Será que quem gosta de filmes de ação, com muito, mas muito tiro, muita, mas muita explosão, muita, mas muita perseguição de carro, gosta de RED e RED 2? Deve gostar. Muito provavelmente deve gostar – ou os produtores não teriam feito esta sequência aqui.
Não tenho predileção alguma por filme de ação com muito tiro, muita explosão, muita perseguição de carro. Ao contrário: esse tipo de coisa me cansa profundamente.
E, no entanto, gostei muito do primeiro RED, e também deste segundo. Me diverti bastante. Porque, apesar de ter muito tiro explosão perseguição de carro, ele é feito para diversão pura e simples. É um filme que não se leva a sério – muito antes ao contrário. É uma tremenda de uma gozação dos filmes de ação, espionagem, essas coisas tipo trilogia Bourne.
Os personagens foram criados em graphic novels, as histórias em quadrinhos
RED – é bom explicitar para algum eventual leitor que não conhece os dois filmes – é a sigla para retired and extremely dangerous: aposentados e extremamente perigosos.
Os personagens – esses aposentados extremamente perigosos – são diversos ex-agentes dos serviços de espionagem americano, a CIA, britânico, o MI6, o antigo soviético e agora russo. Não são propriamente seres humanos como você ou eu: são quase super-homens como os das histórias da Marvel ou do DC Comics. Só não têm aquelas capas e a aparência esquisita do Super-Homem, Capitão Marvel, Homem Aranha, Mulher Maravilha etc, etc, etc.
São seres humanos – mas dotados de poderes super-humanos que nem aqueles heróis de quadrinhos. Até porque são heróis de quadrinhos: os personagens todos foram criados por Warren Ellis e Cully Hamner, autores de graphic novels, ou histórias em quadrinhos, publicados pela DC Entertainment, uma das empresas ligadas à DC Comics.
Ellis, o escritor, e Hammer, o artista gráfico, criaram os personagens em três histórias publicadas em 2003 e 2004. No primeiro filme, RED, de 2010, eles são interpretados por Bruce Willis, John Malkovich, Helen Mirren e Morgan Freeman. O grande e belo Freeman não participa deste segundo, mas os três primeiros atores permanecem. A ótima, fantástica Mary–Louise Parker também está de volta, no papel delicioso de Sarah, que no primeiro filme era uma entediada funcionária pública do serviço de aposentadoria do governo americano, é sequestrada por Frank Moses (o papel de Bruce Willis), participa das aventuras dele e, é claro, vira sua mulher.
Neste segundo filme, há novos personagens, que não estavam no primeiro, e são interpretados por Anthony Hopkins, Catherine Zeta-Jones, David Thewlis e Byung-hun Lee. Ou seja: baita elenco, um monte de gente boa.
Ahnn… Sei: o eventual leitor poderá questionar quem é Byung-hun Lee. Eu também não tinha a menor idéia de quem era ele. Coreano de Seul, onde nasceu em 1970, em família rica, é hoje um dos maiores astros da TV e do cinema da Ásia, aquele continente que tem 3 de cada 4 seres humanos do planeta.
A rigor, a trama é o que menos importa: ela é só uma desculpa para o humor
A trama que os roteiristas Jon Hoeber & Erich Hoeber bolaram para este segundo filme, em cima dos personagens da graphic novel, é mais ou menos assim:
Vixe! Preguiça danada de fazer uma sinopse. Não que seja uma trama implausível, inverossímil, esquizofrênica, maluca. Bem, um tanto maluca ela é, mas é redondinha, faz todo sentido, não tem furos. Mas a rigor, a rigor, a rigor, o que menos importa neste RED 2 é a trama propriamente dita.
A trama é só uma desculpa para encher a tela de tiro, porrada, perseguição de carro, explosão, mais tiro, mais perseguição de carro – e muitos, muitos momentos de excelente humor – em diversas grandes e belas cidades ao redor do mundo. Assim, temos seqüências nas cercanias de Washington, onde ficam o Pentágono e a sede da CIA, e em Londres, Paris, Moscou.
Ah, a ciência de fazer uma sinopse! Resumir em três linhas a trama básica de um filme. Domino essa ciência tanto quanto entendo de física quântica.
Eis a sinopse do IMDb: “Agente aposentado da C.I.A. Frank Moses reúne seu improvável grupo de operadores de elite para uma busca global por um artefato nuclear portátil desaparecido.”
