Nomadland levou poucos meses após seu lançamento em diversos festivais, em setembro de 2020, para fazer história. Fez muita história – e é um grande filme.
Em oito meses, entre o lançamento e este maio de 2021 em que escrevo esta anotação, Nomadland ganhou 230 prêmios ao redor do mundo, fora 135 outras indicações.
Só no Oscar, o prêmio de maior visibilidade do cinema mundial, teve seis indicações e levou três dos principais troféus: o de melhor filme, melhor direção para Chloe Zhao e melhor atriz para Frances McDormand. Chloe Zhao entrou para a história como a segunda mulher, e a primeira não Wasp (branca, anglo-saxã e protestante), a conquistar o Oscar de melhor direção, em 93 anos de prêmios da Academia de Hollywood.
Frances McDormand se tornou a primeira mulher a ser indicada e a vencer ao mesmo tempo o Oscar de melhor atriz e o de melhor filme como produtora. E também a segunda mulher a ganhar mais Oscars na categoria de melhor atriz – são três, mais que Meryl Streep, que ganhou dois como melhor atriz e um como coadjuvante. Agora ela só perde para Katharine Hepburn, que ganhou quatro.
Posso estar errado, mas, que eu saiba, é um dos pouquíssimos longa-metragens de ficção importantes que se baseiam não em um romance, conto peça de teatro ou história fictícia original, mas em um livro de não-ficção, um livro que é uma ampla reportagem bem recente sobre fatos e pessoas reais. O livro – Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century – foi lançado em setembro de 2017; é de autoria da jornalista Jessica Bruder, e foi lançado no Brasil pela Rocco em 2021, com o título idêntico ao original, Nomadland – Sobrevivendo aos Estados Unidos no Século XXI.
É também um dos pouquíssimos longa-metragens de ficção importantes, reconhecidos, premiados, que tem quase todo o elenco formado por não-atores, pessoas que interpretam a si mesmas: Frances McDormand e David Strathairn são dos pouquíssimos atores profissionais que aparecem na tela.
Nomadland revela ao mundo, ou pelo menos a boa parte do mundo, a existência desse extraordinário fenômeno social, econômico e cultural que são esses milhares e milhares de norte-americanos adultos, em geral já da terceira idade, que, a partir da Grande Recessão de 2008, abandonaram suas casas e adotaram o estilo de vida nômade, morando em trailers, vans, RVs, e fazendo trabalhos temporários dos mais diversos tipos, da colheita em fazendas até o empacotamento de produtos em galpões para a Amazon.
Não sei o eventual leitor, é claro, mas, até ver Nomadland, eu jamais tinha ouvido falar desse fenômeno. Para falar bem a verdade, sequer sabia da existência dessa expressão – Grande Recessão – para designar o pós-crise financeira de 2008.
Só por mostrar ao mundo esse fascinante, impressionante, extraordinário fenômeno Nomadland já teria lugar assegurado na história.
Mas a obra dessa jovem realizadora nascida em Pequim em 1982, Chloé Zhao, é, além disso tudo isso aí que tentei enumerar, um filme de imensa beleza plástica e de imensa densidade de conteúdo. É terno, meigo, envolvente, de um lirismo encantador – e é uma das mais belas odes à amizade, à solidariedade, ao companheirismo, que o cinema já fez nas últimas muitas décadas.
Diabo: como se não bastasse, é ainda uma homenagem ao próprio cinema americano – mais ou menos como Ettore Scola homenageou o cinema italiano em sua obra-prima Nós Que Nos Amávamos Tanto/C’Eravamo Tanto Amati, de 1974.
Um fenômeno: milhares e milhares de novos nômades
É impressionante o talento de Chloé Zhao em várias frentes. Ela própria assina a montagem de seu filme, algo que só alguns poucos cineastas costumam fazer, e que prova imenso amor, dedicação ao ofício, e também grande domínio da técnica cinematográfica.
Ótima na montagem, ótima na direção – ou seja, na orquestração geral –, a moça se mostra talentosíssima também como roteirista.
