Anotação em 2010 (postada em janeiro de 2011): Eis aí uma trama envolvendo crime e tribunal para não deixar desapontado ninguém que goste de tramas envolvendo crime e tribunal. É uma história engenhosa, fascinante, muitíssimo bem estruturada, sólida.
Mais ainda: é um filme que aborda temas importantes, de forma séria, capaz de fazer pensar.
Fazem-se filmes demais, vemos filmes demais, e acaba que ficam em falta novos títulos. Este Acima de Qualquer Suspeita, título original Beyond Reasonable Doubt, dirigido por Peter Hyams em 2009, não tem absolutamente nada a ver com o belíssimo livro de Scott Turow que no Brasil se chamou Acima de Qualquer Suspeita, no original Presumed Innocent, e que deu origem ao belo filme homônimo dirigido por Alan J. Pakula em 1990, com Harrison Ford como o promotor assistente que acaba sendo acusado do assassinato de sua belíssima colega (e amante) interpretada por Greta Scacchi.
Este filme aqui também trata de assassinatos, e de um promotor, e uma promotora assistente. Mas as semelhanças com o livro de Turow e o filme de Pakula terminam aí.
Não que seja uma história nova. Trata-se da refilmagem de Beyond a Reasonable Doubt, de Fritz Lang, o grande nome do expressionismo alemão, autor de Metropolis, M, o Vampiro de Düsseldorf e O Testamento do Dr. Mabuse. Lang, como tantos outros grandes nomes do cinema europeu, radicou-se nos Estados Unidos, fugindo do nazismo; seu primeiro filme americano foi feito em 1936 – Fúria, com Spencer Tracy.
O Beyond a Reasonable Doubt original, que no Brasil teve o nome de Suplício de uma Alma, é de 1956. Foi a penúltima obra de Lang antes de deixar os Estados Unidos e voltar para a Europa. Não vi o filme, que tinha Dana Andrews e Joan Fontaine como protagonistas, e portanto não seria capaz de fazer comparações. Gostaria muito de vê-lo.
Um repórter de TV ambicioso, um promotor ambicioso
Hum… Acho que o começo desta anotação ficou um tanto confuso. Nomes demais.
Vamos então a uma sinopse, ou à apresentação do que é mostrado ao espectador no início deste Acima de Qualquer Suspeita/Beyond a Reasonable Doubt.
O filme abre com um pequeno intróito para que o espectador fique conhecendo o protagonista, CJ Nicholas (Jesse Metcalfe, na foto), um repórter de uma emissora de TV de Shreveport. Na seqüência inicial, CJ Nicholas está no meio da rua, gravando para as câmaras um teste com populares para saber se eles identificam o gosto de diferentes tipos de café.
Por uma brincadeira que o câmara e um assistente fazem com CJ Nicholas, assim que ele termina a gravação, e pelo jeitão dele, dá para perceber de cara que aquela é uma emissora local, pequena, de Shreveport – uma cidade do Norte do Estado sulista de Louisiana –, e que o rapaz acha aquilo que está fazendo uma grande bobagem. É do tipo que pensa que, àquela altura da vida, com uns 30 e pouquinhos anos, já deveria estar trabalhando em uma rede nacional, em uma das principais metrópoles do país.
Assim que se livra daquela chatice, CJ vai para o tribunal do júri da cidade, onde o promotor Mark Hunter (Michael Douglas) está fazendo seu pronunciamento final no julgamento de um homem acusado de matar uma jovem. Hunter é um daqueles promotores que sabem falar bem, que impressionam os jurados. Quem reparar bem notará que ele monta a acusação em cima de um bando do que se chama de provas circunstanciais – a única prova absolutamente concreta de que o acusado de fato matou a vítima é uma ponta de cigarro achada na cena do crime, que tinha o DNA do réu.
O homem é condenado.
O promotor quer ser governador; o repórter quer o Pulitzer
À saída do tribunal, o vitorioso Hunter dá a tradicuonal entrevista para as emissoras de TV – e aí o espectador é informado do óbvio: com uma fileira de 17 vitórias no júri nos últimos meses, o promotor tem grandes chances de se lançar ao governo do Estado nas eleições seguintes.
O repórter CJ Nicholas anda paquerando a assistente do promotor, mocinha bonitinha, Ella Crystal (Amber Tamblyn, na foto). Ela a princípio não quer saber de nada com o repórter, mas ele tem boa figura, bom papo, ganhou um prêmio no início da carreira por uma reportagem que fez com a mãe de uma vítima de assassinato, e a moça enfim aceita sair com ele – e acaba se apaixonando.
O repórter CJ anda também absolutamente convencido de que o promotor Hunter plantou evidências – fraudulentamente, ilegalmente – para conseguir as tais das 17 condenações seguidas. Tenta vender a história para seu chefe na TV, mas, como não tem provas concretas da sua teoria, não recebe sinal verde do chefe.
Aí CJ confidencia ao cinegrafista e amigo Finley (Joel David Moore) que tem um plano: da próxima vez que houver um crime na cidade – e a vítima for alguém pouco importante socialmente, um mendigo, uma prostituta –, ele, CJ, vai fazer se passar pelo criminoso, para depois provar que o promotor plantou evidências falsas. Desmascarar um promotor de sucesso, em vias de se candidatar a governador – Prêmio Pulitzer na certa, garante ele ao amigo.
E não é que acontece, logo depois, de uma prostituta ser assasssinada em Shrevenport?
CJ conversa com o policial encarregado do caso. Consegue saber por ele que o assassino usou um canivete assim assado, foi visto com tal e tal roupa, tal e tal sapato. E aí, tudo sendo devidamente filmado pelo amigo cinegrafista, vai comprar um canivete igual ao usado no crime, roupa idêntica à descrita pelas testemunhas, sapato idêntico. Vai criar uma armadilha para enredar o promotor e se promover ao posto de repórter mais falado da mídia nacional.
