Amor & Outras Drogas / Love & Other Drugs

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2011: Amor & Outras Drogas tem coisas muito boas e outras bem ruins. Acho que faltou foco, concentração, diretriz, aos roteiristas e ao diretor Edward Zwick. O fato de Anne Hathaway e Jake Gyllenhaal terem sido indicados ao Globo de Ouro como melhor atriz e melhor ator em comédia ou musical indica isso claramente.

O título, os cartazes, a capa do DVD de fato parecem de uma comédia romântica. Há momentos cômicos, sim, mas o filme é um drama, um baita drama – afinal, trata-se de uma história envolvendo uma moça de 26 anos que tem Mal de Parkinson. E o filme vai fundo em questões sérias, seriíssimas, relacionadas à mercantilização dos serviços de saúde e aos métodos abusivos dos gigantes da indústria farmacêutica.

Como considerar isso uma comédia?

Comédia de fato não é. Mas é tão história de amor, tão Love Story, aquele tremendo sucesso açucarado do início dos anos 70, que o espectador tem todo o direito de se sentir um tanto perdido: mas péra lá, isto aqui é um romance ou um drama sobre doença, problemas dos serviços de saúde dos Estados Unidos, denúncia contra a indústria farmacêutica?

Este é o problema, me parece. O filme quis ser tudo isso aí ao mesmo – e resolveu também insistir, provavelmente muito mais do que deveria, na graça, na leveza, em diversas situações, talvez exatamente para fugir ao rótulo de filme sério, denso.

Ficou sem foco, concentração, diretriz.

Dois jovens atores belos e talentosos

Uma das melhores coisas do filme é Anne Hathaway – e, no entanto, ela leva 20 minutos para aparecer na tela.

Tanto Anne Hathaway quanto Jake Gyllenhaal estão muito, muito bem. São dois jovens (ela é de 1982, ele, de 1980) belos atores, belos nos dois sentidos, o estético e o de capacidade, talento. Jovens, belos e de sorte: ambos têm tido papéis em filmes bons, importantes. Ele tem no currículo O Segredo de Brokeback Mountain, Zodíaco, Soldado Anônimo, Entre Irmãos, para citar só alguns, e ela tem sucessos para o público infanto-juvenil (O Diário da Princesa 1 e 2, Uma Garota Encantada), comédias (O Diabo Veste Prada, Agente 86), filme de época (Amor e Inocência), dramas (Passageiros, O Casamento de Rachel). Neste último, um drama forte, sobre dependência de drogas, já havia provado de sobra que tem grande talento – por ele, teve sua primeira indicação ao Oscar de melhor atriz. Seguramente receberá outras.

Está extraordinária neste Amor & Outras Drogas, como Maggie Murdock, que aos 24 anos teve confirmado o diagnóstico de Parkinson – um caso raríssimo de pessoa tão jovem com a doença. É uma personagem complexa, difícil: sempre dependeu de remédios, e por isso conhece muito sobre eles; como a doença leva a um estado depressivo, toma também Prozac, aos 26 anos de idade.

Maggie criou, para se defender do mundo, uma couraça: gosta de sexo, mas tem horror a intimidade, proximidade, namoro, compromisso. Despreza qualquer tipo de piedade, dó, comiseração, mas tem uma veia filantrópica, humanitária. Ajuda grupos de idosos a viajar até o Canadá, onde podem comprar  os medicamentos de que precisam, por preços melhores e sem tantas exigências dos órgãos que regulamentam a saúde. Tem talento, veia artística: mexe com fotografia, cria colagens a partir das fotos que faz, mas trabalha como garçonete em um café. É extremamente desleixada, não liga a mínima para organização – o apartamento em que vive é uma zorra absoluta.

(Aliás, há um probleminha de verossimilhança na criação do personagem de Maggie: como se explica que ela tenha um padrão de vida tão bom, trabalhando como garçonete em um café? O roteiro tem vários probleminhas de verossimilhança como esse.)

Seqüências feitas para dar nojo da indústria farmacêutica

O espectador ficará sabendo bem pouco sobre o passado de Maggie. Saberá um pouco mais sobre o passado de Jamie Randall, o personagem interpretado por Jake Gyllenhaal. Seu pai, James Randall (George Segal), é um médico respeitado, de boa posição; Jamie chegou a cursar uma Faculdade de Medicina, mas acabou abandonando o curso, por falta de interesse. Seu irmão mais velho, Josh (Josh Gad), um bom especialista em informática, é quem tem a idéia de sugerir a Jamie um emprego como representante de vendas da Pfizer. A mãe deles, Nancy (um dos últimos papéis da maravilhosa Jill Clayburgh, morreu no ano em que o filme foi lançado, 2010), protesta: mas isso é ser vendedor de porta em porta. Ao que Josh responde com um argumento definitivo: é, só que ganha rios de dinheiro.

