Laura

Nota: ★★★★

Anotação em 2010: Mais de 65 anos depois, tantas revoluções estéticas e sociais, tantos novos cinemas, tantos novos movimentos cinematográficos, tantos modismos passados, Laura, que Otto Preminger fez em 1944, continua uma beleza de filme.

É possivelmente um dos clássicos mais adorados, mais queridos por algumas gerações, a que veio antes de mim, a minha, a que veio logo depois, gente nascida, digamos, entre 1940 e 1960, entre a Segunda Guerra Mundial e o auge da guerra fria.

É um filme noir – embora não seja exatamente um filme noir. É um bom thriller, um policial, um suspense, um romance, um estudo de personalidades. É ao mesmo tempo um perfeito representante de seu tempo e também um filme à frente de sua época. Tem um estilo clássico, mas simultaneamente a narrativa tem ousadias, até a câmara faz suaves ousadias.

Toda a trama se desenvolve em um torno de uma jovem mulher estupendamente bela – Laura, a personagem-título, interpretada pela estonteante e trágica Gene Tierney, rosto de escultura clássica grega de matar de inveja Afrodite, a deusa da beleza. Porém, passam-se uns 30 preciosos minutos dos 88 de ação antes que ela apareça. E quando Laura finalmente aparece, é num flashback, que é o relato do personagem que mais tempo ocupa a tela e a narrativa, Waldo Lydecker, sujeito insuportável, um dos tipos mais presunçosos, mais metidos a besta, mais repulsivos que o cinema já mostrou, interpretado por Clifton Webb. Na época do filme, o ator tinha apenas 45 anos, mas parecia ter pelo menos duas décadas e meia a mais, um contraste absurdo com a exuberante beleza e juventude de Laura – Gene Tierney tinha apenas 24 anos quando fez o filme.

         Em Manhattan, o umbigo do mundo, como em Roma

Me ocorreu, várias horas depois de ter revisto o filme agora (é claro que tinha visto Laura diversas vezes, mas não sei quantas foram; minhas anotações, em geral boas, são cheias de falhas, não me permitem saber quantas foram, exatamente), e antes de começar a escrever sobre ele, que esta obra de Preminger é assim como os filmes que nos relatam histórias passadas na Roma antiga, quando Roma era o centro do mundo; ou como os filmes que contam histórias sobre as classes dominantes inglesas, quando Londres era o centro do mundo. Se fosse em Roma, os personagens viveriam naqueles palácios luxuosos; se fosse na Inglaterra no auge do Império Britânico, veríamos aquelas mansões grandiosas, ou os clubes refinadíssimos de Londres. Como é Manhattan, Nova York, a então nova capital do mundo, o filme se passa nas casas e apartamentos gigantescos, milionários, dos mais ricos entre os mais ricos.

A lembrança de Roma não é à toa, de forma alguma. Sempre me fascinei com essa noção de capital do mundo – primeiro Atenas, depois Roma, depois Paris disputando com Londres, depois Londres inequivocamente, agora Nova York. O umbigo da tal da civilização ocidental.

Mas não é só. Quando a ação começa, Waldo Lydecker está sentado em uma banheira que nos remete diretamente às grandes salas de banho romanas. O sujeito é tão metido, tão emproado, tão exibicionista de sua riqueza e de sua suposta inteligência, que tem em casa uma grande banheira à la Roma dos Césares. E é sentado nela, água até o umbigo (e o umbigo de Waldo Lydecker é o umbigo do mundo), uma máquina de escrever diante de si, numa tábua que cobre a banheira, que ele recebe a visita do policial, o tenente-detetive Mark McPherson (o papel da Dana Andrews).

