Bancos de Praça / Bancs Publics (Versailles Rive Droite)

Nota: ★★½☆

Este Bancos de Praça/Bancs Publics (Versailles Rive Droite), do diretor e ator francês Bruno Podalydès, lançado em 2009, é um filme muito, mas muito doidão. Não é pouco doidão, não – é muito.

Como o que eu sei fazer, ao escrever sobre filmes, é lembrar de associações, juntar parecenças, semelhanças, ou dessemelhanças (e é só isso que eu sei fazer), vamos lá:

O filme tem um tanto de O Mais Longo dos Dias, a supersuperprodução de Daryl F. Zanuck. Tem uma pitada boa de Short Cuts, de Robert Altman, o grande mosaicão humano sobre Los Angeles. Tem um tanto de Questão de Vida/Nine Lives, de Rodrigo Garcia, bela colcha de retalhos que faz pequenos retratos de vidas de pessoas comuns, levemente entrelaçadas.

Tem ainda uma pitada forte, bem forte, do humor nonsense dos Irmãos Marx, ou de alguns filmes de Richard Lester, em especial os dois que o diretor inglês fez com aquela bandinha de rock então quase iniciante, A Hard Day’s Night e Help!

Tem também um jeitão dos filmes Eu Amo a Minha Cidade – Paris, Je t’Aime, New York, I Love You.

Tem ainda, se é que isso é possível, um pouco de Krzysztof Kieslowski.

E talvez um pouquinho de homenagem a La Ronde, do mestre Max Ophüls.

Um danado de um balaio de gatos, certo? Uma salada russa. Pois é. Um filme muito doidão.

Uma espécie assim de catálogo telefônico, como na piada do louco

História, trama, isso, assim propriamente, o filme não tem. Estamos em falta. É mais ou menos como aquela piada do louco para quem deram para ler o catálogo telefônico, no tempo em que ainda existiam catálogos telefônicos. Aí um colega do louco no hospício pergunta o que ele tinha achado daquele romance, e o louco responde:

– “É bom. Mas tem muito personagem.”

Bancos de Praça não tem assim propriamente história, trama – mas tem quase tanto personagem quanto uma lista telefônica, ou O Mais Longo dos Dias, o épico de 1962 de Daryl F. Zanuck, então o chefão da Fox, que tentou reconstituir os fatos do Dia D, o dia do desembarque dos aliados na Normandia, usando, para tanto, praticamente todos os grandes atores em atuação na época.

Bancos de Praça é assim: tem quase tantos personagens quanto uma lista telefônica, e reuniu, para interpretá-los, uma imensa penca de atores do cinema francês. Quase é mais fácil ver quem não está no filme, porque lá estão Catherine Deneuve, Pierre Arditi, Hippolyte Girardot, Josiane Balasko, Chiara Mastroianni, Claude Rich, Nicole Garcia, Mathieu Amalric, Emmanuelle Devos, Julie Depardieu, Benoît Poelvoorde, Michael Lonsdale, entre dezenas de outros.

Uma galeria de personagens que vivem ou trabalham em Versailles

Para que esta anotação não fique tão doidona quanto o filme, recorro à sinopse da Wikipedia em francês. Em alguma hora tinha que haver uma sinopse que tentasse dar uma idéia de sobre o que é o filme:

“Uma manhã, Lucie e suas colegas de trabalho percebem, pendurada abaixo da janela do prédio diante do delas, uma bandeirola em que está escrita: “HOMEM SOZINHO”. Essa mensagem de aflição não deixa de atiçar todas as curiosidades. O filme apresenta uma galeria de personagens que vivem ou trabalham em Versailles, entre o prédio do escritório com seus empregados, a praça do bairro com seus frequentadores, e a loja de material de construção com seus vendedores e clientes.”

É. Dá pro gasto, essa sinopse da Wikipedia.

O filme começa com a câmara seguindo Lucie (interpretada por , à esquerda na foto acima) em sua longa, interminável viagem de metrô e trem entre sua casa e o local de trabalho, o escritório citado aí em cima, que fica em Versailles, conforme nos avisa o subtítulo do filme, Versailles Rive Droite.

É possível dizer que Bancos de Praça, como a maior parte das sinfonias, dos concertos, se compõe de três movimentos. O primeiro movimento é o escritório em que trabalha Lucie. Não ficamos sabendo exatamente qual é o ramo de atividade do escritório – mas o retrato que o diretor e roteirista Bruno Podalydès faz daquele ambiente de trabalho é o pior possível. É como se fosse uma repartição pública: as pessoas ali estão interessadas em qualquer coisa que não seja o trabalho. Lucie, em vez de trabalhar, brinca com joguinhos em seu computador. Uma de suas colegas de sala consulta sites de turismo, e a outra, sites de mulher solteira procura.

O segundo movimento do concerto se dá na praça vizinha. Vemos uma dúzia, duas dúzias de personagens na praça; é hora do almoço, e então estão lá funcionários do escritório de Lucie, funcionários da loja de material de construção, crianças, pais e mães, desocupados, velhos aposentados – toda a fauna das grandes cidades.

O terceiro movimento acontece na loja de material de construção. Ali o nonsense à la Irmãos Marx, à la Richard Lester, corre solto.