E então Jamie vai participar dos cursos de formação dos representantes de vendas da Pfizer. As sequências dos cursos, apresentadas nos primeiros 15 minutos do filme, são excelentes – são de dar um profundo ódio, profundo nojo da indústria farmacêutica em geral, e de algumas características básicas do capitalismo.

A instrutora resume os números para os novos representantes de vendas:

– “A indústria de saúde negocia hoje (a ação do filme se passa em 1996) US$ 2 trilhões por ano. As dez maiores empresas farmacêuticas ganham mais dinheiro do que todas as outras da lista das 500 maiores da revista Fortune juntas.”

Jamie vai se destacar entre os candidatos a representante de venda. A própria instrutora dos novatos vai se encantar com ele – e dar para ele.

O protagonista é um danado de um comedor

Ah, sim, porque Jamie é um danado de um comedor. É bonitão, é charmoso, é sedutor, e come tudo quanto é mulher que passa à sua frente. Na seqüência inicial do filme, enquanto vão rolando os créditos, vemos Jamie como um excelente vendedor de produtos eletrônicos: tem boa lábia para vender para mulher – e para se vender a elas. Come até a colega que é namorada do dono da loja, razão pela qual perde o emprego mais ou menos quando os créditos iniciais estão acabando.

O poder de sedução de Jamie lhe será extremamente útil na conquista das secretárias dos médicos a quem ele precisa mostrar os produtos da Pfizer.

As seqüências em que Jamie conquista as secretárias para chegar aos médicos e empurrar os remédios do laboratório são, como aquelas do curso de representantes de venda, de enojar o espectador, de deixá-lo com ódio da indústria farmacêutica.

Aí, quando estamos exatamente com 19 minutos e tanto de filme, Jamie conhece Maggie Murdock. Encontram-se pela segunda vez no café em que Maggie trabalha – ao fundo, bem baixinho, ouvimos Bob Dylan cantar a dolorosa, tristíssima “Standing in the Doorway”, do disco Time Out of Mind, de 2000 (“não tenho mais nenhum lugar para onde ir, não tenho mais nada para queimar; não sei se, ao ver você, gostaria de beijar ou matar você” – o que, evidentemente, não tem um bilionésimo da beleza de “I got no place left to turn/ I got nothing left to burn/ Don’t know if I saw you, if I would kiss you or kill you”).

Maggie-Anne Hathaway aparece pela primeira vez na tela com 20 minutos de filme; na segunda vez em que ela e Jamie se encontram, aos 28 minutos de filme, estão trepando loucamente.

46 milhões de americanos não têm como pagar um plano de saúde

Vejo uma reportagem no Globo de 12 de janeiro de 2011 (o filme estrearia nos cinemas brasileiros em 21 de janeiro) em que Anne Hathaway brinca que Jake Gyllenhaal fez os cálculos e afirmou, com precisão matemática, que ele e Anne aparecem nus em 65% do filme. É uma gozação, é claro, mas de fato há diversas cenas em que Jamie e Maggie estão sem roupa, total ou parcialmente. Os dois, como já foi dito, adoram sexo; os dois, cada um por seus motivos, gostam de sexo sem compromisso. Teoricamente, a relação tem tudo para dar certo. Mas esta é uma love story, e naturalmente os dois vão se apaixonar, o que, segundo o script traçado por eles – sobretudo por Maggie –, não deveria jamais acontecer.

Transcrevo uma declaração de Anne Hathaway ao repórter Eduardo Graça, publicada no Globo:

– “Ao lado de O Casamento de Rachel, este foi o filme em que tive de pesquisar mais. Comecei na internet, falei com neurologistas, li os livros de Michael J. Fox (o ator da trilogia De Volta para o Futuro sofre de Parkinson, e se tornou um batalhador pela procura de tratamentos contra a doença), conversei com pacientres. (…) O que queria passar mesmo era a ansiedade de estar doente nos Estados Unidos de hoje, muitas vezes sem a possibilidade de se pagar um plano de saúde, sem amparo social, como é o caso de Maggie.”

E o repórter lembra, em seguida, que há 46 milhões de americanos que não têm condições de pagar um plano de saúde.

Todas as táticas dos grandes estúdios para vender seu produto

O filme se baseia no livro Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman, um relato autobiográfico de Jamie Reidy, que foi representante de vendas da Pfizer a partir de 1996. Nos especiais do Blu-ray, Jake Gyllenhaal conta que conversou longamente com o autor do livro para aprender as táticas dos vendedores da indústria farmacêutica.

