida para ele, o de Herbert Gelman, a testemunha que afirma ter participado com Leffingwell de reuniões de uma célula do Partido Comunista. Peter Lawford também foi talhado para o papel do jovem senador Lafe Smith, bom sujeito, bom coração, fina estampa, comedor insaciável de belas mulheres.

E Gene Tierney como a dama da sociedade que todos admiram teve o que foi seu último grande papel. Uma das mais belas atrizes do cinema americano, a Laura do clássico filme noir do mesmo diretor Otto Preminger, feito em 1944, Gene Tierney tinha uma vida conturbada, trágica – deu à luz uma filha que nasceu cega e com grave deficiência mental, teve a fortuna que acumulou em Hollywood dilapidada pelo próprio pai, afundou-se em angústia e depressão, foi internada em hospitais psiquiátricos e submetida a eletrochoques.

Havia ficado sete anos sem trabalhar em filme algum, a partir de 1955, até que Preminger deu a ela o papel de Dolly Harrison. Saiu-se corretamente – a beleza ainda era impressionante, e o espectador não percebe sinal algum da barra pesada que Gene Tierney enfrentava na vida pessoal.

Quem é a figura real que inspirou cada personagem

Os alfarrábios contam que um dos muitos dramas que Gene Tierney viveu na vida foi uma paixão por um jovem político em início de carreira, rico, bonito, charmoso, de família poderosa. O jovem político promissor teria explicado a ela que sua família, tradicional, de origem irlandesa, católica, jamais permitiria que ele se casasse com uma atriz de cinema, divorciada. Chamava-se John Fitzgerald Kennedy.

O IMDb diz que o personagem Lafe Smith, interpretado por Peter Lawford, inspirou-se no jovem senador por Massachusets John F. Kennedy. O que é fascinante, pois Peter Lawford foi casado, entre 1954 e 1966, com Patricia Kennedy, irmã de John F. Kennedy.

Quando o filme foi feito e lançado, em 1962, John F. Kennedy era o presidente dos Estados Unidos.

O presidente do filme, interpretado por Franchot Tone (na foto acima), teria sido inspirado por Franklin Delano Roosevelt, o democrata que governou o país por quatro mandatos consecutivos (depois dele, os EUA passariam a permitir apenas uma reeleição seguida), desde a miséria da Grande Depressão até quase o final da Segunda Guerra.

Ainda segundo o IMDb, o papel de Brig Anderson – o personagem trágico, vítima de chantagem feito por Don Murray (na foto abaixo) – teria sido inspirado numa personalidade real da política americana. E o episódio da indicação de Robert Leffingwell – o centro da trama – se baseia na investigação, feita pelo sórdido Comitê sobre as Atividades Anti-Americanas do senador McCarthy, a respeito de Alger Hiss. Alger Hiss, advogado, escritor, alto funcionário federal, foi acusado de ser um espião soviético em 1948 e condenado por perjúrio.

O filme não foi premiado, e levou surra de Pauline Kael

Não teve prêmios, esta beleza de filme. Charles Laughton teve uma indicação para o Bafta de melhor ator. O filme foi apresentado na mostra competitiva de Cannes, mas não levou nada.

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Longo mas absorvente drama sobre as engrenagens e negociações de Washington, baseado no romance de Allen Drury. O elenco é ótimo, com as interpretações suaves de Ayres e Tone sobressaindo-se entre atuações mais vistosas de Laughton (seu último filme) e Grizzard.”

Pauline Kael chama o filme de “mindless” – insensato, estúpido. Elogia o desempenho de Burgess Meredith, como o acusador de Leffingwell, e de Francot Tone, como o presidente; “Charles Laughton está divertidamente vistoso como um senador sulista”, e conclui que a procissão de personagens ajuda o espectador a não pensar no melodrama nervoso.

Para lembrar: advise & consent, do título original, advertir e aconselhar, é uma formulação política que os americanos herdaram de seus colonizadores. Na Inglaterra se entendia que o rei tem o direito de ser consultado, o direto de advertir e o direito de aconselhar.

Ver este filme no Brasil de hoje dá imensa vergonha

E então, finalmente: ver Tempestade Sobre Washington no Brasil de hoje dá vergonha.

Na trama do filme, há um senador que usa de baixaria, de chantagem, para obter o seu objetivo político – garantir a aprovação do homem indicado pelo presidente para o cargo importantíssimo. Há um outro senador, o interpretado por Charles Laughton, que usa armas duras para o objetivo contrário – a descoberta de uma testemunha a respeito do passado do indicado ao cargo de secretário de Estado.

Mesmo esses dois radicais, no entanto, agem não em causa própria, mas em nome daquilo em que acreditam.

