Foi uma absoluta delícia rever Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters, o original, o de 1984. O filme é daqueles que não envelheceram nada. Continua fresco, novo, engraçadíssimo. Meu, quantos belos momentos hilariantes! Que maravilha de divertissement!
Tinha visto na época do lançamento, meados dos anos 80 – e depois, confiro agora, tinha revisto uma vez, com Mary, em 2002. Me lembrava bem, é claro, do geral da trama, e também de várias sequências, vários detalhes.
Ao rever mais uma vez, tive a certeza de que é um daqueles divertissements que a gente deveria rever de vez em quando, nos momentos ruins, para ficar melhor, e nos momentos bons, para comemorar que existimos e a vida é bela, nóis é que estraguela.
Rendeu continuação, série de animação, tributo…
Ghostbusters é um fenômeno não apenas do cinema, mas da cultura pop.
Foi o filme de maior bilheteria no ano de seu lançamento, 1984.
Rendeu uma continuação, Os Caça-Fantasmas II/Ghostbusters II, com a mesma equipe – o diretor Ivan Reitman, os roteiristas Dan Aykroyd e Harold Ramis, eles também atores, eles também caça-fantasmas, assim como Bill Murray, a mesma deusa Sigourney Weaver, o mesmo Rick Moranis como o vizinho bobão da deusa. E, em 1986, houve uma série de animação inspirada no filme, com o mesmo título do original, Ghostbusters.
Rendeu ainda, se não exatamente uma refilmagem, uma tentativa de reviver o sucesso oitentista, num filme de 2016 em que os caça-fantasmas são mulheres. Caça-Fantasmas 2016 tem duas atrizes simpaticíssimas, competentes, ótimas comediantes, Melissa McCarthy e Kristen Wiig, mas ainda não vi o troço; sou reticente com refilmagens, há filmes demais para ver e a vida é curta – curta.
Assim que revimos o Ghosbusters original (diabo, adoro as coisas originais!), vi que vem aí, em 2021, um Ghostbusters: After Life. O filme já está terminado, segundo o IMDb, e deve estrear em março do ano que vem (escrevo esta anotação em setembro de 2020, o ano que não deveria ter existido). É dirigido por Jason Reitman, o filho de Ivan Reitman, e, na minha opinião, um realizador muitíssimo mais competente e talentoso que o pai.
E tem os mesmos atores do primeiro e do segundo filmes, nos mesmos papéis de antes – Sigourney Weaver como Dana Barrett,
Bill Murray como o dr. Peter Venkman, Dan Aykroyd como o dr. Raymond Stantz, Ernie Hudson como Winston Zeddmore e Annie Potts como Janine Melnitz, que, no original, era a secretária da empresa de caça-fantasmas fundada quando o trio original é demitido da universidade em que trabalhava.
Do trio de caça-fantasmas original, não está nesse novo filme ainda a ser lançado o dr. Egon Spengler, o personagem de Harold Ramis: o ator, roteirista e produtor morreu em 2014, aos 69 anos.
Um filme que faz um tremendo sucesso de público, provoca uma sequência logo em seguida, uma série de animação para a TV, uma espécie de refilmagem 32 anos depois, e ainda uma nova história, com a participação do grupo original de atores, 35 anos mais velhos, de fato é mais que um filme. É um fenômeno cultural.
O protagonista é um safado, um charlatão
Ao rever o filme agora, me impressionaram, em especial, dois pontos de que não me lembrava. O primeiro é o fato de que o roteiro original – ou seja, baseado em história criada diretamente para o filme – é de autoria de dois dos principais atores, Dan Aykroyd e Harold Ramis.
Harold Ramis tem 25 títulos em sua filmografia como ator – mas, como roteirista, seu nome aparece em 47 títulos. Foi o roteirista de comédias de sucesso, como Clube dos Cafajestes/National Lampoon’s Animal House (1978), Almôndegas/Meatballs (1979), Clube dos Pilantras/Caddyschack (1980), Feitiço do Tempo/Groundhog Day (1993).