Foi uma beleza o trabalho dela de transformar em história, trama, ficção, o livro de reportagem de Jessica Bruder. Não encontrei na internet um depoimento ou afirmação que explicitasse isso com todas as letras, mas parece claro que foi Chloé Zhao – possivelmente até com alguma ajuda da própria Frances McDormand – quem criou a personagem interpretada pela atriz, Fern, e, com ela, construiu uma história.
Fern, personagem fictícia – mas interpretada da forma mais absolutamente realista por essa atriz fantástica –, transita por entre as pessoas reais que optaram pela vida nômade, e, assim, o espectador se interessa por ela, fica curioso, quer acompanhar sua história, e fica conhecendo aquela realidade que a jornalista Jessica Bruder captou em seu livro.
Uma beleza de sacada. Simples – e maravilhosa. Um Ovo de Colombo.
Eis um resumo do fenômeno social que Jessica Bruder testemunhou, acompanhou e relatou em seu livro, e Chloé Zhao botou nas telas do mundo em Nomadland:
“Dos campos de beterraba de Dakota do Norte até os acampamentos da Califórnia e os armazéns da Amazon no Texas, os empregadores descobriram uma fonte de mão de obra nova e barata, composta em sua maior parte de americanos mais velhos dispostos a fazer trabalho temporário. Ao constatar que a seguridade social é insuficiente, muitas vezes tomada pelas hipotecas (dos imóveis), dezenas de milhares dessas pessoas vítimas da Grande Recessão se lançaram às estradas em antigos modelos de RVs, trailers de viagem e vans, formando uma crescente comunidade de nômades.”
Esse texto é a sinopse-apresentação do livro Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century no site da própria Amazon. A empresa acabou virando uma forte presença no filme – o primeiro trabalho temporário de Fern é exatamente num dos gigantescos armazéns da Amazon, nas vésperas do Natal, quando a empresa precisa de mão de obra extra para dar conta do aumento do volume de compras país afora.
A sinopse do livro não está assinada – mas me pareceu um excelente resumo desse fenômeno dos novos nômades. Ele prossegue assim:
“Em rotas frequentemente usadas entre locais de trabalho temporário, Jessica Bruder se encontra com pessoas de todos os tipos: um ex-professor, um vice-presidente do McDonald’s, um ministro religioso, um administrador de colégio, um policial rodoviário, entre muitos outros, incluindo sua irrepreensível protagonista, que já havia sido garçonete, escriturária de loja de materiais e empreiteira chamada Linda May.”
Em suas andanças por vários Estados americanos ao longo dos 107 minutos do filme, Fern-Frances McDormand se encontra com Linda May (na foto abaixo) mais de uma vez. É uma mulher fascinante, cheia de energia, disposição, alegria de viver – e uma solidariedade inquebrantável.
Muitos deles optaram por aquela vida por prazer
A solidariedade é um dos principais traços dos novos nômades que o filme mostra – e é uma das características maravilhosas de Nomadland.
Mas quero concluir a bela exposição sobre o que é o livro da jornalista Jessica Bruder que deu origem ao filme.
“Em um veículo de segunda mão ao qual deu o nome de ‘Van Halen’, Bruder cai na estrada para conhecer o material de sua investigação mais intimamente. Acompanhando Linda May e outros da limpeza dos banheiros de áreas para acampamento até o escaneamento de produtos de armazéns e reuniões no deserto, e depois passando pelo trabalho perigoso na colheita de beterraba, Bruder apresenta um envolvente, revelador relato sobre um terreno sombrio da economia americana – um terreno que é um presságio do futuro precário que pode estar esperando muitos de nós. Ao mesmo tempo, ela celebra as excepcionais resiliência e criatividade desses quintessenciais americanos que abriram mão do costumeiro apego às raízes para sobreviver. Como Linda May, que sonha com encontrar uma terra em que possa construir seu próprio lar auto-sustentável, uma ‘nave-terra’, eles não desistiram da esperança.”
