Madame du Barry (ou Madame Dubarry, como aparece nos créditos iniciais), produção alemã de 1919, a terceira das seis colaborações do diretor Ernst Lubitsch e da atriz Pola Negri, é um belo, grande filme.
As muitas sequências de multidões permanecem absolutamente impressionantes, 101 anos depois que foram realizadas. O cuidado com os cenários, os figurinos, a reconstituição de época – a ação se passa na França de Louis XV, entre 1765, por aí, até 1793 –, é tudo de grande qualidade. Ernst Lubitsch era ainda bem jovem (estava com apenas 27 em 1919, quando o filme foi lançado), mas já era experiente, e demonstrava o talento que seria amplamente, unanimemente reconhecido em todo o mundo.
Sem dúvida é um belo filme, uma obra impressionante. Mas, além disso, é um filme de imensa importância.
Tremendo sucesso na Europa, também teve boa carreira nos cinemas americanos, onde foi exibido com o título de Passion. Foi por causa deste filme, em especial, que Hollywood acabaria importando da Europa tanto o alemão Lubitsch quanto sua estrela preferia, a polonesa Pola Negri.
“Ele dirigiu 18 filmes durante seus últimos cinco anos na Alemanha, quase igualmente divididos entre comédias, algumas das quais antecipavam as preocupações de seus trabalhos em Hollywood, e dramas épicos de costumes”, diz o respeitável livro Directors – The International Dicionary of Films and Filmakers, editado por James Vinson. “Pola Negri estrelou a maioria desses espetáculos históricos, e a força de suas performances junto com a qualidade das produções de Lubitsch deram aos dois aclamação internacional.”
E aí vem uma frase que dá a medida da importância deste filme de 1919:
“Seu Madame Dubarry (retitulado Passion nos EUA) não apenas foi um dos filmes responsáveis por quebrar o bloqueio americano aos filmes importados da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial como também iniciou a ‘invasão’ de Hollywood por talentos alemães.”
Lubitsch foi o pioneiro da leva de alemães em Hollywood
Essa informação é fascinante. De fato. Ernst Lubitsch e Pola Negri foram os primeiros dos tantos e tantos diretores e atores alemães que se radicariam nos Estados Unidos. Lubitsch fez sua primeira visita a Hollywood em dezembro de 1921; em 1923 estava de volta, a convite de Mary Pickford, então uma das maiores atrizes americanas e uma poderosa produtora. Ela queria que o alemão a dirigisse num filme que se chamaria Dorothy Vernon of Haddon Hall, mas acabaram fazendo Rosita, uma comédia romântica – que viria a ser a especialidade do realizador – mas também um filme de época, como eram vários dos que havia feito na Alemanha. A personagem título, interpretada por Mary Pickford, é uma cantora simples, pobre, de Sevilha, Espanha, que acaba atraindo a atenção do rei. O filme foi o primeiro dos 32 que Lubitsch dirigiria em Hollywood.
E é interessante: a personagem Rosita tem algo a ver com Madame Dubarry.
Era 1923, repito – bem antes, portanto, da ascensão do nazismo, que motivou a fuga de vários talentos do cinema alemão em direção a Hollywood.
Ernst Lubitsch, assim, foi o pioneiro de uma leva que incluiria F.W. Murnau, Frtiz Lang, Josef von Sternberg, Marlene Dietrich, G.W. Pabst, Max Ophüls, para citar só alguns.
Pola Negri se radicou em Hollywood durante alguns anos, mas voltou para a Europa – fez filmes na Alemanha e na França, nos anos 30. Em 1941, empobrecida, retornou aos Estados Unidos, onde faria mais alguns filmes. Morreu em 1987, aos 90 anos de idade, em San Antonio, Texas.
Madame du Barry foi mostrada em diversos filmes
O nome Madame du Barry não significava nada para mim, quando resolvi ver o filme de 1919 de Lubitsch. Quis ver não pelo tema, mas por ser do grande diretor que admiro – e ainda mais porque tinha Pola Negri, uma das atrizes mais famosas da época do cinema mudo de quem sempre ouvi falar.
