Retribution

Nota: ★★½☆

Quase toda a ação de Retributionsérie policial escocesa de 2016 disponível na Neflix – se passa num local bastante isolado, no interior da Escócia. É um fundo de vale, onde só entra quem quiser de fato visitar os moradores do local. E o lugar é ocupado por apenas duas famílias.

Duas famílias, vizinhas uma da outra, e praticamente isoladas deste insensato mundo.

Poderia ser algo paradisíaco: a paisagem é lindérrima, há os confortos básicos da moderna civilização, água, luz, telefone, internet, e os moradores estão de fato muito longe deste mundo louco, insano.

E parecia mesmo algo paradisíaco para os dois jovens, o garoto Adam, da família Elliot (Jeremy Neumark Jones), e a garota Grace, da família Douglas (Kate Bracken, os dois na foto abaixo). Cresceram juntos, brincaram juntos, namoraram, casaram.

Poderia ser paradisíaco – mas se torna infernal, o horror dos horrores. As duas famílias que viveram juntas ali no vale isolado do mundo cometeram, e continuam cometendo – como o espectador verá – os atos mais insensatos, loucos, insanos que pode haver, seja nas super hiper populosas Mumbai e Xangai ou num pouquíssimo habitado vale lindérrimo da Escócia.

Bem no início da minissérie, o casal de jovens é brutalmente assassinado

Vemos de cara, nos instantes iniciais do primeiro das quatro episódios da minissérie Retribution, Adam e Grace crescendo juntos, numa coletânea de filmes domésticos feitos pelas duas famílias e editados, montados, pelo irmão mais velho de Adam, Rob (Joe Dempsie).

A voz de Adam vai narrando: – “Você falou comigo! Não que você tivesse muita escolha. É o que dá sermos vizinhos em um fim de mundo. Fazíamos tudo juntos. Até fomos para a faculdade juntos.”

Vemos que o filme, a colagem de momentos de Adam e Grace juntos, está sendo exibida numa tela, na festa de casamento dos dois. Quando Grace se levanta para atender ao pedido do noivo para dançarem, vemos que ela está grávida, e de muitos meses, uns oito.

Dançam ao som de “Crazy love”, aquela canção que foi gravada, entre outros, por Ray Charles, Van Morrison e Aaron Neville, e fala “She gives me love, love, love, crazy love”.

Rápidas tomadas mostram os pais de Grace, a mãe de Adam junto com o irmão mais velho Rob.

É um começo de série brilhante, na nota mais alta que pode haver.

Corta, vemos que está passando num aparelho de TV doméstico aquele filme do casamento. É a sala do apartamento em que Adam e Grace viveram um tempo em Edinburgh.

Os dois estão mortos. Acabaram de ser assassinados a facadas – e vemos o assassino, um rapaz bem novo, que parece absolutamente apavorado com o que acaba de fazer.

E então surgem os créditos iniciais.

A rigor, ali nas duas famílias, só parece haver uma pessoa equilibrada

A notícia sobre o assassinato dos dois jovens recém-casados demora um pouquinho para chegar até o vale distante em que vivem suas famílias.

Ficamos conhecendo um pouco delas.

Os Douglas, da garota Grace, são uma família pequena. Bill e Moira Douglas (John Lynch e Julie Graham) ainda vivem juntos, e, além de Grace, só tiveram mais um filho, Jamie (Christian Ortega), um garoto introvertido, solitário, esquisito, aí de uns 14, 15 anos.

Os Elliot, de Adam, são um pouquinho mais numerosos. O pai, Peter (Adrian Edmondson), está separado há tempos da mulher, Louise (Juliet Stevenson). Mora longe, faz pouco contato com os filhos, é um pai ausente. Rob, o filho mais velho do casal, já citado acima, vive em Edinburgh, com a namorada Anna (Georgina Campbell). Anna havia sido estuprada, e o estuprador havia sido identificado, mas não preso – e Rob costumava persegui-lo pelas ruas da cidade, talvez planejando o momento certo de se vingar. (Os Elliot estão na foto acima.)

Claire, a irmã do meio (Joanna Vanderham), trabalha como enfermeira, cuidadora, em um casa de idosos na cidadezinha mais próxima do vale, creio que Braeston, embora o nome dela não tenha qualquer importância. O espectador verá, ao longo dos quatro episódios da minissérie, cada um com cerca de 60 minutos, que Claire é uma moça equilibrada, ponderada, uma boa pessoa. A rigor, Claire vai se demonstrar um oásis de sanidade ali entre os sobreviventes daquelas duas famílias, após o assassinato brutal de Adam e Grace.

O rapaz que matou o casal viaja até o vale onde moram suas famílias

O policial local, da cidadezinha mais próxima, Charlie (Gilly Gilchrist), é quem leva a notícia às famílias.

Quem será incumbido de investigar o crime serão a jovem detetive Juliet (Laura Fraser, bonita, simpática, competente como todos os demais atores) e o policial mais velho, mais experiente, mas talvez mais cansado, menos empenhado Andrew (Steve Evets, os dois na foto abaixo).