Fiz questão de traduzir/transcrever esse texto porque o achei belo, cheio de informações sobre como o livro foi feito – e ele funciona também como uma boa descrição do que Chloé Zhao nos mostra em seu filme.
Eu só faria um reparo à penúltima frase. E é um reparo importante.
Provavelmente, ou seguramente a maior parte das pessoas mostradas no filme de fato optou por esse estilo de vida nômade para sobreviver, sim. Por não encontrar outra opção. Para, na falta de trabalho fixo, regular – que vem escasseando cada vez mais, e mais, e mais –, ao menos conseguir alguma oportunidade de trabalho temporário, para garantir algum tipo de salário, de pagamento, ainda que incerto.
Sim. Sem dúvida.
Mas há também muitos ali que escolheram aquele tipo de vida porque quiseram. Porque encontraram nela um prazer maior do que o que obtinham em seus antigos empregos formais – e muitas vezes chatos, enfadonhos, desagradáveis, quando não perigosos, insalubres.
Vários dos nômades que viraram atores no filme, que falaram diante das câmaras frases que seguramente falam mesmo na vida real, demonstram que gostam daquela vida que adotaram.
Falam com imensa alegria dos prazeres da vida ao ar livre. Da vida livre da monotonia, da mesmice, do tédio. Da maravilha que é ver paisagens lindas, coisas desconhecidas, insuspeitadas.
A própria Fern, a protagonista da história, é bastante assim – feliz com aquela vida.
A protagonista recebe duas ofertas para fincar raízes
Fern havia sido professora – e, pelo jeito, das boas. A garotinha que tinha sido sua aluna e ela encontra numa loja, ainda no começo do filme, é capaz de se lembrar de um trecho de Shakespeare que aprendeu com Fern – de Macbeth, diacho! É também de Shakespeare o poema que Fern irá mais tarde recitar para o garoto Derek, que encontra em um dos muitos acampamentos para trailers e vans pelos quais passa.
E fica absolutamente claro, explícito, que Fern caiu na estrada em sua van por motivos relacionados à economia daquele momento nos Estados Unidos. O filme abre com estas frases num letreiro:
“Em 31 de janeiro de 2011, devido à reduzida demanda por gesso, a US Gypsum fechou sua fábrica em Empire, Nevada, depois de 88 anos. Em julho, o ZIP Code (o equivalente ao nosso CEP) de Empire, 89405, foi desativado.”
Bo, o marido de Fern, trabalhava para a fábrica da US Gympsum. Eles ainda puderam ficar por um tempo na casa que ocupavam na cidade de Empire – uma cidade construída pela empresa, de propriedade da empresa, que emprestava as casas para seus trabalhadores. Depois de algum tempo, os moradores remanescentes nas casas tiveram que deixá-las. Bo morreu nessa época – e foi então que Fern iniciou sua vida de nômade. Quando a ação começa, ela está trabalhando num dos grandes galpões da Amazon, à véspera do Natal, como já foi dito. Já estava na vida de nômade fazia um bom tempo. Já era uma veterana experiente naquela vida.
O filme mostra, claramente, explicitamente, que são oferecidas a Fern duas vezes a chance de deixar a vida de nômade, fincar raízes, settle down. Não uma, mas duas vezes. E são ofertas simpáticas, agradáveis, generosas, feitas com amor. Mas ela recusa. Ela não quer.
Isso me parece absolutamente fundamental para o entendimento do filme, do que o filme mostra.
Esse fenômeno do novo nomadismo que acontece nos Estados Unidos pós crise de 2008 é, evidentemente, complexo, intrincado, multifacetado, como são os fenômenos sociais, econômicos, comportamentais todos. E não me parece, é claro, que tenha sido a intenção de Chloé Zhao explicar todo esse movimento, elucidar – muito menos simplificar, definir, rotular.
