Meus Caros Amigos / Amici Miei

3.0 out of 5.0 stars

(Disponível em DVD.)

Amici Miei, no Brasil Meus Caros Amigos, foi um extraordinário sucesso na época de seu lançamento, 1975. Visto por 10,4 milhões de espectadores da Itália, o maior sucesso de bilheteria do ano, permanece até hoje como um dos 40 filmes de maior público no seu país. Deu origem a duas sequências, e se tornou um dos principais exemplares da comédia italiana daquelas décadas em que o cinema na terra de Visconti, Fellini, Antonioni e tantos, tantos outros era o melhor do mundo.

Tantos, tantos outros. Meu Deus, como teve grandes realizadores o cinema italiano entre o final da Segunda Guerra Mundial e a chegada do novo milênio.

Os nomes de dois deles estão nos créditos iniciais de Amici Miei, e o espectador tem todo o direito de achar estranho. Logo no começo dos créditos aparece: “Un film di Pietro Germi”. Ao final dos créditos, lemos: “Regia di Mario Monicelli”.

Mas, cazzo, como assim? É de Germi ou é de Monicelli?, poderia perguntar o espectador. Confesso que, ao rever o filme agora para escrever sobre ele para o 50 Anos, me espantei com o “un film di Pietro Germi”. Não me lembrava disso.

Era para ser de Germi, o sujeito que fez Seduzida e Abandonada, aquela obra-prima de 1964, com a deusa Stefania Sandrelli aos 18 aninhos de idade; e mais o duro drama O Ferroviário (1956), as deliciosas comédias Confusões à la Italiana (1966) e Divórcio à Italiana (1961). Oscar de melhor roteiro original.

Germi foi o autor da história original e do roteiro, ao lado de Piero De Bernardi, Leonardo Benvenuti e Tullio Pinelli. (Sim, sogetto e sceneggiatura escritos a muitas mãos. Isso é uma tradição do cinema italiano.) Seria o filme do realizador que viria depois de Alfredo! Alfredo!, de 1972, com Stefania Sandrelli de novo, ao lado de Dustin Hoffman. Amici Miei já estava em pré-produção quando a hepatite de Germi o obrigou a se afastar do trabalho. Morreria em 5 de dezembro de 1974, aos 60 anos de idade. As filmagens começaram no dia 2 de janeiro – com Mario Monicelli à frente.

Eram amici antigos os dois, o Pietro de Gênova, 1914, e o Mario de Roma, 1915. Como registrou Rubens Ewald Filho em seu Dicionário de Cineastas, Monicelli formou com outro romano, Steno (1917-1988), uma dupla de roteiristas e depois na direção. Os dois escreveram mais de 50 roteiros para Mario Soldati, Mario Camerini – e Pietro Germi.

Como Germi, Monicelli tinha vasta experiência tanto como autor de roteiro quanto de diretor. Como o amigo, sua especialidade era a comédia. Não haveria ninguém mais perfeito para substituir Pietro Germi na direção de Amici Miei que Mario Monicelli.

É a história de cinco amigos inseparáveis

Há alguma semelhança, me parece, entre este Amici Miei, de 1975, e I Soliti Ignoti, no Brasil Os Eternos Desconhecidos, que Monicelli havia lançado sete anos antes, em 1958. Mas acho que está na hora de uma sinopse. Um resumo da trama do filme, essa coisa absolutamente obrigatória. Passo esse encargo para os outros.

“Nel 1975, cinque inseparabili amici fiorentini sulla cinquantina affrontano i loro disagi sfogandosi con scherzi a danno di malcapitati”, resume a Wikipedia. Vixe. Minhas aulas de italiano no Duolingo ajudam, mas não tanto. Vejamos com a ajuda do tradutor do Google: Em 1975, cinco amigos florentinos inseparáveis, na casa dos cinquenta anos, enfrentaram as dificuldades desabafando com pegadinhas com pessoas infelizes.

Hum… Meio sério demais. Parece uma sinopse escrita por Luciano Perozzi (o papel de Maurizio Scattorin), o filho todo careta de Giorgio Perozzi (Philippe Noiret), um dos cinco amigos, e a rigor o principal personagem do filme, seu narrador.

Na primeira vez em que Perozzi pai, o redator-chefe de um jornal de Florença, fala do filho, ele vem com uma frase maravilhosa:

– “Eu não o suporto. Quando penso na carne da minha carne, viro vegetariano.” E depois, tentando ser menos cruel: “Inteligente ele é. Mas lhe falta senso de humor.”

Moram juntos pai e filho – a mulher de Perozzi pai já o havia abandonado faz tempo. O Perozzi filho passa parte do tempo em Milão, onde dá aula, e parte em Florença, a cidade em que se passa a ação, onde também dá aula. Lá pelo meio do filme, o filho diz para o pai:

– “Quando você vai crescer? E parar de bancar o imbecil?”

Giorgio Perozzi comenta a pergunta de Luciano Perozzi não com o filho, mas com o espectador, com aquela fantástica cara de Philippe Noiret:

– “Fiquei pensando se o imbecil era eu, que levo a vida na brincadeira, ou ele, que vê a vida como uma condenação a trabalhos forçados.”

