Tabu, de 1931, a última obra do grande F.W. Murnau, é um filme absolutamente fascinante, de imensa beleza plástica, uma obra sui-generis. Uma absoluta maravilha.
Numa época em que praticamente tudo era feito dentro do estúdio, pelo menos uma década e meia antes de o neo-realismo italiano levar as câmaras para as ruas, Tabu foi inteiramente filmado ao ar livre, longe de qualquer estúdio – e bem longe deste insensato mundo, nos cenários naturais em que se passa a história, as ilhas de Bora-Bora e Takapota, na Polinésia Francesa.
Os atores não são propriamente atores: são nativos daquelas ilhas paradisíacas para onde o pintor Paul Gauguin se mudou de mala e cuia em 1891 e viveu até sua morte, em 1903. Desde o casal de protagonistas – que aparecem nos créditos iniciais “Matahi, the boy” e “Reri, the girl” – até as centenas de figurantes que enchem as impressionantes tomadas gerais da câmara do diretor de fotografia Floyd Crosby.
Esse era, desde sempre, o grande diferencial do filme, e Murnau, é claro, sabia muito bem disso. Ainda nos créditos iniciais, antes de aparecer a primeira tomada, há a informação: “Apenas nativos nascidos nas ilhas dos Mares do Sul aparecem neste filme, com alguns poucos mestiços e chineses”.
Produzido para distribuição por um grande estúdio de Hollywood, a Paramount – Murnau havia deixado sua Alemanha natal e se radicado nos Estados Unidos em 1926 –, numa época em que o cinema já aprendera a falar, o filme, no entanto, é mudo. Quer dizer, mezzo mudo, mezzo sonoro: não ser ouve a voz os atores, exatamente como na era dos silent movies, que havia terminado em 1927. Mas há uma trilha sonora, composta por Hugo Riesenfeld, que acompanha cada minuto da ação.
A história – criada por Murnau e pelo influente, respeitadíssimo documentarista Robert J. Flaherty – é uma fábula, uma parábola. A crítica do New York Times publicada logo após o lançamento do filme chegou a dizer que ela se baseava em uma lenda que havia na Polinésia Francesa. Parece mesmo uma lenda – uma fábula, uma parábola.
Reri, a Moça, é escolhida para ser a Sagrada Virgem
Um letreiro nos avisa de cara: “Capítulo 1 – Paraíso” – e o que vemos ali na ilha de Bora-Bora são de fato imagens de um paraíso. Um mundo sem qualquer sinal daquilo que nos acostumamos a associar com civilização, progresso. Sem qualquer sinal da presença ou da passagem do “homem branco” por aquela paisagem de natureza selvagem, intocada – mar, mata abundante, rios, cascatas, e, brincando ali, como se fossem crianças, homens e mulheres absolutamente inocentes, felizes, sem qualquer tipo de culpa ou de maldade.
O Paraíso.
No meio daquelas pessoas, um casal se destaca – o casal de protagonistas da história. Ele é o melhor pescador entre todos. Ela é a filha do chefe dos habitantes da ilha. Um homem, uma mulher, como diria Claude Lelouch. A boy, a girl, como dizem os créditos iniciais.
Depois de alguns bons minutos de sequências desse paraíso intocado, surge o primeiro sinal da “civilização”: um grande veleiro se aproxima da ilha.
Às dezenas, às centenas, os ilhéus se lançam ao mar em pequenos barcos, canoas de vários tipos, para ir ao encontro do veleiro. A câmara nos mostra que ele se chama Moana, e seu porto de origem é Papeete – em Português, Papete, cidade da ilha do Taiti e ainda hoje a capital da Polinésia Francesa.
O Rapaz se atrasa – será um dos últimos a chegar.
Os ilhéus invadem o veleiro alegremente – e o espectador percebe que a chegada da grande embarcação é algo comum. Veremos depois que há linhas regulares de veleiros entre as diversas ilhas.
