Do Jeito que Elas Querem / Book Club

Nota: ★★½☆

O filme não é lá grandescoisa, como se dizia em Minas. Mas, meu, uma comedinha com Jane Fonda, Candice Bergen, Diane Keaton e Mary Steenburgen! Que prazer, que maravilha poder ver essas esplendorosas senhoras!

Elas interpretam quatro amigas da vida toda, moradoras de Los Angeles, que mantêm o costume de se reunir pelo menos uma vez por mês para conversar sobre tudo, mas especificamente sobre um livro que todas combinaram ler na reunião mensal anterior. Formam o Book Club, o clube do livro do título original – no Brasil os exibidores escolheram Do Jeito que Elas Querem.

No período de tempo focalizado no filme, as quatro lêem Cinquenta Tons de Cinza – e, é claro, o tema de suas conversas todas, e do filme, é sexo.

Há situações e piadas engraçadíssimas: o bom humor é, ao lado da presença das quatro ótimas e veteranas atrizes, uma das qualidades do filme, que fazem valer a pena vê-lo. Mesmo ele não sendo lá grandescoisa.

Vivian tem muitos casos – mas sem envolvimento

Diane Keaton faz Diane, que ficou viúva um ano antes da época em que se passa a ação. Embora esteja muito bem de saúde, firme e forte, as duas filhas, Jill e Adrianne (Alicia Silverstone e Katie Aselton), que vivem no Arizona, acham que ela está velha demais para viver sozinha. E insistem para que ela se mude e vá morar com elas.

Será numa viagem para ver as filhas no Arizona que Diane ficará conhecendo um sujeito bonito, simpático e que fica interessadíssimo nela, um piloto, Mitchell – o papel de Andy Garcia.

Jane Fonda faz Vivian, uma empreendedora absolutamente bem sucedida, dona de um belo hotel de cuja cobertura – à qual só ela tem acesso – se tem uma vista deslumbrante de Los Angeles. Vivian é uma mulher que tem casos, provavelmente muitos casos – mas ela se recusa a ter envolvimento afetivo com qualquer dos homens que come. Só teve uma paixão na vida, uns 40 anos atrás.

A grande questão é que exatamente o sujeito por quem ela foi apaixonada 40 anos antes ressurge inesperadamente em sua vida – e se hospeda no próprio hotel dela!

Conseguirá nossa heroína manter sua determinação de não se envolver emocionalmente com ninguém – nem mesmo com Arthur (o papel de Don Johnson)?

Essa pergunta é absolutamente idiota, já que estamos falando de uma comédia romântica.

Só uma das quatro amigas está casada

Candice Bergen faz Sharon, aluna brilhante na Faculdade de Direito, juíza federal – uma mulher séria, quase sisuda. Havia se separado 18 anos antes da época da ação, e durante este tempo todo não havia tido um único caso. Tom, o ex-marido (o papel de Ed Begley Jr.), estava agora namorando uma garotinha com idade para ser sua filha, uma tal Cheryl (Mircea Monroe, perfeita para o papel).

Depois da leitura do livro pornô soft (ou é pornô quase hard? Não sei, não li a trilogia de E.L James), e das conversas todas com as amigas do clube do livro, a seriíssima dra. Sharon terá suas primeiras experiências com os sites de encontros. O primeiro sujeito que ela vai encontrar, George, vem na pele de Richard Dreyfuss. Um outro é interpretado por Wallace Shawn, o baixinho de cara engraçada de mais 200 títulos na filmografia, inclusive A Era do Rádio/Radio Days (1987), de Woody Allen.

E Mary Steenburgen interpreta Carol, a única das quatro amigas que está casada – com Bruce (Craig T. Nelson), um sujeito que se aposentou fazia pouco tempo, e se sentia perdido na nova vida. Perdido – e sem apetite sexual. Carol e Bruce estão bem de vida, ela tem um restaurante, gosta disso – mas sente falta de sexo. Ainda mais depois de ler Cinquenta Tons de Cinza e os dois outros, e de tanta conversa com as amigas sobre sexo, sexo, sexo…

Um  diálogo absolutamente delicioso

Quando o filme está ali com uns seis minutos, apenas, e já fez com muita competência a apresentação dessas quatro mulheres que estão ali na faixa dos 60/70 anos, há uma conversa entre elas que é absolutamente sensacional, absolutamente engraçada, deliciosa, saborosa. Àquela altura, já dava perfeitamente para a gente ter uma avaliação do filme. Já dava para saber que não seria propriamente um bom filme – mas seria uma gostosa diversão.

Com o diálogo que rola ali, e que me fez dar gargalhadas, percebi que o filme até poderia não ter aquelas magníficas atrizes – e mesmo assim já seria um bom divertissement.

Me preparei para degravar o diálogo à unha, mas vi, aliviado, que o IMDb já fez isso. Basta então traduzir. Aí é moleza.