O carioca Claudio Carvalho, que faz as sinopses de 9 em cada 10 filmes lançados no mundo e as coloca, em inglês, é claro, no IMDb, diz o seguinte (o que está em itálico fui eu que acrescentei):
“O agente aposentado da CIA Frank Moses está apaixonado por Sarah Ross e curtindo sua vida normal. De repente, Marvin Boggs (o papel de John Malkovich) encontra Frank no supermercado e conta que a Wikileaks divulgou a informação de que eles dois haviam participado do projeto Nightshade, uma arma nuclear portátil que havia sido desmontada e escondida na Rússia. (Hum: aqui há um pequeno senão: o fato de que arma está na Rússia só será revelado aos personagens e ao espectador lá pelo meio do filme.) Agora os principais agentes do mundo estão sendo contratados para localizar onde está Nightshade. O trio (Frank, Sarah e Marvin) viaja para Paris e se encontra com a russa Katja (Catherine Zeta-Jones) para encontrar o ex-agente russo The Frog, O Sapo (David Thewlis), para obter mais informações sobre a operação. Eles ficam sabendo que o brilhante inventor (e cientista) dr. Edward Bailey (Anthony Hopkins) talvez saiba onde a arma está. Descobrem que Bailey foi internado num asilo em Londres pelo MI6 32 anos atrás, e a inglesa Victoria (Helen Mirren) se une ao grupo.”
Claudio Carvalho domina essa dificílima ciência de fazer sinopse. Impressionante. Eu jamais conseguiria.
Helen Mirren aparece numa sequência fantasiada da rainha Elizabeth II
Então aí está. A trama é essa.
Mas, como eu disse, a trama é só uma desculpa para encher a tela de ação, exagero e humor.
É tudo exageradíssimo. Há tiro demais, e dezenas, dezenas, dezenas de pessoas vão morrendo. Morre mais gente em RED 2 do que índio em faroeste da época em que se considerava que índio bom era índio morto.
É tudo tão exagerado que a gente nem repara em John Malkovich, o ator que é o rei do exagero, a síntese do exagero, o exagero em si. No meio de tanto exagero, as caretas de John Malkovich ficam naturais.
Bom mesmo é o humor. Aí vão exemplos deliciosos:
* Victoria, a ex-agente do MI6 (o Secret Intelligence Service, SIS, comumente chamado de MI6, de Military Intelligence, Section 6) interpretada – deliciosamente – pela grande Helen Mirren aparece na área de segurança máxima do asilo onde o serviço secreto britânico trancafiou o dr. Bailey 32 anos atrás vestida e fantasiada de Rainha Elizabeth! Claro, a Rainha Elizabeth II, a atual monarca da Grã-Bretanha, que ela mesma, Helen Mirren, interpretou magistralmente em A Rainha (2006), de Stephen Frears.
* O Sapo (o papel de David Thewlis) é um apaixonado por vinhos caríssimos, raríssimos, desses que nem mesmo o Lula já tomou, que valem centenas de milhares de dólares, ou euros, ou o que for. Quando o grupo finalmente o encontra em Paris, os agentes Frank, Marvin e Katja – perante a espectadora da ação Sarah – põem-se a torturar o sujeito, em busca de informações. A tortura é simples: Katja vai quebrando as garrafas de vinho da coleção do Sapo.
* O Sapo consegue resistir à tortura de ver a agente russa tornando pó sua bilionária coleção de vinhos – mas aí a americaninha Sarah, para espanto de absolutamente todos, aproxima-se daquela figura um tanto repelente e tasca-lhe um beijaço de língua, um autêntico French kiss. E O Sapo não resiste, e entrega a ela a chave de um cofre de banco que levará nossos heróis a obterem uma informação valiosa. Depois do beijaço, enquanto Sarah sai de perto dele, sob o olhar apatetado do maridão Frank Moses, O Sapo exclama: – “Que mulher!”
* Mais tarde, Marvin faz uma observação qualquer para Sarah, algo do tipo jamais imaginei que você fosse beijar The Frog. Ao que ela responde, com um ar blasé: – “Já beijei muitos sapos na vida”.
A personagem de Mary-Louise Parker é, para mim, o melhor do filme
Essa personagem Sarah, e a deliciosa interpretação que Mary-Louise Parker dá a ela, são, na minha opinião, o ponto alto do filme.