O veleiro traz uma personalidade importante, Hitu, um senhorzinho idoso, cabelos brancos, expressão sempre severa, enérgica. Ele veio como emissário do chefe religioso supremo daquelas ilhas todas.
Hitu lê para os habitantes de Bora-Bora as palavras do chefe supremo: “A Virgem Sagrada dos nossos deuses faleceu, e eu decreto que da sua ilha sairá a sua sucessora. Uma que eu escolhi por sua beleza, por sua virtude e por seu sangue real. Ela se chama Reri.”
Reri, exatamente Reri, a Moça.
“Nenhuma lei dos deuses deve ser mais temida que aquela que guarda a Sagrada Virgem. Os homens não devem tocar nela, ou lançar sobre ela olhar de desejo, porque em sua honra repousa a honra de todos nós. Ssgrada é Reri. De ora em diante ela é tabu. Quebrar esse tabu significa morte.”
A reação dos ilhéus é de grande alegria. Só duas pessoas, indo contra a corrente geral, demonstram profunda tristeza – a Moça e o Rapaz.
A Moça, assim que ouve a proclamação feita pelo velho sacerdote, põe-se curvada, como quem carrega o peso do mundo em suas costas.
Uau!
Se o eventual leitor ainda não viu o filme (disponível em DVD, lançado no Brasil pela Versátil Home Vídeo e depois incluído na Coleção Folha Grandes Diretores do Cinema), deveria parar por aqui. Vou relatar em seguida o que acontece quando estamos aí por volta dos 35 minutos dos 86 de duração – e isso estragaria a surpresa, seria um spoiler.
Atenção: a rigor, aqui há spoiler
O Rapaz consegue raptar a moça e fugir com ela em sua canoa. Chegam a uma outra ilha, Takapota, onde a população desconhece inteiramente quem eles são, e os acolhe.
Isso acontece quando o filme está com 37 minutos. Um letreiro informa que estamos agora iniciando o Capítulo 2 – “Paraíso Perdido”.
Paradise Lost – exatamente o nome do poema épico do inglês John Milton, publicado em 1667 que, como sintetiza a Wikipedia, “narra as penas dos anjos caídos após a rebelião no paraíso, o ardil de Satanás para fazer Adão e Eva comerem o fruto proibido da Árvore do Conhecimento, e a subsequente Queda do homem”.
Nessa ilha de Takapota, bem ao contrário do paraíso intocado que é Bora-Bora, há vários sinais da “civilização”. Há comércio, comerciantes (chineses, em especial), dinheiro, bebida alcoólica. No fundo do mar em um trecho próximo da ilha haviam sido encontradas pérolas.
Jóias, dinheiro, vício – danação.
Paraíso perdido.
A idéia do pecado chega com o sacerdote
As lendas, fábulas, parábolas são, por natureza, abertas às interpretações. Às mais diferentes interpretações.
Mas me parece impossível não pensar que a história de Tabu, criada por um alemão e um americano, seguramente educados dentro do protestantismo, é evidentemente cheia de alusões ao paraíso da Bíblia cristã.
Essa coisa de associar virgindade a virtude – e, portanto, associar sexo a pecado.
A própria idéia de pecado.
“Os homens não devem tocar nela, ou lançar sobre ela olhar de desejo, porque em sua honra repousa a honra de todos nós. Sagrada é Reri. De ora em diante ela é tabu. Quebrar esse tabu significa morte.”
Os habitantes do paraíso que era Bora-Bora eram felizes porque não havia ainda a noção de pecado. A noção de pecado vem com o sacerdote, com a religião.
A noção de pecado faz a antes alegre, saltitante Reri ficar curvada como se carregasse the world upon her shoulders, como diria Paul McCartney.
O que Murnau e Flaherty quiseram dizer com esse filme de imagens belíssimas e conteúdo inquietante é algo que abre espaço para discussões intermináveis.
