A maior das muitas qualidades de Butch Cassidy and The Sundance Kid é que o filme não se leva a sério. É um filme brincalhão, gozador, e essa é uma das razões de seu charme imenso – além, é claro, da beleza incrível dos três atores principais, da trilha sonora de Burt Bacharach, do roteiro esperto, ágil de William Goldman, e da direção segura, firme e sempre bem humorada de George Roy Hill.
Vejo no livro Box Office Hits que Butch Cassidy tem o recorde de western de melhor bilheteria da História. A autora do livro, Susan Sackett, toma o cuidado de dizer que se baseou, para fazer essa afirmação, no Guinness Book of Movie Facts and Feats – que, por sua vez, informa que, se os números forem devidamente ajustados à inflação, então o recorde passaria a ser de Duelo ao Sol (1946), um western que eu, um apaixonado pelo gênero, acho uma grande porcaria, um abacaxi azedo.
É uma delícia que o western de maior bilheteria da História (ou, vá lá, um dos maiores, mas indiscutivelmente o filme de maior bilheteria de 1969, o ano de seu lançamento) contenha o seguinte:
* quando o mocinho vai enfrentar um rival, não vence porque é mais forte, ou mais rápido no gatilho, e sim porque enfia nele um chute no saco;
* o mocinho pega a mocinha que é namorada do outro mocinho, coloca a mocinha numa bicicleta – uma bicicleta! – e sai dando voltinhas com ela, enquanto ouvimos uma canção pop tipicamente anos 1960, que não tem nada, mas nada, absolutamente nada a ver com o ambiente do Velho Oeste;
* os mocinhos e mais a mocinha abandonam o Velho Oeste, passam uma temporada em Nova York, vâo à praia em Conney Island, pegam um navio… e vão parar na Bolívia!
* e, na Bolívia, os mocinhos, que na verdade são foras-da-lei, mas são simpáticos pra cacete e são os heróis da história, têm uma dificuldade danada para roubar os bancos, porque não sabem falar a droga da língua!
Isso sim é que é um filme que não se leva a sério.
O filme não se preocupa nada com verossimelhança
Antes de prosseguir, quero reforçar: sou um apaixonado pelo western – mas não sou dos tradicionalistas. A maioria dos que cultivam o gênero, um dos mais antigos do cinema, o gênero do cinema americano por excelência, costumam ser muito tradicionalistas; não suportam misturar bangue-bangue com comédia. Em geral detestam, por exemplo, Dívida de Sangue/Cat Ballou (1965), aquele em que o cavalo do pistoleiro bêbado interpretado por Lee Marvin fica igualmente bêbado, e os dois se escoram na parede para não cair. Isso para não falar em Banzé no Oeste/Blazing Saddles (1974), a sátira arrasadora de Mel Brooks.
Muitos dos fãs do western, mundo afora – e são muitos, e são de fato aficionados, fiéis abnegados, têm clubes, e tudo o mais –, sequer admitem o western spaghetti que os italianos inventaram em meados dos anos 1960, e Sergio Leone transformou em arte.
Não sou tradicionalista. Gosto muito de um bom western tradicional, que joga pelas velhas regras – mas não tenho nada contra os que brincam com aquelas regras. Gosto de bons filmes, seja o que forem, tradicionais ou não.
E gosto muito de bons filmes que não se levam a sério. Que dizem claramente que estão aí para divertir, para dar alegria ao espectador, neste mundo tão absolutamente repleto de motivos de tristeza.
Além de desrespeitar alguns mandamentos do western, como mostram aqueles exemplos acima, Butch Cassidy and The Sundance Kid também demonstra, em diversas ocasiões, que não está muito preocupado com a verossimilhança da história que está contando. Quer dizer, o roteiro – com toda clareza – se afasta aqui e ali de qualquer proximidade com o realismo. Por exemplo: lá pelo meio do filme, os dois personagens centrais, os notórios assaltantes Butch Cassidy (o papel de Paul Newman) e o Sundance Kid (o de Robert Redford) estão fugindo do implacável grupo de seis homens que foi reunido para prendê-los.
