La Violetera

Nota: ★★½☆

(Disponível no YouTube em 4/2023.)

La Violetera, co-produção Espanha-Itália de 1958 muito mais espanhola que italiana, foi um extraordinário sucesso de público na Espanha da ditadura franquista e nos países da América Latina, ditatoriais ou não, inclusive o Brasil. Durante anos e anos foi um dos filmes espanhóis de maior bilheteria.

Não é de forma alguma um grande filme – e creio que ninguém envolvido na produção pensava em fazer um grande filme. É um drama musical romântico, feito para agradar não aos críticos e às platéias de gente de narizinho empinado, mas às multidões. Tem um monte de clichês, mas é agradável, leve, bem realizado, simpático. E tem uma dose forte de crítica ao classismo, aos preconceitos de classe, o que é sempre muito bem-vindo.

Para quem viu na época do lançamento (como eu, ainda criança, levado ao cinema pela minha mãe, e como muita gente), traz boas lembranças da infância, da juventude. Para quem não viu, é, no mínimo, no mínimo, uma fascinante peça de museu.

E, se a trama não é propriamente surpreendente, tem no título uma canção e no elenco uma atriz que, estas sim, são absolutamente fascinantes. As histórias de “La Violetera”, a canção, e de Sara Montiel, a estrela, são de babar.

Um filme que nasceu a partir de uma canção

Ô diacho… E agora, por onde começar?

Acho que vou começar pelo fato de que La Violetera, musical romântico espanhol feito com grana e ator principal italianos, tem um ponto em comum com um dos musicais mais amados, incensados – e geniais – da História, o hollywoodiano Cantando na Chuva, feito seis anos antes, em 1952.

As histórias dos dois filmes foram criadas a partir de uma canção – exatamente a canção que dá o nome de cada um deles.

Os créditos iniciais do filme de 1952 informam que o roteiro foi “sugerido” – esse é o termo usado – pela canção “Singin’ in the rain”. Com letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown, a música teve sua partitura publicada pela primeira vez em 1929 – dois anos após aquele em que se passa a ação do filme.

A música foi um sucesso instantâneo, teve diversas gravações e apareceu no cinema bem antes de Stanley Donen e Gene Kelly dirigirem sua obra-prima. Um grupo chamado Bronx Sisters cantou “Singin’ in the rain” num dos primeiros musicais da Metro, The Hollywood Revue of 1929; o narigudo simpático Jimmy Durante a cantou em Speak Easily, de 1932; Judy Garland fez sua versão no filme Little Nellie Kelly, de 1940. No filme The Divorcee, de 1930, com Norma Shearer, aparece ao fundo.

“La Violetera”, a canção, foi composta em 1914 pelo maestro José Padilla (1889-1960), pianista e compositor famosíssimo na Espanha e na França, autor de outras canções gravadas diversas e diversas vezes, como “El Relicario” e “Valencia”. Foi durante sua temporada em Paris, como diretor da orquestra do arquifamoso Moulin Rouge – para o qual criou “Ça c’est Paris” e outras canções – que ele compôs “La Violetera”, A letra é de autoria de Eduardo Montesinos – e seria impossível não registrar aqui ao menos os versos iniciais:

Como aves precursoras de primavera

en Madrid aparecen las violeteras

que pregonando parecen golondrinas

que van piando, que van piando.

Llévelo usted señorito que no vale más que un real.

Cómpreme usted este ramito

Cómpreme usted este ramito

pa’ lucirlo en el ojal.

Uma andorinha só não faz verão, a gente sabe; assim, em Madri aparecem as violeteras como se estivessem anunciando a chegada da primavera. Leve este raminho de violeta, senhor, custa apenas um real; me compre este raminho para exibi-lo na lapela.