Só por esse diálogo já estaria muito bem aproveitado o dinheiro que aqueles 10,4 milhões de italianos – e mais um monte de milhões ao redor do mundo – pagaram para ver este filme.

Ah, meu, que coisa brilhante…

Mas, diacho, tergiversei, e ficamos sem uma boa sinopse.

O Guide des Films do mestre Jean Tulard me ajuda. Uso a sinopse dele sobre Mes Chers Amis como base:

Quatro amigos na faixa dos 50 anos, conhecidos desde sempre, todos de Florença, se reúnem sempre que podem para se divertir, aprontar, fazer sacanagem com os outros, beber, morrer de rir, aproveitar a vida. São eles um jornalista, Perozzi (Philippe Noiret, como já foi dito), um nobre arruinado, que conseguiu torrar duas fortunas, a sua e a da mulher, Mascetti (Ugo Tognazzi), o dono de um café, Necchi (Duilio Del Prete), e um arquiteto, Melandri (Gastone Moschin). Aos quatro acabará se juntando um cirurgião, figura importante, chefe de um grande hospital, Sassaroli (Adolfo Celi).

Cinco homens maduros que são os mais porra-loucas do mundo

Me parece que há alguma semelhança entre este Amici Miei, de 1975, e I Soliti Ignoti, o filme de Monicelli de 1958, eu dizia. São duas comédias sobre grupos de amigos, um de Roma, um de Florença. Os amigos são homens maduros, passados os 40 anos, beirando os 50. São dois filmes importantes, que fizeram grande sucesso e deram origem a sequências.

Claro, há diferenças imensas entre os dois grupos de amigos. Os de I Soliti Ignoti são bem pobres – e são pequenos bandidos, bandidinhos pé de chinelo. Enquanto estes aqui são burgueses, piccoli borghesi, como dizia, com desprezo, nojo mesmo, o Gianni interpretado por Jean Sorel em Vagas Estrelas da Ursa, a obra-prima de Luchino Visconti de 1965.

Em termos de classe social, os amigos cinquentões de Florença estão, creio, mais próximos dos amigos de Os Boas Vidas, que Federico Fellini fez em 1953. Mas i vitelloni da fictícia cidade de Sirena, que na verdade é muito parecida com Rimini, a cidade natal de Fellini, no norte da costa do Adriático, são jovens, a vida pela frente.

O quarteto irreverente deste Amici Miei, que depois vira quinteto, já passou das meia-idade – mas, diacho, se comporta, nas suas noitadas de cigano, como eles as chamam, como adolescentes irresponsáveis.

Porra-loucas. Essa seria a melhor expressão em português do Brasil para definir aqueles cinquentões que parecem ginasianos endiabrados.

Porra-louca. “Diz-se de ou pessoa que age de maneira inconsequente, irrefletida, irresponsável”, define, com perfeição, o Michaelis.

É isso. Os personagens interpretados pelos cinquentões Philippe Noiret, Ugo Tognazzi, Gastone Moschin, Duilio Del Prete e Adolfo Celi – este último o mais brasileiro, mais paulistano de todos os atores italianos – são os mais absolutos porra-loucas.

Tão, mas tão, mas tão porra-loucas, que chegaram, em vários momentos, a me incomodar.

É bom que eu explique: não sou da patrulha do politicamente correto. De jeito nenhum. Muito antes ao contrário. Acho que os patrulheiros do politicamente correto exageram demais, se apegam a detalhes bobos que não têm a menor importância. Não vejo sinais de racismo, machismo, supremacismo em palavras ou piadas. O mundo defendido pela patrulha do politicamente correto é chatíssimo.

Isso colocado, devo dizer que achei que, em vários momentos, o quinteto irreverente exagera, extrapola. Não na linguagem chula, na insistência na repetição de palavrões. Isso não importa. Mas há uma insistência desagradável com piadas escatológicas. E muito pior: diversas coisas no filme têm de fato – me pareceu – um tom machista demais. Misógino. As mulheres não têm importância, não são levadas a sério, não são vistas como companheiras, mas como secundárias, coadjuvantes. Objetos sexuais.

Os caras abandonam suas mulheres a qualquer hora do dia ou da noite para saírem por aí fazendo suas ciganadas.

Lá pelas tantas, um dos cinco amigos define: – “Como a gente se sente bem entre homens… Por que não nascemos todos gays?”

No elenco da comédia italiana, dois franceses e uma grega

O plano original era ter Marcello Mastroianni no papel de Lello Mascetti, o nobre falido, sem um tostão, o mais pobre dos cinco amigos – pobre, mas extremamente orgulhoso. E Ugo Tognazzi interpretaria o jornalista Giorgio Perozzi. Mastroianni, no entanto, acabou recusando o papel. Tognazzi foi então escalado para o papel do nobre falido, e o francês Philippe Noiret ficou com o personagem central, o jornalista Perozzi.

