Queimada! / Burn!

3.0 out of 5.0 stars

Quem quiser achar defeitos em Queimada! (1969) não terá dificuldades. Só para dar um exemplo: os escravos da fictícia ilha de Queimada, nas Antilhas, colonizada pelos portugueses, sabem falar inglês! Apesar desse e de outros problemas, no entanto, Queimada! é um filme importante, impactante, que merece respeito.

Queimada! é um dos maiores marcos do cinema político italiano e francês dos anos 60 e 70 – e mais adiante faço questão de enumerar algumas outras grandes obras desse rico filão. Veio pouco depois de outro dos grandes marcos do cinema político, A Batalha de Argel (1966), do mesmo diretor deste aqui, Gillo Pontecorvo. A Batalha de Argel veio tão pouco tempo após o final da sangrenta e longa guerra pela independência da Argélia, que durou entre 1954 e 1962, e era tão forte, cru, que teve cenas de tortura cortadas para exibição nos Estados Unidos e na Inglaterra, apesar da indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Além disso, a obra só pôde ser exibida na França a partir de 1971; um crítico do New York Daily News o definiu como “um filme de treinamento para a guerrilha urbana”.

Enquanto A Batalha de Argel tinha um tom documental, realista – Pontecorvo começou como assistente do lendário documentarista holandês Joris Ivens, e são documentários quase todos os seus 22 filmes –, Queimada! pouquíssimo tem de realidade, realismo, no sentido mais estrito dos termos. É uma metáfora, uma parábola histórica, política. Quer demonstrar, através de uma trama fictícia, passada numa ilha fictícia do Caribe, como e por que, em meados do século XIX, ali por volta de 1840, 1850, o capitalismo internacional, então capitaneado pela Inglaterra, incentivou o fim da escravidão nos países da América Latina e Caribe.

Na trama criada diretamente para o filme por Franco Solinas e Giorgio Arlorio, eles também os autores do roteiro, um membro do almirantado inglês, Sir William Walker – o papel de Marlon Brando – viaja até Queimda, ilha produtora de cana de açúcar, a chamado dos representantes da burguesia local, com a missão de criar as condições para uma revolta popular contra os representantes do governo de Portugal.

Esse William Walker é apresentado como um misto de estrategista político, expert em táticas de guerra e aventureiro com poderes e talentos à la Indiana Jones ou James Bond. A esperança dele era usar – para provocar a revolta dos escravos contra o domínio português, em aliança com a burguesia local – um líder natural que já havia sido identificado lá, Salvador. Mas ele chega tarde demais, quando Salvador já havia sido preso pelos portugueses. Resta a Walker assistir à execução dele no garrote vil – uma sequência impressionante.

Está para desistir e voltar para a Inglaterra quando conhece, por acaso, um jovem negro belo, forte, que parece esperto, inteligente, chamado José Dolores (o papel do colombiano Evaristo Márquez, que nunca antes havia atuado no cinema). Aposta nele suas fichas – e dá certo, num primeiro momento.

A questão é que dá certo demais – e, depois que Queimada se livra do portugueses, José Dolores irá liderar os negros numa revolta eterna contra os novos governantes brancos,

Morricone compôs uma trilha impressionante

Queimada! tem a seu favor, de cara, a trilha sonora do gênio Ennio Morricone. Os créditos iniciais do filme são belos, arrebatadores, inovadores, corajosos – e a trilha de Morricone já deixa o espectador encantado antes mesmo de a ação começar.

Desde o final dos anos 50 e ao longo dos 60, houve uma imensa valorização dos créditos iniciais. Eles deixaram de ser a mera apresentação dos nomes dos atores, autores, chefes dos diversos departamentos técnicos, para ser um capítulo à parte, um pedaço de obra de arte – como viriam a ser os videoclips nos anos 80. O cinema americano teve um mestre genial dos créditos iniciais, Saul Bass, o designer que assinou as aberturas de, só para dar alguns exemplos, O Pecado Mora ao Lado (1955), Santa Joana (1957), Anatomia de um Crime (1959), Intriga Internacional (1959), Psicose (1960), Spartacus (1960), Exodus (1960), West Side Story (1961).

Não há crédito para o designer autor dos créditos iniciais de Queimada!, mas o cara ou o grupo de caras que fez os deste filme evidentemente viram e reviram e reviram os trabalhos de Saul Bass.

Os créditos de Queimada! são dos mais impressionantes que já vi – e, diacho, já vi muito filme. Misturam fotos, imagens fixas, com pequenas tomadas, a um ritmo alucinante – imagens fortes, batalhas, gente caindo morta às dezenas, dezenas, dezenas. A tela se divide em duas partes horizontais – uma em preto-e-branco, a outra em cores. De tempos em tempos, uma gigantesca mancha vermelha explode na tela – o sangue derramado.

