Scoop – O Grande Furo / Scoop

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3.0 out of 5.0 stars

Em Scoop, Woody Allen – assim como havia feito seu mentor Ingmar Bergman em O Sétimo Selo, e muito antes dele o também sueco Victor Sjöström em A Carruagem Fantasma – mostra a cara da Morte.

Em O Sétimo Selo, de 1957, a Morte vem na pele de um cavaleiro todo vestido de negro, que enfrenta num jogo de xadrez o protagonista interpretado por Max Von Sydow. Em A Carruagem Fantasma, de 1921, a Morte vem como aquela imagem secular, milenar, do homem encapuzado que carrega uma imensa foice – a foice de ceifar existências. A Parca.

A Parca é exatamente assim em Scoop. A Parca de Woody Allen, que conduz num barco seus passageiros para o outro mundo, é séria, sisuda. Não quer saber de conversa com os ex-vivos.

zzscoop2Joe Strombel (Ian McShane) bem que tenta puxar papo com a Morte. Jornalista, bom jornalista, faz perguntas a ela: “Para onde estamos indo?” E a Morte, nada. Quieta. Joe tenta de novo; saca um monte de notas da carteira e tenta subornar a Morte: “Isso quer dizer alguma coisa para você?”

Nada. A resposta é o silêncio que atravessa a madrugada – e a eternidade.

Uma mulher que ouvia a conversa se dirige a Joe: “Ela não responde. Já tentei.”

Joe então se apresenta: “Joe Strombel. Trombose coronária.”

A mulher informa que se chama Jane Cook (Fenella Woolgar). Suspeita que tenha morrido envenenada. E conta para Joe: ela trabalhava como secretária particular de Peter Lyman, rapaz conhecido, boa pinta, rico, filho de um lorde, iniciando carreira política. Jane Cook tem vários motivos para suspeitar que ele, Peter Lyman (interpretado pelo australiano Hugh Jackman), é o assassino das cartas de tarô, um serial killer que tem matado diversas prostitutas em Londres. Quando ela contou suas suspeitas para um advogado, ouviu um barulhinho no telefone, como se ele estivesse grampeado. Daí a pouco tomou um chá – e morreu.

zzscoop3Joe Strombel, bom repórter, fica fascinado com o que ouviu da moça. Ah, se ainda estivesse vivo, que grande furo ele poderia dar!

Furo, furo jornalístico, notícia exclusiva, em primeira mão – em inglês, scoop.

Os distribuidores brasileiros chamaram o filme aqui de Scoop – O Grande Furo. Belo título: Furo – O Grande Furo.

 Joe volta à terra para dar o furo à jovem foca

Essa sequência na barca da Morte é a terceira do filme. (E, aliás, é bom retificar uma pequena licença poética da primeira frase desta anotação: na verdade, a cara da Morte não aparece em Scoop. Vemos a Parca de lado, a grande foice nos ombros, o capuz levantado, cobrindo o rosto.)

Na primeira sequência, temos um orador, numa cerimônia religiosa fúnebre, enaltecendo a figura do morto, Joe Strombel:

“Não devemos chorar por Joe Strombel. Joe Strombel teve uma vida cheia. Um jornalista da melhor tradição. Um grande crédito para o Quarto Poder. Não importava se as bombas na zona de guerra estivessem caindo, não importava até que alto degrau o escândalo político chegasse, ou como as grandes corporações ou os pequenos chantagistas o pressionassem. Fosse qual fosse o risco, se havia uma boa matéria ali, Joe ia atrás dela. E normalmente ele conseguia.”

Na segunda sequência, Woody Allen cita Woody Allen. Em Broadway Danny Rose, de 1984, ainda na fase Mia Farrow, há uma maravilhosa sequência em que um grupo reunido em um bar faz loas a Danny Rose, o protagonista da história, interpretado pelo próprio diretor. Em Scoop, depois da elegia a Strombel na igreja, há uma bela sequência em que diversos jornalistas reunidos em um bar contam histórias de Joe Strombel, suas reportagens, suas tiradas.

E aí então vem a sequência da barca da Morte.
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Em seguida ficamos conhecendo Sondra Pransky (um desempenho delicioso de Scarlett Johansson). Sondra é uma garota do Brooklyn, Nova York, estudante de jornalismo, que está passando férias em Londres, hospedada na casa de uma amiga inglesa, Vivian (Romola Garai). Ela, a amiga Vivian e o irmãozinho desta vão a um show de variedades em um belo teatro.

Uma das atrações é o mágico Splendini, nome artístico do também brooklyniano Sid Waterman (interpretado pelo igualmente brooklyniano Woody Allen).

