Passageiros / Passengers


[rating:2.5]

Anotação em 2009: Este é um filme sobre desastre aéreo: começa com um avião caindo e pegando fogo. Fiquei pensando que quem perdeu pessoas em acidentes aéreos não deveria vê-lo: pode ser uma experiência traumática.

É impossível não lembrar de Sem Medo de Viver/Fearless, de 1993, do grande australiano Peter Weir, que, exatamente como este filme aqui, começa com um acidente aéreo, e acompanha a vida dos sobreviventes e os traumas que eles carregam, cada um à sua maneira; Jeff Bridges faz o protagonista, um profissional muito bem sucedido que, depois da tragédia, passa a repensar inteiramente sua vida, a alterar toda sua escala de valores.

apassageiros1Bem no início deste Passageiros, vemos alguns sobreviventes andando entre os destroços. Um deles é Eric, o personagem interpretado por Patrick Wilson, o bom ator que trabalhou em Pecados Íntimos/Little Children, um belo filme, e em Menina.má.com/Hard Candy, filme bom mas apavorante.

Logo depois veremos Anne Hathaway, essa garota talentosa e lindíssima, nascida em 1982 – estava, portanto, com 26 anos quando fez o filme, que é de 2008 – que está com tudo e tem motivos para estar prosa. Vive uma ascensão meteórica, fez vários filmes de sucesso: O Segredo de Brokeback Mountain, O Diabo Veste Prada, Amor e Inocência/Becoming Jane, O Casamento de Rachel, pelo qual foi indicada ao Oscar. Já coleciona 11 prêmios e 21 indicações.

Anne Hathaway faz o papel da Dra. Claire Summers, a psiquiatra (ou psicóloga, não se especifica) jovem, séria, estudiosa, dedicada, incumbida de acompanhar os sobreviventes do desastre, tratar deles, verificar seus traumas, ajudá-los a curar as feridas. Achei estranho que a Claire tivesse sido designada sozinha para uma missão tão pesada, uma moça tão jovem e sem grande experiência com casos assim, por mais brilhante que pudesse ser.

O superior que a designa para a tarefa, Perry (Andre Braugher), logo a avisa que um dos sobreviventes merece especial atenção, porque está, aparentemente, pelo menos, bem demais, eufórico. Esse passageiro é Eric, que as primeiras cenas haviam mostrado com destaque entre os escombros e demais sobreviventes.

Na primeira conversa de Claire com Eric, ele a surpreende dizendo que ela deveria telefonar para sua irmã. Como se ele tivesse algum poder paranormal, como se tivesse lido o que ia pela cabeça da moça, porque de fato Claire tem um problema com a irmã.

Isso acontece com, no máximo, dez minutos de filme. A partir daí, diversos fatos insólitos, estranhos, irão acontecer. Assim como achei estranho que uma profissional tão jovem fosse encarregada de tamanha tarefa, achei estranhos muitos outros fatos que se seguiram. Ao final, tudo irá se encaixar, tudo o que parecia estranho deixará de ser.

apassageiros2Mas este é o tipo de filme do qual não se pode revelar mais sobre a trama. Avançar mais sobre a trama destruiria a experiência de ver o filme. O que apresentei acima, repito, acontece nos dez primeiros minutos; a sinopse da capa do DVD até avança um pouco mais – embora, felizmente, não revele o que não deve ser revelado.

Não é filme para agradar a todas as platéias. Acho de fato que pessoas que tiveram alguma experiência traumática relacionada a acidentes deveriam evitá-lo. Os que costumam ser a priori contra o que chamam genérica e pejorativamente de “cinema americano” também deveriam passar ao largo dele. Mas é um bom filme, muito bem construído e realizado com muito talento. A trilha sonora de Edward Shearmur é magnífica; suaves solos de piano acompanham praticamente toda a narrativa. E ver essa garota Anne Hathaway é um prazer.