Dan Aykroyd também é um roteirista bem frequente: há 32 títulos em sua filmografia como roteirista – como ator, fez mais de 100 filmes e/ou séries. Eu realmente não sabia que ele era roteirista também – nem que foi dele e de Harold Ramis a idéia de criar a deliciosa história e o ótimo roteiro de Ghostbusters.
O segundo ponto que me impressionou muito ao rever o filme agora foi como o personagem de Bill Murray – o professor Peter Venkman – é um malandro, um danado de um safado. A rigor, um charlatão! Não me lembrava disso de jeito algum – e é um ponto bastante importante na história.
O filme mostra que os três – Venkman-Bill Murray, Stantz-Dan Aykroyd e Spengler-Harold Ramis – trabalham juntos no Departamento de Psicologia da Universidade de Weaver Hall, em Nova York. Mais especificamente, no Laboratório de Estudos Paranormais do Departamento de Psicologia. (Essa universidade é fictícia, é claro.)
Stantz e Spengler são de fato cientistas, professores sérios. Estudam a fundo fenômenos paranormais – e têm bastante intimidade com uma série de máquinas e engenhocas para identificar a presença de atividades estranhas, não explicáveis pela ciência tradicional. Telepatia. Espíritos, poltergeists – fantasmas, em suma.
Já Venkman – a gente vê de cara, já na primeira sequência em que ele aparece – é um grande safado. Ele está aplicando um teste de telepatia, de energia paranormal, ou seja lá o que for, em uma dupla de estudantes, um rapaz e uma moça (Steven Tash e Jennifer Runyon). Consiste no seguinte: os estudantes devem tentar identificar a figura que está desenhada numa grande carta parecida com um baralho que o professor segura na mão. O rapaz erra – tipo era o desenho de um quadrado e ele diz círculo. Venkman aplica um choque elétrico nele – como cientistas costumam aplicar choques em ratinhos de laboratório quando eles fazem algo que não deveriam fazer. E aplica o choque elétrico com uma expressão de prazer, o salafrário.
Já na hora da garota, Venkman é todo doce. Pior: é safado. Mostra, digamos, um triângulo, a moça diz quadrado – e Venkman diz que ela acertou!
Tudo indica que o professor safadão vai dar em cima da garota, vai paquerá-la!
Filho da mãe!
Sigourney Weaver, aquela deusa, atrai o fantasmão
Logo em seguida, quando os três vão à Biblioteca Municipal de Manhattan, onde um fantasma havia sido avistado por uma bibliotecária (Alice Drummond, ótima no pequeno papel que abre o filme), todas as atitudes de Venkman reforçam para o espectador a sensação que ele já havia passado na sequência com os dois estudantes. O cara é um enganador, uma fraude – ele simplesmente não acredita em nada dessa história de paranormalidade, espíritos, fantasmas!
É um cínico!
O oposto dos dois colegas, que são sérios, estudiosos, acreditam no que estão fazendo.
Pouco depois de ficarem, os três, frente a frente com um fantasma, na Biblioteca, no entanto, Venkman, Stantz e Splengler perdem o emprego. O reitor da universidade resolve simplesmente fechar o Laboratório de Estudos Paranormais – e os três se vêem no olho da rua. Há uma fala deliciosa de Stantz para Venkman:
– “Eu gostava da universidade. Eles nos davam dinheiro e facilidades, e nós não tínhamos que produzir nada! Você nunca esteve fora da academia. Você não sabe como é lá fora no mundo. Eu trabalhei no setor privado. Eles esperam resultados!” – E ele dá uma imensa ênfase na palavra resultados.
É uma das mais perfeitas definições das diferenças entre trabalhar no serviço público e nas empresas privadas que o cinema já fez!
E é então que os três professores, promovidos à força ao mercado de trabalho no setor privado, resolvem criar a empresa Ghostbusters – os Caça-Fantasmas.
A secretária que eles contratam, Janine (o papel, repito de Annie Potts, bonitinha, ótima no papel), passa o tempo todo diante de um telefone que nunca toca.