Ignorar quem é Madame du Barry é falha dos meus conhecimentos gerais, porque é uma figura histórica conhecida, importante, e deu origem a diversos filmes, como constatei depois de ver o de Lubitsch.
Hollywood já havia filmado a história de Madame du Barry em 1917, com a grande estrela Theda Bara, dirigida por J. Gordon Edwards. E, depois desta versão de Lubitsch com Pola Negri de 1919, viriam diversas outras. Não posso garantir, de forma alguma, que a relação abaixo é completa.
* Uma Moderna DuBarry/ Eine du Barry von heute (1926), produção alemã dirigida por Alexander Van Korda e estrelada por sua mulher, Maria Korda.
* Du Barry, A Sedutora/Du Barry, Woman of Passion (1930), americana, direção de Sam Taylor, com Norma Talmadge no papel-título.
* Madame Du Barry (1934), americana, dirigida por William Dieterle, com Dolores Del Rio no papel-título.
* Folias de Versalhes/I Give My Heart (1935), produção inglesa, dirigida por Marcel Varnel, com Gitta Alpar no papel central.
* Die du Barry (1951), uma produção alemã, versão musical da história, dirigida por Georg Wildhagen e Reinhold Schünzel, com Sari Barabas como Madame Du Barry.
* Madame du Barry (1954), co-produção França-Itália, dirigida por Christian-Jacque com Martine Carol – aparentemente, a primeira atriz francesa a interpretar a cortesã francesa.
Na transcrição dos títulos logo acima, mantive a grafia com que o nome da personagem histórica aparece no IMDb, o grande site enciclopédico sobre filmes. No resto deste texto, optei pela grafia correta do nome em francês, com o du correspondente ao nosso de, ao von do alemão, em minúscula, separado do sobrenome.
Uma moça pobre que virou amante oficial do rei
Jeanne Bécu, ou Jeanne Vaubernier, a personagem real que passaria para a História com o nome de Madame du Barry, não mereceu um verbete da Encyclopaedia Britannica dos tempos em que as enciclopédias vinham em papel e às vezes custavam caro pra cacete. Sequer o rei Louis XV da França – que a tornou sua amante oficial – mereceu um verbete na parte de textos amplos da Britannica, diferentemente de seu bisavó Louis XIV, o Rei Sol, e seu neto, Louis XVI, o último da dinastia, executado após a Revolução Francesa, em 1793. Com a Britannica, aprendi que esse Louis XV teve várias amantes antes de Jeanne – inclusive a famosíssima Madame Pompadour.
Eis algumas informações básicas sobre essa Jeanne, tiradas da Wikipedia:
Nasceu em Vaucouleurs, na região da Lorena, filha ilegítima de Anne Bécu, cozinheira ou costureira e de pai desconhecido, provavelmente um frade do convento de Picpus, em Paris, Jean-Baptiste Gormand de Vaubernier.
Graças a um amante de sua mãe, Nicolas Rançon, a pequena Jeanne frequentar um convento, onde recebeu uma educação muito superior à que poderia esperar em função de sua condição social humilde.
Aos 15 anos, abandonou o convento, e usando o nome de Jeanne Rançon, passou a trabalhar em diversas atividades, como aprendiz de cabeleireira, camareira, balconista de loja elegante, La Toilette.
Em 1763, sua beleza chamou a atenção do conde Jean-Baptiste du Barry; tornou-se sua amante, morando em sua casa em Paris, frequentada por músicos e artistas.
Jean-Baptiste du Barry usou a beleza da amante para se aproximar do rei Louis XV; sua intenção era influenciar o rei para que ele demitisse o Duque de Choiseul, ministro dos Negócios Estrangeiros.
A moça tinha 19 anos e o rei, com 58, se apaixonou por ela. Queria transformá-la em sua amante oficial, mas para isso era indispensável que ela tivesse um título nobiliárquico. O casamento da moça com o irmão de Jean-Baptiste du Barry, o conde Guillaume du Barry, permitiu-lhe usar com toda a licitude o título de Madame du Barry. Em 1769, a condessa du Barry, amante oficial do rei, foi apresentada à corte com a devida pompa e o incontestável escândalo.