Tudo embalado pela majestosa trilha do gênio Morricone.

Morricone é algo absolutamente fora de série. Começou a assinar trilhas sonoras ainda em 1960; prolífico, incansável, já havia composto música para mais de 80 filmes quando fez a de Queimada! Continuou na ativa até bem perto de sua morte, em 2020, aos 91 anos de idade.

Morricone foi a trilha sonora do western-spaghetti e também do cinema político italiano. Muito do clima desses dois filões, desses subgêneros, foi criado pelas composições desse senhor admirável.

Uma grande beleza visual – e maravilhosos diálogos

Outra das grandes qualidades de Queimada!, além dos créditos iniciais e da trilha sonora, são a fotografia, a direção de arte, a escolha dos locais de filmagem e a capacidade de ter amealhado aquela imensa quantidade de extras.

São várias, muitas, muitíssimas as sequências que mostram grande número de pessoas, multidões. E a impressão que se tem é de que o diretor Gillo Pontecorvo, seu diretor de fotografia Marcello Gatti e depois seu montador Mario Morra se deliciaram com as sequências de multidões que filmaram, e que ganhariam ainda mais impacto e beleza com as melodias de Morricone. Apaixonaram-se pelo resultado de seu trabalho – e não conseguiram cortar as sequências. Embevecidos, deixaram correr soltas as várias tomadas de dezenas e dezenas de figurantes – o povo da ilha de Queimada, o povo, essa entidade em nome de que os líderes políticos fazem grandezas e misérias.

A beleza visual do filme é de fato impressionante.

Mas Pontecorvo e Marcello Gatti exageraram num cacoetezinho: o zoom para frente e para trás. Imaginada certamente para realçar a importância de algum fato, alguma fala, algum detalhe, essa frescurinha visual acabou tão abusada que acaba torrando a paciência do espectador.

As falas… As falas são, é claro, absolutamente fundamentais neste filme de belo visual, já que, sobretudo, a intenção dos realizadores é apresentar verdades históricas – ainda que de uma forma simplificada – e teses políticas.

Há diversas, diversas falas importantes, perfeitos temas para discussão em cursos de História, Sociologia, Antropologia. Faço questão de transcrever duas.

Uma que contém verdades históricas:

Na primeira sequência do filme, o protagonista da história, William Walker, está chegando à ilha (fictícia, repito) de Queimada. O veterano capitão do navio inglês dá as explicações básicas para ele – e também, ou sobretudo, para o espectador –, enquanto vemos a figura de Marlon Brando, tomadas do navio, um magnífico veleiro, do mar e da paisagem belíssima de uma ilha tropical.

– “Eis a sua ilha, Queimada. Uma das centenas de ilhas das Antilhas Menores. Dê uma olhada.”

Ele passa a luneta para Marlon Brandon-Sir William Walker, e prossegue:

– “Há somente cerca de 5 mil brancos aqui. A maioria da população é negra ou mulata. Os negros, é claro, são escravos, exceto uns poucos que foram alforriados por seus donos, por alguma razão. ‘Queimada’ significa (e aí ela fala a palavra inglesa, burn) burn. Isso vem do fato de que os portugueses queimaram toda a ilha para vencer a resistência dos índios. Já que quase todos os nativos foram mortos, trouxeram escravos da África para trabalhar nos canaviais. Aquela pedra grande e chata que se vê perto da praia é chamada (e aí ele fama em Português, com um terrível sotaque) Cemitério Branco dos Negros. Porque os corpos dos escravos mortos durante a viagem foram jogados lá. Dizem que perderam quase metade dos pobres coitados. Aquela brancura excepcional parece vir do pó dos ossos, que penetraram nas rochas e se combinaram a elas.”

Há talvez boa dose de simplificação aí, mas há também verdade histórica. Sim, os portugueses, nas gigantescas terras que descobriram na América do Sul, de frente para o Oceano Atlântico, dizimaram boa parte da população indígena, depois de tentar fazê-la trabalhar nas plantações de cana de açúcar e ou/corte de madeira nativa. Sem mão de obra indígena, passaram a importar escravos da África. Estamos cansados de saber disso.

Um escravo não compra. Já um assalariado consome

Verdades históricas, teses políticas, explicações para os fatos.