Todos os demais personagens agem de acordo com o que dita suas consciências, em defesa de suas posições políticas. Os embates no Senado são por convicções – não para ganho material. Ninguém é corrupto no sentido estrito, de lutar para embolsar dinheiro público, para conseguir nomeações de amigos ou parentes para cargos que permitirão roubar da Viúva.

Em suma: ver Tempestade Sobre Washington e pensar na Brasília dos Sarneys, Renans, Jaders, Rorizes, da privatização dos cargos públicos pelo lulo-petismo, dá imensa, incomensurável vergonha – e raiva.

Tempestade Sobre Washington/Advise & Consent

De Otto Preminger, EUA, 1962

Com Henry Fonda (Robert Leffingwell), Charles Laughton (senador Seab Cooley), Don Murray (senador Brigham Anderson), Walter Pidgeon (senador Bob Munson), Gene Tierney (Dolly Harrison), Peter Lawford (senador Lafe Smith), Inga Swenson (Ellen Anderson), Lew Ayres (o vice-presidente), Burgess Meredith (Herbert Gelman), George Grizzard (senador Fred Van Ackerman), Paul Ford (senador Stanley Danta), Franchot Tone (o presidente)

Roteiro Wendell Mayes

Baseado no romance de Allen Drury

Fotografia Sam Leavitt

Música Jerry Fielding

Produção Otto Preminger, Sigma Productions. DVD Cult Classic

P&B, 139 min

R, ****

16 Comentários para “Tempestade Sobre Washington / Advise & Consent”

  1. Posso dizer? Eu ri um tiquinho, aqui com meus botões, imaginado-me nas matizes da esquerdiota…ao mesmo tempo, sou uma fascinada pela política e, como ela me chegou antes de tudo pelos filmes, uma apaixonada pela política americana também. Roosevelt, por exemplo, tal como Miterrand, era um dos meus semi-heróis da infância. Gostei muito deste filme (interessantemente vi junto com a jovem turminha da Teologia da Libertação, nos idos anos 90)e sim, ele é inspirador quando se vê todo aquele empenho por ideais (sentia isso tb qdo assistia West Wing ou li um livro muito interessante chamado A Filha Pródiga romance que versa sobre a eleição da primeira presidenta norte-americana).
    Gosto muito de Gene Tierney, Laura é tão obrigatório! E Henry Fonda me lembra, muitas vezes, meu querido James Stewart na sua aura de integridade.

  2. Delícia de comentário, Luciana. Você realmente tem borboleta nos olhos…
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Quanto a Gene Tierney, realmente era uma das mais belas, senão a mais bela atriz do cinema, quem a conheceu disse que era ainda mais bonita pessoalmente. Seu marido Oleg Cassini dizia que a câmera não conseguia csptar toda a beleza da atriz. Tem uma história que Darryl F. Zanuck, chefão da Fox, viu uma performance dela na Broadway e disse para o assistente contratá-la, depois ele dançou com uma moça numa festa e falou para o assistente: “Esqueça essa tal Gene Tierney e assine com esta que muito mais bonita.” No que o assistente respondeu: “Mas esta é Gene Tierney!” Darryl não a tinha reconhecido pois na peça Gene usa um outro “look”.
    A história da filha é muito triste. A criança nasceu com problemas mentais, Gene sempre se culpou, pois tinha contraído Rubéola, sem saber. Anos mais tarde encontrou um moça que trabalhava no Exercito, que disse ser a maior fã de Gene e que numa festa para arrecadar fundos para a Guerra, a moça fugiu do hospital pois estava com Rubéola, só pra abraça-la. Ali ela descobriu a causa da doença da filha, mas não teve raiva da fã e não lhe contou nada. Depois de ter passado por depressão e levado eletrochoques ela começou a trabalhar numa chapelaria,lá conheceu um barão do petróleo que tinha sido casado com Hedy Lamarr, eles se apaixonaram e se casaram. Depois num jantar na Casa Branca ela reencontrou com Kennedy, que a tinha dispensado por ela ser divorciada e ter filhas. Ele perguntou como ela estava e Gene respondeu que estava feliz por ter se casado com um homem que a amava. No que o presidente perguntou como ela sabia que o marido a amava de verdade e Gene respondeu:
    “Porque apesar de tudo (divórcio, filhas, doença, internação), ele ainda se casou com ela.”

  4. Acho que a fala do começo deve ser revista sobre, “ver comunista em toda parte e incuslive na Casala Branca.”
    Hoje está mais do que provado que havia infiltração da esquerda no governo, a maioria de forma disfarçada mas hoje está mais explícita. A um livro que trata sobre esse assunto, não me lembro o nome agora, deste a época de FDR, de autoria de uma mulher.
    Dois deles já se sentaram na sala oval, um saiu e outro está lá agora.

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