Sete Vidas / Seven Pounds


Nota: ★★½☆

 Anotação em 2009: No seu segundo filme em Hollywood, e o segundo com Will Smith, um dos maiores astros americanos da atualidade, o diretor italiano Gabriele Muccino vai fundo no melodrama e no sentimentalismo. Na verdade, vai fundo demais, numa história que ele mesmo descreve, nas entrevistas do DVD, como maluca.

O autor da história “maluca”, o roteirista estreante Grant Nieporte, conta, também nas entrevistas do DVD, que, quando terminou de escrever, comentou com a mulher que ninguém iria querer filmar essa história.

Estava enganado, é claro: a mesma equipe que havia feito À Procura da Felicidade, em 2006 – o astro Will Smith, o diretor Muccino, os produtores – fizeram o filme. Mas a frase do autor, e o adjetivo usado pelo diretor, vão na mesma direção: é uma história maluca, difícil de imaginar que alguém toparia transformar em filme.

asete2O roteirista e o diretor apresentam sua história como um quebra-cabeça cujas peças centrais – o porquê de tudo aquilo que o espectador vai vendo ao longo de duas horas – só serão apresentados bem no final. Não vou aqui, é claro, falar dessas peças centrais do quebra-cabeça. Para evitar estragar tudo para quem queira ver o filme, vou descrever apenas o início, o que acontece nos primeiros cinco, no máximo dez minutos da ação.

Na primeira seqüência, temos um close de um Will Smith em profunda angústia, profunda dor, ligando para o 911, o número da emergência, e pedindo uma ambulância. A operadora do outro lado da linha pede que ele confirme o endereço de onde ele está ligando, ele confirma e especifica que está no quarto 2.

– “Qual é a emergência?”, pergunta a operadora.

– “Houve um suicídio.”

– “Quem é a vítima?”

– “Sou eu.”

Corta, e temos uma tomada em contre-plongée, a câmara embaixo da água, no mar, focalizando Will Smith nadando lá em cima, enquanto sua voz em off diz:

– “Em sete dias, Deus criou o mundo. E em sete segundos eu destruí o meu.”

Will Smith sai do mar e encaminha-se para sua casa, uma casa absolutamente cinematográfica cujo jardim termina na areia da praia.

Corta, e Will Smith, vestido e de gravata, está telefonando da sala da casa riquíssima para uma central de tele-atendimento; ele dialoga com o atendente – vemos Woody Harrelson, fazendo o papel de um cego – a respeito de uma compra que fez de carne. Vai insultando cada vez mais o atendente; este não reage às agressões, aos insultos, e, com toda a delicadeza, agradece pelo telefonema do cliente e avisa que vai desligar. Logo após desligar o telefone, Will Smith tem um acesso de raiva, joga o telefone longe, derruba papéis que estão numa mesa, e começa a falar repetidamente os nomes de sete pessoas.

Corta, e temos Will Smith trabalhando num escritório do IRS, a Receita Federal americana.

Nas seqüências seguintes, identificando-se como Ben Thomas, do IRS, ele vai procurar várias pessoas doentes.

Mas péra lá: se o cara tem uma casa daquelas, milionária, de frente para o mar, como ele pode ser um simples funcionário da Receita? “Filme estranho”, comentei com a Mary, aí nesse ponto, lá pelos dez minutos de filme. Repetiria o comentário várias vezes.

asete1Lá pelas tantas, claro que a gente começa a juntar as peças e enxergar o quadro. E, quando o roteirista e o diretor finalmente entregam as peças centrais do quebra-cabeça, tudo o que parecia estranho se explica, se encaixa. Como diz, muito bem dito, o autor da crítica do filme no AllMovie, Perry Seibert – que, competentemente, não revela o segredo: “Para tornar as coisas piores, Muccino não faz um serviço muito bom ao tentar esconder o segredo supostamente capaz de fazer a terra tremer – um evento finalmente mostrado às claras durante o clímax do filme. Espectadores bem atentos conseguirão juntar as coisas bem cedo, e a maior parte das pessoas saberá delas lá pela metade.”

Isso aí, na minha opinião, está muito bem colocado. Fico em dúvida quanto à frase seguinte, com a qual ele termina sua crítica: “Tudo isso faz de Seven Pounds um insulto à inteligência da maioria dos espectadores”.