O desaparecimento dos empregos tradicionais, tais quais os conhecemos ao longo das muitas, muitas, muitas últimas décadas não começou em 2008, com a grande crise financeira global a partir da bolha do preço dos imóveis e a quebra do Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimentos do mundo. Já vinha de bem antes – e acho que dá para dizer que o processo de dizimação dos empregos ainda está em curva ascendente, ainda longe do auge. Mas isso é tema de longas, profundas discussões acadêmicas.
Em vez da competição feroz, a solidariedade
O que me parece claríssimo é que o filme diz inequivocamente que as motivações daquelas pessoas não são única e exclusivamente econômicas.
As pessoas foram para a estrada, aos milhares, às dezenas de milhares, em parte por causa da economia, repito. Isso é claro, é óbvio. Tudo, absolutamente tudo tem a ver com a economia. Tem a ver com o desaparecimento dos empregos tradicionais, tem a ver com mais uma das grandes, graves crises do capitalismo. Tem a ver com a ainda apenas iniciante automação.
Mas não é só – e creio que essa é uma das características mais fascinantes do filme.
Nomadland mostra que muitos desses neo-nômades estão na estrada porque querem, porque gostam, porque sentem prazer.
Muitos dos neo-nômades do século XXI são como os beatniks dos anos 50, como os hippies dos anos 60 e 70. São uma cultura à parte.
Há muitos momentos de Nomadlad que se parecem demais com sequências de Sem Destino/Easy Rider (1969), o filme icônico de Dennis Hopper sobre o auge do hipismo. A vida em comunidades, a vida longe do padrão da maioria da sociedade, a vida baseada em valores mais espirituais, talvez mais românticos, mais sonhadores. A vida baseada na solidariedade, na cooperação, na amizade, na ajuda – em vez daquela outra calcada na disputa, na concorrência, em que pisar no calo ou no nariz do colega do lado é considerado uma arma legítima para subir na vida.
Em vez de dedicar todos os esforços para ser considerado melhor que o colega do lado, em vez de pisar no nariz do colega para obter o cargo de subsubchefia em direção ao de subchefia, para poder comprar uma casa grande para exibir a familiares e conhecidos como prova de seu sucesso, o prazer de se sentar ao lado de seus pares, seus iguais, seus camaradas irmãos cúmplicas, ao redor de uma fogueira, e contar histórias, trocar experiências. Aprender, enriquecer – não a riqueza contada em notas, em cifras, mas a de reunir sabedoria, a de ser capaz de ser feliz. De aproveitar a vida, cada momento da vida.
Muitos dos neo-nômades do século XXI – para mim, isso é o que o filme de Chloé Zhao mostra – são bem parecidos com os hippies. Com a única e pequena diferença de que são velhinhos. Já viveram pra cacete, já experimentaram muita coisa, ao contrário daqueles rapazes Wyatt, Billy e George (respectivamente Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson) em Easy Rider.
Bem diferentemente deles, os neo-nômades de Nomadland não têm aquela imensa sede, aquela pressa. Aventuram-se da mesma forma, mas sem sofreguidão. Com calma.
Uma homenagem aos road movies, aos westerns
E é assim que entendo que Nomadland faz também, em um segundo plano, em um segundo nível de leitura, como diriam os críticos, uma homenagem ao próprio cinema americano.
É uma homenagem aos road movies – e há poucas coisas mais intrinsecamente cinema americano do que os road movies, os filmes em que os protagonistas botam o pé na estrada e se mandam… bem, se mandam para algum lugar, muitas vezes sem sequer saber para onde. Os road movies em geral retratam gente que está querendo cascar fora da normalidade, da vida padrão, daquela coisa das pessoas apegadas às raízes.
Como o próprio Sem Destino/Easy Rider. Como Aconteceu Naquela Noite (1934), do mestre Frank Capra, o primeiro filme a ganhar todos os cinco Oscars principais, filme, direção, ator, atriz, roteiro. Como Thelma & Louise (1991), o road movie feminista do inglês Ridley Scott. Como Somente Elas/Boys on the Side (1995), de Herbert Ross, outro road movie feminista, belo, embora bem menos badalado.