A primeira cliente que procura os Caça-Fantasmas é Dana Barrett, uma bela instrumentista de orquestra clássica em cujo apartamento surgiu um fantasma.
Peter Venkman, o salafrário, dá em cima dela, tenta paquerá-la.
Mas aí não dá nem para reclamar do cara. Quem neste mundo não tentaria paquerar aquela deusa, aquele mulherão fantástico?
Sigourney Weaver tinha 35 anos em 1984, o ano em que Ghostbusters foi lançado, e estava no auge do auge da beleza estonteante. Fazia cinco anos que havia seduzido as audiências como Ripley, a mulher da nave espacial que carregava o Alien – O 8º Passageiro.
Tendo vencido o Alien, seria mesmo de se esperar que Sigourney Weaver conseguisse enfeitiçar os deuses mais poderosos do mundo dos fantasmas – Gozer, Vinz Gortho, Vuldrini, Torg, McKetrick, Shuys e Zuuls, entre os citados ao longo dos gostosos 107 minutos do filme.
Lindérrima como a instrumentista Dana, Sigourney Weaver fica ainda mais bela depois que o Guardião do Portal toma conta dela.
Os diálogos entre a Dana possuída e Peter Venkman, que chega ao apartamento dela para um primeiro encontro do que poderia resultar em um namoro, são das melhores coisas do filme.
Antes completamente na defensiva diante dos avanços de Venkman, a Dana possuída fala, com uma voz bem diabólica:
– “Quero você dentro de mim.”
E Peter: – “Não dá. Parece que já há pelo menos duas ou três pessoas aí dentro.”
Uma bem bolada campanha de marketing
A página de Trivia do filme no IMDb tem nada menos de 177 itens – e isso é mais uma prova de como o filme continua atraindo a atenção das pessoas. É sempre assim: quanto mais cult, quando mais adorado é um filme, mais há informações interessantes, historinhas, fatos engraçados sobre ele no grande site enciclopédico.
Lá está dito que a renda de Ghostbusters, ajustada à inflação, colocaria o filme em 32º entre os de maior bilheteria de todos os tempos.
Em valores ajustados à inflação, ele continua sendo o filme de maior bilheteria da Columbia Pictures.
Durante seis anos, foi a comédia de maior bilheteria da história. Seria suplantado apenas por Esqueceram de Mim, de 1990.
O livro Box Office Hits, de Susan Sackett, conta que, meses antes do lançamento do filme, outdoors espalhados pelos Estados Unidos mostravam aquele logotipo de um fantasma parecido com Gasparzinho, dentro de um círculo com um traço vermelho na diagonal – o sinal óbvio de “proibido fantasmas”. Abaixo do desenho, vinha a frase: “Chegando para salvar o mundo neste verão”.
“Poderia perfeitamente ser ‘Chegando para salvar a Columbia Pictures neste verão’, porque foi exatamente isso o que aconteceu”, escreve Susan Sackett. “O estúdio tinha tido um grande sucesso em 1982 com Tootsie, mas nada poderia ter preparado a Columbia para o sucesso gigantesco que se materializaria com Ghostbusters. Antes que o ano de 1984 terminasse, ele se transformaria no quinto filme de maior bilheteria de todos os tempos.”
A autora diz então que alguns chamavam o filme de comédia, e outros de fantasia. “De fato, é preciso de um tanto de imaginação para acreditar que criaturas de outro mundo viviam na geladeira de Sigourney Weaver, ou que o Rick Moranis pudesse se transformar num cão parecido com uma gárgula de olhos vermelhos. Mas na verdade não importava (se era comédia ou fantasia). Era inovador e divertido, e as audiências engoliram tudo.”
Em seu livro, Susan Sackett transcreve o texto do comercial que os três cientistas lançam para divulgar sua firma, a Caça-Fantasmas. É tão gostoso que dá vontade de ter o texto do comercial aqui:
“Você está sendo perturbado por ruídos estranhos à noite? Tem sensações de pavor no porão ou no sótão de sua casa? Você ou alguém de sua família já viu um ectoplasma, espectro ou fantasma? Se a resposta for sim, não espere mais um minuto sequer. Pegue o telefone e ligue para os profissionais – Caça-Fantasmas!”