Como sempre, é preciso ver as coisas em seu contexto: a canção é de 1914, e na época os cavalheiros exibiam flores na lapela…

Uma canção que Chaplin usou em Luzes da Cidade

A primeira gravação de “La Violetera” foi de Raquel Meller, cantora, atriz de cinema e de teatro vaudeville de fama internacional nas décadas de 1920 e 1930. Em 1923, a canção foi incluída no musical da Broadway Little Miss Bluebeard, em ritmo de tango, com letra em inglês e o título “Who´ll buy my violets?”

Em 1926 foi gravada por Carlos Gardel. E, em 1931, foi escolhida por Charles Chaplin como o tema da vendedora de flores cega interpretada por Virginia Cherrill ​em Luzes da Cidade.

Pode haver glória maior para um compositor do que ter sua canção escolhida como tema da segunda personagem mais importante de um dos únicos oito longa-metragens de Charles Chaplin?

Pois o maestro Padilha – segundo informa a Wikipedia – não ficou contente com essa honra, não, e foi à Justiça argumentando que Chaplin não tinha comprado os direitos da canção. Ganhou a causa.

Não fiquei sabendo se Chaplin pagou indenização ao maestro Padilha, e também não sei dizer se foi só depois que a questão chegou à Justiça que o nome do compositor foi colocado nos créditos iniciais de City Lights. Mas o fato é que o crédito ao compositor está lá, direitinho, na edição definitiva do filme em DVD, feita com todo o preciosismo da MK2.

Em 1958 foi lançado o filme La Violetera. E, exatas três décadas depois, em 1988, Sara Montiel faria uma nova gravação da canção para seu álbum Purísima Sara, em dueto com a soprano catalã Montserrat Caballé​, tida como uma das maiores cantoras líricas de todos os tempos.

Entre muitas outras, há gravações de “La Violetera” – ou de “Who´ll buy my violets?” – por Dinah Shore, Nana Mouskouri, Tommy Dorsey. Dalida também a gravou, com letra em francês – “La Marchande de Violettes”, e a gravação aparece no filme Amante a Domicílio/Fading Gigolo (2013) de John Turturro, com Woody Allen.

Uma história que seguramente bebeu em Pigmalião

Mulheres pobres que vendem coisas no centro da cidade grande, nos lugares frequentados pela fina flor da sociedade. Claro, tinha havido a Annie das Maças em Dama por um Dia/Lady for a Day, do mago Frank Capra, em 1933 – que ele mesmo resolveria refilmar em 1961 como Dama por um Dia/Pocketful of Miracles

Moças que vendem especificamente flores. Floristas. Flower girls, como no filme de Chaplin. Violeteras, como na música inesquecível de 1914…

George Bernard Shaw já havia criado, em 1913, a história de uma moça assim, Eliza Doolittle, que vendia flores diante da Royal Opera House, pertinho do Covent Garden, o mercado da área central de Londres…

A história da Eliza Doolittle da peça Pigmalião foi filmada em 1938, depois transformada no musical da Broadway My Fair Lady em 1956, que por sua vez deu origem ao maravilhoso filme de George Cukor de 1964.

Dá para apostar com boa dose de segurança que a peça de 1913 passou pela cabeça dos criadores da história de Soledad Moreno, bela jovem madrilenha que vendia flores – especificamente violetas – diante do mais elegante teatro da capital espanhola na rodada de 1889 para 1900.

A mendiga Eliza atrai as atenções do riquíssimo, esnobe linguista Higgins. Que vai dar a ela primeiro um banho de água, depois um banho de loja e um banho de língua inglesa, para que possa se passar por uma dama – que nem a Annie das Maças, mas não só por um dia.

Soledad atrai de cara as atenções de um homem riquíssimo, um fidalgo, Fernando – e, exatamente como a Eliza Doolittle de Pigmalião e My Fair Lady, tomará banhos de loja e de boa etiqueta. Só que, numa ditadura de direita, não pegava bem mostrar uma jovem espanhola como paupérrima, mendiga. Na Espanha de Franco não poderia haver mendigos, ora! E então temos que a Soledad que vem na pele e na beleza de Sara Montiel era apenas remediada. Pobre, mas não miserável, mendiga.