O diretor Rodrigo García, nascido em Bogotá em 1959, vai construindo uma sólida carreira no cinema e na TV americanos; é também roteirista, tem experiência na produção, na direção de fotografia, foi operador de câmara. Tem dirigido episódios de importantes séries de TV – Os Sopranos, Six Feet Under, Em Terapia, Amor Imenso. Em 2000, escreveu e dirigiu Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar Para Ela/Things You Can Tell Just by Looking at Her, um interessante, sensível filme independente daquele estilo mosaico, à la Short Cuts, de Altman, focalizando cinco personagens diferentes, cujas histórias são levemente entrecruzadas. Em 2005, repetiu o esquema em Questão de Vida/Nine Lives, em que, como indica o título original, focaliza nove diferentes personagens; para esse filme, em que trabalhou só com planos-seqüência, contou com diversos atores importantes – Robin Wright Penn, Glenn Close, Dakota Fanning, Holly Hunter, Sissy Spacek, Joe Mantegna, Aidan Quinn –, o que por si só já indica o respeito que ele inspira no meio cinematográfico americano.

Que eu saiba, este foi seu primeiro trabalho num filme de Hollywood, do cinemão americano mainstream, feito por uma grande produtora, a TriStar, que pertence à Sony, com orçamento grande e uma estrela que hoje é garantia de retorno na bilheteria. Não tenho idéia se o filme foi sucesso ou fracasso nos Estados Unidos, e isso na verdade não importa – desde que Rodrigo García, que aliás é filho de Gabriel García Márquez, possa continuar fazendo seus bons filmes.

  Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

Este filme me fez lembrar também – mas isso seria um spoiler, um estraga-prazer para quem ainda não viu – o Além da Eternidade/Always, de Spielberg, de 1989, uma bela fantasia em que Richard Dreyfuss e Holly Hunter fazem o casal de protagonistas, pilotos de aviões de combate a incêndios florestais. Era uma nova versão de um filme dos anos 40, A Guy Named Joe, que no Brasil se chamou Dois no Céu, e tinha no elenco Spencer Tracy e Irene Dunne. Na refilmagem, Spielberg ofereceu a Audrey Hepburn – que andava longe do cinema a rigor desde 1967, dedicando-se ao trabalho de embaixadora de boa vontade da ONU – o papel, absolutamente adequado, de um anjo. Foi a última aparição dela no cinema.

Fui ver Além da Eternidade pela primeira vez, no velho cine Metro, na Avenida São João, com Marli, uma amiga sensível e linda, apaixonada por cinema europeu, daquele tipo que considera “cinema americano” uma coisa absolutamente menor. Saí do cinema embevecido com o que tinha visto, levitando, a cinco centímetros do solo – mas tive que cair estatelado no chão ao ouvir Marli vociferar contra a idiotice do filme. Estava meio solteiro na época, e bastante interessado em transformar a amizade em outra coisa; a partir do momento em que conversamos sobre Always, vi que não ia dar certo.

 Passageiros/Passengers

De Rodrigo García, EUA-Canadá, 2008

Com Anne Hathaway, Patrick Wilson, David Morse, Dianne Wiest, Clea Duvall, Andre Braugher

Argumento e roteiro Ronnie Christensen

Música Edward Shearmur

Produção TriStar Pictures. Estreou em SP 27/3/2009

Cor, 93 min

**1/2

6 Comentários para “Passageiros / Passengers”

  1. Filme bonzinho, eu gostei. Pouco antes de meia hora pro término já dá pra entender o que se passa. A olhuda Anne Hathaway atua bem, mas aqui achei a atuação dela bem fraca, meio caricata. O Patrick Wilson é mesmo um bom ator, mas dos filmes que vi com ele, até agora não passou mesmo de “bom”, é meio contido. Adorei o lance com o cachorro, achei diferente. Não dá mesmo pra falar muito sem entregar a história, então paro por aqui. Foi um alívio assistir a um filme do Rodrigo García um pouco menos depressivo, digamos assim, apesar de todos os dramas.

  2. Bom, meu comentário é para quem assistiu o filme, ou seja, um spoiler!!!
    Então, quem ainda não viu, não leia!!!
    A dúvida é: Como ele consegue andar de moto e ela de carro?
    No filme sexto sentido, por exemplo, tem uma porta sempre fechada e no final percebemos o porque dele não conseguir abrir… já o carro e a moto, não entendi!!!

  3. Olá, Paulo!
    Boa pergunta! E eu não sei responder! Vi o filme faz algum tempo, não lembro desses detalhes.
    Teria sido assim uma espécie de licença poética? Ou o roteirista mandou mesmo a lógica, a verossimilhança para o inferno? Não sei.
    Quem sabe um eventual leitor que tenha visto o filme mais recentemente não poderá responder?
    Um abraço.
    Sérgio

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