Sharon, a juíza federal, é a última a chegar: – “Meu filho está noivo e meu marido está em Mauí com uma garotinha chamada Cheryl. Preciso de uma bebida.”

(Ah, sim, um registro: Sharon, Carol, Diane e Vivian estão sempre bebendo um vinhozinho. Sempre. Às vezes atacam uma vodca. Um lembrete: Maui é uma das ilhas do Havaí – a preferida pelos mais descolados, já que, ao contrário de Oahu, não tem arranha-céus. É um lugar absolutamente deslumbrante, posso assegurar, eu, que não sou de viajar, mas tive a sorte de conhecer.)

Csrol, a única casada: – “Seu marido?”

Diane, a que havia ficado viúva um ano antes: – “Não é possível que você ainda se preocupe com o que Tom está fazendo.”

Sharon: – “Eu não ligo. Mas o cara fica mareado numa piscina. O que raios ele está fazendo em Maui?”

Vivian, a que tem casos mas não amores: – “Parece que ele está fazendo a Cheryl em Maui.”

Sharon: – “Ah, por favor! Quem se envolve em um relacionamento aos 67? Qual é o sentido?”

Vivian: – “O sentido é deitar com alguém. Esse é sempre o sentido.”

Sharon: – “Não me faça passar mal”.

Carol: – “Quem ainda usa a expressão deitar com alguém?”

(Get laid. No original, a expressão que Vivian usa é to get laid.)

Diane: – “Quem ainda tem algum interesse nisso?”

Vivian, a que deita com um monte de gente, transa com um monte de gente, trepa com um monte de gente, come um monte de gente: – “Ah, não, não, não, não, não. Não vou deixar que a gente vire aquelas pessoas.”

Diane: – “Que pessoas?”

Vivian: – “Você sabe que tipo de pessoas. As pessoas que param de viver antes de parar de viver.”

Sharon: – “Eu não faço sexo desde meu divórcio, e estes foram os 18 anos mais felizes da minha vida.”

Vivian: – ‘O quê? Isso deve ser um recorde. O que será que acontece com uma vagina depois de 18 anos?”

Diane: – “Acho que Werner Herzog fez um documentário sobre isso.”

Carol: – “É mesmo. Chama A Caverna dos Sonhos Esquecidos.”

Vivian, Diane e a própria Carol riem muito da piada. Só Sharon, a juíza seriíssima, continua séria:- “Dá pra parar com isso? Vamos em frente.

Vamos falar sobre o livro.”

Vivian: – “Meu Deus… O livro sobre a caminhada? Mesmo?”

Belas considerações sobre o sexo na velhice

Interessante: não se diz, não se mostra, em momento algum, o nome do livro que as amigas haviam combinado ler no mês que havia passado. Passam a falar sobre ele – e vou continuar transcrevendo o diálogo, porque ele é muito interessante, e vai definindo o caráter, o jeito de cada uma das quatro mulheres. Mas não se fala o nome do livro.

Faz pensar que pode ser o livro que deu origem ao belo filme Livre/Wild (2014), de Jean-Marc Vallée, com uma interpretação sensacional de Reese Witherspoon – Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail, uma narrativa autobiográfica de Cheryl Strayed.

– “Meu Deus… O livro sobre a caminhada? Mesmo?” – diz Vivan, a que trepa muito.

Carol: – “Eu gostei do livro. Foi um empreendimento fantástico. Dá pra imaginar?”

Sharon: – “Não, eu não consigo imaginar. Não consigo caminhar nem até a caixa de Correio da minha casa.”.

Carol: – “É uma história fantástica. Poxa, são tantos níveis. Eu não saberia como analisá-los.”

Vivian: – “Bem, eu analiso para você. Ela faz caminhada, ela perde suas botas, ela usava heroína.”

Diane: – ”Você leu só a contracapa do livro?”

Vivian (tomando um gole do vinho): – “Teria sido bom. Fiquei o tempo todo querendo gritar com ela: ‘Espere uns dez anos, meu bem. O xampu seco está chegando’”.

Sharon: – “Quer saber? Se você conseguisse alguma vez se conectar com alguma coisa em um nível emocional…”

Vivian: – “Conexões emocionais são um tema muito superestimado.”

Carol: – “Você não tem uma conexão emocional faz 40 anos.”

Sharon: – “Uau! Isso aí deve ser um recorde!”

Diane: – ”É, mas o que acontece com as emoções depois de 40 anos?”
Vivian: – “Tá bom, tá bom. Vocês estão se divertindo, né?”

Diane: – “Ah, você sabe que nós amamos você.”

Carol: – “Talvez seja a hora de você fazer uma caminhada e tentar se reconectar com seu verdadeiro eu”.

Sharon: – “Vou comprar uma mochila para você”.

Vivian: – “Vou dizer a vocês como se reconectar com seu eu verdadeiro… e não vai ser caminhando sozinha no deserto.”