Dividia um quarto com a grande amiga Lola (o papel de Tony Soler), cantora de um teatro-nightclub nada refinado mas simpático, alegre, o Salão Bolero.

Na primeira sequência do filme, as outras floristas que trabalhavam na calçada do Teatro Apolo implicam com Soledad, porque a moça, muito jovem e muito bela, conseguia atrair todos os compradores, não deixando nada para suas competidoras.

Fernando está chegando ao teatro com seu inseparável amigo Carlos (Pastor Serrador) e duas moças alegres. Vê a briga das floristas – e, é claro, fica mesmerizado com a beleza da violetera.

Foi uma dupla que bolou a história de amor que começa ali, na calçada do rico Teatro Apolo, nas últimas horas de 1899 – e só vai terminar uns 20 anos depois, no pobrezinho mas caloroso Salão Bolero. Eram Jesús María de Arozamena e Manuel Villegas López; o primeiro dos dois escreveu ele mesmo o roteiro.

O diretor escolhido foi Luís César Amadori (1903-1977), que dirigiria 63 títulos ao longo de uma vasta carreira, entre 1936 e 1968 – entre eles dois outros filmes estrelados por Sara Montiel, Mi Último Tango (1960) e Pecado de Amor (1961). Amadori era italiano de nascimento, cidadão do mundo – dirigiu filmes na Espanha e na Argentina.

Benito Perojo, o dono da Producciones Benito Perojo, envolveu no projeto uma empresa italiana, Trevi Cinematografica. Para o papel de don Fernando, escolheram o galã italiano Raf Vallone. Seguramente apostava que assim o filme poderia dar boa bilheteria nos dois países.

Deu ótima bilheteria, como já foi dito, em um grande número de países.

Uma bela história de amor que atravessa décadas

Da bem longa e muitas vezes interessante história de amor criada por esses senhores Jesús María de Arozamena e Manuel Villegas López, gostaria de registrar apenas o que considero essencial. É uma tarefa difícil para quem adora se alongar, mas vou tentar.

A jovem Soledad de Sara Montiel é uma mulher forte, determinada, segura de si, um tanto orgulhosa. Vai até resistir um tanto aos avanços do ricaço bonitão, mas, diabo… Pra que recusar um príncipe encantado?

O Fernando de Raf Vallone, segundo filho de um duque, é um bom-vivant, festeiro, mulherengo – até se apaixonar por Soledad. Por ela, deixa de lado todas as mulheres do mundo. Transforma-a em sua teúda e manteúda, enquanto uma preceptora ensina a ela lições de etiqueta.

Acontece que Alfonso (Tomás Blanco), seu irmão mais velho, o então duque, tenta de todas as maneiras fazer com que Fernando abandone aquela vida de dolce far niente, assuma algum bom emprego público e, sobretudo, case-se bem. E tem já a escolhida, a condessa Magdalena (o papel de Ana Mariscal), rica, fina e chique.

É nessa parte da história que o filme apresenta vários exemplos do mais grosseiro, virulento, medonho preconceito social contra a moça de origem humilde. As sequências são bem feitas – e a denúncia contra o classismo é forte, rija, de se aplaudir com entusiasmo.

Surge um impasse, Fernando por um breve lapso de tempo tem um vacilo de herdeiro de brasão de família nobre e rejeita Soledad. Quando, arrependido por aquele, como diria o Pink Floyd, momentary lapse of reason, vai procurar Soledad de volta, ela já havia cascado fora.

Um empresário e produtor de espetáculos francês, Henri Garnard (Frank Villard), e seu grande amigo maestro (Robert Pizani) vêem Soledad cantar no Salão Bolero. Gostam do que vêem – e Henri Garnard aposta que conseguirá transformá-la em uma grande estrela.

Segue-se a ascensão de Soledad Moreno nos palcos de Paris, depois Londres, Roma, Madri, Moscou. Fica faltando Nova York, e então Soledad Moreno e Henri Garnard embarcam para a metrópole americana – no Titanic.