São homens absolutamente bem treinados, determinados, incansáveis. Passam dias e dias perseguindo os dois ladrões de bancos e de trens por milhares e milhares de quilômetros. Butch e o Kid caminham em cima de rios, onde não se deixam rastros, caminham em cima de montanhas de pedra, onde não se deixam rastros – mas os homens estão sempre logo atrás deles, no encalço deles.
– “Quem são esses caras?”, pergunta Butch-Paul Newman – e daí a pouco pergunta de novo, e é divertidíssimo ouvi-lo fazendo a pergunta duas, três, quatro, cinco vezes.
Aí, de repente, os dois ladrões-mocinhos pulam no despenhadeiro – a hoje famosérrima, antológica sequência do pulo no rio lá embaixo do despenhadeiro –, e, num passe de mágica, chegam de volta à casa da mocinha, a professora Etta Place (o papel da lindérrima Katharine Ross). Sem que ninguém os incomodasse.
Da mesma forma, de repente, não mais que de repente, como num passe de mágica, os bandidos-mocinhos conseguem despistar os ferozes perseguidores e aparecem na mesma velha cidade de sempre, onde se escondem num quarto com a prostituta Agnes (o papel da ótima Cloris Leachman, de quem a gente mal vê o rosto).
E há uma terceira escapada do infatigável grupo de perseguidores, quando Butch e o Kid aparecem em outra cidade conhecida, para conversar com o xerife velho companheiro.
Uma canção pop deliciosa, um grande sucesso
Mas tem mais incongruências, coisas que fogem da verossimilhança feito diabo da cruz, feito Butch e o Kid dos seis cavaleiros incansáveis. Como foi que raios o trio Butch-Kid-Etta conseguiu atravessar todo o país sem ser seguido pelos perfeitos perseguidores?
Mais ainda: por que raios o trio Butch-Kid-Etta (que, sem dúvida nenhuma, muitas vezes parece o trio Jules-Jim-Catherine do clássico de François Truffaut de 1962), tendo atravessado todo o país sem ser molestado, não quietou o facho ali em Nova York, aproveitando os prazeres da praia, dos bons restaurtantes, da vida fervilhante da grande metrópole?
Já que tinham dinheiro para aquilo tudo, por que não tentar endireitar, arranjar um emprego, “go straight”, como mais tarde Butch diria? Por que deixar para tentar “go straight” só no interior bravo da Bolívia?
Não, não, não estou acusando o roteiro de Butch Cassidy de ser mal construído, mal costurado, mal ajambrado. De forma alguma. O roteiro – de William Goldman, um mestre, um ás – é uma absoluta delícia. Ele não se importa com essa coisa boba de verossimilhança, realismo, lógica dos fatos. Butch Cassidy é uma grande aventura, uma grande brincadeira, uma grande piada, um filme delicioso, brincalhão, gozador, que não se leva a sério.
O roteiro de William Goldman – por falar nele – ganhou o Oscar. Ganhou também o Bafta, o prêmio da Academia Britânica, e foi indicado ao Globo de Ouro.
O filme teve 7 indicações ao Oscar. Perdeu nas categorias melhor filme, melhor direção e melhor som, mas levou as estatuetas de roteiro, como já foi dito, mais fotografia para Conrad L. Hall, trilha sonora e canção, “Raindrops keep falling on my head”.