Após a Revolução Industrial, com a prevalência do mercantilismo, as bolsas de valores em funcionamento (no meio da narrativa há uma sequência na Bolsa de Londres), exatamente ali por meados do século XIX, a escravatura já não interessava em nada às grandes empresas inglesas e dos países então mais desenvolvidos da Europa, como a Holanda.

Escravo não compra, não consome. Transformado em trabalhador assalariado, no entanto, ele passa a comprar, consumir.

A sequência em que Sir William Walker ensina para os burgueses da ilha as bases da transformação do capitalismo escravocrata no capitalismo mercantilista acontece ali quando o filme está com uns 30 minutos. É uma reunião à qual estão presentes as principais figuras endinheiradas de Queimada, como Teddy Sanches (o papel de Renato Salvatori, de tantos grandes filmes, a começar por Rocco e Seus Irmãos), o homem que primeiro havia feito contato com o agente secreto inglês, e mais Shelton (Norman Hill), Prada (Tom Lyons), entre vários outros. (Renato Salvatori está à direita na foto abaixo.)

Enquanto Marlon Brando-William Walker fala, vemos cenas no salão em que estão reunidos aqueles homens, e também uma ou outra tomada de belas mulheres negras nas ruas da cidade, os seios à mostra.

– “Cavalheiros, permitam que eu faça uma pergunta. Minha metáfora pode parecer um tanto impertinente, mas penso que tem muito a ver com o ponto.”

(Acho delicioso os roteiristas usarem exatamente a palavra metáfora, já que todo o filme é obviamente uma metáfora.)

– “O que os senhores prefeririam… Ou devo dizer, achariam mais conveniente? Uma esposa, ou uma dessas mulatas? Não, não, por favor não me entendam mal. Estou falando estritamente em termos econômicos. Qual é o preço do produto? Qual é o rendimento do produto? O produto, neste caso, sendo amor – amor puramente físico, já que os sentimentos obviamente não têm lugar na economia.”

Os burgueses da ilha de Queimada riem neste ponto. Marlon Brando-William Walker, falando bem mais Marlon Brando do Actors Studio do qualquer outra coisa, prossegue:

– “Uma esposa deve ter uma casa, com comida, vestidos, cuidados médicos, etc, etc. Os senhores são obrigados a mantê-la por toda a vida, mesmo depois que ela fica velha e um tanto improdutiva. E, naturalmente, se você tiver o azar de sobreviver a ela, terá que pagar pelo funeral!”

Nova onda de risadas. E então William Walker, do Almirantado inglês, falando de forma peculiarmente parecida com a de Stanley Kowalsky de Uma Rua Chamada Pecado (1951), de Marco Antônio de Júlio César (1953), de Terry Malloy de Sindicato de Ladrões (1954), de Don Vito Corleone de The Godfather (1972), do coronel Kurtz de Apocalypse Now (1979), dá o golpe final:

– “É verdade, não é? Cavalheiros, eu sei que é divertido, mas estes são os fatos, não são? Agora, com uma prostituta, no entanto, é uma forma bastante diferente, não? Os senhores vêem, não há necessidade de prover um teto para ela ou alimentá-la. Seguramente não há necessidade de vesti-la ou de enterrá-la, graças a Deus. Ela é dos senhores apenas quando os senhores precisam dela, os senhores pagam apenas por aquele serviço, e pagam pela hora trabalhada! O que, cavalheiros, é mais importante – e mais conveniente: um escravo ou um trabalhador assalariado?”

Um cinema que faz a defesa do socialismo

Assim ensinada pelo agente secreto inglês, e com a ajuda dele nos momentos mais nervosos, e com a ajuda também da numerosa população negra, a burguesia de Queimada derruba o governo dos portugueses e proclama a independência.

Mas aí José Dolores, o homem que Walker treinou para pensar, agir e guerrear, resolve lutar contra o dominador branco – porque quem corta a cana pode também cortar as cabeças de quem o explora.

E então Queimada! se transforma num panfleto pela luta dos pobres humildes oprimidos contra os ricos poderosos avarentos filhos da mãe. Os  have not contra os have much. Os trabalhadores contra os detentores dos meios de produção. O povo nobre contra as grandes corporações avaras e sanguinárias.

Tem todo o direito de defender suas idéias o cineasta Gillo Pontecorvo, membro do Partido Comunista Italiano desde 1941, a Itália ainda sob o fascismo e enfiada na Segunda Guerra Mundial.

Praticamente todo o cinema político dos anos 1960 e 1970 na Itália e na França era de esquerda. Ferozmente antifascista e sem dúvida de esquerda – muito dele abertamente simpático ao PCI e/ou ao PCF.

