Voltar a Morrer / Dead Again

Nota:

Anotação em 2000: Lembrando: são duas histórias contadas simultaneamente, com o casal central, Kenneth Branagh e Emma Thompson (na época em que o filme foi feito, 1991, os dois estavam casados na vida real), fazendo papel duplo. Uma história, em belíssimo preto-e-branco, se passa na Los Angeles dos anos 40: Branagh faz o papel de Roman Strauss, um maestro e compositor famoso, e Emma Thompson faz a mulher dele.

A segunda história, em fotografia colorida, também se passa em Los Angeles, mas no início dos anos 90; Branagh faz um detetive particular, e Emma, uma mulher que perde a memória e é encontrada por freiras. Alguns personagens que participaram da primeira história estão ainda vivos na segunda, como Gray Baker (Andy Garcia), um jornalista que conviveu com o maestro Roman Strauss e cobriu a história dele.

Vi o filme agora (foi a terceira vez) por causa de uma matéria que preciso fazer, sobre cigarro. E, talvez mais ainda do que das duas primeiras vezes, ou no mínimo tanto quanto, fiquei deslumbrado, apatetado com o filme. Fiquei pensando como é possível que esse filme não tenha tido uma recepção absolutamente entusiasta – que absurdo que ele não seja considerado um dos melhores thrillers da história. Porque ele é.

Dei uma rápida olhada no Cinemania, e deu a lógica: Leonard Maltin não entendeu direito, e Roger Ebert deu nota máxima. Mas isso não importa muito.

Uma das coisas que mais me impressionaram nesta nova revisão foi o fato de que não há nada, nada, absolutamente nada gratuito no filme. Tudo, todos os pequenos detalhes, tudo tem sentido para a história, para o clima, para o ambiente.

Revi o filme porque queria checar a cena impressionantérrima de Gray Baker velho, doente, massacrado pelo câncer, com uma traqueostomia, fumando um cigarro diretamente pela laringe. (É, de fato, uma das cenas mais antitabagismo que jamais foram feitas, ou a mais de todas.) E vi (tinha me esquecido desses detalhes) que a questão do cigarro permeia o filme inteiro.

Gray Baker tem um cigarro pendurado na boca na primeira seqüência após os letreiros (e que apresentação estupenda, magnífica!), na visita a Roman Strauss no corredor da morte, em 1949. Pouco depois, quando o espectador é apresentado ao detetive Mike Church, na Los Angeles de hoje (1991, época do filme, é claro), vê-se que ele está tentando parar de fumar. O ex-psiquiatra interpretado por Robin Williams (não creditado nos letreiros iniciais) percebe de imediato que ele está tentando parar. E diz: “Alguns de nós são fumantes, outros são não-fumantes. Não há meio termo. Descubra o que você é, e vá em frente”.

Bem perto do final do filme, quando Mike Church vai ver Gray Baker (que, como Roman Strauss antes, agora também espera a morte, que vem em função das dezenas de cigarros por dia), ele é advertido pela enfermeira: “Ele vai pedir cigarro, mas não dê, de jeito nenhum”. Baker, previsivelmente, pede cigarro assim que Mike Church entra no quarto, e o detetive diz que foi advertido para não dar; e ele diz: “Estou morrendo, que merda de diferença faz?” Então temos a violentíssima cena de horror, a fumaça saindo do buraco no meio do pescoço de Baker, que empurra o maço de Marlboro na mesa de volta em direção a Church, e ele responde: “Não, fique com ele, eu acabei de parar de fumar”. 

Um detalhe: quando Mike Church vai ver Inga, a alemã que foi empregada dos Strauss (a maravilhosa Hanna Schygulla, brilhando faiscante no papel pequeno), ela está vendo um filme na TV. O que se vê é Barbara Stanwyick em uma cena – acho – de Uma Vida por um Fio/Sorry, Wrong Number.

Voltar a Morrer/Dead Again

De Kenneth Branagh, EUA, 1991.

Com Kenneth Branagh (Roman Strauss, Mike Church), Emma Thompson (Margaret Strauss, Grace), Andy Garcia (Gray Baker), Derek Jacobi, Hanna Schygulla (Inga)

Argumento e roteiro Scott Frank

Música Patrick Doyle

Produção Paramount

P&B e Cor, 107 min.