         Um tipo asqueroso que se sente o centro do mundo – e um policial amarfanhado

Antes de vermos a figura ridícula de Waldo sentado na sua banheira romana num apartamento muito rico de Manhattan, ouvimos sua voz, através da voz de Clifton Webb, perfeita para o papel: empolada, metida, presunçosa, do cara que se acha o homem mais importante que já pisou neste pobre Planeta. A câmara de Otto Preminger e do diretor de fotografia Joseph LaShelle passeia pela imensidão da sala do apartamento de Waldo, atulhado de móveis, quadros, esculturas e louça pretensamente ricos, finos e chiques, enquanto por ali passeia também o policial, na sua roupa típica de policial, um terno um tanto amarfanhado, chapéu na cabeça, e a voz afetada de Waldo Lydecker-Clifton Webb recita, como num programa de rádio antigo, numa peça de teatro antiga:

– “Jamais me esquecerei do fim de semana em que Laura morreu. Um sol prateado queimava o céu como uma gigantesca lente de aumento. Era o domingo mais quente do qual me recordava. Eu me sentia como se fosse o único ser humano abandonado em Nova York. Com a morte horrenda de Laura, eu estava sozinho. Eu, Waldo Lydecker, era o único que a conhecia de verdade. Eu tinha acabado de começar a escrever a história de Laura quando outro daqueles detetives veio me ver. Eu o fiz esperar. Podia vê-lo através da porta semi-aberta. Notei que tinha a atenção voltada para o meu relógio (um daqueles relógios que são grandes móveis, com pêndulos imensos). Só existia um outro igual àquele, e estava no apartamento de Laura, exatamente na sala onde ela havia sido assassinada.”

Quando a fala afetada de Waldo está nesse ponto, o tenente-detetive McPherson pega um objeto qualquer numa das várias estantes da sala, e então Waldo diz alto que aquilo é muito precioso, que é para ele colocar de volta na estante, e pede para que o policial entre na gigantesca sala em que está lá semi-mergulhado na sua banheira romana.

         O sujeito asqueroso recebe o detetive em sua banheira, pelado

É uma situação bastante grotesca. Por que raios um sujeito teria uma banheira romana numa sala adjacente à sala principal de seu apartamento? Por que raios um sujeito escreveria à máquina semi-mergulhado na água? Ora bolas, qualquer pessoa que some um mais um sabe que uma banheira cheia d’água e uma máquina de escrever, com papel – tá bom, ou um laptop, com impressora do lado – não combinam. Um pequeno gesto, e o papel pode ficar ensopado.

Bem, na cabeça de Waldo Lydecker, tinha tudo a ver. Assim como tinha tudo a ver receber “outro daqueles detetives” pelado, dentro da banheira, e começar a ser interrogado ali, para em seguida pedir ao policial que lhe jogue primeiro uma toalha, e depois o robe.

Coisa assim meio de veado, né não? – eu perguntaria, embora correndo o risco de assustar com a palavra politicamente incorreta.

Mas vamos lá – coisa meio de veado, esse Waldo Lydecker. Veado no sentido de “efeminado”, como registra o Aurélio. Com trejeitos efeminados. Desmunhecante. De fato, todo o personagem de Waldo que Clifton Webb compõe – vaidoso até a medula, cuidadoso em extremo com a forma de se vestir, o falar pomposo, afetado – é meio coisa de veado.

Volto ao assunto mais tarde.

         Uma ajuda do sujeito famoso, e Laura deslancha na carreira

O tenente-detetive McPherson então está investigando o assassinato de Laura Hunt, acontecido na sexta-feira à noite. Laura, publicitária em ascensão meteórica em uma grande agência da capital do mundo, havia sido morta, segundo as primeiras investigações da polícia, que McPherson estava agora checando e rechecando, com dois tiros de espingarda no rosto, disparados praticamente à queima-roupa, na sala de sua bela casa em Manhattan.

Esse Waldo Lydekcer que McPherson vem interrogar no domingo pela manhã é um sujeito imensamente rico (não saberemos exatamente de onde vem tanto dinheiro, mas não vem ao caso) e imensamente famoso; tem uma coluna num jornal de grande prestígio e um programa de rádio numa emissora igualmente prestigiosa. Ele mesmo contará a McPherson, num longo almoço que se prolonga por várias horas, que conheceu Laura quando ela era extremamente jovem e estava começando na publicidade. Encantou-se com ela, deu todo o apoio a ela – e, a partir desse apoio inicial, ela deslanchou na carreira, por seus próprios méritos. É nessa longa narrativa, que vemos em flashback, que conhecemos Laura, na pele divinamente linda de Gene Tierney.