Corpos feitos por Deus – e pela cirurgia plástica

Uau! Ao botar esse diálogo aqui, e revê-lo, me pareceu que o filme, afinal de contas, tem ótimas qualidades…

De fato, essa sequência, com essas quatro atrizes maravilhosas, é um esplêndido momento de cinema.

Tem pontos hilariantes – e tem pontos para fazer pensar.

Mas a verdade é que não é um filme feito para fazer pensar. É um divertissement. E com momentos de fato engraçadérrimos.

Lá pelas tantas, Sharon, a juíza, a mulher seriíssima, diz: – “Se as mulheres da nossa idade fossem feitas para fazer sexo, Deus não teria feito o que ele fez com os nossos corpos”.

Vivian-Jane Fonda, aquela Jane Fonda toda redesenhada por trocentas mil plásticas, pega os peitos e diz: – “Não fale pelas outras.”

E Sharon-Candice Bergen: – “Bom, isso aí não foi Deus, foi o dr. Nazaria.”

O jovem diretor escreveu dois roteiros sobre velhos

Do Jeito que Elas Querem/Book Club não se baseia em um livro ou uma peça: é uma história original, criada diretamente para o cinema. Os autores do roteiro original são Bill Holderman e Erin Simms. Bill Holderman é também o diretor – e eu jamais tinha ouvido falar nele. Um garotão, pela foto dele no IMDb – que a respeito do garotão só traz duas linhas. Não diz nem onde nasceu, nem quando. E a Wikipedia, pelo menos até agora (escrevo em fevereiro de 2021), ainda não tinha verbete sobre ele.

Este aqui é seu primeiro filme como realizador, e o segundo como roteirista. O primeiro – e isso é fascinante – é um filme sobre caminhada, Uma Caminhada na Floresta/A Walk in the Woods (2015), um filme muito interessante, com Robert Redford e Nick Nolte, mais Emma Thompson.

Um garotão que escreveu dois roteiros em que os protagonistas são velhos. Velhinhos. Idosos.

Bem interessante.

O IMDb afirma que o roteiro foi escrito já pensando em Jane Fonda no papel de Vivian, a que come os caras mas não tem conexão afetiva com eles, e em Diane Keaton como Diane, a viúva que – numa idade em que em geral não se pensa no início de uma conexão afeita – tem a sorte de trombar com um homem bonito, simpático, rico pra cacete e solteiro.

O diálogo que transcrevi mostra perfeitamente que Vivian foi feita para Jane Fonda e Diane foi feita para Diane Keaton.

“O que será que acontece com uma vagina depois de 18 anos?”

Essa é a perfeita frase que a gente espera ouvir de uma personagem de Jane Fonda. Assim como a gente espera de Diane Keaton a frase “Acho que Werner Herzog fez um documentário sobre isso.”

Acho bastante fascinante que este Book Club mostre personagens interpretadas por Jane Fonda, Candice Bergen, Diane Keaton e Mary Steenburger como se fossem amigos da vida inteira, e portanto da mesma geração. Elas não são da mesma geração, de forma alguma.

Jane Fonda é de 1937; estava com 81 anos em 2018, o ano de lançamento do filme. Candice Bergman e Diane Keaton são de 1946, estavam com 72. Mary Steenburger, a caçula da turma, de 1953, tinha apenas 65.

Na tela, não parece haver grande diferença de idade entre elas.

E a verdade é que é uma maravilha ver o cinema falar de vida sexual de mulheres que passaram dos 65 anos!

Anotação em fevereiro de 2021       

Do Jeito que Elas Querem/Book Club

De Bill Holderman, EUA, 2018

Com Diane Keaton (Diane),

Jane Fonda (Vivian),

Candice Bergen (Sharon),

Mary Steenburgen (Carol)

e Andy Garcia (Mitchell, que paquera Diane), Craig T. Nelson (Bruce, o marido de Carol), Don Johnson (Arthur, o caso de Vivian), Ed Begley Jr. (Tom, o ex-marido de Sharon). Richard Dreyfuss  (George, o do encontro com Sharon), Wallace Shawn (Dr. Derek, o veterinário de Diane), Alicia Silverstone (Jill, filha de Diane), Katie Aselton (Adrianne), Mircea Monroe (Cheryl, a namorada de Tom), Tommy Dewey (Chris), John Shartzer (Andrew)

Argumento e roteiro Bill Holderman & Erin Simms

Fotografia Andrew Dunn

Música Peter Nashel

Montagem Priscilla Nedd-Friendly

Casting Kerry Barden, Avy Kaufman, Paul Schnee

Direção de arte Rachel O’Toole

Produção Apartment Story, Endeavor Content, June Pictures.

Cor, 104 min (1h44)

Disponível no Now em fevereiro de 2021.

**1/2

4 Comentários para “Do Jeito que Elas Querem / Book Club”

  1. Super feliz em ter achado um filme legal para assistir, estava a horas procurando, quase desistindo.
    Vou acompanhar mais o seu site!

  2. Adorei esse filme e também o segundo. Uma delícia de ver e muito interessante pra pensar.

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