3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Uma comedinha romântica gostosa, divertida, inteligente, esperta. Assim como Simplesmente Amor/Love Actually, não se contenta em contar a história de um casal – pega um bando de personagens, à la Short Cuts, um mosaico, que é também uma quase quadrilha drummondiana, Carlos que amava Pedro que amava…
E, como Harry e Sally – Feitos um para o Outro/When Harry Met Sally, incrustra na narrativa depoimentos de pessoas a respeito do amor, dos encontros e desencontros na vida.
E, um pouquinho como (500) Dias com Ela/(500) Days of Summer, brinca, faz piada com o que se diz sobre amor, destino, encontros, e com as próprias comedinhas românticas, esse gênero tão inocente, suave, refrescante e necessário como um bom copo de água gelada numa manhã de ressaca.
O filme já começa muito bem. Estamos num parquinho infantil de praça, com aqueles brinquedinhos básicos para crianças pequenas, como tanque de areia e trepa-trepa. Uma menininha de uns cinco anos está lá brincando de fazer bolos na areia; aproxima-se um menininho de uns seis, enquanto uma voz em off diz:
– “Uma garota jamais esquece o primeiro garoto de quem ela gostou. Mesmo que as coisas não tenham ido muito bem.”
O menininho vai indo em direção à menina e a empurra no chão. Ela pergunta por que ele fez aquilo, e ele responde: “Porque você cheira feito cocô de cachorro. Você é idiota como cocô de cachorro”. A menininha, chorosa, vai se queixar pra mãe, e a mãe diz algo do tipo: “Sabe por que ele fez isso? Porque ele gosta de você. Ele está a fim de você.”
E aí uma voz de mulher em off diz:
– “E aí, pronto. É o começo de nossos problemas. Sabem o que isso significa? Que somos encorajadas… melhor, somos programas para crer que, se um cara age como um idiota, significa que ele gosta de você.”
E aí vemos uma moça chorando desbragadamente, no meio de um grupo de amigas, que tentam confortá-la, dizendo coisas do tipo: “O problema é que ele gosta demais de você. Você é linda e sensacional.”
E aí temos várias pequenas seqüências parecidas, em que grupos de amigas, ou uma amiga, tenta consolar a outra que está triste porque o namorado a abandonou, ou o talvez futuro namorado não ligou marcando novo encontro – há seqüências com mulheres jovens, velhas, brancas, negras, há uma seqüência com duas garotas japonesas num shopping de Tóquio, uma seqüência de três africanas vivendo numa aldeia primitiva…
Africana nº 1: – “Tenho certeza de que ele esqueceu o número da sua cabana!”
Africana nº 2: – “Ou foi comido por um leão.”
Africana nº 3: – “Vocês são umas figuras!”
Dez personagens, um monte de atrizes lindas
E só depois dessa deliciosa introdução, que dá todo o tom que o filme terá, conheceremos os personagens – dez personagens, tudo gente classe média ou média alta, sem problemas materiais, todos aí na faixa dos 25 aos 35 anos de idade, interpretados por atrizes lindas (Jennifer Aniston, Drew Barrymore, Jennifer Connelly, Scarlet Johansson, Ginnifer Goodwin), um ator famosíssimo (Ben Affleck), alguns atores que surgiram há menos tempo (Kevin Connolly, Bradley Cooper, Justin Long). O elenco é tão bom, e tão bem escolhido, que o filme se dá ao luxo de ter Kris Kristofferson aparecendo em não mais que umas quatro seqüências, como o pai de Beth, a personagem de Jennifer Aniston.
Vou tentar montar a quase quadrilha drummondiana.
A principal dessas personagens é Gigi (o papel de Ginnifer Goodwin, exatamente a menos conhecida das atrizes, pelo menos fora dos Estados Unidos), uma figura propositadamente exagerada, caricatural. Gigi é a carência em pessoa, eternamente afoita, aflita, desassossegada, inquieta porque o príncipe encantado não aparece – nem o príncipe encantado, nem ninguém. Então, quando a ação começa, após o intróito, Gigi está num bar com Conor (Kevin Connolly). Conor, jovem corretor de imóveis, obviamente não está nem minimamente interessado por Gigi – sua paixão é Anna (Scarlett Johansson, aquele exagero absurdo de beleza e tesão), uma instrutora de ioga, que naquele mesmo momento acaba de conhecer, num supermercado, um sujeito bonitão, Ben (Bradley Cooper), que tem um bom emprego na área financeira. Anna fica interessadíssima em Ben, mas ele, apesar daquele colosso de mulher à sua frente, logo informa a ela que é casado. Sua mulher é Janine (Jenniffer Connelly, aquele outro absurdo de beleza), uma pessoa obsessiva, obcecada por ordem e verdade. Janine é colega de trabalho e confidente de Gigi, em algo da área de publicidade. Ben, por sua vez, é muito amigo de Neil (Ben Affleck), que vive muito bem há sete anos com outra colega de Gigi e Janine, Beth (Jennifer Aniston). Ou melhor, vivia muito bem há sete anos, porque agora, com a aproximação do casamento de sua irmã mais nova, Beth vai expor por fim sua vontade de casar – e Neil é filosoficamente contra casamento.