Ficaram amigos íntimos, Laura e Waldo – mas não namorados, amantes.

Na verdade, conforme o espectador irá percebendo, Waldo passou a ter uma obsessão por Laura. O próprio Waldo confessa ao policial que fez de tudo para afastar de Laura os possíveis candidatos a namorados que aparecessem.

Waldo é um dos suspeitos do assassinato – mas há ainda um suspeito mais óbvio, o noivo de Laura, um tal Shelby Carpenter (interpretado por um Vincent Price jovem, alto que nem jogador de basquete de hoje em dia). Esse Carpenter tem uma relação bastante suspeita com Ann Treadwell (Judith Anderson), tia de Laura mas apaixonada por Carpenter. Ann – a polícia descobriu rapidamente – havia fornecido a Carpenter grandes quantidades de dinheiro ao longo dos últimos meses.

         Uma paixão mais louca que o amor proibido de Romeu e Julieta

O que revelei da trama até aqui está dentro dos primeiros 30 minutos, no máximo 40 minutos do filme. Embora a esta altura, mais de 65 anos depois que o filme foi feito, já seja um tanto de domínio público o que vai acontecer, não vou adiantar nada sobre isso.

Mas é preciso dizer o óbvio: nos 30, no máximo 40 primeiros minutos da narrativa, depois de ouvir as histórias sobre Laura, depois de admirar durante horas o gigantesco retrato de Laura pendurado na parede da sala dela, o pobre coitado do tenente-detetive McPherson apaixona-se pela mulher cuja morte investiga.

E é preciso admitir: um pé-rapado de um policial, com aquele salário de policial, se apaixonar por uma dama da mais rica sociedade da ilha de Manhattan, a capital do mundo, e ainda por cima defunta, é um troço mais louco que o amor proibido de Romeu e Julieta.

Quatro décadas mais tarde, o inglês Ridley Scott faria um filme em que um policial também se apaixona por uma mulher riquíssima, ali mesmo, na ilha de Manhattan – não é um mau filme, Perigo na Noite/Someone to Watch Over Me, mas o fato é que dá para sentir nele que a inspiração veio de Laura.

         Um Grand Canyon entre o policial e a moça

Em Laura, as referências ao fosso social gigantesco, ao Grand Canyon que existe entre o tenente-detetive McPherson e aquele mundo em que passa a transitar nas investigações a respeito do assassinato de Laura, são recorrentes, estão presentes sempre. Não dá para andar com um Grand Canyon entre um personagem e outro e não reparar na sua existência.

O mundo daqueles personagens – Waldo, Carpenter, Ann Treadwall, o mundo em que Laura vivia – é aquela coisa esnobe, emproada, metida a besta, dos ricos mais ricos. É o mesmo mundo que apareceu em alguns filmes de Woody Allen, em especial durante os anos em que sua estrela era Mia Farrow, os ricos mais ricos da cidade mais rica do mundo. E, trafegando ali entre os mais ricos, uma ou outra celebridade, um ou outro artista ou escritor, porque alguns artistas adoram andar entre os muito ricos ou poderosos, e os muito ricos gostam de ter gente inteligente ou pretensamente inteligente entre eles, falando algumas frases pretensamente cheia de espírito e charme. Sempre foi assim, desde Atenas. F. Scott Fitzgerald falou bastante sobre isso.

Ao rever Laura agora, me lembrei bastante de A Malvada/All About Eve, de Joseph L. Mankiewicz, feito seis anos depois, em 1950 – a atmosfera de Laura é exatamente aquela de All About Eve, com a diferença de que em Laura há um cadáver. Dois tiros de espingarda à queima-roupa no rosto são um crime um tanto mais bárbaro que a ambição, o tema de All About Eve.