Gosto de Mary-Louise Parker desde 1991, o ano em que ela trabalhou em dois belos filmes, Grand Canyon, de Lawrence Kasdan, e Tomates Verdes Fritos, de Jon Avnet. Nascida em 1964 (na Carolina do Sul), estava portanto com 27 aninhos. Tinha um jeito perfeito para interpretar moças um tando desajustadas, um tanto doidinhas – mas atraentes, fascinantes.
De 2005 a 2012 Mary-Louise Parker foi a estrela da série Weeds, que teve oito temporadas na TV americana e deu a ela quatro indicações ao Globo de Ouro de melhor atriz em série de TV, comédia ou musical – em 2006 ela ganhou o prêmio.
Sarah, como já foi dito rapidamente acima, era, no primeiro dos dois filmes, uma funcionária pública entediada, que, entre um telefonema e outro de pensionista para obter alguma informação, lia livros baratos de espionagem e de romances açucarados. O agente aposentado Frank Moses gostou da voz dela, e passou a ligar sempre para a repartição pública em que ela trabalhava, no Kansas. Quando Frank percebe que está sendo buscado por um grupo tão poderoso quanto impiedoso, ele sequestra a pobre moça, para proteger a vida dela – àquela altura, seus perseguidores já haviam levantado o telefone dela, as ligações dele para ela, e poderiam pegá-la para atrai-lo.
Isso tudo acontece no RED de 2010. Quando este RED de 2013 começa, Sarah e Frank estão casados, apaixonados, fazendo compras no supermercado – e aí reaparece Marvin, o paranóico oficial, profissional.
Ao longo de toda a narrativa, Frank mostra um ar protetor, que quer evitar que a inocente e frágil mulher enfrente perigos. Como se Sarah fosse uma dondoquinha, uma bobinha. Marvin percebe perfeitamente que Sarah bem que gostaria de se envolver de novo em perigosas aventuras. Frank também sabe disso, mas finge que não sabe.
Esse joguinho do casal é divertido, e muito bem levado por Mary-Louise Parker e Bruce Willis.
Quando surge na história a super-espiã ex-soviética, agora russa, Katja – na pele voluptuosa de Catherine Zeta-Jones -, Sarah, a garotinha do Kansas, ficará morta de ciúme. Marvin conta para ela que, no passado, lá atrás, nos bons tempos da Guerra Fria, Frank e Katja haviam tido um caso tempestuoso, apaixonado. “Ela é a kriptonita dele”, diz Marvin – e Sarah se sente, é óbvio, ameaçada. Quem não se sentiria ameaçada por aquela Catherine Zeta-Jones toda?
Katja demonstra desprezo pela mocinha do interior dos Estados Unidos. Pergunta a Frank, com imensa ironia, onde ela a encontrou – no Wyoming? E a própria Sarah responde: no Kansas. O que, para uma super agente da espionagem soviética, agora russa, dá na mesma: é o quintal do mundo.
O veterano Ernest Borgnine tinha esperança de trabalhar em RED 2
O IMDb diz que o cartaz principal do filme faz lembrar o de The Wild Bunch, no Brasil Meu Ódio Será Sua Herança, o western especialmente sangrento de Sam Peckinpah de 1969. De fato faz: é uma cópia – se intencional, consciente, ou não, claro que não dá para saber. Mas é igualinho que nem.
No deste RED 2, estão, da esquerda para a direita, Anthony Hopkins, Catherine Zeta-Jones, Mary-Louise Parker, Bruce Willis, John Malkovich, Helen Mirren e Byung-hun Lee.
Eu não saberia enumerar da esquerda para a direta quem são os atores que aparecem no cartaz de The Wild Bunch, mas é claro que estão lá William Holden, Robert Ryan, Edmond O’Brien, Warren Oates e Ernest Borgnine.
Ernest Borgnine, seguramente um dos atores de cinema mais feios de toda a História, teve um papel pequeno mas interessante no primeiro RED: inteirão aos 93 anos, ele fez o guardador do arquivo morto (e tão secreto que ele mesmo diz que não existe) da CIA.