Há uma imensa quantidade de informações sobre a idealização e a realização de Tabu – além das opiniões mais diversas. Vou tentar apresentar algumas delas.
Começo por uma descrição feita pelo próprio F.W. Murnau. Ela está no verbete sobre Tabu no Dicionário de Filmes do grande historiador e crítico Georges Sadoul:
“Quando nosso iate entrou no porto de Bora-Bora, os nativos jamais tinham visto sequer uma Kodak. Tive a intuição que os tabus daquelas ilhas poderiam constituir o tema da minha história. Em torno dessa idéia, tecemos, Flaherty e eu, uma intriga tão simples quanto possível. Podíamos fazer um filme arrebatador, se déssemos a sorte de encontrar atores capazes de viver essa intriga. Onde encontrá-los? Entre os nativos, não entre os atores de Hollywood. Desde minha chegada a Bora-Bora, vi que era MINHA ilha, uma pedra preciosa no meio da imensidão do mar. Os nativos não conheciam quase nada do mundo exterior, e viviam ali, sem pudor, uma eterna brincadeira.”
(O “MINHA” enfático, em maiúsculas, é como foi grafado na edição brasileira do Dicionário de Sadoul, da L&PM, com tradução de Marcos Santarrita e Alda Porto.)
No verbete, Sadoul conta que perguntou ao próprio Robert Flaherty de quem era Tabu, se dele ou de Murnau. “Ele me respondeu logo: ‘De Murnau’.
Há relatos de que os dois grandes realizadores – o mestre do expressionismo alemão, autor de obras-primas como Nosferatu (1922), Fausto (1926) e Aurora (1927), e o mestre do documentário, autor dos clássicos Nanook, o Esquimó (1922), O Homem Perfeito (1926) e Os Pescadores de Aran (1934) – se desentenderam ao longo da realização de Tabu. O fato é que nos créditos iniciais está escrito que a história é “contada por F.W. Murnau e Richard J. Flaherty.
O IMDb acrescenta que os dois tiveram a colaboração não creditada, na criação do roteiro, de Edgar G. Ulmer (1904–1972), nascido na Morávia, no então Império Áustro-Húngaro, que, como tantos roteiristas e diretores europeus, radicou-se em Hollywood. Ulmer é o realizador de O Gato Preto (1934), Flor do Mal (1946), Madrugada da Traição (1955), entre outros.
Murnau fez os nativos atuarem de forma estilizada
Não faltam relatos sobre como foi a produção de Tabu. Escolhi transcrever o que diz o documentário Tabu – Das filmische Vermächtnis, ou Tabu: O Legado Cinematográfico, que acompanha o DVD lançado pela Versátil, com uma versão restaurada do filme chancelada pela Fundação F.W. Murnau. Boto uma ou outra coisa entre parênteses.
“Durante a primavera de 1939, Friedrich Wilhem Murnau, que já morava em Hollywood havia três anos, realiza seu sonho de comprar um iate, ao qual deu o nome de Bali. (Bali, claro, é o nome de uma das ilhas da Indonésia, tida como absolutamente paradisíaca.) Seu objetivo é reencontrar seu velho amigo Walter Spies, que vivia em Bali. Ele costuma fazer pequenos cruzeiros com seus amigos Charles Morton, Jacques Feyder, Greta Garbo e Salka e Berthold Viertel.
“Em março, Murnau visita o documentarista Robert Flaherty, que estava produzindo um filme para a Fox. Murnau propõe a criação de uma produtora de cinema para trabalharem juntos. O plano era viajar até Bali e os Mares do Sul no seu iate para realizar as filmagens. No dia 22 de julho de 1929, Murnau aporta em Bali, realizando um sonho de juventude. Enquanto aguardava a chegada de Robert Flaherty (já no Taiti, e não mais em Bali, é claro), ele visita a sepultura do pintor Paul Guaguin, cujo filho ele conhecia, e, ao lado de Pal, seu cachorro, procura familiarizar-se com a região. Ele logo toma a decisão de viver no local e construir uma casa em Punaauia. Alguns meses depois, o pintor Henri Matisse viaja ao Taiti. Murnau tira algumas fotos do pintor e registra retratos ao lado dele.
