O Solteirão / Solitary Man

Nota: ★★★☆

Anotação em 2011: A pior coisa deste filme é o título imbecil escolhido pelos exibidores brasileiros. O Solteirão sugere uma comedinha romântica. É completamente diferente de Solitary Man, o título original. É um baita drama – a história de um homem que tinha tudo o que se admira na escala de valores da sociedade capitalista e vai descer ao inferno.

A trama parte de uma elipse, de algo que não se mostra. Logo na abertura um letreiro avisa: “Seis anos e meio atrás”. Ben Kalmen (Michael Douglas) está fazendo a consulta anual a seu médico; é um sujeito falante, cheio de si; tem uma rede de concessionárias de carro, é extremamemente bem sucedido, rico. Não pára de falar – mas o eletrocardiograma mostrou algum problema, e o médico diz que ele precisará fazer uma tomografia.

Corta, novo letreiro avisa: “Seis anos e meio depois” – e temos os créditos iniciais, sobre tomadas em que Ben Kalmen está andando pelas ruas de Manhattan, e ouvimos “Solitary Man”, na voz profunda, séria, pesada, triste, do grande Johnny Cash.

Saberemos aos poucos, ao longo do filme, algumas das coisas que aconteceram durante aquele período de seis anos e meio – mas os motivos que levaram a tudo aquilo só serão revelados bem no final da narrativa. Naqueles seis anos e meio, Ben deu um golpe, foi descoberto, gastou sua fortuna para fazer um acordo na Justiça e escapar de cumprir pena de prisão; separou-se da mulher, Nancy (Susan Sarandon), e virou um tremendo galinha, um comedor de garotinhas jovens. Não quer que a filha, Susan (Jenna Fischer) o chame de pai, e muito menos que o neto, Scotty (Jake Siciliano) o chame de avô. Está namorando Jordan (Mary-Louise Parker), uma mulher riquíssima, divorciada, cujo pai, um figurão na área de revenda de carros, poderá ajudá-lo a, apesar de sua ficha suja, montar uma nova concessionária e recomeçar a vida profissional.

Jordan, a namorada milionária, fica resfriada justamente no dia em que deveria acompanhar a filha de 18 anos, Allyson (Imogen Poots, uma garota inglesa linda que merece atenção), a uma universidade em Boston, para uma entrevista que definirá sua admissão. Pede então a Ben que vá com a garota – ele havia estudado naquela universidade, fez grandes doações nos seus tempos milionários, o reitor o respeita.

Embarcam para Boston, então, a garotinha de 18 anos, linda, atrevida, sedutora, e o sessentão comedor de garotinhas que precisa desesperadamente da ajuda do pai da namorada para recomeçar a vida.

Uma figura antipática, desprezível – mas o espectador fica com pena dele

Ben faz as escolhas erradas. Faz seis anos e meio que só faz as escolhas erradas. Mas a descida ao inferno será duríssima, cada vez pior, cada vez mais humilhante e violenta.

De milionário que apareceu na capa da revista Forbes, vai caindo, caindo, caindo – e a queda parece não terminar nunca.

É interessante: embora seja uma figura antipática, até desprezível, com sua autoconfiança imensa, sua soberba e egoísmo exacerbados, esse Ben Kalmen – um papel perfeto para Michael Douglas – acaba deixando o espectador com pena dele.

Até porque, se em parte ele próprio vai cavando sua cova, em boa parte ele é vítima de uma vingança que mostra como o poder do dinheiro é imenso, e tudo consegue, com a maior impunidade.

Fiquei um tanto confuso diante do filme, não muito certo a respeito do que, afinal, os diretores Brian Koppelman e David Levien quiseram dizer com ele.

O que o filme acabou me passando foi um grande desprezo pela forma como as coisas funcionam numa sociedade baseada na competição, no valor do dinheiro. E um elogio à amizade e à solidariedade entre as pessoas – o que surge através do personagem de Danny DeVito, Jimmy, um antigo amigo de Ben nos tempos de universidade, que ele desprezou ao subir na escala social.

A mensagem é boa, claro. Mas achei que ela é entregue de uma maneira um tanto confusa, não muito clara.

“Avôs que seduzem garotinhas são desagradáveis”

Tanto Brian Koppelman, autor da história e do roteiro, quanto David Levien, que co-dirigiu, são colaboradores de Steven Soderbergh – um bom sinal. Tiveram participação no roteiro de O Júri/The Runaway Jury, o bom filme baseado no romance anti-tabaco de John Grisham, e também em Treze Homens e um Novo Segredo e Confissões de uma Garota de Programa, ambos dirigidos por Soderbergh – que foi o produtor deste Solitary Man.