Fernando, casado com Magdalena, havia-se transformado em embaixador da Espanha… no Rio de Janeiro!

Sim, há clichês por aí afora – mas é uma bela história de amor.

Sara fez filmes na Espanha, México, Cuba – e Hollywood

María Antonia Alejandra Vicenta Elpidia Isidora Abad Fernández nasceu em Campo de Criptana, Ciudad Real, em 1928. Campo de Criptana, um vilarejo minúsculo, 251 habitantes em 2007, fica na comunidade autônoma de Castilla-La Mancha, bem no centro daquela nação que parece conter dentro de suas fronteiras uns cinco países diferentes. A minúscula cidade, segundo registra a Wikipedia, é conhecida por ser a cidade natal de Sara Montiel e pelos seus dez moinhos de vento, três deles construídos no século XVI, alguns anos apenas, portanto, depois que Pedro Álvares Cabral avistou o Monte Pascoal e deitou âncora diante do que hoje é Santa Cruz de Cabrália. (Ou teria sido no que hoje é Porto Seguro? A dúvida jamais foi sanada.)

Um desses dez moinhos – igualinhos àqueles contra os quais lutava o cavaleiro de La Mancha com seu fiel escudeiro gorduchinho – foi transformado em um museu em homenagem à atriz. No minúsculo vilarejo, há uma rua com seu nome – não o de batismo, comprido demais, mas o artístico – e uma estátua que ela mesma inaugurou, no dia em que completou 80 anos. Na estátua ela aparece desnuda da cintura para cima, como a maja de Francisco Goya que Ava Gardner interpretou no filme The Naked Maja, lançado por Henry Koster em 1958, o mesmo ano de La Violetera. E, sim, ela está descalça, como está em sua estátua a atriz espanhola Maria Vargas, que Hollywood importou – o papel da mesma Ava Gardner em A Condessa Descalça/The Barefoot Countess, de Joseph L. Mankiewicz.

A Condessa Descalça é de 1954. Naquele ano, exatamente, Sara Montiel – que, assim como a fictícia Maria Vargas, havia sido importada por Hollywood – interpretava uma mexicana no western classe AAA Vera Cruz, dirigido por Robert Aldrich, ao lado de Gary Cooper e Burt Lancaster. Em 1956, ela trabalhou ao lado de Mario Lanza e Joan Fontaine em Serenata/Serenade, musical dirigido pelo grande Anthony Mann, e, em 1957, interpretou uma índia sioux por quem se apaixona o sulista derrotado na Guerra Civil interpretado por Rod Steiger em Renegando o Meu Sangue/Run of the Arrow, do sempre incensado Samuel Fuller.

Havia começado a carreira aos 16 aninhos, em Te quiero para mí (1944). Logo depois já seria a protagonista feminina em Empezó en Boda, ao lado de Fernando Fernán Gómez, com quem dividiria de novo os papéis centrais em Se le Fué el Novio. Teve críticas favoráveis em Locura de Amor (1948), mas se sentia insatisfeita, e partiu para a América. Não aquela ao Norte do Rio Grande – radicou-se alternadamente no México e em Cuba, e ali, em apenas quatro anos, atuou em 14 filmes, inclusive Piel Canela, no Brasil O Modelador de Almas (1953), drama policial mexicano passado em Cuba, em que interpreta a mulher de um gângster, uma cantora cuja face havia ficado desfigurada quando era criança, e é ajudada por um cirurgião plástico. (Epa! Aí há ecos de A Mulher Que Vendeu Sua Alma/En Kvinnas Ansikte, 1938, da fase sueca de Ingrid Bergman.)

Consta que foi por seu papel nesse O Modelador de Almas/Piel Canela que Sara Montiel atraiu as atenções dos produtores de Hollywood.