“Raindrops keep falling on my head” é o mais autêntico pop do grande Burt Bacharach, com letra de seu parceiro Hal David. É perfeita para ser cantada pela voz de diamante de Dionne Warwick, a mais completa tradução do pop de Bacarach & David, e ela claro que gravou, mas no filme é cantada por B.J. Thomas. Foi feita para fazer sucesso nos anos 1960 – e fez. A gravação de B.J. Thomas ficou 19 semanas entre os 40 hits da Billboard – e, em quatro dessas semanas, no primeiro lugar. Chegou ao primeiro lugar também no Canadá e na Noruega, e foi regravada por diversos cantores e grupos, entre eles Dionne Warwick, Engelbert Humperdinck, Johnny Mathis, Perry Como, The Four Tops, Andy Williams. Sacha Distel gravou uma versão em francês, “Toute La Pluie Tombe Sur Moi”, que fez sucesso na França e também na Inglaterra e na Irlanda!
Tocou demais no Brasil também, é claro. O jovem Sérgio Vaz fez muito simulado no cursinho do Objetivo, em 1970, ouvindo ao longe B.J. Thomas cantando “Raindrops keep falling on my head”. É interessante, mas ainda hoje me lembro disso: a trilha sonora do meu ano de cursinho preparatório para o vestibular para a ECA-USP teve essa canção. Teve muita coisa bela, importante, ótimos professores e moças interessantíssimas – e “Raindrops” estava lá.
Dois amigos e uma mulher e uma canção
Não tem nada na canção que remotamente remeta a Velho Oeste. Nem na melodia, nem na letra. Nada, nadinda, neca de pitibiribas – e esse é um dos encantos do filme.
Numa noite, na cidadezinha cujo nome não aparece – não importa mesmo, então pra que aparecer? –, o xerife está lá se dirigindo aos cidadãos, pedindo a ajuda deles para montar um grupo para ir atrás de Butch Cassidy e o Sundance Kid. E a resposta é o silêncio que atravessa a noite e até provavelmente a madrugada também. O xerife faz nova exortação – e ninguém se pronuncia. Aí um sujeito sobe no estrado em que o xerife está e apresenta a bicicleta, o meio de locomoção do futuro, que acabou de chegar ao mercado. Não tem que ser alimentado que nem os cavalos, é uma maravilha.
O xerife fica estupefato: mas o que é isso? O sujeito, o caixeiro-viajante, o comerciante, o homem que traz o capitalismo e o futuro para o Velho Oeste diz que, já que o xerife havia reunido o pessoal todo ali, ele poderia se aproveitar…
É um dos momentos deliciosos do filme delicioso.
Butch e o Kid apreciam toda a cena da janela de um dos quartos do saloon-café-puteiro. O Kid diz que vai embora – e daí a pouco está segurando a arma e mandando a moça de beleza absolutamente incrível ir tirando a roupa.
Depois de algum tempo, a moça, a professorinha Etta, que vem na pele de Katharine Ross, que já havia feito minha geração inteira suspirar de paixão em A Primeira Noite de um Homem/The Graduate, de 1967, dois anos antes, dá uma bronca no Kid: – “Gostaria que pelo menos uma vez na vida você chegasse na hora combinada!”
E aí corta, e na sequência seguinte já é dia, o Kid dorme e Etta acorda ao som de Butch falando alguma coisa do lado de fora da casa dela. Etta põe algo que fica entre o pegnoir e um roupão leve, e vai lá andar na bicicleta que Butch tinha comprado do caixeiro-viajante – e entra o som de “Raindrops keep falling on my head”.
Butch-Paul Newman e Etta-Katharine Ross andando de bicicleta ao som de “Raindrops keep falling on my head”, com o Kid-Robert Redford ainda dormindo, tem um quê do momento em que Catherine-Jeanne Moreau canta “Le Tourbillon” entre Jules e Jim, em Jules et Jim.
Não há de fato contato físico, uma coisa sexual, entre Butch e Etta. A sequência – linda de morrer – é doce, terna. É sensual, também, claro, mas de uma forma de fato suave. O contato dos dois é uma coisa muito mais terna do que propriamente sexual – mesmo quando ela diz que, puxa, se eles se tivessem conhecido antes de ela conhecer o Kid, seriam os dois que estariam juntos.