Splendini aliás Sid Waterman alias Allan Stewart Konigsberg nos apresenta dois bons números de mágica, e em seguida anuncia que precisará de um voluntário. Sua assistente desce até a platéia para escolher um voluntário – e, claro, escolhe Sondra.

Scarlett Johannson, em Scoop, está com seu jeito mais garotinha. Não parece aquele mulherão gostosérrimo que sabe fazer em outros filmes; aqui, está menininha, com grandes óculos, às vezes com aparelho nos dentes, em umas calças compridas feiozinhas, sem qualquer glamour.

Belíssima, como sempre. Mas com jeito de menininha.

Splendini pergunta a Sondra se alguma vez ela já foi desmaterializada. “Não tenha medo. Só vou alterar e separar suas moléculas. Não vai doer”. E empurra a garota para dentro de uma grande caixa vermelha, do tamanho de um armário de roupa.

zzscoop6Enquanto está lá dentro, participando do truque fácil de mágico de segunda categoria, Sondra recebe uma rápida visita de Joe Strombel, que havíamos visto em uma curta cena anterior dando uma escapada da barca da morte e pulando na água.

Joe tem pouco tempo, e passa rapidamente para Sondra as informações básicas. Sabe que ela é uma jornalista, ou uma futura jornalista, e então conta para ela o furo que ele não poderá mais dar: o assassino das cartas de tarô é Peter Lyman.

Piadas deliciosas, frases brilhantes

Estamos aí com uns 12, 13 minutos de filme. O que virá a seguir é uma trama deliciosa, engenhosa, engraçadíssima, repleta de piadas hilariantes.

Aí vão uns poucos exemplos de frases maravilhosas saídas da cabeça desse artista prodigioso que a cada ano nos brinda com um belo filme:

Sid Waterman (o mágico, o personagem do próprio Allen): “Nasci na fé hebraica, mas quando fiquei mais velho me converti ao narcisismo”.

Sid Waterman, de novo: “Não preciso fazer exercícios físicos. Minha ansiedade age como aeróbica”.

Sondra para Sid: “Você é um pessimista que sempre vê a garrafa meio vazia!” Ao que ele responde: “Não, você está errada. Eu vejo a garrafa meio cheia, mas de veneno.”

Sid para Sondra: “Precisamos botar nossas cabeças juntas.” E ela: “Se nós pusermos nossas cabeças juntas, vão fazer um som oco.”

Sondra para Sid: “Eu não ficaria surpresa se ele me pedisse em casamento”. E ele: “Você vem de uma família ortodoxa; será que eles aceitariam um serial killer?”

Parece que “A Dança dos Cisnes” foi criada para o filme

Um detalhinho delicioso é como o realizador soube usar a música como elemento fundamental de sua história.

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Não é novidade, bem ao contrário: Woody Allen é um dos cineastas que mais sabem utilizar músicas já existentes em suas trilhas sonoras. Raramente, em seus filmes, há trilhas sonoras originais, músicas compostas especialmente para eles. Ele já pôs em seus filmes peças de Bach, Mendelssohn, Prokofiev, Puccini, Satie, Schubert. E muito jazz, muitos standards, clássicos da Grande Música Americana, tocados por Tommy Dorsey, Glenn Miller, Count Basie, Art Tatum, Duke Ellington, Harry James, ou cantados por Frank Sinatra, Louis Armstrong. Em Manhattan, é como se Gershwin tivesse composto especialmente para o filme. Em Poucas e Boas/Sweet and Lowdown, o personagem que ele criou para ser interpretado por Sean Penn é fanático por Django Reinhardt – e dá-lhe canções do jazzista-cigano belga.

Pois em Scoop Woody Allen usa Tchaikovsky. O quarto movimento do Lago dos Cisnes, “A Dança dos Cisnes”, parece ter sido especialmente composto para o filme. A peça do compositor russo ajuda a dar graça, humor, às situações – parece uma composição jocosa, própria para esta comédia que mistura sobrenatural e humaníssimos crimes.

Depois de Scoop, Woody Allen só voltaria às telas como ator em 2012

Scoop, de 2006, foi o segundo dos três filmes que Woody Allen fez com Scarlett Johansson; Match Point é de 2005, e Vicky Cristina Barcelona, de 2008.

Foi também o segundo da série de sete filmes que Allen fez na Europa – uma série interrompida em 2009 com Tudo Pode Dar Certo/Whatever Works.

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Na seqüência final de Scoop, o espectador volta a ver a barca da Morte.