Por ser um retrato de pessoas que foram deixadas de lado pelo tal do Sonho Americano, Nomadland faz lembrar também, e muito, o grande clássico de John Ford, o mestre dos mestres, Vinhas da Ira, de 1940. De uma maneira bela, suave, esses personagens que Chloe Zhao mostra – Linda May, Swankie, Dave, a própria Fern – fazem lembrar o Tom Joad de Henry Fonda em As Vinhas da Ira.
Não há um discurso tão claramente, tão elaboradamente anti-Sistema quanto o que John Steinbeck e John Ford botaram na boca de Henry Fonda-Tom Joad – “onde haja uma luta para que pessoas com fome possam comer, eu estarei lá; onde quer que haja um policial batendo numa pessoa, eu estarei lá”. O espírito de Tom Joad e sua família, atravessando os Estados Unidos em busca de um lugar que tenha trabalho, um lugar que seja melhor para viver, está absolutamente visível em Nomadland.
Só existe um gênero mais intrinsecamente americano do que os road-movies – o western. Pois Nomadland faz homenagem ao western praticamente o tempo todo.
A vida sem lar, sem raiz. A vida a céu aberto, a vida atravessando aquela enormidade de terra que não tem fim jamais. A vida daqueles neo-nômades tem muito a ver com os personagens dos westerns.
Se não bastassem as semelhanças claras, nítidas, Chloé Zhao ainda pôs na boca de Dolly, a irmã mais nova de Fern, a frase que me parece uma das mais emblemáticas do filme. Dolly (Melissa Smith) é uma pessoa que não tem nada a ver com o estilo de vida dos nômades. Muito ao contrário: parece feliz em ter suas raízes firmes, seu lar gostoso. Mas é ela que diz:
– “Sabe? Eu acho que o que os nômades estão fazendo não é diferente do que os pioneiros fizeram. Eu acho que Fern é parte da tradição americana.”
Os campos sem fim que os pioneiros atravessaram na conquista do Oeste. Os campos sem fim das tomadas gerais dos westerns de John Ford.
Para que não pairasse dúvida alguma de que Nomadland é também uma homenagem ao cinema americano, Chloé Zhao colocou Fern-Frances McDormand, em uma das últimas sequências do filme, no umbral de uma porta. A câmara está colocada atrás dela, dentro da casa, e portanto vemos Fern-Frances McDormand de costas. No umbral da porta, como se estivéssemos dentro da casa. Diante dela está o mundo, a imensidão, o ar livre, a céu aberto.
Ela está no umbral da porta – na fronteira. Meio dentro de casa, meio lá fora.
É exatamente a reencenação da última sequência de Rastros de Ódio/The Searchers, que John Ford lançou em 1956.
Naquela última sequência, Ethan Edwards-John Wayne havia acabado de cumprir a missão que havia se imposto – achar sua sobrinha, sequestrada por índios. Havia finalmente, depois de muitos anos, encontrado a garota Debbie, e a levado de volta para casa. Estava exausto, absolutamente exausto – mas não pertencia ao lar da irmã, não pertencia ao mundo das pessoas que têm lar. Estava ali na fronteira entre o lar e o mundo lá fora – e, definitivamente, não era uma pessoa para viver do lado de dentro da casa.
Fico aqui imaginando se Chloé Zhao, que chegou aos Estados Unidos criança ali por volta de 1990, teve tempo de ver os filmes de John Ford. Frances McDormand, essa senhora que é uma das maiores atrizes do cinema americano de todos os tempos, claro que certamente viu tudo, sabe de tudo. Talvez tenha até sugerido aquela sequência em que, tal qual Ethan Edwards-John Wayne, é vista pelos espectadores de costas para o lar, olhos postos no mundão lá fora.
Mas isso, quem teve a idéia, quem sugeriu, é claro que não é o que mais importa.
Essa menina nascida na capital da China em 1982, apenas seis anos depois do terror da Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, dois anos antes da chegada ao poder do reformista Deng Xiao-Ping, conseguiu a façanha fantástica, incrível, de fazer um filme que entrou imediatamente para a História.