         Sobre a sexualidade do veado Waldo Lydecker

Ah, falei que voltaria ao tema da sexualidade.

Waldo fala, age, gesticula com um jeito veado. (E de novo me explico: usar a expressão veado não significa que eu seja homofóbico; veado é veado, aquela coisa cheia de trejeito, só isso.) Faz questão de receber a visita do policial pelado. No entanto, tem obsessão por uma mulher, e um ciúme doentio de todos os homens “bonitos e fortes”, como ele mesmo diz, que chegam perto dela. Para mim, Waldo é uma figura que parece homo, talvez porque no fundo quisesse ser homo, mas não tem coragem de admitir isso – e muito menos pôr em prática.

Conheci algumas pessoas assim. Tive um redator-chefe exatamente assim. Mas acho que todo mundo conheceu alguém do tipo.

Já no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer temos uma interpretação muito mais rica e cheia de nuances do que essa minha. Diz o livro que Waldo não só se encontra fascinado pela vida de Laura como a toma para si, “no que talvez seja o primeiro exemplo no cinema de um homem que deseja ser uma mulher”.

É de fato uma interpretação muito mais multifacetada do que a minha. É a diferença entre a visão de um caipira bronco e um crítico de cinema americano. Não é, como eu imaginei, que Waldo Lydecker seja um homo enrustido que simplesmente não tenha coragem de assumir; Waldo Lydecker, segundo essa interpretação, seria um candidato a transsexual.

         Um diretor que esmurrou a porta, fez avançar a História

Uma figura, o tal Otto Preminger. Fez um bando de filmes ruins – vários deles com o mesmo Dana Andrews, ator muito irregular, alguns  deles com a mesma lindérrima Gene Tierney, atriz igualmente irregular. Mas fez também filmes grandes, e filmes importantes, que faziam avançar a História.

Brigou contra a autocensura dos estúdios, mantida desde os anos 30, quando se estabeleceu o Código Hays. Forçou a barra, esmurrou a porta – e isso é uma maravilha. Em 1959, por exemplo, começou a jogar a pá de cal no Código Hays ao botar os personagens de Anatomia de um Crime falando a palavra “calcinha” – e discutindo a questão da calcinha. Em 1954, transportou a trama da ópera Carmen para um ambiente todo negro, com Harry Belafonte e Dorothy Dandrige (a qual parece que ele comeu). Em 1955, fez um dos primeiros filmes a tratar quase de frente a questão do vício de drogas, O Homem do Braço de Ouro – um filme que eu pessoalmente acho muito ruim, mas tem o respeito de um monte de gente.

Fez mais filmes importantes do que 80% dos diretores em atuação no cinema americano.

É um sujeito que merece respeito.

         Pequenos defeitinhos que somem, desaparecem

Ao rever Laura agora, vi alguns defeitinhos: a historinha de amor entre o detetive e Laura… coisa meio ridícula, improvável demais… A quantidade de elementos para suspeitar de todos ao mesmo tempo, à la Agatha Christie… A seqüencia na delegacia, com a luz forte sobre a interrogada… bobagem danada, forçação de barra. A coisa toda do brinquedinho que o tenente-detetive joga… Os dois sorrisinhos quase imperceptíveis para serem muito perceptíveis do tenente-detetive… hum, coisa meio grotesca.

Mas são coisas pequeninas, ínfimas, sem importância, que somme, desaparecem diante das grandes qualidades que o filme tem. A surpreendente reviravolta que acontece no meio da narrativa é de fato extremamente engenhosa, uma belíssima sacada. Nas décadas seguintes, dezenas e dezenas e dezenas de thrillers tentariam fazer reviravoltas como a deste filme marcante.

A música tema de David Raksin, que depois do filme ganhou letra de Johnny Mercer, e virou um imenso sucesso, um standard, uma pérola da grande música americana, gravada por todos os cantores e cantoras importantes dos anos 40 e 50.

E a beleza de Gene Tierney.

Diante disso, de fato os defeitinhos que enxerguei somem, desaparecem.