O maior defeito de Amor & Outras Drogas, na minha opinião, é exatamente usar demais as táticas dos grandes estúdios de Hollywood para vender seus produtos. O filme é todo cheio de esqueminhas para agradar às grandes audiências, como as piadinhas, os momentos humorísticos, as cenas de sexo, tomadas curtas de gente muito feliz, pulando, dançando – e, depois, o apelo melodramático da grande paixão e uma jovem doente, exatamente como em Love Story, o filme que tinha sacarina demais, capaz de fazer mal a diabéticos e não-diabéticos.

Aparentemente, deu certo no quesito bilheteria. O filme teve um orçamento de US$ 30 milhões, e rendeu US$ 102 milhões (US$ 32 milhões no mercado doméstico e US$ 69 milhões no resto do mundo). Mas, se teve bom retorno financeiro, comprometeu-se no quesito qualidade. Uma pena, porque levanta questões importantes, e tem, repito, belas interpretações dos dois atores centrais.

Oxalá Anne Hathaway, essa moça tão bela e talentosa, tenha a oportunidade de fazer mais filmes sérios, densos, maduros, como O Casamento de Rachel.

Amor & Outras Drogas/Love & Other Drugs

De Edward Zwick, EUA, 2010

Com Jake Gyllenhaal (Jamie Randall), Anne Hathaway (Maggie Murdock),

Oliver Platt (Bruce Winston), Hank Azaria (Dr. Stan Knight), Josh Gad (Josh Randall), Gabriel Macht (Trey Hannigan), Judy Greer (Cindy), George Segal (Dr. James Randall), Jill Clayburgh (Nancy Randall), Kate Jennings Grant (Gina), Katheryn Winnick (‘Lisa’)

Roteiro Charles Randolph e Edward Zwick & Marshall Herskovitz

Baseado livro Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman, de Jamie Reidy

Fotografia Steven Fierberg

Música James Newton Howard

Produção Fox 2000 Pictures, Regency Enterprises, New Regency Pictures, Stuber Pictures, Bedford Falls Productions. Blu-ray e DVD Fox.

Cor, 112 min

**1/2

 

 

 

 

 

 

7 Comentários para “Amor & Outras Drogas / Love & Other Drugs”

  1. Também acho que faltou foco.
    Eu esperava um filme que fosse denunciar a indústria farmacêutica, algo como O Senhor das Armas da indústria de remédios, que fosse falar da medicalização, da cultura de que todo mundo precisa de remédio (ou tem uma doença), dos “presentinhos” que os médicos ganham ao prescrever determinados medicamentos (tenho raiva tremenda de representantes farmacêuticos; o médico está lá, invariavelmente atrasado, e eles ainda entram na nossa frente com os seus produtinhos).
    Mas como o filme poderia fazer uma denúncia contundente se está claro e evidente o merchandising da Pfizer? Sei lá.

    Por fim, esse desenrolar de romance e a mistura dos temas estragou a trama, a gente fica mesmo perdido; o filme é muito longo e no final eu já estava de saco cheio.

    Acho que vc resumiu bem quando disse que o maior erro do filme foi ter usado “todas as táticas dos grandes estúdios para vender seu produto.”

    Concordo com o que a Luciana disse sobre os atores.

  2. Um filme de quase 2 horas, onde poderia ser em 50 minutos…. Perdi as contas do número de vezes que vi os seios de Anne Hathaway. Sinceramente, ela é bonita mas não precisa disso para fazer um bom filme.
    Achei legal mostrar o lado de uma pessoa com Mal de Parkinson, mas nada além disso. Acredito que o diretor perdeu a mão com o filme.
    Os bonus no DVD foram mais interessantes

  3. Olá,
    Não achei os atores sem graça, nem bobinho, nem sal…Ela está tão no auge, que apresentou o Oscar este ano. E ele fez o que filme pedia, no começo um interesseiro, que depois se apaixona….quem o viu em outros filmes sabe do potencial além do rosto bonito que é.

    Agora, vcs reclamam da falta de foco e classificam “Diabo Veste Prada” como “comédia”, agora sim fiquei confusa, o filme nao precisou desse tom político-denúncia para tocar o ponto da doença, das dificuldades físicas e emocionais tanto do doente, quanto dos amigos, parentes, marido, namorado…no fundo, era essa angústia de uma pessoa que tem uma doença crõnica, conseguir investir na vida! Percebe-se isso qdo eles começam correr atrés de novos tratamentos ou cura pro Parkinson, o problema nao era falta de recursos ou d enao ter seguro, o problema é enfrentar a realidade de se apaixonar, trabalhar, consitutir família com o medo, insegurança e desesperança que a doença causa…..enfim, o filme é bom, pq é light e nao tão pretensioso!

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