O Último Paraíso / L’Ultimo Paradiso

0.5 out of 5.0 stars

(Disponível na Netflix em 7/2021.)

Depois de uns dez minutos, já deu para ver perfeitamente que L’Ultimo Paradiso, produção italiana de 2021, é um filme ruim. Mas depois vai piorando muito – até culminar num final que é uma das coisas mais grotescas que pode haver.

O nome do diretor é Rocco Ricciardulli. Como disse a Mary assim que a porcaria terminou, é bom anotar esse nome – para nunca mais ver filme dele.

L’Ultimo Paradiso é o terceiro filme que ele perpetrou, e o segundo longa-metragem, apenas. Antes dele, sua filmografia como diretor resumia-se, em 2021, a um curta, Occhi, de 2013, e um primeiro longa, Suddenly Komir, de 2016.

Assina o roteiro original (e portanto também a história, a trama, o soggetto) do abacaxi azedo juntamente com Riccardo Scamarcio, o ator principal. Riccardo Scamarcio a rigor é o único nome que eu conhecia do elenco, e já havia visto em alguns bons filmes – um sujeito muito boa pinta, ator correto e de bom gosto, por ter participado de obras como Meu Irmão é Filho Único (2007), O Primeiro Que Disse (2010), Políssia (2011), Para Roma com Amor (2012).

Vejo agora que esta foi a segunda aventura de Scamarcio na área dos roteiros: um ano antes, em 2020, havia sido um dos três autores do roteiro de Os Infiéis/Gli Infideli, de Stefano Mordini.

O roteiro deste L’Ultimo Paradiso é ruim – mas aí o erro não é apenas do roteiro, da forma de se transformar em filme a história que é contada. O argumento, a trama, a história bolada por Ricciardulli e Scamarcio é que é ruim. Ninguém conseguiria fazer um bom roteiro – sceneggiatura – a partir de uma história – soggetto – dessas. Nem mesmo Suso Cecchi D’Amico (1914–2010), a romana que é uma das maiores roteiristas da história do cinema e trabalhou com alguns dos grandes diretores europeus, inclusive a trinca de ouro da época em que o cinema italiano era o melhor do mundo, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Federico Fellini.

Muita luta de classes e muito romance

É mais ou menos assim:

Era uma vez, em algum lugar rural do Sul da Itália, ali pelo final dos anos 50, um sujeito muito bonitão que era casado com Lucia (Valentina Cervi), mas comia todas as moças que passavam pela sua frente, chamado Ciccio (o papel de Scamarcio), claro). A moça de que ele mais gostava, entre todas aquelas da sua região, era Bianca (Gaia Bermani Amaral), uma gracinha de moça, mas havia alguns problemas. Bianca era virgem, e além disso era filha de Schettino (Antonio Gerardi), um sujeito rico, poderoso e mui malvado, como devem ser todos os sujeitos ricos e poderosos nos filmes italianos, década após década. Mais rico e poderoso e malvado do que Schettino só mesmo Don Luigi (não achei o nome do ator que o interpreta).

Então vai daí que todos os habitantes daquele lugar, camponeses, pequenos proprietários de terra, trabalhavam duramente o ano inteiro para, ao final, entregarem sua colheita para o rico, poderoso e mui malvado Schettino, em troca de uma miséria de pagamento – a tal da exploração do homem pelo homem, sacumé? A mais-valia. Diacho, ceis nunca ouviram falar de Marx?

Pois é: tutti i contadini daquele povero paese eram explorados pelo gordo Schettino (rico = gordo, capisce o recado?), que por sua vez agia como um tenente de um marechal do mal, o tal Don Luigi, que era ainda mais gordo (rico = gordo, capisce?) e mais malvado.

Hum… Parece que haveria aí uma tentativa de mostrar algo relacionado à Máfia, a uma organização mafiosa… Mas isso não fica claro, de forma alguma.

Ciccio, o herói da história, faz discursos contra a exploração do homem pelo homem, em defesa da justiça social, tal e coisa.

Bem… Deixando um pouco de lado essa coisa da luta de classes, que é importante pra cacete, mas, diacho, também tem que ter assim algum romance, o namoro do bonitão Ciccio com a gracinha da Bianca vai bem, obrigado. Chega finalmente o dia em que… tcham-tcham-tcham… Os dois chegam às vias de fato! Explodem fogos de artifício, tocam os sinos!

Papai Schettino vai se vingar.

E eis que surge na história Antonio, o irmão mais velho de Ciccio.

Antonio também é interpretado por Riccardo Scamarcio – mas, para demonstrar que aquele de agora é Antonio, e não Ciccio, Riccardo Scamarcio, que, como Ciccio, era um sujeito de gestos largos, muita risada, atua no papel de Antonio com uma cara sempre fechada, dura, duríssima, pétrea, gelada.