Diz ainda a Wikipedia – e aqui transcrevo entre aspas: “Este episódio foi evocado por Madame Campan, camareira-mor de Maria Antonieta, nas suas memórias: «Mesdames faziam uma vida muito distante do rei, que vivia sozinho desde a morte de Madame de Pompadour. Os inimigos do Duque de Choiseul não sabiam […] como preparar e precipitar a queda do homem que se lhes atravessava no caminho. As mulheres com quem o rei se relacionava eram de tão baixa extração que nenhuma seria capaz de urdir intrigas que exigissem grande subtileza. […] Havia que arranjar ao rei uma amante capaz de criar um círculo à sua volta e de, na intimidade da alcova, minar a sólida e duradoura relação entre o rei e o seu ministro. De facto, a Condessa do Barry provinha de uma classe social inferior. A sua origem e educação, o seu estilo de vida, tudo nela transpirava vulgaridade e despudor. Ao casá-la com um homem cuja linhagem recuava até 1400, julgaram que poderiam evitar o escândalo».
“Sem ter a influência política tão notória quanto a de sua antecessora, Madame de Pompadour, a Condessa du Barry acabou por conseguir a demissão de Choiseul, o qual, através do casamento do futuro Luís XVI com Maria Antonieta, firmara a união dos Bourbons com os Habsburgos da Casa da Áustria. Tal não fez mais que exacerbar o ódio que lhe votava a arquiduquesa austríaca, já à partida indisposta contra ‘a du Barry’ e todo o seu passado.”
Uma história com muitos eventos, muitos personagens
Muitas dessas informações estão no Madame du Barry de Lubitsch.
O roteiro do filme é assinado por Fred Orbing & Hanns Kräly. Vejo no IMDb que Fred Orbing era o pseudônimo de Norbert Falk, que faz o roteiro de vários dos filmes de Lubitsch, inclusive Carmen (1918), baseado no romance de Prosper Mérimée, Ana Bolena (1920) e o já citado Rosita (1923), o primeiro filme americano do realizador.
Como a vida de Jeanne depois Madame du Barry é riquíssima, engloba histórias demais, o roteiro de Orbing-Falk e Kräly compacta em 85 minutos uma imensa quantidade de eventos. Enquanto via o filme, fiquei pensando nisso: diacho, esse filme tem mais fatos, mais eventos, mais intrigas do que muitas séries de seis episódios de 50 minutos cada!
O roteiro coloca em cena um bom número de personagens, mas dá destaque especial para o que indica serem os dois homens mais importantes da vida de Jeanne: o rei Louis XV, é claro, que só aparece quando já se passou a primeira meia hora do filme, e o namorado da moça, Armand De Foix, apresentado, no início, como “um jovem estudante”.
Armand de Foix é o papel de Harry Liedtke, mais de 160 títulos na filmografia entre 1912 e 1944.
O rei Louis XV é interpretado por Emil Jannings, um dos mais famosos atores europeus das três primeiras décadas do século XX, o sujeito que interpretaria Mephisto no Fausto de F.W. Murnau (1926) e o professor Immanuel Rath de O Anjo Azul (1930).
Quando o filme começa, Jeanne está trabalhando em uma loja de acessórios de moda para finas damas, e a patroa ou gerente a encarrega de levar um chapéu até a casa de uma de suas clientes. Jeanne aproveita a saída do trabalho para dar uma passadinha na casa do namorado Armand; ficam juntos lá por um bom tempo – e o espectador pode perfeitamente imaginar que não caíram no sono sentadinhos compenetradamente naquela poltrona…
Antes de voltar para a loja, um acontecimento fortuito a leva a conhecer o cônsul espanhol, um fidalgo chamado Don Diego (Magnus Stifter), O ricaço a convida para ir a sua casa numa tarde de domingo; Jeanne já havia combinado passar a tarde de domingo com Armand. Mas entre o namorado sem grana e o rico espanhol son coeur balance, e então ela se pergunta: – “Quem deverei encontrar? Armand ou Don Diego?”