Segundo o IMDb, Ernest Borgnine tinha a esperança de trabalhar também numa eventual continuação de RED. Entrevistado em abril de 2012, mencionou que se falava de uma sequência, e então ele havia procurado os produtores com um pedido: “Eu disse a eles que, se fossem fazer a continuação, eu gostaria de segurar uma arma”. Ficou em contato com os roteiristas Jon Hoeber e Erich Hoeber, e eles chegaram a escrever uma sequência em que o velho records keeper teria um papel importante. Mas Borgnine morreu em julho de 2012, três meses antes do início da produção de RED 2.
Outras informações tão inúteis quanto saborosas da página de Trivia do IMDb:
* Este aqui foi um dos dois filmes lançados em 2013 com Bruce Willis e Byung-hun Lee no elenco. O outro é G.I. Joe: Retaliação (2013).
* Foi o segundo filme reunindo os galeses Anthony Hopkins e Catherine Zeta-Jones. Eles haviam trabalho juntos antes em A Máscara do Zorro (1998).
* Foi o segundo filme reunindo os grandes Anthony Hopkins e Helen Mirren. Eles haviam trabalhado juntos antes em Hitchcock (2012), em que ele interpreta Alfred e ela, sua mulher, musa e colaboradora eterna, Alma Reville.
* Foi o segundo filme reunindo Mary-Louise Parker e Anthony Hopkins. Eles haviam trabalhado juntos em Dragão Vermelho (2002). Nos dois filmes, o personagem do galês põe em risco a vida da americana.
O filme custou mais que o primeiro – e rendeu menos
Mas então: será que quem gosta de filmes de ação, com muito, mas muito tiro, muita, mais muita explosão, muita, mas muita perseguição de carro, gosta de RED e RED 2?
Esse tipo de espectador gostou de RED, isso dá para afirmar. O filme de 2010 custou US$ 58 milhões – bastante, mas nada tão absurdo quanto os US$ 200 milhões de O Homem de Ferro 3 (2013). E rendeu belos US$ 199 milhões. Uma bela bilheteria, que permitiu a realização desta continuação.
RED 2 custou mais caro que o primeiro: US$ 84 milhões. E rendeu menos que o primeiro: US$ 148 milhões.
Pena. Gostaria muito de me divertir, daqui a tempinho, com RED 3.
Anotação em junho de 2015
RED 2 – Aposentados e Ainda Mais Perigosos/RED 2
De Dean Parisot, EUA-França-Canadá, 2013
Com Bruce Willis (Frank), John Malkovich (Marvin), Mary-Louise Parker (Sarah), Helen Mirren (Victoria), Anthony Hopkins (Bailey), Byung-hun Lee (Han Cho Bai), Catherine Zeta-Jones (Katja), Neal McDonough (Jack Horton), David Thewlis (O Sapo)
Roteiro Jon Hoeber & Erich Hoeber
Baseado nos personagens criados por Warren Ellis e Cully Hamner
Fotografia Enrique Chediak
Música Alan Silvestri
Montagem Don Zimmerman
Produção Summit Entertainment, Di Bonaventura Pictures, DC Entertainment, Etalon Film, NeoReel, Saints LA. DVD Paris Filmes.
Cor, 116 min
**1/2
Excelente texto, o filme é pura diversão, o elenco é super legal e o Ernest Borgnine era um querido S2
Esse eu passo, é o tipo de filme que não me atrai. Me contento em ler o texto.
Fiquei com dó do Ernest Borgnine ter morrido antes do início da produção do filme. Mas não o considero um dos atores mais feios do cinema, não. Não era bonito, tinha os dentes muito desalinhados, e dentes contam muito na harmonia do rosto (acho que ele consertou depois de uma certa idade), mas Fred Astaire era muito mais feio, e ninguém fala, parece que as pessoas têm medo. Outro feioso que me vem à cabeça é Joe E. Brown. Tinha um rosto onde nada combinava com nada, coitado.
Mas agora falemos dos bonitos: na segunda foto de cima pra baixo Bruce Willis me lembrou o Kevin Bacon, só que sem cabelo.
PS: é até estranho ver um comentário da Senhorita num texto de filme contemporâneo.
Verdade: estranhíssimo ver a Senhorita comentar filme feito depois de 1950!
E o que raios será que significa S2?
Um abraço para as duas!
Sérgio
O filme pode ser jovem, mas os atores são aposentados (e perigosos!)…
Morgan Freeman: Deus
S2: Coração.