“Murnau tira diversas fotos panorâmicas das ilhas. Em outubro de 1929, uma equipe da companhia de cinema americana Colarart viaja ao Taiti. As filmagens de Turia, que seria o filme seguinte de Murnau, são iniciadas. Entretanto, o crash da Bolsa de Nova York acaba com a companhia, e a equipe é obrigada a deixar o local. Murnau decide, então, produzir o filme Tabu, um projeto que ele mesmo pretendia financiar. Envia alguns artigos sobre suas aventuras nos Mares do Sul e seu projeto a Kurt Korff, da editora berlinense Ullstein. Ele havia descoberto um jovem rapaz talentoso chamado Matahi, que interpretaria o protagonista do filme. Como a garota que havia sido selecionada para interpretar a protagonista de Turia estava grávida, ela é substituída por Reri, uma nativa, para esse novo projeto.
“Murnau escreve o projeto e decide dirigir o filme. Inicialmente, Robert Flaherty trabalharia como diretor de fotografia, mas Murnau decide contratar o cinegrafista Floyd Crosby, que traria sua própria câmara para auxiliar Flaherty. As informações disponíveis sugerem que quase todas as tomadas foram registradas por Crosby, que acabou ganhando o Oscar pela fotografia desse filme. Flaherty filmou apenas alguns planos. (…)”
E mais adiante:
“Robert Flaherty, que teria preferido realizar um documentário sobre a exploração dos nativos pelo homem branco, via com cautela o projeto de Murnau. Murnau queria que os atores se movessem seguindo o estilo das pinturas alemãs. Seus movimentos também deveriam se parecer com uma dança. Murnau e Spies chamaram esse estilo de ‘cinematografia arquitetônica’. Para Flaherty, que acreditava no teor de verdade dos documentários, o estilo de realização de Murnau não passava de uma espantosa manipulação. Seguindo as orientações de Murnau, os nativos posavam de forma artística e, caso errassem alguma pose, a cena era refeita imediatamente. (…)
“De volta a Hollywood, Murnau vendeu os direitos de Tabu à Paramount e sincronizou o filme com sua trilha sonora nos estúdios Tec-Art. Ele contratou o compositor Hugo Riesenfeld, com quem já havia trabalhado em outros projetos, e que combinou temas do filme Aurora com composições de repertório. (…)
“A Paramount preparou uma cerimônia de gala para a estréia de Tabu em Nova York. Porém… Murnau sofreu um acidente de carro uma semana antes da ocasião, e morreu em um hospital em Santa Monica em 11 de março de 1931. Seu corpo foi enviado à Alemanha e sepultado no cemitério de Stahnsdrof, perto de Berlim.”
Estava com apenas 42 anos. Havia dirigido 21 filmes, alguns deles obras-primas, dos mais belos e mais admirados de todo o período do cinema mudo.
A filmagem de Tabu daria um maravilhoso filme
É o que eu volta e meio digo: os grandes filmes têm grandes histórias.
Em 1990, Clint Eastwood realizou um belo filme, Coração de Caçador / White Hunter Black Heart, reconstituindo como haviam sido as filmagens de Uma Aventura na África/The African Queen, de John Huston, de 1951. Hitchcock (2012), de Sacha Gervasi, reconstitui as filmagens de Psicose (1960), assim como A Garota/The Girl (2012), de Julian Jerrold, reconstitui as de Os Pássaros (1963), os dois clássicos de Alfred Hitchcock. E Sete Dias com Marilyn (2011) conta como foi o encontro da bela com a fera Laurence Olivier para as filmagens de O Príncipe Encantado (1957).