Entre tantos e tão belos filmes, cito só uns poucos, dos que mais me impressionaram, me marcaram, me influenciaram:

Os Companheiros/I Compagni (1963), de Mario Monicelli, sobre o trabalho de um ex-professor transformado em ativista que procura ensinar os operários têxteis a se organizarem na Turim da virada do século XIX para o XX.

Z (1969), de Costa-Gavras, um olhar sobre a ditadura de direita dos coronéis na Grécia, a partir do caso do assassinato de um político que a polícia tenta definir como um acidente, mas na verdade foi obra de grupo de extrema direita.

Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita/ Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto (1970), de Elio Petri, uma virulenta crítica às autoridades que praticam abuso de poder, através da história de um policial em posição de comando que mata sua amante e está certo de que os colegas não vão chegar até ele – mesmo que todos os indícios indiquem quem é o criminoso.

Sacco e Vanzetti (1971), de Giuliano Montaldo, a reconstituição da prisão e do julgamento dos dois anarquistas de origem italiana nos Estados Unidos, em 1920 acusados de um crime que não cometeram.

A Classe Operária Vai ao Paraíso/ La Classe Operaia Va in Paradiso (1971), de Elio Petri, uma discussão sobre a classe trabalhadora e o sindicalismo na era da sociedade de consumo; Gian Maria Volontè (que também está nos dois filmes citados logo acima) tem uma interpretação extraordinária, um tour-de-force, uma coisa assustadoramente brilhante.

Nós Que Nos Amávamos Tanto/C’Eravamo Tanto Amati (1974), de Ettore Scola, um afresco que acompanha três homens que amavam a mesma mulher desde a época do combate ao fascismo, nos anos 40, até meados dos anos 1970 – e, ao mesmo tempo, faz um inventário do cinema italiano ao longo daquelas décadas.

Por que Portugal, e não a Espanha?

Há uma questão séria, grave, em Queimada! Portugal não colonizou ilha alguma do Caribe.

O diretor Gillo Pontecorvo e os autores da história e do roteiro, Franco Solinas e Giorgio Arlorio, fizeram, portanto, uma metáfora histórica e política a partir de uma falha gritante.

Tudo bem que Queimada é uma ilha fictícia – mas, diacho, fizeram uma ficção em cima de um erro histórico!

Por que raios não fizeram com que a ilha fictícia de Queimada tivesse sido colonizada pela Espanha? A Espanha colonizou várias ilhas ali. Teria sido muito mais lógico, teria muito mais sentido.

O IMDb traz uma explicação que eu considero absurda. Diz o grande site enciclopédico que no roteiro original a ilha era parte do Império Espanhol, “o que teria sido um conceito histórico mais acurado, já que a Espanha, e não Portugal, era o poder europeu dominante no Caribe”. Mas “o governo espanhol de Francisco Franco pressionou os produtores a alterar o script, e, já que Portugal responde por uma participação consideravelmente menor das receitas de bilheteria do que a Espanha, os produtores fizeram a coisa esperta economicamente de transformar os bandidos em portugueses.”

Não acredito que os produtores tenham forçado Gillo Pontecorvo a fazer essa troca a pedido do governo fascista da Espanha. Isso me parece absolutamente inconcebível.

O parágrafo do IMDb sobre essa questão termina assim: “Não há nenhuma fala em português no filme, e sim várias formas de espanhol”.

Isso aí é um baita erro do IMDb, por pura ignorância. Há, sim, várias falas em português, nas cenas que mostram grupos de escravos. A própria música tema do filme composta por Morricone se chama “Abolição”, e um coro canta em bom som o ão que só existe na Última Flor do Lácio Inculta e Bela.

Não dá para saber como é a versão original desta co-produção Itália-França. Será que todos falam em italiano, com Marlon Brando dublado para o italiano, assim como Burt Lancaster em Novecento de Bernardo Bertolucci e Il Gatopardo de Luchino Visconti? Não sei; não dá para saber,

porque a versão que chegou ao Brasil, no cinema e muito depois em DVD, é a mesma distribuída nos países de língua inglesa. E, nessa versão, todo mundo no filme fala inglês – até mesmo os escravos na ilha colonizada por Portugal! (Com algumas poucas exceções – alguns poucos momentos em que falam Português.)

Existiu na vida real um William Walker

Há ainda uma outra característica na trama de Queimada! que, na minha opinião, é um erro. Naquela primeira fala do filme que transcrevi acima, o capitão do navio diz para William Walker que Queimada é “uma das centenas de ilhas das Antilhas Menores”. Ora, toda trama mostra uma ilha grande, populosa. A cidade portuária, a principal da ilha, é uma cidade de bom porte. O que se vê ao longo do filme nega aquela afirmação inicial. A ilha mostrada no filme é uma coisa grande, no mínimo tipo Jamaica ou Porto Rico, não “uma das centenas de ilhas das Antilhas Menores”.