Lindo, emocionante, uma homenagem ao cinema americano, uma apresentação ao mundo de um extraordinário fenômeno social.
Que Deus a tenha.
Que a gente aprenda com Nomadland como pode existir um mundo de solidariedade.
Anotação em maio de 2021
Nomadland
De Chloe Zhao, EUA-Alemanha, 2020.
Com Frances McDormand (Fern),
David Strathairn (Dave), Tay Strathairn (James, o filho de Dave), Melissa Smith (Dolly, a irmã de Fern)
e (interpretando a si próprios) Linda May, Gay DeForest, Patricia Grier, Angela Reyes, Carl R. Hughes, Douglas G. Soul, Ryan Aquino, Teresa Buchanan, Karie Lynn McDermott Wilder, Brandy Wilber. Makenzie Etcheverry, Bob Wells, Annette Webb, Rachel Bannon, Charlene Swankie, Sherita Deni Coker, Merle Redwing, Forrest Bault, Suanne Carlson, Donnie Miller, Roxanne Bay. Ronald O. Zimmerman, Derek Endres, Paige Dean, Cat Clifford
Roteiro Chloe Zhao
Baseado no livro de não ficção “Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century”, lançado no Brasil como “Nomadland: Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI”
Fotografia Joshu James Richards
Música Ludovico Einaudi
Montagem Chloé Zhao
Direção de arte Elizabeth Godar
Figurinos Hannah Peterson
Produção Chloé Zhao, Frances McDormand, Peter Spears, Mollye Asher, Cor Cordium Productions, Hear/Say Productions, Highwayman Films. Distribuição Searchlight Pictures, Walt Disney Studios.
Cor, 107 min (1h47)
****
Que bom ter visto este filme.
Que bom te ler, Sergio Vaz.
Que lindo texto. Parabéns!
Como bem disse a Alexia, fico muito feliz de ter assistido a um filme tão sensível e ler um texto como esse. Parabéns, Sérgio, e obrigado por compartilhar suas reflexões com todos nós! Abraço!
Olá Sérgio,
Gosto de ler seus textos porque traz a experiência de quem possui um vasto conhecimento em vários segmentos culturais e isso é importante, pelo menos para minha pessoa, pois gosto de ler algo de alguém que possui uma visão holistica e que traz sempre questionamentos que me fazem refletir. Por isso, peço a gentileza de expor aqui o texto que fiz sobre esse filme e provavelmente de alguns outros (posteriormente) para ter sua opinião sobre o mesmo.
Agradeço desde já, a compreensão e me sinto lisonjeado de ter meu texto aqui.
É surpreendente quando você assiste ou lê algo que te remete a um livro, filme ou série que faz parte da sua história pela maneira que ficou gravado na memória como algo muito bom. Foi exatamente o que aconteceu aqui ao assistir esse filme que me trouxe de volta a bela experiência que tive ao ler a Trilogia Caminhos do escritor Richard Paul Evans e que tem uma trama semelhante trocando o sexo dos protagonistas e a maneira que eles decidiram dar um novo rumo em suas vidas.
Como gosto da atriz Frances McDormand desde que assisti Fargo procuro sempre acompanhar suas atuações e aqui ela faz uma personagem nua e crua em sua jornada pelos rumos que a vida trouxe a ela e que seguindo bem o roteiro, percebi que na realidade o sentimento que traz consigo é o de não pertencimento a ninguém e a lugar nenhum e isso é visível em cada passagem e parada que a personagem faz em sua trajetória.
Dos filmes que concorrem ao Oscar, esse é o terceiro que assisto e até o momento não escolheria nem esse e nem Druk como melhor filme, porque mesmo sendo bons filmes, na minha opinião não percebi em ambos nenhuma novidade como vi em Bela Vingança e que acredito que não irá ganhar pela história que existe no filme.
Mesmo assim, como disse é um bom filme e sem dúvida nenhuma eu recomendo!