3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Quando o filme estava com uns 30 minutos, me peguei pensando: a rigor, este filme não precisa ter uma história boa, não precisa de nada – só ver Dustin Hoffman e Emma Thompson, esses atores maravilhosos, soberbos, brilhantes, já está bom demais.
O filme é de 2008. Dustin Hoffman estava com 71 anos de idade, 41 anos de uma gloriosa carreira cheia de grandes filmes e excelentes interpretações, 2 Oscars. Emma é bem mais jovem, estava com 49 anos de idade e 26 de carreira igualmente gloriosa, com um menor número de filmes, mas também eles grandes, e com excelentes interpretações, 2 Oscars.
Claro que comparações são muito difíceis, e seria muita arriscado dizer que este filme tem as melhores interpretações tanto de Hoffman quanto de Emma. Mas eu diria, com segurança, que suas atuações aqui estão entre as melhores de suas belas carreiras. Estão, os dois, não menos que perfeitos. É, de fato, um imenso prazer ver esses dois atores nos papéis de Harvey e Kate.
E o filme não precisava mesmo de mais nada – bastavam os dois. Mas ele tem bem mais que duas maravilhosas interpretações. É um belo, simples, despojado pequeno grande filme sobre relações humanas, segunda chance, última chance, solidão, dificuldade de comunicação, vida em família. Simples, despojado – daquela simplicidade, despojamento que se atinge com muito trabalho, muito suor, muito talento, muita aplicação, muita ouriversaria, uma jóia rara, uma canção de Caymmi ou de Paul Simon.
Um americano solitário, uma inglesa solitária
Harvey é um homem solitário. Não conseguiu ser o que queria na vida; aspirava ser um grande pianista de jazz, mas sabe que não tem o talento suficiente. Virou compositor de jingles, de músicas para comerciais; é bom no que faz, mas os tempos mudam, as modas mudam, o negócio agora envolve muita computação, e a agência na qual ele trabalha dá sinais de que o considera hoje um tanto defasado, um tanto démodé, um tanto has been, a impiedosa expressão da língua inglesa para significar fracasso profissional depois de décadas de trabalho. Seu casamento terminou em divórcio e distanciamento da ex-mulher, Jean (Kathy Baker), e da única filha, Susan (Liane Balaban), que agora está se casando em Londres. Harvey embarca de Nova York para lá com a intenção de passar apenas o fim de semana, assistir ao casamento e voltar depressa para uma apresentação de uma nova campanha a um cliente importante na segunda-feira – embora seu chefe insista em que seus colegas, mais jovens, podem fazer a apresentação por ele.
Kate é uma mulher solitária. Trabalha num departamento de estatística do governo inglês; adora literatura, lê muito, freqüenta um curso sobre texto, e cuida da mãe abandonada pelo marido, que se recupera de um câncer e que exige da filha uma atenção permanente. As experiências afetivas de Kate não foram satisfatórias, e ela foi se trancando cada vez mais em si mesma, pronta para se defender de qualquer possibilidade de uma aproximação que possa levar a novas dores.
Bem no início do filme, depois que já vimos Harvey no seu trabalho e Kate em um diálogo com sua mãe, o destino faz os dois se cruzarem no Aeroporto de Heathrow, ele chegando de Nova York, ela tentando entrevistá-lo com um questionário para as estatísticas governamentais. Não chega a haver um encontro – Harvey diz que está cansado e tem pressa e recusa-se a responder ao questionário de Kate.
E o filme vai nos mostrando, sempre em ações paralelas, o dia-a-dia de Kate e as agruras de Harvey num país estrangeiro para o casamento da filha que hoje é uma quase completa estranha para ele.
Lá pelas tantas, com uma meia hora de filme, quando já nos perguntamos como é que afinal de contas Harvey e Kate vão se encontrar, o roteirista e diretor Joel Hopkins dá uma de Jacques Demy, Claude Lelouch ou Krzysztof Kieslowski, os cineastas que mais gostam de brincar com encontros e desencontros (ou então dá uma de Deus mesmo, que gosta de criar uma coincidência para permanecer anônimo), e faz com que Kate entre no mesmo táxi que Harvey acaba de deixar. O espectador vê os dois na mesma tomada, mas os dois sequer se vêem. Ainda não seria dessa vez.
Quando finalmente os dois se encontram, desencontradamente, de novo em Heathrow, e o filme já nos impressionava pela atuação magnífica dos dois atores, cada um nas suas seqüências, e pela competência com que o diretor montava e mostrava suas personalidades, aí então este Tinha Que Ser Você cresce desmedidamentre.
A atração dos antônimos, as coincidências
É uma beleza de filme. De fato, como disse o próprio diretor Joel Hopkins, um jovem inglês nascido em 1970 – este foi seu segundo longa-metragem –, tão garoto quanto talentoso, este é um filme que tem um tanto de tristeza em seus momentos alegres, e um tanto de alegria em seus momentos mais amargos. Sim, de fato, todo o filme é exatamente isso: bittersweet. Doçamargo.
