Confissões de uma Garota de Programa / The Girlfriend Experience


Nota: ★★½☆

Anotação em 2010: Confissões de uma Garota de Programa me pareceu um filme gelado, absolutamente sem emoção. A personagem central, Christine, ou Chelsea, uma jovem prostituta de alto luxo de Manhattan, esconde cuidadosamente seus sentimentos – se é que tem algum sentimento.

A maneira com que Steven Soderbergh escolheu para filmar a história realça essa impressão de frieza, de falta de sensações. Há uma imensa quantidade de tomadas em que os personagens estão separados da câmara por algum vidro. Em diversas seqüências, a câmara está parada, estática, em planos de conjunto, um tanto distante dos personagens, que vemos inteiros, sem poder observar bem as expressões de seus rostos.

Há ainda muito mais tomadas internas que externas; a iluminação artificial, amarelada, dos ambientes elegantes, ricos, do centro da capital do mundo, o umbigo do capitalismo – hotéis, restaurantes, bares, mais hotéis, restaurantes, bares, galerias de arte, lojas de grife – aumenta ainda mais a sensação de distanciamento.

Um filme glacial.

 

 

 

 

 

 

 

Soderbergh, diretor de imenso talento e uma capacidade de trabalho fenomenal – a sensação que se tem é que o dia dele tem 48 horas, tantos são os filmes que ele faz, incessantemente –, é chegado a experimentos formais. Alterna filmes de grande potencial de bilheteria, como a trilogia iniciada com a refilmagem de Onze Homens e um Segredo, com obras mais pessoais, quase experimentais. Este filme aqui, obviamente, é do segundo tipo.

A narrativa é fragmentada, a cronologia é despedaçada. O filme às vezes tem ares de documentário, às vezes de reportagem, de reconstituição do dia-a-dia real da jovem prostituta de luxo: ela mesma toma notas a respeito de seus encontros com os clientes, descreve o que fizeram, sobre o que conversaram, onde foram, e, sobretudo, o nome das roupas e calçados que usou – todos dos mais caros do planeta. E ao longo do filme intercalam-se diálogos dela com um escritor que a entrevista, que tenta extrair um retrato íntimo dela, o que ela sente, o que ela pensa.

         Glacial – e com um tom de urgência

Gelado, glacial como seu personagem e como a forma com que foi fotogrado, o filme ao mesmo tempo mostra uma certa urgência, uma premência de retratar o momento atual o mais rapidamente possível, como se fosse um programa de TV a ser exibido daí a poucos dias: feito em 2009, o filme apresenta uma história passada em 2008, e faz questão de mostrar isso a todo momento. A toda hora há diálogos sobre os acontecimentos recentes – a grande crise financeira que se abateu sobre os Estados Unidos e de lá reverberou para o mundo todo a partir da quebra de grandes bancos no segundo semestre de 2008, a campanha eleitoral em que o republicano John McCain enfrentava o democrata Barack Obama.

Christine/Chelsea, apesar de extremamente jovem – não se fala a idade dela, mas a aparência é de uma jovem de 21, no máximo 25 anos –, é bem treinada. É uma puta, mas é sobretudo uma acompanhante, uma escort. Sabe que aqueles seus clientes – homens muito, muito ricos, executivos de Wall Street, empresários – não querem apenas o sexo, querem também uma companhia durante algumas horas, às vezes uma noite inteira. Querem falar, desabafar, contar de seus negócios – falam da situação econômica, da crise, das dificuldades, da diminuição de sua renda, das eleições, da importância das eleições naquele momento. E ela sabe ouvir.

Fala-se muito, ao longo de todo o filme. Basicamente, o filme mostra conversas, muitas vezes à mesa de um fino restaurante ou um elegante bar. Há momentos em que, além de glacial, ele fica também cansativo, pela repetição das situações – embora o filme seja bem curto, com 77 minutos.