Na sua carência, afoiteza, desassossego, inquietude, Gigi – para quem Conor não voltou a ligar, depois do primeiro encontro – vai sair procurando por ele num lugar que ele tinha dito que freqüentava, o bar do seu amigo Alex (Justin Long). Alex dirá a Gigi, com toda a franqueza do mundo, que Conor não vai ligar mesmo, que não está interessado nela.
E a partir daí os roteiristas estenderão sua trama – previsível, como não tem outro jeito, nas comédias românticas, mas gostosa, engraçada, inteligente, e volta e meia pontuada por depoimentos de pessoas que não têm nada a ver com a história desses personagens todos, e que vão nos apresentar suas filosofadas sobre o amor.
A moral da história – não chega a ser um spoiler, mas…
Os diálogos são gostosos, com boas sacadas, boas piadas. São pouco mais de duas horas de filme que, como tudo que é bom, passa muito depressa. Ao final, a mesma voz que havia começado a narrativa em off – a da atriz Ginnifer Goodwin, que faz Gigi (na foto abaixo, com Alex-Justin Long) –, voltará para nos apresentar a moral da história, num ótimo texto que transcrevo abaixo. O texto da moral da história não revela exatamente o destino dos personagens – mostrados em diversas seqüências curtas ao longo do monólogo de Gigi –, e comédia romântica não tem surpresa alguma no final, mas quem achar que o parágrafo abaixo pode ser um spoiler não deveria lê-lo:
“Ensinam um monte de coisas para as garotas. Se um sujeito te empurra é porque ele gosta de você. Um dia você vai encontrar um sujeito maravilhoso e vai ter o seu final feliz. Cada filme que a gente vê, cada história que contam para nós implora para que esperemos por ele, a virada do terceiro ato, a inesperada declaração de amor, a exceção à regra. Mas às vezes estamos tão preocupadas em encontrar nosso final feliz que não aprendemos a ler os sinais. Como diferenciar entre os que querem a gente e os que não querem, os que vão ficar e os que vão cascar fora? E talvez o final feliz não inclua um sujeito, talvez… É você, sozinha, juntando os cacos e começando de novo, se libertando para alguma coisa melhor no futuro. Talvez o final feliz seja apenas… ir em frente. Ou talvez o final fez seja isso, saber que depois dos telefonemas sem retorno, corações partidos, ao longo dos sinais mal interpretados, através da dor e do embaraço, você nunca abra mão da esperança.”
Quando vi o filme, não me disse nada o nome esquisito do diretor Ken Kwapis. Depois vi que já há dois filmes dele aqui no 50 Anos de Filmes, duas comédias românticas: Licença para Casar, de 2007, é uma bobagem, com Robin Williams como um padre que faz as mais absurdas exigências ao casal antes de realizar a cerimônia de casamento deles. Já Ele Disse, Ela Disse, de 1991, é inteligente, com uma boa sacada – mostra os pontos de vista totalmente diferentes do mocinho e da mocinha; Ken Kwapis divide a direção com Marisa Silver – cada um deles dirigiu a visão do personagem de seu sexo. Dois bons filmes em três. Para mim, o rapaz tá no lucro.
Ela não está tão a fim de você/He’s just not that into you
De Ken Kwapis, EUA, 2009
Com Ben Affleck (Neil), Jennifer Aniston (Beth), Drew Barrymore (Mary), Jennifer Connelly (Janine), Kevin Connolly (Conor), Bradley Cooper (Ben), Ginnifer Goodwin (Gigi), Scarlett Johansson (Anna), Justin Long (Alex), Kris Kristofferson (Ken Murphy)
Roteiro Abby Kohn, Marc Silverstein,
Baseado em livro de Greg Behrendt e Liz Tuccillo
Fotografia John Bailey
Música Cliff Eidelman
Produção Flower Films, New Line Cinema
Cor, 129 min
***1/2´
Título em Portugal: Ele não está assim tão interessado
Muito boa a tua leitura deste filme, Sérgio.
Ainda não assisti, mas depois de ler teu texto, fiquei com vontade de assistir… e irei!!
Concordo com você, é delicioso assistir esse filme, mesmo para pessoas como eu que torcem o nariz para filmes deste gênero (talvez isso seja mais culpa dos milhares de filmes sem graça que o rodeiam que o gênero em si).
Uma comédia romântica sem muito romance no início, mostrando um pouco da realidade da dureza das relações amorosas, saindo do clichê que faz parte de nossas vidas, mesmo que muitos não admitam. Afinal, qual mulher nunca quis consolar a amiga que está esperando um pretendente ligar afirmando certezas que nem ela poderia saber, só para fazê-la se sentir melhor? Assim, só a primeira parte do filme já valeu o ingresso, mas do meio pro final, começa a se tornar um certo clichê, com casais surgindo, a velha celebração do amor, o final feliz. E achei ótima a conclusão do filme com o trecho que vc destacou, resume bem o que um filme de comédia romântica propõe: não exatamente só um final feliz, mas a esperança.