E, ao final da sequência, quando Butch e Etta chegam de volta à varanda da casa, e o Kid está meio que acordando, há o diálogo delicioso – William Goldman escreve diálogos excelentes.
Kid, para o amigo que está com Etta na bicicleta: – “O que você está fazendo?”
Butch: – “Roubando sua mulher?”
Kid, depois de olhar um tempinho para os dois na bicicleta: – “Pode levar! (Suspira, e repete: ) Pode levar!”
Butch: – “Bem, você é um porra de um sujeito romântico!”
E Etta desce e abraça o namorado.
Uma maravilhosa mistura de muitos elementos
Perdão, mas vou insistir ainda um pouquinho na coisa da canção gostosa na cena que virou antológica.
Ao rever o filme agora (pelas minhas anotações, a última vez que tinha visto tinha sido em 1974), me ocorreu que a música de Burt Bacharach é tão distante da época da ação do filme, tão estranha ao Velho Oeste, quanto o rock progressivo produzido por Alan Parsons, uma coisa absolutamente anos 1980, na deliciosa fantasia O Feitiço de Áquila/Ladyhawke (1985), que se passa na Idade Média.
Quando revi Ladyhawke em 2014 para escrever sobre ele aqui no 50 Anos de Filmes, comecei o texto chamando a atenção para essa aparente maluquice:
“A ação de Ladyhawke, no Brasil O Feitiço de Áquila, se passa na Idade Média. Não se especifica a época, mas é depois das Cruzadas, algo aí entre os séculos XIII e XIV. A trilha sonora tem muito solo de guitarra elétrica – forte, bela, envolvente, pop a não mais poder, a trilha composta por Andrew Powell tem a produção de Alan Parsons, o engenheiro de som dos mais belos discos de Pink Floyd, um gênio do estúdio da Londres pós-Beatles. Ação que se passa lá por volta de 1.250 ou talvez 1.350. Somzaço que é anos 1980 puro. Ladyhawke é uma deliciosa, maravilhosa mistura, um coquetel de muitos elementos.”
Acho que de Butch Cassidy dá para dizer a mesma coisa: uma deliciosa, maravilhosa mistura, um coquetel de muitos elementos.
É bem verdade que o Velho Oeste mostrado no filme não é tão velho assim. Ainda é Wild West, o Oeste Selvagem, com assaltos a bancos, a trens, bandos armados – mas já há bicicleta. Em várias cidades – como se mostra, por exemplo, em O Último Pistoleiro/The Shootist (1976) –, já havia água encanada, bondes elétricos. A ação de Butch Cassidy se passa já no século XX – era já o outono do Velho Oeste.
Mesmo assim, não tinha nada a ver com o pop anos 60 de “Raindrops keep falling on my head”. Nem com a eletrizante “South American Getaway”, interpretada por ninguém menos que os Swingle Singers, que, aqui, em vez de Bach e Mozart, interpretam Bacharach. Swingle Singers e Bacharach têm mais a ver uns com o outro do que poderia sonhar nossa vã filosofia.
Imagens sem movimento na arte que é movimento
Se minhas anotações estiverem certas, se eu não tiver esquecido de anotar alguma coisa, fazia portanto 45 anos que eu tinha visto o filme – e no entanto me lembrava perfeitamente, perfeitamente, da maravilha que é a forma com que o filme mostra toda a longa, longa, longa viagem de Butch, Kid e Etta do Velho Oeste até a Bolívia.
George Roy Hill escolheu por mostrar toda a odisséia dos três amigos apenas através de fotografias. Imagens sem movimento.
“Se a fotografia é a verdade, o cinema é a verdade 24 vezes por segundo”, sentenciou Godard, um cineasta que adora fazer sentenças. Hoje, tantos anos depois do advento do Photoshop e congêneres, nem a fotografia é mais a verdade, mas a frase godardiana continua sendo ótima.