Em 2000, E. Elias Merhige mostrou em A Sombra do Vampiro/Shadow of the Vampire como F.W. Murnau filmou seu Nosferatu.
Um filme sobre como foram as filmagens de Tabu seria sem dúvida uma maravilha. Mas talvez fosse preciso um realizador maluco por superproduções, à la Cecil B. De Mille.
A narrativa do documentário Tabu: O Legado Cinematográfico me desobriga a transcrever as informações e curiosidades da página de Trivia do IMDb sobre o filme. Mas é fundamental, creio, fazer dois registros.
O primeiro:
Os dois nativos da Polinésia que Murnau escolheu para interpretar o casal de protagonistas não tiveram grande carreira no cinema, depois da estréia em Tabu. Anne Chevalier, nascida em 1912 em Papete, faria mais dois filmes, apenas; morreu em 1977, com 64 anos, também no Taiti.
Matahi, nem isso. Sua única aparição diante das telas foi em Tabu.
O segundo registro:
Exatos dez anos depois da estréia de Tabu, o filme que lhe deu o Oscar, o diretor de fotografia Floyd Crosby viria a ser pai de um garoto a quem deu o nome de David.
Ali pelos anos 60 o garoto se juntaria com Roger McGuinn e Gene Clark e formaria uma bandinha chamada The Byrds, que eventualmente seria responsável pela propagação mundo afora de um estilo musical chamado folk-rock. Mais tarde, ele deixaria os Byrds para formar um dos primeiros e maiores supergrupos, Crosby, Stills and Nash, que depois viraria Crosby, Stills, Nash and Young.
“Luz do Sol no início, drama no final”
Assim começa a crítica do filme, assinada por Mordaunt Hall, na edição de 19 de março de 1931 do New York Times:
“O último filme feito por F.W. Murnau, o diretor alemão daquele famoso filme The Last Laugh (no Brasil A Última Gargalhada, de 1924), que morreu na quinta-feira passada de ferimentos de um acidente automobilístico perto de Santa Barbara, Califórnia, foi apresentado na noite passada no Central Park Theatre. Tem o nome de Tabu, e a história, baseada numa lenda da Polinésia, foi escrita por Mr. Murnau em colaboração com Robert J. Flaherty, produtor de Nanook e Moana. Foi filmado nos Mares do Sul, nas ilhas de Bora Bora e Takaptoa. É uma peça encantadora de fotografia sincronizada com uma agradabilíssima trilha de música arranjada pelo dr. Hugo Riesenfeld. É, por outro lado, um filme mudo, com discretos títulos ou ‘inserções’ para explicar os incidentes onde se faz necessário. A primeira parte vem sob o título de ‘Paraíso’ e a outra metade é descrita como ‘Paraíso Perdido’. É como um poema visual, com sua luz de Sol e felicidade no início e seu drama tempestuoso no final.”
O admirável mundo novo da informática tem muita coisa ruim – mas tem também suas maravilhas. A gente poder ler a crítica do New York Times publicada em 1931, assim que o filme estreou, é bom demais. Não tem preço.
O livro Cinema Year by Year 1894-2000 apresenta os fatos e os filmes mais importantes da História do cinema com textos escritos como se fossem matérias dos jornais da época. Entre as “notícias” de 1931, há uma com o título de “A vida de F.W. Murnau termina tragicamente aos 42 anos”. Uma foto de duas colunas mostra uma cena de Tabu em que no centro está Hitu, o Velho Guerreiro, o sacerdote, com a legenda “Um canto do cisne terno e trágico, co-dirigido por Murnau e Robert Flaherty”. A legenda, obviamente, está errada. Ninguém em momento algum disse que o filme foi co-dirigido pelos dois – apenas que ele foi escrito pelos dois.