Alguns dos personagens dessa imensa galeria de personagens

Para se ter uma pequena idéia dos tipos que aparecem ao longo do filme:

Nicole Garcia, a maravilhosa, esplendorosa, veterana Nicole Garcia, boa atriz e boa diretora, faz o papel de uma professora, que está na praça ouvindo uma gravação de alguém que filosofa sobre algo intangível, e de repente é abordada por um ex-aluno. Conversam sobre uma canção que Donovan gravou nos anos 60, “Universal Soldier”, que, pelo que sei, não é de autoria dele, e sim da cantora e compositora folk Buffy Sainte-Marie;

Chiara Mastroianni, a filha dos monumentos Catherine Deneuve e Marcello idem, faz o papel de uma mãe de criança que brinca na praça;

* a sempre interessante Emmanuelle Devos faz outra mãe de criança que brinca na praça, e conversa com a personagem de Chiara;

* a deusa Catherine Deneuve faz o papel de uma cliente que vai à loja de material de construção levar um armário de estimação, construído por seu avô, para que eles o consertem – e os trapalhões da loja destroem o móvel de estimação da velha dama digna;

Josiane Balasko, outra velha dama digna, boa atriz e boa diretora, faz o papel de uma funcionária do escritório de não se sabe de que prestes a se aposentar.

Longos planos-seqüência, a câmara seguindo os grandes atores

Creio já ter explicado por que o filme me fez lembrar O Mais Longo dos Dias – o interminável desfilar de grandes nomes do cinema. Acho que também já ficou claro por que faz lembrar Short Cuts: como o filme de Altman, é um imenso mosaico de personagens, gente de uma grande cidade. Lembra La Ronde porque é de fato uma ronda, passa de um personagem para outro, como a quadrilha de Drummond, Carlos que amava Dora que amava Lia – no caso, Lucie, que estava sozinha, que era mãe de fulano, que é vista no parque por Aimé (Denis Podalydès), que trabalha na loja de material de construção, que só tem doido. Já citei também o nonsense, a falta de razão e lógica que permeia a narrativa, assim como as de filmes de Richard Lester.

O amor por aquele lugar do mundo, uma pracinha em Versailles, aquele lugar distante de Paris em que viveram os reis absolutistas da dinastia dos Bourbon, até a monarquia francesa se encontrar com a invenção de Monsieur Guillotin, e que hoje, tragada pelo crescimento da Cidade Luz, virou um bairro distante dela, explica a menção a Paris, Je t’Aime e New York, I Love You.

De Kieslowski, o filme tem semelhanças com o extraordinário Não Matarás, pela coisa dos prédios colocados um diante do outro, um vendo o outro, examinando o outro.

Ficou faltando só explicar a ligação deste Bancos de Praça com Questão de Vida/Nine Lives, de Rodrigo Garcia. Mas isso é fácil. Apaixonado por mosaicos, tramas que reúnem grande número de personagens (que na linguagem mais empolada dos críticos de cinema se chama de estrutura muliplot), o filho mais esperto de Gabriel García Márquez fez Questão de Vida em longos planos-seqüência. Pois Bruno Podalydès também se vale de longos planos-seqüência – os personagens vão andando, se mexendo, e a câmara vai atrás, ou na frente deles, sem corte algum. Assim como Rodrigo Garcia, Bruno Podalydès tinha diante de sua câmara um bando de grandes atores.

Um bando de grandes atores trabalhando à vontade, se divertindo

Tudo isso dito, falta dizer: mas, afinal, o filme presta ou não presta?

Sei lá eu.

Há momentos francamente irritantes, e bastante bocós, neste imenso balaio de gato. O que chamei de terceiro movimento, a parte passada na loja de material de construções, tem excesso de nonsense e de piada sem graça e repetitiva, me pareceu.

Mas como resistir a um filme que tem tantos grandes atores trabalhando à vontade, visivelmente se divertindo por estarem fazendo aqueles papéis numa comédia louca, insana, doidona de pedra?

Anotação em novembro de 2011

Bancos de Praça/Bancs Publics (Versailles Rive Droite)

De Bruno Podalydès, França, 2009.

Com Denis Podalydès (Aimé Mermot), Florence Muller (Lucie, a secretária), Pierre Arditi (M. Borelly), Hippolyte Girardot (balconista), Josiane Balasko (Solange Renivelle), Chiara Mastroianni (a mãe de Marianne), Claude Rich (jogador de backgammon), Michel Aumont (jogador de backgammon), Catherine Deneuve (cliente), Nicole Garcia (a mulher no rádio), Mathieu Amalric (pai), Emmanuelle Devos (a mãe de Arthur), Michael Lonsdale (cliente), Bruno Podalydès (Bretelle), Nino Podalydès (Arthur)

Argumento e roteiro Bruno Podalydès

Música David Lafore e Ezéchiel Pailhès

Produção Why Not Productions, France 2 Cinéma, UGC, TPS Star, Canal+, Centre National de la Cinématographie. Cor, 110 min.

Cor, 110 min

**1/2

11 Comentários para “Bancos de Praça / Bancs Publics (Versailles Rive Droite)”

  1. Acabei de ler o seu comentário a respeito do filme Bancs Publics. Realmente, uma colcha de retalhos. Uma porção de vidas retratadas num corte, sem necessariamente, haver ligação entre elas. Na verdade, o que eu queria saber é o nome do cantor e nome da música de abertura do filme. Na trilha sonora, as duas músicas (abertura e a dos créditos) não aparecem.

    obrigada,

    Jane C. Ribeiro

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