Don Diego será o primeiro dos homens que a jovem Jeanne seduzirá, na sua escalada social relâmpago. Depois dele vem o conde Jean du Barry (Eduard von Winterstein), que, no roteiro de Orbing-Falk e Kräly, usa a bela jovem para tentar fazer com que o ministro Choiseul (Reinhold Schünzel) assuma para os cofres do Reino da França uma dívida pessoal sua.
Os roteiristas também mudaram um pouquinho a forma com que o rei Louis XV fica conhecendo Jeanne. A moça está sentada em um banco em um parque em Paris quando Sua Majestade põe sobre ela seus olhos vorazes. Pronto: daí a pouco Jeanne já é Madame du Barry, a amante oficial do rei.
O filme transforma a história em uma espécie de triângulo amoroso entre a mulher bela e sedutora, o rei da França e o rapaz que a namorava quando ela era apenas uma balconista de loja. Mas, para que a Grande História apareça na tela, o ex-jovem estudante Armand de Foix se transforma em um rebelde que participará do imenso movimento de rebeldia contra o absolutismo dos Bourbon, e culminará com a Revolução Francesa de 1792.
Na minha opinião, é aí, na segunda metade dos seus 85 minutos, que Madame du Barry cresce de maneira até assustadora.
As sequências das multidões nas ruas de Paris são absolutamente impressionantes, fascinantes.
Madame du Barry é um filme importante, e creio que já consegui demonstrar um tanto essa verdade. Mas não é só um filme que tem importância na história do cinema: é um belo filme.
O diretor alemão e a atriz polonesa fizeram seis filmes
Faço questão de registrar a relação dos seis filmes da dupla Ernst Lubitsch-Pola Negri.
O primeiro foi a adaptação de Carmen de Prosper Mérimée, em 1918, o ano em que terminou a Primeira Guerra Mundial. A atriz polonesa, nascida em 1897, estava portanto com 21 aninhos. O diretor, de 1892, tinha 26.
No mesmo ano de 1918 fizeram Os Olhos da Múmia, a história de uma moça que é sequestrada e mantida cativa em um antigo templo egípcio, até ser resgatada e fugir para a Inglaterra.
O terceiro filme da dupla foi este Madame du Barry.
Em 1920, fizeram Sumurun, um filme em que, parece, Lubitsch viajou demais no seu gosto por ambientes exóticos: é a história da garota favorita de um sheik tirânico que se apaixona por um comerciante, enquanto uma dançarina que quer entrar para o harém atrai a paixão de um palhaço corcunda.
Em 1921 veio Beijos que se Vendem, Die Bergkatze no original, The Wild Cat em inglês, um romance-comédia-drama-aventura passado em lugar exótico.
E, finalmente, em 1922, realizaram Die Flamme, nos Estados Unidos Montmartre, um curta-metragem de 43 minutos em que Pola Negri, em mais um de seus tantos papéis de namoradeira contumaz, não consegue ser fiel ao marido aristocrata, na Paris do século XIX.
Outro registro que considero obrigatório: este Madame du Barry foi lançado no Brasil cerca de um século depois de ser produzido em 1919 em uma caixa de 2 DVDs que tem como título o nome de Ernst Lubitsch, da série Obras Primas da empresa M.D.V.R. São quatro filmes do mestre – esta pérola ainda da época do cinema mudo e mais Ladrão de Alcova (1932), Sócios no Amor (1933) e A Oitava Esposa de Barba-Azul (1938).
Não há informações sobre onde e como foi feita a restauração do filme original – mas se vê, na abertura, que foi um trabalho patrocinado pela Fundação F.W. Murnau.
Na versão restaurada que está no DVD, optou-se por usar diferentes tonalidades de cor como fundo, em vez de manter o preto-e-branco original. Ora vemos sequências com um fundo azul claro, ora com um fundo alaranjado. Não sei por que foi feita essa opção.