E, depois deste filme, Woody Allen passou um bom tempo sem trabalhar como ator. Ele não está na tela em O Sonho de Casssandra (2007), Vicky Cristina Barcelona (2008), Tudo Pode Dar Certo (2009), Você vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010) e Meia-Noite em Paris. Só voltou a atuar em Para Roma, Com Amor (2012).

Woody Allen sempre despertou paixões – amores e ódios profundos. A grande legião de seus detratores ultimamente tem ganhado novos membros, gente que diz que agora, depois que deixou de filmar na sua Nova York natal, e em especial depois de Vicky Cristina Barcelona, o realizador passou a ser um marqueteiro de cidades, um assalariado de quem paga bem pelos seus serviços – depois de Barcelona, vieram Paris e Roma.

Gosto não se discute.

Mas eu diria duas coisinhas. A primeira: se é verdade que agora ele virou marqueteiro de cidades, sorte delas. Não há melhor marqueteiro no mundo.

A segunda: para mim, ver um filme de Woody Allen, novo, ou velho, ou nem tão novo nem tão velho, continua a ser um dos grandes prazeres da vida.

Scoop não é dos seus maiores filmes, na minha opinião. É só engraçadíssimo, divertidíssimo, uma maravilha, uma dádiva.

Obrigado, Woody Allen.

Anotação em novembro de 2012 

Scoop – O Grande Furo/Scoop

De Woody Allen, Inglaterra-EUA, 2006

Com Woody Allen (Sid Waterman), Scarlett Johansson (Sondra Pransky), Hugh Jackman (Peter Lyman),

e Ian McShane (Joe Strombel), Charles Dance (Mr. Malcolm), Romola Garai (Vivian). Fenella Woolgar (Jane Cook),Julian Glover (Lord Lyman), Victoria Hamilton (Jan)

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Remi Adefarasin

Montagem Alisa Lepselter

Produção BBC Films, Ingenious Film Partners, Phoenix Wiley, Jelly Roll Productions. DVD Califórnia.

Cor, 96 min

R, ***

 

12 Comentários para “Scoop – O Grande Furo / Scoop”

  1. Dos filmes (ainda poucos + ou – 6)que vi do Allen, como voce diz, este não é dos maiores mas, é uma comédia maravilhosa,muito bôa mesmo.Sid é um cara divertido, irônico e sarcástico. Com certeza os melhores momentos do filme vem dele. Humor, mistério, romance tudo como Allen sabe fazer. Não sei se é impressão minha mas,noto como os atôres que trabalham com ele, nos filmes dele,procuram dar o melhor de si. O que não aconteceu com a Maria Flor no filme 360 atuando ao lado do Anthony Hopkins. Não é do Allem, claro.
    Uma química perfeita entre a Scarllet e o Allen. Como disseste este é o terceiro filme que Allem faz com ela.Já houve a Mia Farrow a Diane Keaton parece que este é o momento Scarllet. Aquela cena que a Sondra senta na borda da piscina tôda ereta, arfante, coisa linda, quanta sensualidade da Scarllet.
    De fato como disseste também, algumas frases que eles trocam são hilárias mesmo.Lembro de uma outra quando ele diz prá ela,”excitação prá mim é conseguir jantar sem sentir azia depois”.
    PARA QUEM AINDA NÃO VIU ISTO É SPOILER
    Ainda que seja previsível o fim do Peter,me peguei algumas vezes duvidando se ele era ou não o serial killer. E,já perto do final aquela cena do Sid dirigindo o carro, fiquei me perguntando se tería alguma coisa a ver com a “mão de trânsito inglêsa” pois não haveria outra explicação para ele bater. Depois,na cena final na barca, Allen me confirmou o que eu pensava. Só não imaginava que fôsse gozação dele com os inglêses como observei depois em curiosidades.
    AGORA PODE VOLTAR A LER
    Quando eu comentei sôbre “voce vai conhecer o homem dos seus sonhos”, disse que era o segundo filme do Allen que eu via e Scoop seria o terceiro, isto foi em 28/07/12.
    Demorou um pouquinho mas é que acabei vendo outros, antes. Então, Scoop é o sétimo filme que vejo do Allen. E, de fato é um prazer enorme assistir seus filmes.
    Notei que das 10 músicas que fazem parte da trilha sonora de Scoop duas são brasileiras.
    O maxixe lindo de Ernesto Nazareth “Dengoso”.
    E, assim como em “Meia noite em Paris” aqui também está “Recado” de Luiz Antonio/Djalma Ferreira.
    Como disseste no teu texto de Meia noite em Paris,que Allen e sua equipe musical gostam da música brasileira, aqui está mais uma prova disso. Eles têm gôsto requintado.
    Um abraço, Sergio.

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