         Todos os adjetivos possíveis para um filme bem amado

O filme teve cinco indicações ao Oscar: direção, roteiro, ator coadjuvante para Clifton Webb, direção de arte em preto-e-branco e fotografia em preto-e-preto. Ganhou só um prêmio da Academia, o de fotografia.

Em 2005, quando o filme fez 61 anos, a Fox preparou, para um belo lançamento em DVD duplo, um documentário sobre Laura, com entrevistas com três historiadores do cinema, um professor e um cineasta, Carl Franklin. No documentário, a quantidade de adjetivos e expressões para qualificar o filme é absurda. Anotei alguns: elegante, espirituoso, estilizado, demente, mistério policial glamouroso, fascinantemente romântico, sombrio e misterioso, arrebatador, perversamente divertido, totalmente cativante.

Esta anotação já está tão grande que me dá preguiça (o que dirá um eventual pobre leitor), mas não dá para falar de Laura sem falar, ainda que brevemente, de Gene Tierney. E não é fácil ser breve: a vida dessa atriz de beleza deslumbrante foi absurdamente rica – e trágica. Entre os especiais da edição dupla do DVD, há um documentário sobre sua vida – e outro sobre a de Vincent Price.

Gene Tierney tinha apenas 24 anos quando fez Laura, mas já havia então vivido mais que a maioria das pessoas no dobro disso – e enfrentava já uma grande tragédia. Foi seu 12º filme. Nasceu em 1920, no Brooklyn; o pai era corretor de seguros, ganhou muito dinheiro, a família mudou-se para uma grande propriedade em Connecticut. Gene passou um ano estudando na Europa. Aos 17 anos, fez com a família uma viagem a Los Angeles, visitou os estúdios de Hollywood; o diretor Anatole Litvak ficou impressionado com sua beleza durante a visita dela à Warner Bros, e o estúdio ofereceu um contrato. O pai, severo, dominador, não permitiu que ela assinasse. Deixou, porém, que ela tentasse o teatro em Nova York. A garota estreou na Broadway em 1939, aos 19 anos. No ano seguinte, fez seu primeiro filme, O Retorno de Jesse James, dirigido por Fritz Lang, com Henry Fonda – ela interpretava uma jovem repórter.

Contra a vontade do pai e do estúdio que a tinha sob contrato, a 20th Century Fox, casou-se em 1941 com Oleg Cassini, um italiano que trabalhava como figurinista para a Fox; a primeira filha do casal, Daria, nasceu cega e com séria deficiência mental. Constatou-se que Gene havia contraído rubéola durante a gravidez. Os depoimentos indicam que a doença irreversível e grave da filha a afundaram numa angústia da qual jamais se recobraria.

(Fala-se que Agatha Christie se inspirou na história trágica de Gene e a filha para criar a personagem da estrela de cinema de seu livro The Mirror Crack’d, O Espelho Partido, que nos anos 80 seria filmado com Elizabeth Taylor e Kim Novak.)

À tragédia com a filha se seguiria um drama pesado com o pai: durante seus primeiros anos em Hollywood, Gene pôs 75% de tudo o que ganhava para ser administrado pelo pai. Descobriu, depois, que ele torrou o dinheiro ganho por ela para evitar a falência de sua empresa de corretagem.

E, como se já houvesse tragédia suficiente em sua vida, ainda teria duas paixões que não resultaram em casamento. A primeira, por um jovem que se iniciava na carreira política, John Fitzgerald Kennedy. Depois de uma semana de sonhos que passaram juntos em Cape Cod, ele teria dito a ela que sua família, tradicional, irlandesa e católica, não permitiria um casamento dele com uma jovem divorciada. A segunda, mais tarde, pelo playboy e príncipe paquistanês Aly Khan, cujo pai, Aga Khan, proibiu o casamento do filho com uma atriz americana. (Mais tarde, Aga Khan se casaria com Rita Hayworth.)