Ah, e os letreiros, que no cinema mudo substituíam as falas, aparecem ao mesmo tempo em alemão e em francês. Se você adiciona legendas em português, dá um imbróglio danado – três línguas na tela.
Mas isso é apenas uma descrição – não uma reclamação. É preciso agradecer a essa empresa por tornar disponível no Brasil essa preciosidade.
O filme inaugurou luxuoso cinema da UFA em Berlim
No seu Dicionário de Filmes, editado no Brasil em 1993 pela L&PM, o historiador e crítico Georges Sadoul escreveu: “A mais célebre grande realização alemã de Lubitsch, que teve enorme sucesso depois de 1920 nos Estados Unidos e no mundo, contribuiu muito para criar o estilo ‘histórico’ da UFA. Direção hábil, diretamente inspirada por (Max) Reinhardt, de quem Lubitsch fora aluno, e em cuja escola recrutou vários atores do filme. Muito bem conduzida, em grandes cenários (…). Todos os sans-culottes têm fisionomias bestiais, e sua caricatura contribuiu para o sucesso do filme, quando apresentado em 1919 no UFA Palast, quando a Berlim mundana retomava coragem, depois de esmagados com sangue os movimentos revolucionários esparquistas de 1918-1919.”
Hum… Creio que vá aí na avaliação do grande Georges Sadoul um sentimento nacionalista francês contra a Alemanha, inimiga em duas guerras mundiais…
O maravilhoso livro Cinema Year by Year 1894-2000, que fala sobre os fatos mais importantes da história do cinema como se estivesse transcrevendo trechos de jornais da época, dá o título “Polonesa Pola moldada como ‘femme fatale’ pelo alemão Lubitsch”. O texto é datado de “Berlim, 18 de setembro de 1919”:
“Neste mês foi aberto o UFA Palatz, um cinema soberbo construído no centro de Berlim pela todo-poderosa empresa. Para essa ocasião, Ernst Lubitsch, diretor de The Oyster Princess, apresenta seu novo filme Madame Dubarry, inspirada na trágica história da famosa cortesã francesa. As filmagens demoraram vários meses e o filme se gaba de ter vários cenários criados por Karl Malchus e Kurt Richter. No papel título, Pola Negri conseguiu um grande sucesso. Nascida Apolonia Chalupiec na cidade polonesa de Janowa em 1894, Negri estudou balé em Saint Petersburg antes de estrear nos palcos de Varsóvia em 1913. Em 1917, após aparecer em alguns filmes poloneses, ela veio para Berlim, a convite de Max Reinhardt. Agora seus belos olhos estão acelerando a pressão dos alemães.”
Delícia de texto!
Mas… Pola Negri nasceu em 1894, como diz esse belo livro, ou em 1897, como diz o IMDb?
1987, diz, além do IMDb, a Wikipedia. Mas o livro Actors & Actresses – The International Dictionary of Films and Filmmakers adiciona mais dúvidas ao dizer que foi “1894 – ou 1899”
1984, diz, além do Cinema Year By Year, o livro 501 Movie Stars, organizado pelo incansável Steven Jay Schneider.
A Britannica não serve para desempatar: ela não tem verbete para Pola Negri…
Mas a data do nascimento de Pola Negri, se 1894, 1897 ou até mesmo 1899, importa muito pouco.
Importa, e importa muito, saber como o crítico de um grande jornal americano avaliou Madame Dubarry, quer dizer, Passion, quando o filme estreou nos Estados Unidos, exatamente um século atrás.
Um século, meu!
Uma extraordinária crítica escrita 100 anos atrás
“Um dos filmes proeminentes da atual era cinematográfica está em exibição no Capitol esta semana”, diz a crítica do filme publicada no New York Times no dia 13 de dezembro de 1920.