Gastei muitos parágrafos nessa descrição, mas não vai aí spoiler algum: tudo isso acontece nos primeiros 15, no máximo 20 minutos do filme.
Muito do que virá a seguir, o espectador que gosta desse tipo de filme vai sacar antes que os fatos sejam mostrados. Mas mesmo o mais fanático admirador de histórias policiais terá dificuldade em imaginar boa parte do que virá. É uma bela trama.
Um filme que trata de muitas questões importantes
Questionar a Justiça, o sistema judiciário, ou, mais profundamente ainda, o abuso do poder, era seguramente o objetivo do vienense Fritz Lang, quando filmou em 1956 a história criada por Douglas Morrow, ele próprio autor do roteiro. Era um tema de que Lang gostava muito. Fúria, seu filme de estréia nos Estados Unidos, discutia o linchamento, o momento em que a turba enfurecida deixa a Justiça de lado e parte para o olho por olho, dente por dente, com suas próprias mãos. O acusado era inocente – assassinos eram os populares que queriam matá-lo.
Em sua refilmagem, o diretor Peter Hyams – embora não tenha, naturalmente, um décimo do reconhecimento mundial do mestre austríaco – também vai fundo neste tema sério, difícil, fundamental, a possibilidade, sempre presente, de a Justiça errar, de haver abuso de poder por parte de alguém que ocupa lugar importante na engrenagem.
Nesse ponto, o filme me fez lembrar um pouco A Vida de David Gale, de Alan Parker, com Kevin Spacey e Kate Winslet, um filme a meu ver amplamente subestimado, um belo e importante panfleto contra a pena de morte.
Mas o novo filme trata ainda de outros temas importantes, como o poder da imprensa, dos meios de comunicação, e da ambição de seus agentes. E ainda passará pela questão terrível dos ideais supremacistas, da capacidade de algumas pessoas de se arvorarem a ser superiores aos outros.
Não é pouca coisa.
O único astro do elenco faz papel secundário
Achei interessante o fato de o único grande astro do elenco, Michael Dougas, fazer um papel importante dentro da trama, mas é um papel menor, de coadjuvante. O protagonista da história, o repórter CJ Nicholas, é interpretado por um ator que, creio, é pouco conhecido internacionalmente: Jesse Metcalfe, nascido em 1978, tem 12 títulos de filmes e/ou séries no currículo – mais séries do que filmes, na verdade. Participou de Desperate Housewives, Smallville, Passions.
E Amber Tamblyn, que faz o segundo papel mais importante, o da assistente da promotoria Ella Crystal, embora tenha já 30 títulos no currículo, não é propriamente, pelo menos ainda, uma grande estrela.
Bom, isso.
O diretor Peter Hyams assina também o roteiro, baseado no do filme de 1956. Mas assina também a direção de fotografia, algo que é bem raro no cinema americano. Já fez isso várias outras vezes; é uma característica que o torna diferente de seus colegas. Não passa à toa, neste filme aqui, pelo tema jornalismo: trabalhou na CBS como jornalista e chegou a ser âncora. Não tem grandes obras no currículo – mas este aqui é um belo filme.
Acima de Qualquer Suspeita/Beyond a Reasonable Doubt
De Peter Hyams, EUA, 2009
Com Jesse Metcalfe (C.J. Nicholas), Amber Tamblyn (Ella Crystal),
Michael Douglas (Mark Hunter), Joel David Moore (Corey Finley), Orlando Jones (Bill Nickerson), Lawrence Beron (tenente Merchant)
Roteiro Peter Hyams
Baseado no roteiro original de Douglas Morrow
Fotografia Peter Hyams
Música David Shire
Produção Foresight Unlimited, RKO Pictures, Signature Entertainment. DVD Califórnia Filmes
Cor, 106 min
***
Título em Portugal: A Verdade e o Medo
Três belos filmes: gosto mais de A Vida de David Galey, depois do filme com Harrison Ford (influenciada, óbvio, pelo livro..li também Erros Irreversíveis e O ônus da prova, gosto do estilo) e, por fim, mas ainda apreciável, esse Acima de Qualquer Suspeita que intitula o post. Gosto de filmes de tribunais. Gosto, igualmente, de vir aqui concordar e dar meu pitaco.
Eu sou uma das fãs de filmes sobre crime e tribunal, e gostei bastante desse aqui.
Como vc já falou das partes importantes, vou falar só sobre as amenidades: adorei o fato do Michael Douglas ter ficado com um papel secundário pq não suporto as caras e bocas (enrugadas desde sempre) dele.
Gostei mais da atuação da atriz fora do padrão de beleza Hollywoodiano (thank God!) que da do ator de rosto bonitinho.
E o que são aquelas cenas de suspense? A sequência da perseguição de carro é agoniante, e depois, a sequência no estacionamento me fez suar frio nas mãos, literalmente.
É por causa de filmes assim que eu tenho um pouco de medo de estacionamentos que ficam no subsolo. Deal with it.
Vi o filme de madrugada, e depois demorei pra dormir, mesmo caindo de sono. Eu sei que não tem nada de mais, mas fiquei impressionada com a aceleração e o barulho do motor do carro – a “caça” no estacionamento – uma coisa meio a la Encurralado, só que com pedestre.
Antes de ver o filme, fiquei cismada com a frase “E não é que acontece, logo depois, de uma prostituta ser assasssinada em Shrevenport?” , pois não parece muito o seu estilo, mas depois de assistir consegui entender.
Ai, ai ai!!!! Agora vejo que vc deu 3 estrelas para este e 3,5 para O fio da suspeita!!!!!!
vou até rever este!