No final, um arremedo de realismo fantástico

Ah, sim, porque tem isso também. Não é só a história que é babaca, tatibitate, rasteira, e o roteiro é igualmente pobre. L’Ultimo Paradiso consegue a façanha, a proeza de nos apresentar atuações ruins, primárias, exageradas, canastrônicas.

Jamais imaginei que iria viver para ver um filme italiano com interpretações pavorosas.

Mas ainda não terminou.

Quando faltam aí, sei lá, uns 15 minutos para essa tortura horrorosa terminar, Antonio joga fora tudo o que havia feito no Norte, pega uma mala e ruma para o Sul.

Tive a sensação de, naquele momento, ter ouvido alguns acordes que faziam lembrar, de maneira inconteste, a canção “Vuelvo al Sur”.

Pois era ela mesma!

Ao final da porcaria horrorosa, ouvimos “Vuelvo al Sur”.

“Vuelvo al Sur” é uma maravilhosa canção de Astor Piazzolla com letra do realizador Fernando Solanas (1936-2020). Está na trilha sonora de Tangos – O Exílio de Gardel, uma beleza que Solanas fez em 1985, sobre argentinos que haviam se exilado em Paris, e pensavam em voltar ao fim da ditadura militar. A volta ao Sul de que fala a letra tinha então dois sentidos, o retorno da França para a Argentina, e, em Buenos Aires, um elogio aos bairros pobres do Sul da metrópole – lá, ao contrário, por exemplo, do Rio de Janeiro, no Norte ficam os bairros ricos. (O eventual leitor deve se lembrar de que Caetano Veloso gravou a música – está no álbum Fina Estampa, de 1994.)

Neste L’Ultimo Paradiso aqui, a canção argentina me pareceu totalmente deslocada.

Se bem que…

É verdade que, nos minutos finais, L’Ultimo Paradiso de repente dá uma reviravolta absolutamente inesperada, e vira um arremedo bobo do mais desvairado realismo fantástico da literatura sul-americana. De botar Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, Juan Rulfo no chinelo.

Afe…

Dois registros.

O título brasileiro, O Último Paraíso, não tem qualquer sentido. Não se fala de paraíso na história, e sim da família Paradiso. Em inglês, o filme se chamou The Last Paradiso, é claro, porque nome de família não se traduz.

O segundo registro é uma curiosidade interessante: a jovem e bela Gaia Bermani Amaral, que faz Bianca Schettino, a principal personagem feminina da trama, nasceu em São Paulo. É de 1980, filha de um brasileiro e uma italiana, e foi criada na Itália; aos 19 anos, começou a carreira na televisão – foi apresentadora de programas na RAI, a grande emissora pública. L’Ultimo Paradiso foi o 17º título de sua carreira, que inclui várias séries para a TV italiana e um papel no drama Dias de Abandono (2005), de Roberto Faenza.

Que tenha mais sorte nos filmes que vierem depois deste abacaxi.

“O filme é maravilhoso!! Uma obra-prima!!”

Estava terminando a ficha técnica quando vi uma opinião de um leitor do IMDb que se assina zero-705-646155. Ele dá 10 estrelas, a cotação máxima no grande site enciclopédico, titula seu comentário com a palavra “Awesome” – impressionante. “Esqueça e desconsidere qualquer comentário negativo sobre o filme! O filme é maravilhoso!! Uma obra-prima!! Nota 10! 5 estrelas.”

Acho ótimo ter essa opinião aqui. É sempre bom lembrar que tudo é uma questão de opinião – não há verdade incontestável quando se fala de uma obra. O que há são opiniões, e cada um tem direito à sua, e a minha opinião vale tanto quanto a deste/desta leitor/leitora do IMDb.

Anotação em junho de 2021

O Último Paraíso/L’Ultimo Paradiso

De Rocco Ricciardulli, Itália, 2021

Com Riccardo Scamarcio (Ciccio Paradiso/Antonio Paradiso)

e Gaia Bermani Amaral (Bianca Schettino), Valentina Cervi (Lucia), Antonio Gerardi (Cumpà Schettino), Giovanni Cirfiera (brigadeiro), Giuseppe Nardone (Bracciante), Rocco Ricciardulli (Cenz U Diavul), Federica Torchetti (Maria), Raffaele Braia (Tommaso), Donato Demita (Cosimo Schettino)

Argumento e roteiro Rocco Ricciardulli, Riccardo Scamarcio

Fotografia Gian Filippo Corticelli     

Música Federico Ferrandina, Pasquale Ricciardulli, Rocco Ricciardulli      

Montagem Leonardo Alberto Moschetta    

Casting Vittoria Losavio, Francesco Vedovati      

Direção de arte Irene Della Volpe

Produção Riccardo Scamarcio, Lebowski, Netflix, Silver Productions

Cor, 107 min (1h47)

½

 

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