A crítica – que, estranhamente, não traz a assinatura do autor – prossegue:
“Ele é muito inapropriadamente intitulado Passion, e foi importado da Europa, tendo sido feito no Norte da Alemamha pela Associated First National Pictures, Inc. A atriz polonesa Pola Negri faz o papel principal, e o diretor foi Ernst Lubitsch, que dizem ter uma reputação de cinematógrafo de primeira linha no exterior. Segundo consta, o título no Continente do filme era ‘du Barry’, e esse título poderia muito bem ter sido mantido, porque ele chega perto de mostrar do que trata a história. A história é aquela da amante de Louis XI em seu meio, a vida naquela época, com suas figuras individuais e suas massas humanas, ao menos como elas eram popularmente imaginadas, sendo o material de fato da narrativa. A própria du Barry é apenas uma parte de tudo aquilo, assim como os outros, especialmente o Rei e Armand de Foix, que, com a mulher entre eles, formam os três personagens principais da trama. É sobre esses três, o brinquedo do destino errático, o Rei louco, e o humilde primeiro amor da du Barry quando ela era apenas Jeanne, a aprendiz de modista, que a ação se centra, mas eles são meramente o centro da ação que se irradia em todas as direções e alcança a Corte de Louis e a fervilhante vida de Paris, da onipotência do gordo tirano Bourbon até o poder esmagador das multidões frenéticas.”
Uau! Quase tão fascinante quanto ver este filme que tem mais de um século é ler essa crítica que tem um século…
“É na construção dessa história da França pré-revolucionária, chegando a seu ponto mais alto na revolução, que Mr. Lubitsch fez algo notável. Os casos de Mme. Du Barry, Louis e Armand, em si mesmos, são simplesmente sórdidos, com a participação de Armand neles tornada um tanto digna por um toque de tragédia, e qualquer diretor que permitisse que eles sobressaíssem de seu background teria meramente uma história sórdida para contar. Mas Mr. Lubitsch tem a habilidade de colocá-los em seus lugares, de fazer deles uma parte do que está acontecendo e, enquanto os mantém no centro como objetos do interesse, ele jamais permite que eles sejam a atração exclusiva. Assim, seu filme tem intensidade dramática assim como intensidade localizada; vive como um documento humano; e satisfaz a curiosidade histórica. O quanto ele se distancia da história factual não importa.”
Ah, meu… Isso é só o começo da crítica do New York Times de 13 de dezembro de 1920…
De uma certa maneira, Madame du Barry – assim como a crítica sobre ele de cem anos atrás – serve como um alerta para que nós não fiquemos tão metidos, presunçosos, com o tanto que as coisas avançaram, progrediram, ao longo deste tempo todo.
De uma certa maneira, Madame du Barry nos obriga a um muito bem-vindo exercício de humildade.
Anotação em outubro de 2020
Madame du Barry
De Ernst Lubitsch, Alemanha, 1919
Com Pola Negri (Jeanne Vaubernier, mais tarde Madame du Barry),
Emil Jannings (rei Luís XV),
Harry Liedtke (Armand de Foix, o grande amor de Jeanne/Madame du Barry), Eduard von Winterstein (conde Jean du Barry), Reinhold Schünzel (ministro Choiseul), Else Berna (Herzogin von Grammont, duquesa de Grammont, sua irmã), Fred Immler (Richelieu), Gustav Czimeg (Aiguillon), Karl Platen (Guillaume du Barry, irmão do conde Jean du Barry), Magnus Stifter (Don Diego, o cônsul espanhol), Paul Biensfeldt (Lebel, valet de chambre do rei), Alexander Ekert (Paillet, sapateiro, amigo de Armand), Marga Köhler (Madame Labille), Viktor Janson (Zamor, o criado de madame du Barry)
Roteiro Fred Orbing (pseudônimo de Norbert Falk) & Hanns Kräly
Fotografia Theodor Sparkuhl e Kurt Waschneck
Produção Projektions-AG Union, distribuição UFA. DVD M.D.V.R – Obras Primas
P&B, 85 min (1h25)
Disponível em DVD.
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Título nos EUA: Passion.
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