Regras da Vida / The Cider House Rules


4.0 out of 5.0 stars

Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2000: Ao lançar Regras da Vida em DVD no Brasil, o Grupo Paris Filmes não soube – ou, no mínimo, não quis – valorizar o fato de que ele contém uma interessante apresentação especial: um filmete de quase meia hora com seis entrevistas e várias cenas das filmagens. Na contracapa da caixinha do DVD, assim como no próprio menu das apresentações especiais – os extras que enriquecem o filme na versão digital -, consta, sem qualquer destaque, o item “Comentários”. Fica parecendo que são meras fichas, pequenas textos com comentários sobre o filme. Só mesmo quem clicar no botão “Comentários” descobrirá o filmete de meia hora – o equivalente a quase um quarto da duração do filme. 

Não que se trate de um bem cuidado making of, um documentário especialmente rico, bem editado. Há até uma certa falta de cuidado: não há uma legenda sequer para identificar qualquer um dos seis entrevistados – pela ordem, o diretor Lasse Hallström, o autor e roteirista John Irving e os atores Michael Caine, Tobey Maguire, Charlize Theron e Delroy Lindo. A rigor, o filmete é apenas o resultado da colagem de trechos de entrevistas e de cenas das filmagens feitos para serem distribuídos para as emissoras de TV mundo afora, para a divulgação do filme. Mesmo assim, é um belo material extra – e um DVD vale também, e muito, pelo que traz de apresentações especiais.

Eis aí uma bela falha de marketing. Ou, do ponto de vista do espectador, que é o que importa, uma grande omissão.

(A capa do DVD também realça o Oscar de melhor ator coadjuvante para Michael Caine, deixando de mencionar que o filme levou também o prêmio de roteiro adaptado.)

Em um trecho de sua entrevista no DVD, o diretor Lasse Hallström define que, basicamente, Regras da Vida trata da necessidade que existe de se questionarem as regras impostas pelos outros, pelo grupo social, e que muitas vezes não se aplicam a algumas pessoas. O grande Michael Caine diz, por sua vez, que o filme não é uma comédia, ou uma tragédia, embora seja as duas coisas ao mesmo tempo, porque é como a vida – comédia, tragédia, desastre, sucesso, tudo junto. Em outros trechos das entrevistas, enfatiza-se que é uma história sobre o amadurecimento, a passagem da adolescência para a idade adulta.

Todos eles estão certos. O filme é tudo isso. Quem quiser vê-lo como a história de um triângulo amoroso entre jovens também pode, sem problemas – e a história do triângulo é interessante, e mostrada com sensibilidade. Quem quiser vê-lo como um testemunho das absurdas desigualdades sociais, à la Dickens, também pode. Mas, basicamente, é um filme sobre a orfandade, o nascimento e a existência de crianças rejeitadas pelos pais – e, sobretudo, sobre o aborto.

Só por isso este já seria um filme importante. Porque são muito, muitíssimo poucos os filmes que discutem esse tema, um dos mais polêmicos que há para enfrentar. A rigor, não se tem conhecimento de mais do que dez. Disponíveis nas locadoras, não chegam a meia dezena – há O Desafio da Lei/Swing Vote, de 1999, e O Preço de uma Escolha/If These Walls Could Talk, de 1996, ambos feitos para a TV americana, e, de resto, Ruth em Questão/Citzen Ruth, de 1996, uma brincadeira de mau gosto, mais preocupado com a guerra existente nos Estados Unidos entre os que são pró e os que são contra do que com a questão em si. E só.

Assim, é extremamente significativo – embora não tenha se falado disso, na época – que a vetusta Academia tenha tido a coragem de dar a John Irving a estatueta pelo roteiro que ele adaptou do seu próprio romance. A história do Oscar coleciona uma infinidade de injustiças e de escolhas de ocasião, prêmios dados não pelo trabalho em si mas para reparar injustiças anteriores ou abençoar quem estava precisando de um gesto generoso. Pois que se credite a ele, do outro lado da balança, a ousadia de premiar o roteiro desse filme ousado.

Michael Caine, o outro Oscar do filme, esse é indiscutível. Depois de um período em que teve que desperdiçar o talento em alguns abacaxis – basta lembrar uma droga chamada Ladrão de Ladrão/Eyesbull!, de 1989 -, ele teve um bom momento em Laura, A Voz de Uma Estrela/Little Voice, de 1998, e, aqui, está extraordinário como o médico de princípios firmes e coração imenso que dirige o orfanato escondido no interior da riquíssima Nova Inglaterra. A voz com que ele, como narrador, abre o filme já dá a dimensão do que o espectador vai encontrar. E a saudação que ele dirige toda noite aos órfãos, miseráveis criaturinhas, espelho mais triste das contradições das regras da vida – “Boa noite, príncipes do Maine, reis da Nova Inglaterra” – com certeza será difícil de esquecer.

Regras da Vida/The Cider House Rules

De Lasse Hallström, EUA, 1999.

Com Tobey Maguire, Michael Caine, Charleze Theron, Delroy Lindo, Paul Rudd, Jane Alexander

Roteiro John Irving, baseado em seu livro

Música Rachel Portman

Cor, 126 min

****

Título em Portugal: As Regras da Casa

9 Comentários para “Regras da Vida / The Cider House Rules”

  1. Outro filme que está entre os meus preferidos, até comprei o dvd (mas não me lembro dos extras e a capa é diferente). Confesso que gostei mais quando o vi pela primeira vez. Acho que era mais romântica e mais otimista…
    Pra mim é um filme trágico e triste, com alguns momentos tocantes.
    O Michael Caine está perfeito e a saudação dele aos órfãos é minha frase de cabeçalho no msn, só que no original em inglês. Sem dúvida, um ótimo filme pra ter e rever de tempos em tempos.
    Preciso só dizer que a voz do Tobey Maguire é muito irritante.

  2. É curioso que já estive várias vezes com esse DVD na mão na minha loja de alugueres (nós dizemos clube de vídeo ou vídeo-clube)mas quando vejo o nome do Tobey Maguire perco a vontade, detesto esse actor.
    E tenho um DVD com um filme em que ele é o actor principal “Ride with the Devil” que eu acho muito mau.
    Enfim uma compra disparatada.

  3. Um dos mais belos filmes que já assisti,olha que eu assisti mais de 6x.
    Faz cair lágrimas nos olhos de um cara durão e de 1,80. Me identifico com a personalidade do Homer Wells, apesar de ter tido uma vida totalmente diferente da minha. A atuação das crianças é um destaque no filme, assim como a do GRANDE Caine, que é fantástica.

  4. Gostei muito do filme Regras da Vida.Achei muito marcante a abordagem da orfandade,incesto e aborto: são temas muito fortes em um único filme.
    A atuação de Michael Caine foi espetacular e o Tobey Maguire não é tão antipático; apenas desempenhou o papel sem muita emoção contrastando com a Charlize, que é muito emotiva…se entrega aos papéis que desempenha com muita garra!

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