Não são exatamente imagens sem movimento: a câmara passeia pelas fotos – uma enorme quantidade de fotos que vão mostrando o trio se preparando para a viagem, na estação, no trem, em Nova York, um tempão por lá, na praia de Conney Island, no porto, no navio – até que finalmente um trem os deixa no meio do absolutamente nada, no fiofó do interiorzão bravíssimo da Bolívia.
Essa justaposição de imagens sem movimento é um momento sublime do cinema, uma arte que foi batizada com a palavra grega que significa movimento. É um absoluto brilho.
“A maior parte da história é verdade”
O eventual leitor muito provavelmente já está cansado de saber, mas tenho que registrar, até porque um letreiro, antes do início da ação, já adverte, em um tom um tanto brincalhão: “A maior parte do que se segue é verdade”. Sim, Butch Cassidy e o Sundance Kid existiram. Foram tão reais quanto Billy the Kid (que aliás Paul Newman interpretou em Um de Nós Morrerá/The Left Handed Gun, de 1958), Wyatt Earp, Doc Holliday, Buffalo Bill, todas essas figuras míticas, quase místicas. Tão reais quanto Clyde Barrow e Bonnie Parker, a dupla de ladrões de banco que virou mítica, quase mística, nos tristíssimos anos 1930, os da Grande Depressão – exatamente a época em que se passaria o outro filme do trio George Roy Hill-Paul Newman-Robert Redford, Golpe de Mestre/The Sting, feito quatro anos após este aqui, em 1973.
“Harry Longabaugh, também conhecido como The Sundance Kid, se uniu a Robert Leroy Parker, também conhecido como Butch Cassidy, e se divertiu numa série de de assaltos a bancos e trens”, escreveu Susan Sackett no seu livro Box Office Hits. “Assim como no filme, a dupla, junto com a ex-professora primária Etta Place, fugiu para a América do Sul, com detetives da Pinkerton atrás deles.”
Ah, sim, a Pinkerton. A Pinkerton foi uma das primeiras e a maior das primeiras agências de detetives privados do mundo. A Pinkerton foi uma inspiração para os escritores que, ali pelos anos 30, 40, criaram os detetives hard-boileds, os investigadores particulares durões, que se metiam em brigas, apanhavam, eram esmurrados, e bebiam demais, e se apaixonavam por femmes fatales, e comiam o pão que o diabo amassou, tipo Philip Marlowe e Sam Spade – invenções respectivamente de Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Este último, figura fantástica, comunista até a alma, chegou a trabalhar na Pinkerton.
O nome Pinkerton não aparece uma vez sequer no filme, mas sabe-se que, na vida real, Harry Longabaugh e Robert Leroy Parker, quer dizer, Butch Cassidy and the Sundance Kid, foram perseguidos por detetives da Pinkerton.
Consta – a própria Susan Sackett escreveu isso no seu livro – que William Golding ficou absolutamente fascinado com a história da dupla Harry Longabaugh e Robert Leroy Parker. Passou cerca de seis anos pesquisando sobre a história dos dois foras-da-lei, e viu provas de que a dupla não era sanguinária, como tantos bandidos do Velho Oeste; muito ao contrário, não gostavam de matar gente – queriam roubar, não matar.
O roteirista vendeu a idéia para Richard Zanuck, o filho do Darryl F. Zanuck, o chefão que foi sinônimo de 20th Century Fox, e Zanuck Filho comprou – por US$ 400 mil, uma quantia até então inimaginável como pagamento de um roteirista.
Uma dupla que teve uma química perfeita
Em seu livro Box Office Hits, Susan Sackett conta que o roteirista William Goldman sonhava com Paul Newman como o Sundance Kid e com Jack Lemmon com Butch. Zanuck preferia Steve McQueen como Butch – mas Paul Newman e Steve McQueen tinham problemas que vinham desde a escolha do elenco de Marcado pela Sarjeta (1956), o filme em que Newman havia interpretado o boxeador Rocky Graziano, e então essa reunião era impossível.