Não ficou claro para mim qual foi a intenção de Soderbergh ao contar a história de Christine/Chelsea. Seguramente não foi fazer com o espectador sentisse pena dela, ou, ao contrário, desprezo, nojo. De forma alguma. Não há sentimento, sensação envolvida aí. A mim, particularmente, o filme provocou uma repulsa pelo tipo de sociedade que a humanidade criou, e que é o mais evidente possível exatamente ali na ilha de Manhattan, o umbigo do capitalismo (pô, gostei dessa imagem), uma sociedade sem qualquer valor moral, onde tudo é aparência e dinheiro.

O título brasileiro poderia sugerir um filme com muitas cenas de sexo. Nada mais falso. Confissões de uma Garota de Programa é o exato oposto do espanhol Diário Proibido/Diario de una Ninfómona: não há absolutamente nada explicitamente sexual em todo o filme.

Gostaria de justificar a afirmação que fiz acima a respeito da capacidade de trabalho de Soderbergh, para quem o dia parece ter 48 horas. Apenas no ano de 2009, o ano deste filme aqui, ele trabalhou em quatro filmes diferentes. Foi produtor executivo de um documentário, Playground, produtor de Solitary Man, e diretor de dois longa-metragens, este Confissões de uma Garota de Programa e mais O Desinformante!/The Informant! Neste ano de 2010, está fazendo três filmes.

Sujeito doido.

 

A jovem atriz é uma grande estrela pornô

Vamos aos fatos, informações.

Sasha Grey, a atriz que faz o papel central, nasceu em Sacramento, na Califórnia, em 1988; estava, portanto, com 21 anos quando fez o filme. Apesar de tão jovem, tem uma impressionante filmografia de quase 200 títulos – é uma atriz de filmes pornôs. Tem nada menos que dez prêmios e 28 outras indicações em premiações especializadas na área pornô, tipo Adult News Video e X-Rated Critic’s Organization. Entre seus prêmios estão os de Melhor Cena de Sexo Só de Garotas, Melhor Cena de Sexo Anal e Melhor Cena de Sexo Solo.

Não sabia disso, enquanto via o filme.

Não achei que a atriz seja uma bela mulher. Claro, não é feia, de forma alguma, mas tem uma beleza à la Barbie – glacial. Como atriz, me pareceu correta, nada mais que isso; Soderbergh é um grande diretor de atores, qualquer moça do BBB dirigida por ele teria uma atuação correta. A de Sasha Grey me pareceu correta – gelidamente correta.

É um bom filme, é claro. Esse sujeito não saberia fazer um filme ruim. É bom – e triste. Deixa o espectador arrasado. Com repulsa pela sociedade que construímos. Não pelo fato de a protagonista viver da venda de sexo, não. É muito pior que isso. É o conjunto do vazio moral, que o consumismo de luxo só torna mais evidente.

Confissões de uma Garota de Programa/The Girlfriend Experience

De Steven Soderbergh, EUA, 2009

Com Sasha Grey (Christine/Chelsea), Chris Santos (Chris), Philip Eytan (Philip), Timothy Davis (Tim), David Levien (David)

Roteiro Brian Koppelman e David Levien

Fotografia Peter Andrews

Música Ross Godfrey

Produção 2929 Entertainment, Extension 765 Productions

Cor, 77 minutos

**1/2

7 Comentários para “Confissões de uma Garota de Programa / The Girlfriend Experience”

  1. O mundo paralelo da procura por emoção sexo casual e ser aceito
    São formas de obter o extra cotidiano onde se paga pra ser aceito. Isto no homem
    A mulher procura por dinheiro fácil ondeemos esconde sentimentos até que percebe que nao obstem mais
    Se torna uma maquina robótica de dar um pouco de prazer ,até perceber que nem isto consegue mais oferece.
    Pode procurar drogas , álcool, casamento de conveniência e ter amantes para perpetuar o comportamento de trocar sexo por dinheiro.
    MS tudo na vida tem um retorno nao vai levar ao encontro de nada porque se torna vazia .
    O final nao sabemos pois cada um tem sua história mais triste geralmente

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