Mas ainda teria mais. Diagnosticada com problemas psiquiátricos, foi internada em duas instituições em que passou por tratamentos à base de eletrochoques – como já havia acontecido décadas antes com uma atriz tão bela quanto rebelde diante dos padrões de Hollywood, Frances Farmer.

Meu Deus do céu e também da terra. Barra pesada é isso aí.

Gene Tierney, mulher de vida trágica, viverá para sempre. Sua Laura é um dos personagens mais apaixonantes do primeiro século da história do cinema. E isso, cá entre nós, não é pouca coisa.

Laura

De Otto Preminger, EUA, 1944.

Com Gene Tierney (Laura Hunt), Dana Andrews (Mark McPherson), Clifton Webb (Waldo Lydecker), Vincent Price (Shelby Carpenter), Judith Anderson (Ann Treadwell)

Roteiro Jay Dratler, Samuel Hoffenstein e Betty Reinhardt; segundo iMDB, também trabalhou no roteiro, embora não tenha sido creditado, Ring Lardner Jr.

Baseado no romance de Vera Caspary

Fotografia Joseph LaShelle

Música David Raksin

Montagem Louis R. Loeffler

Produção 20th Century Fox, Otto Preminger. DVD Fox

P&B, 88 min

R, ****

27 Comentários para “Laura”

  1. Olá, meu caro,

    vim só aumentar o coro dos apaixonados. Laura é um dos meus filmes preferidos, embora eu não saiba explicar exatamente porque. Talvez o uso da luz, os diálogos inacabados, a linda, linda Gene Tierney, a atuação impecável de Clifton Webb…Sei apenas que todas, todas as vezes que entro de férias é o primeiro filme que revejo. E faço um hino aos aparelhos de dvd por me permitir fazê-lo. Um abraço..

  2. Oi Serginho!
    Ler seus cometários é quase como assistir o filme.Hoje lí vários e me encantei com Laura.
    Gene Tierney era uma atriz famosa nos meus tempos de mocinha. Linda de causar inveja! Com l4,15 anos,a gente invejava mesmo!Que maravilha! Fui transportada a uma sala de cinema. Se alguém perguntar se vi o filme, posso dizer que sim.
    E de sobra, os acréscimos – veado pelado, Otto Preminger com suas brigas contra a autocensura dos estúdios, o vicio das drogas, a palavra calcinha.
    Bom, ler você, é CULTURA!

  3. Também sou fascinado por Laura, e sem dúvida a beleza esplendorosa de e incomparável de Gene Tierney são responsáveis por grande parte desse fascínio. Realmente, vc estava
    de mau humor, pois virei fã de Dana Andrews
    por causa desse filme. Considero-o, guardadas as devidas proporções, um bom coadjuvante no filme, do mesmo quilate de
    Glenn Ford em Gilda para a não menos incomparável e esplendorosa Rita Hayworth. Clifton Webb, que era adorado pela crítica
    americana, nunca me impressionou, sempre a
    mesma canastrice do tipo afetado, sofisticado, intelectual – a que ele, invariavelmente acrescentava um ar trágico e desmunhecante, mesmo nas comédias. Discordo de sua nota, pois Laura será eternamente 10.
    Uma observação sobre a grafia de veado: o
    correto é viado, pois o termo surgiu no final dos anos 50, como derivação de transviado, e os desavisados confundiram com o animal (que, sim, é homossexual), do que tb
    decorreu o estigma do número 24 (grupo do
    veado no Jogo do Bicho). O termo transviado
    vulgarizou-se a partir do filme “Juventude
    Transviada”, mas desconheço se decorreu das
    notórias preferências sexuais da dupla James
    Dean – Sal Mineo. Desculpe o excesso de didatismo e se, de alguma forma, ele soou
    arrogante e pretensioso como Waldo. Não foi
    a intenção. Continue com esse que é o melhor
    blog de cinema, pelo menos para mim.

  4. Errata: ao invés de “a beleza esplendorosa de e incomparável de Gene Tierney são responsáveis” o correto é “a beleza esplendorosa e incomparável de Gene Tierney é responsável…” Prometo que, doravante,
    irei reler o comentário antes de enviá-lo, e
    não após tê-lo feito.