E… William Walker. Vejo agora que William Walker existiu! Não era inglês, e muito menos Sir – era um aventureiro americano, que se deu o título de Sir sem que os reis ingleses jamais tivessem coisa alguma a ver com isso.

Ele está na Encyclopaedia Britannica, veja só o caro eventual leitor. William Walker, nascido em 1824 em Nashville, Tennessee, morto em Honduras em 1860. Foi aventureiro, filibustero e líder revolucionário que conseguiu se fazer presidente da Nicarágua entre 1856 e 1857, enfrentando uma coalização de Estados da América Central.

Ao que tudo indica, quase nada do William Walker figura histórica tem a ver com o personagem William Walker interpretado por Marlon Brando – a não ser o fato de que ambos são aventureiros de língua inglesa que andaram mexendo com a política na América Central e Caribe em meados do século XIX.

A figura real seria retratada em um filme chamado Walker (1987), dirigido pelo inglês Alex Cox., com Ed Harris no papel central. Gostaria muito de ver esse filme; tenho o disco da trilha sonora, composta por Joe Strummer, do Clash, um trabalho belíssimo.

Fica o registro: filibustero é a palavra para designar o tipo de pirata que operava no mar das Antilhas; sua característica especial era que os filibusteros não “trabalhavam” apenas no mar, mas também nas cidades costeiras.

Vivendo, aprendendo – e depois esquecendo. Wimwenders e aprendenders e esquecenders.

Marlon Brando adorou sua atuação

As filmagens foram nos estúdios da Cinecittà, em Roma, e na Colômbia, na região de Cartagena, diante do mar do Caribe.

Os produtores queriam o grande Sidney Poitier no papel de José Dolores, o jovem que se tornaria o líder rebelde de Queimada. O papel acabou ficando com Evaristo Márquez, um colombiano pobre que o diretor Gillo Pontecorvo descobriu. Evaristo Márquez faria ainda cinco filmes na vida, antes de desaparecer do cinema.

Na sua autobiografia, Marlon Brando afirmou que uma das suas melhores atuações foi em Queimada! E mais: disse que Gillo Pontecorvo foi um dos três melhores diretores com quem trabalhou, ao lado de Bernardo Bertolucci e Elia Kazan. Dois italianos e um imigrante europeu radicado nos Estados Unidos. Com Bertolucci, Brando fez Último Tango em Paris (1972); com Kazan, fez Uma Rua Chamada Pecado (1951), Viva Zapata! e Sindicato de Ladrões (1954). Por todos esses quatro filmes ele recebeu indicação para o Oscar de melhor ator; levou o troféu por Sindicato de Ladrões.

O Guide des Films de Jean Tulard não gosta do filme: “A oposição entre Walker e Dolores é apresentada de uma maneira muito didática, sem nuances. A interpretação de Marlon Brando torna ainda mais insuportável a pretensão da direção. Uma pena, porque a idéia era interessante.”

Já Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Egomaníaco William Walker (Brando) é enviado pelos britânicos para instigar uma revolta de escravos em uma ilha de produção de açúcar no Caribe dirigida pelos portugueses. Esse drama político é visualmente impressionante mas confuso, com uma interpretação forte de Brando. Ed Harris fez o mesmo papel em Walker.”

Anotação em abril de 2020

Queimada!/Burn!

De Gillo Pontecorvo, Itália-França, 1969.

Com Marlon Brando (Sir William Walker)

e Evaristo Márquez (José Dolores), Renato Salvatori (Teddy Sanchez), Norman Hill (Shelton), Tom Lyons (Prada), Joseph P. Persaud (Juanito), Giampiero Albertini (Henry), Carlo Palmucci (Jack), Maurice Rodriguez (Ramon), Alejandro Obregon (major inglês)

Argumento e roteiro Franco Solinas e Giorgio Arlorio   

Fotografia Marcello Gatti

Música Ennio Morricone

Montagem Mario Morra

Cor, 132 min (versão original), lançado nos EUA e em DVD com 112 min. 

Produção Alberto Grimaldi, distribuição United Artists, MGM. DVD MGM.

Disponível em DVD.

R, ***

3 Comentários para “Queimada! / Burn!”

  1. Excelente resenha. Com relação a criatividade das aberturas você poderia ter citado também a dos westerns spaghetti de S. Leone. Antecederam a de Queimada! E deste épico pode ter sido inspirada também naquelas.

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