Para a campanha publicitária de lançamento do filme, o diretor Ivan Reitman produziu um trailer que era basicamente esse comercial dos Ghostbusters – só que com um número de telefone desses tipo 0-800, de chamada gratuita. Quem ligasse para o número ouvia uma mensagem gravada por Bill Murray (ou uma idêntica com a voz de Dan Aykroyd), dizendo “Olá! Estamos fora do escritório, caçando fantasmas”. Consta que houve cerca de mil chamadas por hora, 24 horas por dia, durante umas seis semanas.
A febre Ghostbusters foi incentivada pela canção composta por Ray Parker Jr, que é uma dessas tipo chicletes, que grudam na cabeça da gente e demoram para sair. A música chegou ao número 1 no hit parade americano durante três semanas em agosto de 1984.
Fenômeno pop é isso aí.
A década de ouro dos filmes de aventura & fantasia
Quando revi De Volta Para o Futuro, outra pérola dos anos 80, a década em que minha filha começou a ver filmes comigo, escrevi o que considero uma sacada bem interessante, modéstia às favas.
Eis aí:
Os anos 30 foram dourados para os filmes de horror e de gângster, em Hollywood. Os anos 40 foram dourados para os filmes noir, Os 40 e os 50, para os musicais. Da mesma forma, os 80 foram os anos dourados dos filmes de aventura & fantasia & ação & bom humor para jovens de todas as idades.
Da mesma maneira como a trilogia De Volta Para o Futuro, Ghostbusters é uma prova disso.
Só entre 1984 e 1985, os anos em que minha filha estava com 9 e 10 anos de idade, foram lançados
Indiana Jones e o Templo da Perdição,
Gremlims,
Os Goonies,
E este Caça-Fantasmas, é claro.
Nos demais anos da década, houve
Caçadores da Arca Perdida (1981),
Indiana Jones e a Última Cruzada (1989).
Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca (1980),
Star Wars: Episódio VI – O Retorno do Jedi (1983),
De Volta para o Futuro Parte II (1989),
Superman II (1980),
Superman III (1983),
Uma Cilada para Roger Rabbit (1988)
e, at last but not at least, E.T.: O Extraterrestre (1982).
Cacete! Era uma época extraordinária para quem gosta de diversão!
Anotação em setembro de 2020
Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters
De Ivan Reitman, EUA, 1984
Com Bill Murray (dr. Peter Venkman), Dan Aykroyd (dr. Raymond Stantz), Harold Ramis (dr. Egon Spengler), Sigourney Weaver (Dana Barrett), Rick Moranis (Louis Tully, o vizinho de Dana), Annie Potts (Janine Melnitz, a secretária), William Atherton (Walter Peck, o funcionário da fiscalização ambiental), Ernie Hudson (Winston Zeddmore, o novo caça-fantasmas), David Margulies (o prefeito), Steven Tash (o estudante), Jennifer Runyon (a estudante), Slavitza Jovan (Gozer, o fantasmão), Michael Ensign (o gerente do hotel), Alice Drummond (a bibliotecária), Jordan Charney (o reitor Yeager), Timothy Carhart (o violinista), John Rothman (o administrador da biblioteca), Roger Grimsby, Larry King, Joe Franklin, Casey Kase (eles próprios)
Argumento e roteiro Dan Aykroyd & Harold Ramis
Fotografia Laszlo Kovacs, Herb Wagreitch
Música Elmer Bernstein
Canção “Ghostbusters” de e com Ray Parker Jr.
Montagem Sheldon Kahn, David Blewitt
Desenho de produção John DeCuir
Direção de arte John DeCuir Jr., John J. Moore
Figurinos Theoni V. Aldredge
Produção Ivan Reitman, Columbia Pictures. DVD Sony.
Cor, 107 min (1h47)
Disponível em DVD.
R, ***1/2
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