Quatro casamentos, um monte de amantes

Um western de Robert Aldrich ao lado de Gary Cooper e Burt Lancaster; um musical de Anthony Mann ao lado de Mario Lanza e Joan Fontaine; outro western, de Samuel Fuller, com Rod Steiger. E um casamento com o mais famoso e elogiado daqueles três bons diretores, Anthony Mann. Não foi uma má passagem pela Meca do cinema mundial.

Há um detalhinho interessante: em vários dos filmes da fase mexicana-cubana, e nos três de Hollywood, ela apareceu nos créditos como Sarita Montiel. O diminutivo, aí, só pode ser explicado por carinho, afeto. Não tem nada a ver com tamanho. Com um metro e 67, aquilo ali não era nada mignon…

O casamento com Anthony Mann, celebrado em 1957, acabou em divórcio em 1961, por coincidência, ou não (vá lá saber…), o ano em que ele dirigiu na Espanha El Cid, a super superprodução com Charlton Heston e Sophia Loren e um papel para Raf Vallone, o astro de La Violetera.

Depois desse primeiro, viriam mais três casamentos, com, pela ordem de entrada em cena, José Vicente Ramírez Olaya (1964-1978), Pepe Tous (1979-1992) e Tony Hernández (2002-2005). Sara Montiel não teve filhos; adotou dois, durante seu casamento com Pepe Tous.

Entre um casamento e outro, ou no meio de algum dos casamentos, encontrou bastante tempo para namorar. Entre os casos conhecidos estão o poeta León Felipe, que dedicou a ela muitos poemas, o dramaturgo Miguel Mihura, o político de esquerda exilado durante a ditadura franquista Indalecio Prieto, o ator Giancarlo del Duca, o diretor de fotografia Mario Montuori e… Maurice Ronet!

Foi uma das atrizes mais bem pagas do mundo

Pois bem. Na volta à Espanha, após fazer a América, ainda casada com Anthony Mann, Sara Montiel exibiu seus dotes de atriz e de cantora em dois musicais seguidos, El Último Cuplé, lançado em 1957, e este La Violetera, de 1958.

Segundo a Wikipedia, o salário que Sarita recebeu por La Violetera a transformou em uma das atrizes mais bem pagas do mundo. Foi um período de imenso sucesso, tanto como atriz quanto como cantora – seus discos faziam sucesso em diversos países da Europa e da América Latina.

Nos 15 anos depois do sucesso de La Violetera, ela atuou em diversos melodramas musicais pensados e produzidos para seu brilho. Em plena guerra fria, excursionou com grande sucesso pela então União Soviética.

Em 1965, quando a Quarta-feira de Cinzas da ditadura caía sobre o Brasil, Sara Montiel esteve aqui para fazer um filme chamado Samba. Eu jamais tinha ouvido falar nisso. A trama, pelo que se diz na internet, parece um samba do crioulo doido, como dizia Stanislau Ponte Preta naquela época. Assinam o roteiro Jesús María de Arozamena, Rafael Gil, que dirigiu a coisa, e José López Rubio. O carioca Carlos Carvalho, useiro e vezeiro em escrever sinopses para o IMDb, diz que é assim (com acréscimos meus entre parênteses e em itálico):

“A cantora brasileira Laura Monteiro (o papel de Sara Montiel) é assassinada no seu camarim por seu amante ciumento João Fernandes de Oliveira (Fosco Giachetti), quando ele descobre que ela o traía com Assis (Carlos Alberto) e planejava fugir com o outro para Buenos Aires. Enquanto isso, Belén Moreira, que mora na favela do Salgueiro (e é sósia da cantora Laura Monteiro, e também interpretada por Sara Montiel), vai para Copacabana com seu namorado Paulo. Dois membros de uma gangue ficam conhecendo Belén e forçam o presidente da Escola de Samba do Salgueiro a convidar a moça para interpretar Chica da Silva no desfile de carnaval em uma roupa que é adornada por pedras preciosas legítimas que seriam depois contrabandeadas para a Europa.”