Sempre digo que, assim como há males que vêm para bem, e as malas vêm de trem, Hollywood tem uma sorte danada. Aconteceu de alguém ter sugerido Robert Redford para fazer o Kid, o mais jovem, botando Newman como Butch, o mais velho.
E aí rolou uma das químicas mais perfeitas do cinema americano – uma coisa tão mágica quanto Astaire e Ginger, Tracy e Katharine. A dobradinha Newman-Redford é de fato fascinante – e o George Roy Hill, que não é bobo nem nada, os reuniria novamente quatro anos depois.
Um registro obrigatório: a prova de que Robert Redford adorou ter feito o filme é que quando, em 1981, criou um instituto para – segundo ele mesmo define – “ativamente fazer avançar o trabalho de contadores de histórias independentes no cinema e no teatro”, batizou-o com o nome de Sundance Institute. O Sundance Film Festival, que se realiza a cada mês de janeiro, em Park City e Salt Lake City, Utah, já é absolutamente tradicional. É assim o Festival de Cannes do cinema independente do mundo inteiro.
Atenção: spoiler. Melhor pular para o outro intertítulo
Há um outro registro obrigatório a se fazer antes de eu passar para as opiniões de críticos sobre o filme, mas ele é spoiler. Assim, quem não viu o filme – se é que há algum eventual leitor que ainda não viu o filme – deveria pular para o próximo intertítulo.
É impossível não comparar a sequência final de Butch Cassidy com a a sequência final de Bonnie and Clyde, que o grande Arthur Penn havia lançado dois anos antes, em 1967.
O final de Bonnie and Clyde justifica perfeitamente o adendo ao título dado pelos exibidores brasileiros – ‘uma rajada de balas”. É de uma violência aterradora vermos na tela as imagens daquelas duas belas pessoas, Faye Dunaway e Warren Beatty, sendo destroçadas por centenas, talvez milhares de balas. Um número de balas que daria para matar 200, 300 pessoas.
O roteirista William Goldman e o diretor George Roy Hill propositalmente miraram naquele final para criar a última sequência de Butch Cassidy – com a sacada esperta, inteligente, maravilhosa, de congelar a imagem de Paul Newman e Robert Redford saindo do lugar em que estavam escondidos para enfrentar os policiais bolivianos. Butch e o Sundance não sabiam, naquele momento, o que o espectador já sabia – que eles eram aguardados não por uns cinco policiais, mas por um gigantesco exército, centenas de fuzis mirando exatamente aquela porta de onde os dois saem – e aí a imagem congela.
“Não há outro filme tão atraente e agradável”
“A clássica parceria de Paul Newman e Robert Redford foi tão mágica – e tão lucrativa, marcando o maior sucesso do ano – que esta comédia de ação com jeitão de faroeste, imersa nos matizes sépia da fotografia de Conrad Hall premiada com o Oscar, tornou-se um marco nos filmes de brigas entre amigos”, diz o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer.
O livro diz que “o interlúdio” com “Raindrops keep falling on my head” “é o único elemento datado”. Cada pessoa tem direito a ter sua opinião… E o verbete sobre Butch Cassidy termina assim: “Não há outro filme tão atraente e agradável quanto este”.
Leonard Maltin dá a cotação máxima, 4 estrelas, e define o filme como “delicioso estudo de personagens sério-cômico que finge ser um western; os foras-da-lei Newman e Redford são perseguidos por uma equipe implacável mas distante”. Fala dos Oscars que o filme ganhou, cita a existência da sequência que na verdade é pré-sequência, e elogia o roteiro de William Goldman, que brilha com “os diálogos afiados”.
É claro que Pauline Kael, a prima donna da crítica americana, uma chata de galocha, torceu o narizinho empinado: “Paul Newman e Robert Redford são pessoas encantadoras de vermos na tela, mesmo quando o veículo não lhes faz justiça. George Roy Hill dirigiu este western imensamente popular, exagerado e divertido.”
O Guide des Films de Jean Tulard avalia assim o filme que na França se chamou Butch Cassidy et Le Kid: “Bom western, servido por um elenco excepcional e um roteiro mais rico do que poderia parecer. É a procura da terra prometida que assombra Butch e o Kid. As estradas de ferro condenam ao fim da liberdade do Oeste, e então por que não a Bolívia? E quando a Bolívia os decepciona, Butch e o Kid sonham com a Austrália. Eles morrem porque seu mundo está condenado. Pode-se ver nesta obra ecos de Brigand Bien-Aimé. Lester imaginou ‘os alegres inícios’ de Butch e o Kid num filme posterior.”
Sim: Richard Lester, o cineasta criativo, às vezes bastante anticonvencional que fez os dois filmes dos Beatles, A Hard Day’s Night (1964) e Help! (1965), fez em 1979 Butch and Sundance: The Early Days, no Brasil A Juventude de Butch Cassidy, com William Katt e Tom Berenger.
E Le Brigand Bien-Aimé é Jesse James, o clássico de 1939 dirigido por Henry King com Tyrone Power e Henry Fonda sobre o célebre fora-da-lei.
Eu, aqui no meu cantinho, não gosto nem um pouco, não gosto absolutamente nada dessa mania do cinema americano (e também da musica folk americana) de endeusar ladrões, bandidos, assaltantes. De Jesse James a Billy the Kid, de Bonnie e Clyde a Butch Cassidy e o Sundance Kid.
Mas o filme é tão charmoso, tão gostoso, tão divertido, os diálogos são tão inteligentes, Newman, Redford e Katharine Ross são tão belos, que não dá para resistir. E ainda tem aquela coisa: é um filme que, afinal de contas, não se leva a sério.
Anotação em março de 2019
Butch Cassidy/Butch Cassidy and the Sundance Kid
De George Roy Hill, EUA, 1969.
Com Paul Newman (Butch Cassidy), Robert Redford (Sundance Kid), Katharine Ross (Etta Place)
e Strother Martin (Percy Garris), Henry Jones (o vendedor de bicicletas),
Jeff Corey (xerife Bledsoe), George Furth (Woodcock, o funcionário da rodovia), Cloris Leachman (Agnes, a prostituta), Ted Cassidy (Harvey Logan), Kenneth Mars (delegado), Donnelly Rhodes (Macon), Jody Gilbert (mulher grande), Timothy Scott (News), Don Keefer (bombeiro), Charles Dierkop (Curry Nariz Chato), Pancho Cordova (gerente de banco), Nelson Olmsted (fotógrafo), Paul Bryar (jogador de cartas), Sam Elliott (jogador de cartas), Charles Akins (caixa do banco), Eric Sinclair (vendedor da Tiffany’s)
Argumento e roteiro William Goldman
Fotografia Conrad L. Hall
Montagem John C. Howard e Richard C. Meyer
Música Burt Bacharach
Figurinos Edith Head
Produção Paul Monash, John Foreman, 20th Century Fox.
Cor, 110 min (1h50)
R, ***1/2
Vi há muito tempo e voltei a ver há poucos anos em DVD. Em ambas as ocasiões achei interessante e agradável de seguir mas nada mais.
Não tenho vontade de rever apesar de gostar muito do género western.
Nem sou um amante da versão tradicionalista. Para mim o melhor filme do género é Once Upon a Time in the West que não é nada tradicionalista e que tem a melhor banda sonora que já ouvi.
Outro assunto: estou a usar o Chrome e lá cima está “Inseguro”. Está sempre, já espero isso mas ao escrever este comentário a palavra aparece a vermelho.
Até parece que há perigo de alguém se intrometer.