Vejamos o que diz o AllMovie. A crítica é assinada por Derek Armstrong:

“O consenso da crítica foi de que Solitary Man representou o melhor trabalho de Michael Douglas desde Wonder Boys (Garotos Incríveis, de Curtis Hanson), de uma década antes. Melhor, talvez; mais agradável, não. Em ambos os filmes, Douglas faz um mulherengo de meia-idade que ignora os sinais de alerta sobre sua saúde perdendo-se em passatempos juvenis: fumar maconha em Wonder Boys, caçar mulheres que poderiam ser suas netas em Solitary Man. Mas a comparação termina aqui. O Ben Kalmen de Solitary Man simplesmente não é uma pessoa muito boa. Poderíamos com alegria perdoá-lo pelas negociatas que o forçaram a abandonar uma carreira de sucesso como vendedor de carros; este é o tipo de falha que aceitamos, e até esperamos, de nossos protagonistas, o pecado necessário no começo de qualquer estrada para a redenção. É seu apetite voraz por mulheres jovens que não é tão bonitinho – em parte, embora isso não seja o mais importante, porque sua compulsão é tão destrutiva, em um caso ameaçando impedir sua volta ao mundo dos negócios. Mais importante é que avôs que seduzem garotinhas são simplesmente desagradáveis. (…)

“Felizmente, o próprio Douglas está merecendo toda ajuda que puder. Ele interpreta com nuances, está cego a suas próprias falhas, de maneira crível, e, às vezes, muitíssimo engraçado. O problema é que o roteirista-diretor Brian Koppelman e o co-diretor David Levien querem que de fato gostemos deste homem. Parece que os criadores de Ben ficaram tão fascinados por seu charme quanto as adolescentes de quem vai atrás.”

Mas ele não come nenhuma menor de idade, nem força ninguém a nada

Hum… Me parecem um tanto superficiais, ou simplesmente equivocadas, algumas dessas avaliações. Ben faz, sim, muita besteira, mas não come menores de idade. Nem força nenhuma garotinha a fazer nada que ela não queira. E sua descida ao inferno é uma punição forte demais, mesmo para um pecador como ele.

Mas concordo plenamente: Michael Douglas está bem, muito bem, no papel. E é interessante revê-lo ao lado de Danny DeVito. Os dois haviam trabalhado junto mais de 20 anos antes, em A Guerra dos Roses, outro filme que faz críticas pesadas ao estilo de vida das pessoas na sociedade capitalista.

E é interessante também ver, num papel pequeno, de um estudante a princípio muito tímido, esse garoto Jesse Eisenberg, que no ano seguinte ao do filme, em 2010, faria o papel do criador do Facebook em A Rede Social.

O Solteirão/Solitary Man

De Brian Koppelman e David Levien, EUA, 2009

Com Michael Douglas (Ben Kalmen), Susan Sarandon (Nancy Kalmen), Danny DeVito (Jimmy Merino), Mary-Louise Parker (Jordan Karsch), Jenna Fischer (Susan Porter), Imogen Poots (Allyson Karsch), Jesse Eisenberg (Daniel Cheston), Jake Siciliano (Scotty)

Argumento e roteirto Brian Koppelman

Fotografia Alwin Kuchler

Música Michael Penn

Produção Millennium Films, Smartest Man Productions. DVD Califórnia Filmes.

Cor, 90 min

***



5 Comentários para “O Solteirão / Solitary Man”

  1. Algo interessante nesse filme é o fato do Michael Douglas ter interpretado um personagem doente na mesma época em que estava enfrentando o câncer na vida real. Gostei da atuação dele. Lembrei da Imogem Poots de uma curta (mas forte) aparição que ela faz em V de Vingança, como uma das moças lésbicas que são levadas para o campo de extermínio. Se bem me lembro, as anotações lidas pela personagem da Natalie Portman, quando essa última esta presa, são dela. O olhar é da Imogem Poots é inesquecível.

  2. Acompanho o site de vocês há pouco tempo mas acho o máximo! Tento administrar meu tempo para conseguir ver o máximo possível dos ótimos filmes que vocês mencionam por aqui.

    E eu gostaria de perguntar se vocês tem algumas dicas de filmes que retratam a virada do século XIX para o XX de uma maneira confiável. A Belle Époque é meu período histórico favorito mas, infelizmente, é um pouco complicado encontrar filmes retratando o assunto.

    Se possível, gostaria da ajuda de vocês!

    Até mais!

  3. Olá, Samantha!
    Agradeço por sua mensagem gentil e pelo elogio ao site. Mas devo esclarecer que não há vocês, há só um você – o site é obra de uma pessoa só, como tentei deixar claro na Apresentação.
    Sobre filmes que retratam a virada do século XIX para o XX, ou os primeiros anos do XX… Assim, rapidamente, eu me lembro de
    Na Época do Ragtime/Ragtime, de Milos Forman, 1981 – a ação se passa em Nova York e adjacências;
    O Grande Truque/The Prestige, de Christopher Nolan, 2006 – Londres;
    Gigi, de Vincente Minelli, 1958 – Paris
    Chéri, de Stephen Frears, 2009 – Paris e adjacências.
    Vou tentar me lembrar de outros…
    Um abraço.
    Sérgio

  4. Nossa, não tinha reparado na minha gafe, hahah
    Mas parabéns pra VOCÊ pelo site, então!

    Obrigada pelas dicas, desses eu só vi Gigi e O Grande Truque. Os outros também parecem ser ótimos filmes, vou atrás deles com certeza.

    Até mais!

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