Parece um pouco confuso? O IMDb tem outra sinopse, mais sintética: “A cantora Laura Monteiro (Montiel) é assassinada por seu antigo protetor João Fernandes de Oliveira (Giachetti), que descobriu que ela tem um caso com Assis (Carlos Alberto). A garota Belén (também Montiel), que é sósia da cantora, toma seu lugar, sem saber que está sendo usada por uma gangue que contrabandeia pedras preciosas costuradas em roupas de carnaval.”

Bem… Não creio que Sara Montiel tivesse especial apreço pelo filme que fez no Brasil… Mas que esse é um capítulo interessante na vida fascinante dessa estrela idem, ah, lá isso é.

Diz a Wikipedia em espanhol:

“Em uma Espanha condicionada pela ditadura e pelas limitações econômicas, Sara Montiel encarnou a faceta mais barroca e sensual do mundo do espetáculo, graças a seus papéis de mulher fatal e e a vestidos sugestivos que escapavam da censura. Atriz de grande êxito comercial, em especial nas décadas de 1950 e 1960, participou de meia centena de filmes. Retirou-se da indústria do cinema em 1974, mas se manteve ativa como figura musical até o fim: lançou diversos álbuns, apresentou recitais em teatros e apresentou programas de variedades na televisão. Aos 81 anos de idade gravou com o duo Fangoria a canção discothèque “Absolutamente” e filmou o videoclipe, e poucos meses antes de morrer prosseguia atuando nos palcos acompanhada de um pianista.”

Almodóvar disse que Sara Montiel foi sua “obsessão”

 Sara Montiel não chegou a participar do florescimento do cinema espanhol após o fim da longa ditadura.

Vejo algumas datas… Em 1974 a atriz fez o que seria o penúltimo filme da carreira, Cinco Almohadas para una Noche. Depois dele, teria apenas participações bem esporádicas em três séries de TV (de 1980, 1990 e 1997) e uma participação especial, interpretando a si própria, em um derradeiro filme, Abrázame, de 2011.

Em 1974 ela deixou de lado a carreira como atriz. Em 1975 o generalíssimo Francisco Franco passou desta seguramente para pior, e iniciou-se a transição para a democracia. Nessa época, o grande Carlos Saura – que iniciara a carreira de diretor ainda em plena ditadura, lutava contra a censura e conseguia driblá-la – fazia algumas de suas maiores obras – Ana e os Lobos é de 1973, Cria Corvos, de 1976, Elisa, Minha Vida, de 1977.

Saura e a redemocratização abriram as portas para o alvorecer do novo cinema espanhol, de tantos e tantos bons diretores. Como

Agustí Villaronga, de Pão Preto/Pa Negre (2010).

Alberto Rodriguez, de Pecados Antigos, Longas Sombras/La Isla Mínima (2014),

Alejandro Amenábar, de entre tantos, Morte ao Vivo/Tesis (1996) e Preso na Escuridão/Abre los Ojos (1997),

Álex de la Iglesia, de Enigmas de um Crime/The Oxford Murders (2007).

Daniel Sánchez Arévalo, de Azul Escuro Quase Preto/Azuloscurocasinero (2006).

Daniela Féjerman e Inês Paris, de Minha Mãe Gosta de Mulher/A Mi Madre Le Gustan Las Mujeres (2002).

David Pinillos, de Bon Appétit (2010).

Eduard Cortés, de Tirando a Sorte Grande/The Pelayos (2012).

Fernando León de Aranoa, de Segunda-feira ao Sol/Los Lunes ao Sol (2002) e Princesas (2005).

Fernando Trueba, de A Dançarina e o Ladrão/El Baile de la Victoria (2009) e Chico & Rita (2010).

Iciar Bollaín, de Pelos Meus Olhos/Te Doy Mis Ojos (2003).

Isabel Coixet, de, entre tantos, Minha Vida Sem Mim/Mi Vida Sin Mí (2003), A Vida Secreta das Palavras/La Vida Secreta de las Palabras (2005), Fatal/Elegy (2008).

Juan Antonio Bayona, de O Impossível/Lo Impossible (2012).

Kike Maillo, de Eva – Um Novo Começo/Eva (2011).

Leticia Dolera, de Vida Perfeita/Vida Perfecta (2019),

Oskar Santos, de Mãos Que Curam/El Mal Ajeno (2010).

Pablo Agüero, de Silenciadas/Akelarre (2020),

Ventura Pons, de, entre outros, Anita Não Perde a Chance/Anita No Perd el Tren (2000).

Vicente Aranda, de Libertárias/Libertarias (1996).

E, claro, Pedro Almodóvar.

Para todos eles, Sara Montiel poderia ter recitado o poema de Brecht: “Vocês, que emergirão do dilúvio / Em que afundamos / Pensem / Quando falarem de nossas fraquezas / Também nos tempos negros / De que escaparam”.

Pedro Almodóvar, o mais famoso e aclamado da penca de bons diretores surgidos pós ditadura, confessou em entrevista que Sara Montiel sempre foi sua “obsessão”, desde jovem. No longo verbete sobre ela, a Wikipedia nota que os dois, o grande diretor e a grande estrela, compartilham as mesmas origens da região da La Mancha, e lembra que o cineasta dedicou a ela uma homenagem “sentida e emotiva” no filme La Mala Educación. A protagonista se chama Zahara, lá pelas tantas vemos fragmentos de Esa Mujer, que Sara Montiel estrelou em 1969, e sua imitadora Sandra canta “Maniquí Parisién” copiando a atriz no filme Mi Último Tango (1960). E, por fim, o personagem central, interpretado por Gael García Bernal, travestido, com uma criação de Jean Paul Gaultier, canta o bolero “Quizás, quizás, quizás”, imitando Sara em Noches de Casablanca (1963).

Só para ver essa mulher fantástica vale a pena assistir a La Violetera.

Anotação em abril de 2023

La Violetera

De Luís César Amadori, Espanha-Itália, 1958

Com Sara Montiel (Soledad Moreno),

Raf Vallone (Fernando)

e Frank Villard (Henri Garnard, o empresário), Tomás Blanco (Alfonso, o irmão de Fernando), Pastor Serrador (Carlos, o grande amigo de Fernando), Tony Soler (Lola, a grande amiga de Soledad), Ana Mariscal (Magdalena, a condessa), Félix Fernández (o dono do local), Robert Pizani (o maestro), Charles Fawcett (um estrangeiro), Aurora García Alonso (florista), Laura Valenzuela (moça com o maestro), Julia Delgado Caro (Isabel)

Roteiro Jesús María de Arozamena

Baseado em história de Jesús María de Arozamena e Manuel Villegas López

Adaptação André Tabet

Fotografia Antonio L. Ballesteros

Música Juan Quintero

Montagem Antonio Ramírez de Loaysa

Direção de arte Enrique Alarcón

Figurinos Joaquín Esparza

Produção Producciones Benito Perojo, Trevi Cinematografica, Vic Film

Cor, 108 min (1h48)

R, **1/2

Título em Portugal: “A Rapariga das Violetas”.

3 Comentários para “La Violetera”

  1. Sergio, que beleza de matéria, que expande os limites da expectativa do leitor. Quando penso que você já disse tudo, você diz mais. E mais. Muito obrigado por compartilhar todo esse seu saber, além de sua deliciosa linguagem.

  2. Adorei, Sérgio! E é impressionante a quantidade de informações que você nos dá. Acho que a primeira vez que vi La Violetera, foi no Cine Colonial, na Rua Conselheiro Moreira de Barros, Sta. Terezinha. Sara Montiel me traz muitas lembranças da minha mãe.
    Você se esmerou.

  3. Olá Sérgio! Ótimo o seu texto ! Conheço este filme e a Sarita por causa da minha mãe , que é muito fã dela e do filme . Temos o dvd. Voce colocou muitas informações legais , gostei muito !

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