E não consigo deixar de lembrar de Georges Moustaki, o maravilhoso Moustaki, que adora contrapor antônimos, e, numa canção especialmente bela, Je Suis un Autre, se definiu como um beatnick que envelhece, patriarca noviço, viajante imóvel, sonhador acordado, otimista amargo, pessimista alegre. A canção é de 1972; em 2003, por uma grande coincidência o mesmo ano em que Mary me levou para vê-lo cantar no Olympia, Moustaki compôs uma música em homenagem a Emma Thompson. Chama-se Emma; numa frase do refrão, ele diz “Eu te amo como ninguém mais amou” – um trocadalho do carilho, porque a frase é como “personne ne vous aima”, e a última palavra soa exatamente como Emma em francês, emá. E diz: “amo seus olhares um pouco tristes”, “desejaria viver suas loucuras e dividir com você seus estados de espírito, na doce melancolia de Howards End ou da Toscana” – e a própria Emma conversa com ele ao longo da canção, num francês praticamente sem sotaque.
Bem, tergiversei danado – embora tudo tenha a ver, as coincidências, as brincadeiras do destino, o tom doçamargo do filme, a maravilha que é ver Dustin Hoffman e Emma Thompson.
Se você ainda não viu o filme, melhor não ler os parágrafos seguintes
E aí, depois que o filme terminou, e eu aplaudi como na ópera, fomos ver o making of – e lá ficamos sabendo que a história do filme foi criada especificamente para Hoffman e Emma, atendendo a um pedido deles!
Sim, claro, eu me lembrava que os dois haviam trabalhado juntos em Mais Estranho que a Ficção, de 2006. E lembrava que eles praticamente não contracenam – se é que há alguma cena em que os dois aparecem juntos. Pois então, nas entrevistas do making of, os dois maravilhosos atores contam que, ao se conhecerem durante as filmagens de Mais Estranho que a Ficção, tiveram vontade de trabalhar juntos de novo. E encomendaram uma história ao roteirista e diretor Joel Hopkins – uma história especialmente para eles, um americano de cerca de 70 anos e uma inglesa chegando aos 50.
Confesso que fiquei fascinado com isso, porque parecia a confirmação perfeita daquilo que eu senti com meia hora de filme, e escrevi lá no alto: nem era preciso ter uma boa história, um bom filme, bastava o prazer de ver Dustin Hoffman e Emma Thompson em interpretações que são das melhores de suas belíssimas carreiras.
E há, sim, uma boa história, um ótimo filme. Nem era preciso, mas há.
Vejo agora, depois de fazer a anotação acima, que tanto Hoffman quanto Emma foram indicados ao Globo de Ouro; nenhum deles ganhou. Bobagem. Eles são maiores que qualquer prêmio.
Outros filmes com Dustin Hoffman já no site | Outros filmes com Emma Thompson já no site | |
1967 | A Primeira Noite de um Homem | |
1969 | John e Mary | |
1982 | Tootsie | |
1991 | Voltar a Morrer | |
1992 | Para o Resto de Nossas Vidas | |
1995 | Epidemia | Razão e Sensibilidade |
1996 | American Buffalo | |
1997 | Mera Coincidência | Um Momento de Afeto |
1998 | Segredos do Poder | |
2003 | Simplesmente Amor | |
2006 | Mais Estranho que a Ficção | Mais Estranho que a Ficção |
2006 | O Amor não Tira Férias (participação especial) | |
2006 | Perfume – A História de um Assassino | |
2007 | A Loja Mágica de Brinquedos | |
2008 | Eu Sou a Lenda (participação especial) |
Tinha que Ser Você/Last Chance Harvey
De Joel Hopkins, EUA, 2008
Com Dustin Hoffman, Emma Thompson, Eileen Atkins, Kathy Baker, Liane Balaban, James Brolin
Argumento e roteiro Joel Hopkins
Fotografia John de Borman
Música Dickon Hinchcliffe
Produção Overture Films. Estreou no Brasil 19/6/2009
Cor, 93 min
***1/2
Título em Portugal: A um Passo do Amor
É um filme incrível, tão tocante e maduro e cativante e, ai, tem mais elogios pra eu despejar aqui? Li, em algum lugar por aí, uma frase assim: seu crepúsculo é uma aurora. É exatamente assim: eles brilham.
PS. Tornou-se um hábito intrigante, acabar de ver filmes e vir aqui descobri-los pelo olhar de vocês.
Esse filme é realmente incrível. A atuação do talentoso Dustin Hoffman estava excelente assim como em Luck, seu mais novo trabalho. Ele é meu ator favorito!!
Achei esse filme tristíssimo, o mais triste que eu me lembro de ter visto. Não sei se fui influenciada pelo estado de espírito em que me encontrava – estava super triste quando assisti. Morri de pena do personagem do Dustin, de todo o desprezo que a filha e a ex tinham por ele, mas também não sei se ele estava colhendo o que havia plantado. Enquanto via, por uns momentos senti medo de me tornar um deles (personagens principais), de ser uma pessoa tão solitária quanto. A vida da personagem da Emma era quase deprimente, ainda mais cuidando daquela mãe opressora, meu Deus! (os estragos que os relacionamentos ruins fazem na vida das pessoas). O filme não é ruim, claro que não, mas não sei se eu veria de novo, é muito desolador. Pra mim ele é apenas amargo, não tem nada de doce. Mas repito, pode ser que eu tenha sido influenciada pelo estado de espírito em que me encontrava. No mais, todos estavam muito bem mesmo: atores, fotografia, direção.
Dois grandes atores e um filme que toca o coração ! Amei! Descobri este site e estou curtindo muito!