  5. Caro Mário,
    Agradeço pelo seu bom comentário – estou cada vez mais convencido de que a melhor coisa deste site é poder ter belos comentários como o seu.
    Claro que agradeço muitíssimo pelo seu elogio.
    Não houve excesso de didatismo algum, mas, veja, os dicionários não concordam com você. De fato, a gente fala “viado”, com i, mas conferi aqui nos meus dois dicionários, o Aurélio e o Dicionário Unesp do Português contemporâneo, e os dois grafam “veado”. E trazem, inclusive, o termo “veadagem”.
    Um grande abraço.
    Sérgio

  6. Lembro-me de “Laura”, esqueci, contudo, os detalhes pois já se vão muitos anos (tenho agora 82). Adorei e impressionou-me muito quando assisti -era lançamento. Ela era belíssima, D.Andrews passou a ser o “desejado” pelas mocinhas. C.Webb com sua antipatia continuou a personificá-la durante sua carreira (considero-o um bom ator, entretanto) Vou ver se consigo o DVD a que se refere…Seria interessante conceituá-lo agora..

  7. Volto ao site para pequeno comentário sobre a referência D.Andrews (Laura) e G.Ford (Gilda). Enquanto os dois “mocinhos” dividiram os corações juvenis,(estão lá, ambos, na estória do cinema) não aconteceu o mesmo com as músicas dos respectivos filmes.Laura tornou-se antológica, até hoje não é raro ouví-la, enquanto a de Gilda, desapareceu no tempo.

  8. Cara Maria,
    Agradeço imensamente por seus comentários.
    Fico muito honrado com o fato de você ter lido meu texto.
    Espero que tenha vontade de voltar ao site para ler sobre outros filmes.
    Um abraço.
    Sérgio

  9. Epa, não tem comentário meu? Eu devia estar distraída (e muito). Eis um filme que não cansa, e agora gravei o dito no meu HD TV e posso vê-lo/ revê-lo /”multivê-lo” à vontade. Absolutamente perfeito. Música, escolha do elenco (que bom odiar Clifton Webb!), roteiro (ótima adaptação do romance de Vera Caspary, que também releio sempre) e aquela “aura” que Preminger conseguiu imprimir ao filme na primeira metade – quando a gente ‘sente’ a presença de Laura mesmo quando ela não aparece.
    Alguns dos defeitos que você viu me encantam; era uma outra época, um outro cinema (e um outro conceito de cinema, aliás).

  10. Caro Sérgio Vaz,
    Um belíssimo comentário. Tentarei ler outros com a certeza de que, como este, deverão constituir fonte de conhecimento e despretenciosas, mas ricas aulas sobre a sétima arte.
    Abraços.

  11. Parabéns pelo excelente comentário a respeito de “Laura”. Gostaria de lhe externar um aspecto que valeu um longo debate, aqui na família: o que prendia Laura ao “possível veado”. As conclusões não importam. Interessa o motivo das discussões: Laura, com sua inteligência e desenvoltura, forçosamente perceberia o jogo sórdido de Waldo e se afastaria, gradativamente, dele. Pareceu-nos uma incongruência a devoção perpetuada. Esta, poderia inclusive incentivar o comportamento de Waldo. Obrigado e um grande abraço!

  12. Eu sei que Laura é um filme muito amado, dos mais adorados e reconheço que é um belo filme. É noir, mas com glamour. É policial mas extremamente romântico e tem personagens bem desenvolvidas e interessantes. A música é maravilhosa. Os créditos iniciais belíssimos, mas (tem de haver um mas) o filme não me fascina. eu não sei bem pq mas não fico encantado. Deveria ficar. Afinal, a história é maravilhosa. Mas não fico fascinado. Eu não ligo muito a gene Tierney. Claro que é bonita e tem um bom desempenho mas não me seduz e o filme tb não. Não sei pq? Eu sei que, por exemplo, Suspeita de Hitchcock é inferior mas eu prefiro.

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