Costumo sempre dizer, ao saber de informações como estas, que Deus é um extraordinário diretor de casting. Mastroianni faria um ótimo Mascetti, e Tognazzi se daria bem como Perozzi, é claro. Mas ficaram absolutamente perfeitos em seus papéis tanto Tognazzi quanto Noiret. Os dois já haviam trabalhado juntos dois anos antes em A Comilança/La Grande Abbuffata, de Marco Ferreri – aliás, outro filme chegado a uma escatologia. E que também tinha Marcello Mastroianni elenco, Bem – era tudo a mesma patota, os mesmos bons atores de sempre daquela época.

Há um outro francês no elenco, além de Noiret. Bernard Blier – que trabalhou com Monicelli outras vezes, em Os Companheiros (1963) e Tomara que Seja Mulher (1986) – faz Righi Niccolò, um sujeito chato que, já mais para o fim da narrativa, vira frequentador assíduo do bar de Guido Necchi. Os cinco amigos resolvem, então, aprontar para cima de Righi – e é uma aprontação pesada, feia, em que se fazem passar por traficantes de drogas.

Estranho: embora tenha visto muitos, muitos filmes italianos, não conhecia nem Gastone Moschin nem Duilio Del Prete, que fazem respectivamente o arquiteto Melandri e o dono de bar Necchi.

Também não conhecia Olga Karlatos (na foto acima), que faz Donatella, a mulher de rosto extraordinariamente belo que Melandri, um tanto zonzo depois do acidente de carro em que os quatro amigos originais ficaram feridos, acha que é um anjo, ou a Madona em pessoa. Como indica o sobrenome, a beldade é grega, de Atenas, classe 1945.

Aprendo que hoje está aposentada, depois de carreiras como cantora, atriz e advogada. Sua filmografia como atriz tem 45 títulos, que incluem a versão de Mauro Bolognini de A Dama das Camélias (1981) e Era Uma Vez na América (1984) de Sergio Leone, em papéis pequenos. Seu último trabalho como atriz foi em um episódio da série Miami Vice, em 1986.

“Uma comédia carregada de pessimismo”

Sete anos depois deste Amici Miei, Monicelli lançou Amici Miei – Atto II°, que no Brasil teve o título de Quinteto Irreverente. Nele, os quatro amigos sobreviventes se encontram junto do túmulo do que havia morrido – e lá mesmo, no cemitério, começam a planejar novas aventuras. Também é um ótimo filme, e teve, merecidamente, grande sucesso.

Três anos depois, em 1985, veio Amici Miei – Ato IIIº, desta vez sob a direção de Nanni Loy, mas ainda e sempre com Ugo Tognazzi, Adolfo Celli, Gastone Moschin…

Este primeiro Amici Miei tem nota 7,9 em 10 na média de avaliação de mais de 8 mil leitores do IMDb. No site agregador de opiniões Rotten Tomatoes, tem nada menos que 91% da aprovação dos leitores.

O crítico e historiador Jean Tulard viu imensa tristeza entre as piadas desta comédia irreverente: “Era Germi que deveria dirigir este filme, mas, cansado, morreu logo depois de confiá-lo a Monicelli. Daí seu tom amargo. Desiludido, quase estridente. Algumas boas gags (os tapas dados às pessoas inclinadas para fora nas janelas dos trens), mas raramente uma comédia italiana terá sido tão carregada de pessimismo.”

Anotação em junho de 2024

Meus Caros Amigos/Amici Miei

De Mario Monicelli, Itália, 1975

Com Philippe Noiret (Giorgio Perozzi),

Ugo Tognazzi (Lello Mascetti),

Gastone Moschin (Rambaldo Melandri),

Duilio Del Prete (Guido Necchi),

Adolfo Celi (professor Sassaroli, o médico)

e Bernard Blier (Righi Niccolò), Olga Karlatos (Donatella Sassaroli, a linda mulher do médico), Silvia Dionisio (Titti Ambrosio, a jovem amante de Lello), Franca Tamantini (Carmen, a mulher de Guido), Angela Goodwin (Nora Perozzi, a ex-mulher de Giorgio), Milena Vukotic (Alice, a mulher de Lello), Marisa Traversi (Bruna, a amante de Giorgio), Maurizio Scattorin (Luciano, o filho careta de Giorgio), Edda Ferronao (freira), Mario Scarpetta (Paolini, policial), Giorgio Iovine (coronel Ambrosio, o pai de Titti), Mauro Vestri (Don Ulrico),

Argumento e roteiro Pietro Germi, Piero De Bernardi, Leonardo Benvenuti, Tullio Pinelli

Fotografia Luigi Kuveiller      

Música Carlo Rustichelli

Montagem Ruggero Mastroianni      

Direção de arte Lorenzo Baraldi       

Figurinos Giuditta Mafai

Produção Carlo Nebiolo, Andrea Rizzoli, R.P.A. Cinematografica, Rizzoli Film

Cor, 127 min (2h07)

R, ***

Título na França: “Mes Chers Amis”. Nos EUA e Reino Unido: “My Friends”. Em Portugal: “Oh! Amigos Meus…”

Um comentário para “Meus Caros Amigos / Amici Miei”

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *