Indiana Jones e a Última Cruzada / Indiana Jones and the Last Crusade

Nota: ★★★★

(Disponível no Now em junho de 2023.)

Indiana Jones e Harrison Ford que me perdoem, mas é preciso admitir que quem rouba quase todas as cenas de Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), a terceira parte da saga deliciosa, fascinante, que a gente não cansa nunca de rever, são o doutor Jones pai e aquele ator escocês que, quando era mais jovem e tinha cabelos, foi o melhor intérprete de outro dos grandes heróis do cinema entertainment, o tal do Bond, James Bond.

Na pele de Sean Connery, Henry Walton Jones, professor de literatura medieval da Universidade de Princeton, é uma absoluta maravilha. E toda a relação pai-filho entre os dois professores doutores dedicados ao passado distante – cada um em seu campo de estudos – é tão fascinante, tão encantadora quanto as inigualáveis sequências de ação com que Steven Spielberg e Harrison Ford brindam os espectadores em um ritmo de tirar o fôlego.

Relações afetivas, relações familiares são temas que estão presentes e são importantes em praticamente todos os filmes que esse artista maior dirigiu – e mesmo naqueles em que apenas meteu a mão talentosíssima como produtor ou produtor executivo. Como, só para dar três exemplo, A Cor Púrpura, de 1985, o primeiro drama sério, pesado, denso de Spielberg depois de vários filmes de puro entretenimento, E.T.: O Extraterrestre e Poltergeist, que tiveram tremendo sucesso em 1982. Mesmo que as audiências não prestem muita atenção a isso, mais interessadas na magia, na aventura, nos efeitos especiais, nas sequências de ação, as relações afetivas, a importância da família estão lá, sempre presentes, sempre importantes.

Somente aos 76 anos de idade, em 2022, com Os Fabelmans, Steven Spielberg mergulharia fundo na história da sua própria família, no mais emocionante e mais pessoal de todos os 60 títulos que dirigiu e dos 186 que produziu até agora. Mas, no meio de tantas e tantas sequências de ação, e de tantos e tantos momentos deliciosamente engraçados deste Indiana Jones and the Last Crusade, ele já ia fundo na relação pais-filhos.

A sequência, lá pela metade do filme, em que os dois professores doutores Jones interpretados por esses astros fantásticos, Sean Connery e Harrison Ford, viajam no Hinderburg – reconstituído com a competência artesanal do que Hollywood tem de melhor na área –, e os dois iniciam uma espécie de discussão-da-relação após décadas sem se verem, é uma absoluta maravilha. Daquelas de a gente levantar e aplaudir de pé, como na ópera.

Vou transcrever a íntegra do diálogo maravilhoso entre pai e filho (e de repente me lembrei de “Father and Son”, do jovem Cat Stevens, mas deixa pra lá). Sim, faço questão de transcrever a íntegra do diálogo – mas isso fica para bem mais adiante. Vou agora transcrever o que gente mais importante escreveu sobre o filme – até para ter algo parecido com uma sinopse. Mas é claro que vou dar meus pitacos no meio das opiniões dos outros.

“Um momento de virada do cinema”

Leonard Maltin – que figura, meu Deus! – deu apenas 2.5 estrelas em 4 para o filme delicioso: “Espetáculo aventura follow-the-numbers tem Ford em ótima forma e Connery adicionando petulância como o pai arqueólogo de Indy, cujo misterioso desaparecimento (enquanto procurava pelo Cálice Sagrado) põe a história em movimento. A narrativa com jeito deliberado de antiga matiné de sábado tem tudo que o dinheiro pode comprar, mas nunca de fato gera uma sensação de deslumbramento e excitação.”

Uau! Não sabia que Leonard Maltin não vê graça na saga Indiana Jones!

Confesso que meus 60 anos de alguma convivência com a língua de Shakespeare não foram suficientes para entender o que ele quis dizer com a frase que abre seu comentário, “Follow-the-numbers adventure spectacle”. Aventura espetáculo siga-os-números? Isso não faz sentido algum. Fui ao meu dicionário Idioms, de expressões idiomáticas, editado pela Chambers, e não encontrei nada. Fui também, é claro, ao Tio Google, e nada.

Então tá.

Passo de Leonard Maltin para Roger Ebert:

“Há um certo estilo de ilustração que aparecia nas revistas de aventuras dos garotos dos anos 1940 – naquelas publicações inocentes que foram substituídas por revistas sobre o estilo de vida de bandidinhos e monstros do cinema. As ilustrações eram sempre parecidas. Mostravam um pequeno grupo de homens morenos se debruçando sobre um tesouro com sorrisinhos gananciosos nas suas caras barbudas, enquanto no primeiro plano dois garotos observavam a cena por detrás de uma pedra com admiração e espanto. O ponto de vista estava sempre acima dos ombros dos garotos; o leitor era convidado a dividir essa rápida visão proibida do mundo dos homens.”

Assim começa o texto de Ebert, o maravilhoso crítico que adorava ver filmes e os comentava com amor, em vez de com o tédio, o cansaço, o saco cheio que ficam evidentes nos textos de tantos e tantos críticos que escrevem apenas por obrigação, e não por gostar de escrever sobre filmes. Ebert deu a cotação de 3,5 estrelas no total de 4.

Indiana Jones and the Last Crusade começa com uma sequência como essa; Steven Spielberg deve ter folheado as páginas dos velhos exemplares de Boys’ Life and Thrilling Wonder Tales. Enquanto eu via o filme, senti um verdadeiro deleite, porque os filmes escapistas recentes de Hollywood ficaram gastos e cínicos, e perderam aquela sensação de que você pode tropeçar em fantásticas aventuras simplesmente num passeio com sua turma de escoteiros. (…)

“Um dos dois garotos que observam os homens por trás de uma pedra é, naturalmente, o jovem Indiana Jones (interpretado por River Phoenix, na foto acima). Ele é descoberto pelos exploradores depois que pilhou um antigo tesouro, e consegue fugir na hora certa. A sequência termina quando um adulto bate um chapéu fedora surrado na cabeça de Indiana, e então há um flash-forward para a época da Segunda Guerra Mundial.

“A sequência inicial deste terceiro filme Indiana Jones é a única que parece verdadeiramente original – ou talvez eu devesse dizer que ela recicla imagens das revistas populares e dos seriados dos anos 1940 que Spielberg ainda não havia usado antes. O resto do filme não será surpresa para os estudantes de Indiana Jones – e como poderia ser? Os filmes de Indiana Jones, a esta altura, definiram um mundo familiar de dublês que desafiam a morte, caçadas sensacionais, humor seco, e a busca de objetivos impossíveis em lugares impensáveis.”

Meu, que maravilha de definição! “Um mundo familiar de dublês que desafiam a morte, caçadas sensacionais, humor seco, e a busca de objetivos impossíveis em lugares impensáveis.”

Mais adiante, Ebert escreve:

“Mesmo nesta terceira aventura, alguns dos elementos chave são reciclados de Raiders (Caçadores da Arca Perdida, o primeiro filme da saga). Desta vez, a busca de Indy é pelo Santo Graal, o copo que Jesus Cristo teria usado na Santa Ceia. (Beber do cálice é ter vida eterna.) O Santo Graal nos faz lembrar da Arca da Aliança do primeiro filme, e nos dois casos surgem no meio da busca os vilões nazistas. O novo elemento desta vez é a forma com que Spielberg preenche alguns pontos do passado do personagem. Aprendemos seu nome verdadeiro (que eu nem sonho em revelar aqui), e ficamos conhecendo seu pai, o professor Henry Jones, que é interpretado por Sean Connery no tom correto.

“Como os pais nas clássicas histórias para garotos, o dr. Jones, mais que um pai, é um aliado adulto, um companheiro mais velho ao qual faltam as três dimensões porque  as crianças não conseguem ver seus pais em toda a sua complexidade.”

Ebert conclui seu longo texto assim:

“Se há uma sombra de desapontamento depois de ver este filme é porque nunca mais teremos o choque de ver esse material como uma novidade. Raiders of the Lost Ark agora parece, mais do que nunca, um momento de virada do cinema como entretenimento escapista, e não havia realmente uma maneira de Spielberg criar algo novo mais uma vez. O que ele fez foi pegar muitos dos mesmos elementos e aplicar toda a sua arte e o sentido da diversão para fazer com que eles funcionem de novo. E eles funcionam.”

94% de aprovação do público, 84% dos críticos

Tanto Pauline Kael quanto o Guide des Films de Jean Tulard torceram o nariz para o filme. Dona Kael diz que “este medíocre terceiro da trilogia de Indiana Jones – uma reprise do primeiro, Caçadores da Arca Perdida – é uma mistura de peripécias, thriller antinazista e espetáculo religioso”. Que é “gostoso, mas manjado”.

E o Guide mata o filme em uma única frase: “Temendo o esgotamento, Spielberg apela aqui para Sean Connery, que dá um pouco de humor às loucas aventuras encenadas, como sempre, de maneira espetacular.”

“Indy procura o pai e acha Sean Connery.” Esse é o título do verbete sobre o filme no livro Cinema Year by Year 1894-2000, que apresenta os principais eventos e obras do primeiro século do cinema como se fossem notícias de jornal da época. Datado de “Hollywood, 24 de junho de 1989”, a “notícia” diz o seguinte:

“Sean Connery tem 59 e Harrison Ford, 47, mas isso não impediu que Connery fosse escolhido para o papel do pai grisalho de Indiana Jones em Indiana Jones and the Last Crusade, em que Indy enfrenta de novo um bando de nazistas, desta vez à procura do Santo Graal. Os dois astros lançam faíscas um no outro na terceira das aventuras do Indiana Jones de Steven Spielberg. Rodado na Espanha, Itália, Jordânia e nos Elstree Studios na Grã-Bretanha,  o filme ostenta uma variedade de cenários e adereços, incluindo nada menos que 7 mil ratos e uma réplica de um tanque da Primeira Guerra Mundial construído por US$ 150 mil. Na sequência de abertura, o jovem Indy é interpretado pelo atraente River Phoenix, que interpretou o infeliz filho de Ford em The Mosquito Coast”.

(The Mosquito Coast, no Brasil A Costa do Mosquito, do grande Peter Weir. Nunca vi esse filme,)

Interessante: Leonard Maltin, Pauline Kael e o Guide de Jean Tulard esnobam o filme, enquanto Roger Ebert elogia – 3 a 1… Mas a verdade é que os críticos e os espectadores, em sua grande maioria, gostaram do filme – e muito. No IMDb, A Última Cruzada tem a média de 8,2 na avaliação dos leitores do site. Pouco abaixo da média obtida por Caçadores da Arca Perdida, que foi de 8,4.

No site agregador Rotten Tomatoes, o filme tem a aprovação de 84% entre os críticos e de 94% entre os leitores. Meu, isso é quase a unanimidade! (Para comparar, Caçadores teve 93% de aprovação entre os críticos e 96% entre os espectadores.)

O “consenso da crítica”, segundo o Rotten Tomatoes, é o seguinte: “Mais leve e mais cômico que seu predecessor, Indiana Jones and the Last Crusade leva de volta a saga ao tom dos velhos seriados, como Raiders, ao mesmo tempo em que adiciona uma atuação dinamite da dupla Harrison Ford e Sean Connery.”

Aqui vai uma tabela com vários dados sobre os filmes da saga.

Caçadores da Arca Perdida Indiana Jones e o Templo da Perdição Indiana Jones e a Última Cruzada
Lançamento 1981 1984 1989
Ano da ação 1936 1935 1938 (com flashback para 1912)
Harrison Ford estava com… 39 42 47
Local EUA, América do Sul, Nepal, Egito China, Índia EUA, Itália, Alemanha, Oriente Médio
Direção Steven Spielberg
História George Lucas & Philip Kaufman George Lucas George Lucas & Menno Meyjes
Roteiro Lawrence Kasdan Gloria Katz & Willard Huyck Jeffrey Boam
Total de prêmios e indicações 38 e 24 11 e 21 9 e 22
Oscars, prêmios e indicações 4 de 9 1 de 2 1 de 3
Orçamento (em US$ milhões) 18 28 48
Bilheteria (em US$ milhões) 389 333 474
Aprovação da crítica no Rotten Tomatoes 93% 76% 84%
Aprovação do público no Rotten Tomatoes 96% 82% 94%
No IMDb 8,4 7,5 8,2

Um diálogo que expõe o crime do pai ausente

Vixe: não se falou uma linha sobre a dra. Elsa Schneider, o papel da lourinha irlandesa Alison Doody (na foto acima).

Elsa é a cientista que está trabalhando como secretária, de Henry, o Jones pai,  em sua incansável busca por pistas de como chegar ao local em que está o Santo Graal quando ele de repente desaparece. É quando Indiana, juntamente com seu grande amigo, o reitor da universidade em que ele dá aula de Arqueologia, Marcus Brody (Denholm Elliott), viaja para Veneza, onde o pai estava quando desapareceu. Os dois são recebidos, logo à sua chegada, não por um secretário, que era o que eles imaginavam, mas uma secretária –  jovem, loura e bela como a Barbie.

Todo filme – é um dos mandamentos da religião de Hollywood – tem que tem uma personagem feminina, um “female interest”. A dra. Elsa Schneider é o female interest deste terceiro Indiana Jones. Havia tido um caso com o Jones pai, e é claro que tem um caso com o Jones filho.

Isso posto, chego onde queria chegar desde o início: a relação pai e filho.

Já no intróito, em que o jovem Indiana Jones interpretado pelo garoto River Phoenix pega um artefato antiquíssimo que estava sendo roubado por aventureiros, com a intenção de entregá-lo a um museu, há uma rápida sequência que mostra que o professor Henry Jones tinha pouco tempo para o filho. Indy chega em casa esbaforido, carregando a relíquia, e pede a ajuda do pai – que, absolutamente absorto no que está estudando no momento, não dá a mínima pelota para o filho.

Pais que não dão atenção aos filhos. Pais que não têm tempo para os filhos, que colocam os filhos no fim da fila de suas prioridades. Dezenas e dezenas de bons filmes chamam a atenção do espectador para isso. Ainda bem, porque isso é tão absolutamente comum – e é um crime.

Sempre que pode, Steven Spielberg enfia em seus filmes uma sequência como essa do início de Indiana Jones e a Última Cruzada. Muitos espectadores podem nem sequer notar, mas está lá a denúncia do crime. Um chamamento à razão para pais e mães. Um toque, um alerta: pais, prestem atenção aos seus filhos.

Indiana Jones, dublê de professor de arqueologia e aventureiro, um sujeito absolutamente bem sucedido na vida, nas suas duas atividades, forte, admirado, não consegue esconder a mágoa que sente por não ter tido a atenção do pai, a presença, o ombro amigo. Admira o pai, aquele grande estudioso, famoso e respeitado professor – mas tão incapaz de dar atenção ao filho, de ouvir o filho, de conversar com o filho.

E aí então, em um momento de relativa calma, quando estão a bordo do Hindenburg, conseguindo escapar de Berlim e dos nazistas, Indiana chama o pai para uma D.R., uma discussão sobre a relação.

Indiana Jones: – “Éramos só nós dois, pai. Foi um caminho solitário rumo ao crescimento, para nós dois. Consigo me lembrar da última vez que nós tomamos uns drinks juntos: eu tinha pedido um milkshake. Mas nós não conversamos; nós nunca conversávamos. Se você fosse um pai normal como os de todos os meus amigos, você teria entendido.”

Professor Henry Jones: – “Eu fui um pai maravilhoso”.

Indiana Jones: – “Ah, é? Como?”

Professor Henry Jones: – “Alguma vez eu mandei você comer todo o prato, ir para a cama, lavar suas orelhas, ou fazer o dever de casa? Não. Eu respeitei a sua privacidade, e ensinei você a ter autoconfiança.”

Indiana Jones: – “O que você me ensinou foi que eu era menos importante para você do que gente que tinha morrido 500 anos antes em outro país. E aprendi tão bem que nós mal nos falamos ao longo dos últimos 20 anos.”

Professor Henry Jones: – “Você saiu de casa quando estava começando a ficar interessante.”

Nesse momento, o pai fecha finalmente o seu diário com as pistas para chegar ao Cálice Sagrado, que eles haviam recuperado em Berlim. E aí se mostra todo atento ao filho: – “OK, estou aqui agora. Sobre o que você quer conversar?”

Indiana, espantado, surpreso, quase sem palavras: – “Eu… Eu… Não consigo pensar em nada…”

Professor Henry Jones: – “Então está reclamando de quê? Temos trabalho pela frente.” (Ele reabre o diário, procura uma informação.) “Vamos ver… Aquele que achar o Santo Graal deverá enfrentar três desafios. Primeiro, o Caminho de Deus…”

Que absoluta maravilha!

Anotação em junho de 2023

Indiana Jones e a Última Cruzada/Indiana Jones and the Last Crusade

De Steven Spielberg, EUA, 1989

Com Harrison Ford (Indiana Jones),

Sean Connery (professor Henry Jones)

e Denholm Elliott (Marcus Brody, o reitor e amigo de Indiana), Alison Doody (Elsa Schneider, a austríaca assistente do professor Henry), John Rhys-Davies (Sallah, o amigo árabe), Julian Glover (Walter Donovan, o milionário), River Phoenix (o jovem Indy), Michael Byrne (Vogel), Kevork Malikyan (Kazim), Robert Eddison (o cavaleiro do Graal), Richard Young (o explorador de chapéu fedora), Alexei Sayle (o sultão), Paul Maxwell (o homem de chapéu panamá), 0Isla Blair (Mrs. Donovan), Vernon Dobtcheff  (mordomo), J.J. Hardy (Herman), Bradley Gregg (Roscoe), Jerry Harte (professor Stanton), Billy J. Mitchell (dr. Mulbray)

Roteiro Jeffrey Boam

História de George Lucas & Menno Meyjes, baseada em personagens criados por George Lucas & Philip Kaufman

Fotografia Douglas Slocombe, Paul Beeson, Robert Stevens

Música John Williams

Montagem Michael Kahn

Desenho de produção Elliot Scott

Figurinos Anthony Powell, Joanna Johnston

Produção Robert Watts, Lucasfilm. Distribuição Paramount.

Cor, 127 min (2h07)

R, ****

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