Diz o texto do livro editado em 2000, mas “datado” de Hollywood, 18 de março daquele ano de 1931:
“O novo filme de F.W. Murnau e Robert Flaherty, Tabu, acaba de ser lançado nos cinemas da América. Infelizmente, será um trabalho póstumo para Murnau, porque o famoso diretor alemão (nascido a 28 de dezembro de 1888) morreu em um acidente de carro na rodovia de Santa Barbara apenas uma semana atrás. Em fevereiro de 1929, o admirado diretor de Sunrise rompeu seu contrato com a Fox, que o obrigava a realizar mais três filmes. Ele e Flaherty então formaram sua própria companhia e viajaram para os Mares do Sul para fazer Tabu. Murnau então realizou sua própria versão do filme. Ele usou as pessoas e os cenários do cintilante paraíso do Taiti para contar uma história de ficção – um jovem pescador se apaixona por uma virgem dedicada aos deuses. (Hum… O sujeito que escreveu isso, quase 70 anos depois do lançamento de Tabu, não viu o filme, nem se deu ao trabalho de ler no Google uma sinopse confiável. Que pena.) ‘Quando nosso iate entrou no porto de Bora-Bora’, Murnau afirmou recentemente, ‘os nativos jamais tinham visto sequer uma Kodak”. O filme foi deixado mudo e inconcluso, forçando a Paramount a fazer a pós-sincronização com uma trilha do dr. Hugo Riesenfeld.”
Diabo, quanta informação incorreta, errada, nesse texto do admirável livro Cinema Year by Year 1894-2000!
Como já foi dito aqui, o Rapaz e a Moça se apaixonam bem antes de ela virar a Virgem Sagrada. Murnau e Flaherty não viajaram juntos para os Mares do Sul! E o filme não foi deixado mudo e inconcluso: Murnau fez a sincronização das imagens com a trilha sonora, o filme estava prontinho para a estréia quando o realizador morreu.
Informações incorreta, não verdadeiras, falsas. Fake news. Que horror, meu Deus do céu e também da Terra! Como é dura a vida depois que perdemos o paraíso!
Um dos 12 itens da página de Trivia do IMDb sobre o filme é que ele consta do livro 1001 Movies You Must See Before You Die, editado por Steven Jay Schneider. No entanto, se o eventual leitor for à edição brasileira do livro, 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, não encontrará Tabu.
Não é um erro do IMDb. A edição brasileira, da Editora Sextante, descartou 12 produções estrangeiras para aumentar a presença do cinema brasileiro, conforme informou o jornal O Globo, em bela reportagem publicada em 15 de dezembro de 2008. A reportagem esclarecia que a edição original trazia seis filmes brasileiros; a edição brasileira trouxe 18.
Tabu foi um dos filmes retirados para que houvesse mais títulos brasileiros na edição brasileira.
Notícia falsa deveria ser tabu. Mexer na relação original de 1001 Filmes Para Ver Antes de morrer deveria ser tabu.
Diabo, tanta coisa deveria ser tabu…
Tabu é uma maravilha de filme.
Anotação em junho de 2021
Tabu / Tabu: A Story of the South Seas
De F.W. Murnau, EUA, 1931
Com Matahi (o Rapaz),
Anne Chevalier (a Moça; nos créditos, aparece como Reri)
e Hitu (o sacerdote), Bill Bambridge (Jean, o policial), Ah Fong (o comerciante), Jules (o capitão)
Argumento e roteiro F.W. Murnau & Robert J. Flaherty; colaborou Edgar G. Ulmer (não creditado)
Fotografia Floyd Crosby
Música Hugo Riesenfeld
Montagem Arthur A. Brooks
Produção Robert J. Flaherty, F.W. Murnau, distribuição Paramount. DVD Versátil, Coleção Folha Grandes Diretores do Cinema.
P&B, 86 min (1h26)
Disponível em DVD.
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Eu só assisti cinco filmes do diretor F. W. Murnau, mas todos até agora foram uma aula de cinema.