Eu não diria tanto. O filme é intrigante, prende a atenção – além de ser artesanalmente muito, muito bom. É tudo muito bem feito; a direção de arte, do veterano e competentíssimo J. Michael Riva, por exemplo, é um show, assim como a fotografia; a trilha sonora é bonita, funciona muito bem, e as canções populares escolhidas para aparecer ao fundo são ótimas.

O exagero, na minha opinião, é no melodramático, no sentimentalismo. Assim como a parceria anterior com Muccino, À Procura da Felicidade, este filme aqui dá a impressão de que Will Smith, bonito, famosérrimo, jovem, no topo da fama como ator de filmes de aventura e comédias, depois de ter tido tremendo sucesso como cantor de rap, agora quer ser reconhecido como um ator dramático sério. E tome sentimentalismo, tome apelo às lágrimas no elogio da capacidade que o ser humano tem de ser bom, mesmo vivendo neste insensato mundo de hoje.

Na minha opinião, que não conta pra nada, é claro, Gabriele Muccino deveria deixar esse negócio de Hollywood pra lá e voltar à sua Itália natal, onde fez filmes sensíveis, interessantes, de melhor qualidade, como Para Sempre na Minha Vida/Come te Nessuno Mai e No Limite das Emoções/Ricordati di Me.

Falta dizer uma palavrinha sobre Rosario Dawson, a atriz de beleza fascinante que interpreta Emily, a artesã doente do coração que tem pouco tempo de vida se não fizer um transplante. Moça jovem (nasceu em Nova York em 1979), já tem mais de 40 filmes e/ou episódios de TV, desde a estréia em 1995, e nos últimos anos se tornou também produtora. É o produto de fascinante mistura de diferentes ascendências: descende de porto-riquenhos, negros de Cuba, irlandeses e índios, perdão, nativo-americanos. Abençoada mestiçagem, essa maravilhosa arma contra os racismos de todas as espécies, inclusive dos que estão se esforçando para transformar o Brasil num país com leis à la apartheid, à la Sul Profundo dos Estados Unidos pré-Martin Luther King e a luta pelos direitos iguais para todos.

Sete Vidas/Seven Pounds

De Gabriele Muccino, EUA, 2008

Com Will Smith, Rosario Dawson, Woody Harrelson, Michael Ealy, Barry Pepper, Elpidia Carrillo

Argumento e roteiro Grant Nieporte

Fotografia Philipe Lesourd

Música Angelo Milli

Direção de arte J. Michael Riva

Produção Escape Artists, Overbrook Entertainment, Columbia. Estreou em SP 25/12/2008

Cor, 118 min.

**1/2

Título em Portugal: Sete Vidas

6 Comentários para “Sete Vidas / Seven Pounds”

  1. Sergio, achei beeemm acima da media. Concordo com a maioria de pontos de seu texto. Mas achei melhor. Claro que se descobre o fim lá pelo meio da trama. Mas a ideia me cativou.

  2. Muito legal que você dê sua opinião, Danilo; tenho a certeza de que muita gente concordará com você. Mas veja que eu também realcei vários pontos positivos do filme…

  3. Eu não gostei, acho que o roteirista estava certo quando disse que a história era maluca. Não saber o que estava se passando e não entender as caras de dor e desconforto do Will Smith quase que durante o filme todo, foi ruim. Não comprei a história, não achei que os atores estivessem bem e não derramei uma lágrima. Eu concordo com os pontos positivos que vc colocou, mas acho tb que a história só prende pq a gente quer saber what the hell is going on.

  4. Eu gostei, não achei extrordinário mas é um filme interessante no conjunto.
    Vou tornar a vê-lo.

  5. Eu assisto esse filme, pelo menos uma vez a cada 6 meses. Não é um filme impecável, nem muito menos uma obra de arte. Mas eu saí do cinema derramada, desconfortável, instigada, reflexiva, esperançosa. O significado dele pra mim virou algo muito particular. Eu não fui um ser humano exemplar durante uma parte da minha vida, mas esse filme me faz enxergar que eu posso fazer o bem e tentar com todo meu coração remir meus erros.

    “Seja bom. Mesmo quando não tem ninguém olhando.”

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