Competente, talentosa, abnegada, Juliet, no entanto, comete um crime, que a série mostra claramente para o espectador. Ela vende para um jovem traficante um bom punhado de cápsulas de LSD – sim, o antigo, o veterano ácido lisérgico.

Faz isso por absoluto desespero. Sua filha única (o pai sequer é citado) tem uma doença grave, e precisa ser submetida a uma cirurgia que apenas um grupo de médicos nos Estados Unidos e outro na Índia realizam. Para ter o dinheiro para levar a filha à Índia, Juliet pega um naco de droga – seguramente que havia sido apanhado, confiscado pela polícia – e a vende para um jovem traficante.

Esse crime cometido pela polivcial Juliet para salvar a vida da filha é uma subtrama importante da minissérie Retribution; vamos acompanhar os desenvolvimentos e as consequências dele até o final do quarto e último episódio.

A polícia escocesa não vai demorar nada a identificar o assassino de Adam e Grace. É tudo tão fácil que sequer os realizadores se preocupam em mostrar os passos da investigação para chegar até o nome do assassino. O espectador pode perfeitamente inferir que, desajeitado, inexperiente, o assassino – um jovem desajustado, drogado, ladrãozinho pé-de-chinelo que jamais havia matado alguém antes – deixou um monte de impressões digitais na cena do crime. Como era fichado como drogado e ladrão, é só somar 1 + 1.

Vemos o rapaz assassino, Lee (Owen Whitelaw) dizer para um conhecido que vai viajar até o lugar tal – a região em que vivem os Elliot e os Douglas – “para terminar um serviço”.

E então ele viaja num carro roubado até o vale das duas famílias. Já estava dentro do vale, bem próximo às fazendas dos Elliot e dos Douglas, quando perde a direção, o carro capota, ele fica gravemente ferido.

Àquela altura, o rádio e televisão já haviam informado longamente sobre os assassinatos do jovem casal – e já haviam divulgado o nome e o retrato do principal e único suspeito.

Os Elliot e os Douglas ouvem o barulho do carro capotando, vão até, encontram o sujeito que matou os garotos.

E não teria sentido avançar no relato. Dá perfeitamente para parar por aqui.

A tragédia está apenas começando.

A minissérie foi exibida na Grã-Bretanha com o título de One of Us

O primeiro episódio de Retribution indica que é uma produção da BBC da Escócia. Antes dos créditos iniciais que aparecem em cada um dos quatro episódios, um letreiro diz “A Netflix original”.

A Netflix é uma maravilha, coloca à nossa disposição filmes e séries dos mais diversos países do mundo – mas ela mente. Falseia. Falta com a verdade.

Da mesma forma que a excelente minissérie francesa La Forêt não é uma produção original Netflix de jeito nenhum, e a cada episódio anuncia que é, este Retribution não foi produzido pela empresa americana de streaming. Foi produzida pela BBC escocesa – e então deve ter tido seus direitos de exibição mundo afora comprados pela Netflix.

A BBC exibiu a minissérie na Grã-Bretanha com o título de One of Us – título, aliás, que faz todo sentido. Ao longo da maior parte da série, sabe-se que alguém ali das duas famílias – “um de nós” – cometeu um homicício. Só não se sabe quem.

Quando a Netflix pegou a minissérie para distribuir mundialmente, botou esse título de Retribution. Confesso que não entendo o que o título quer dizer.

É uma boa minissérie policial. Muitíssimo bem realizada, em todos os quesitos artísticos e técnicos. Boa trama, bom roteiro, boas interpretações de todos os atores.

É boa.

Então qual é o problema? Por que não me entusiasmei com este One of Us que virou Retribution, e eu não tenho a menor idéia de quem está retribuindo a quem o quê?

O problema não é da série, é meu. Andei vendo séries policiais demais. Cansei. Preciso dar um tempo…

Anotação em julho de 2018             

Retribution  ou One of US

De William McGregor, diretor, Escócia, 2016.

Com (na família de Adam) Juliet Stevenson (Louise Elliot, a mãe), Jeremy Neumark Jones (Adam Elliot, o namorado de Kate), Harry Wood (Adam Elliot aos 12) anos). Joe Dempsie (Rob Elliot, o irmão mais velho), Joanna Vanderham (Claire Elliot, a irmã), Adrian Edmondson (Peter Elliot, o pai), Georgina Campbell (Anna, a namorada de Rob), John Lynch (Bill Douglas, o pai),

(na família de Grace) Julie Graham (Moira Douglas, a mãe), Kate Bracken (Grace Douglas, a namorada de Adam), Kanesly Tait (Grace Douglas aos 12 anos), Christian Ortega (Jamie Douglas),

(no entorno) Laura Fraser (Juliet, a detetive), Steve Evets (Andrew, o policial), Gilly Gilchrist (Charlie Fuller, o policial local), Chris Fulton (Jay), Kate Dickie (Sal), Isis Hainsworth (Maddy), Anne Kidd (Meredith), Gary Lewis Alastair), Owen Whitelaw (Lee Walsh, o assassino), Kae Alexander (Yuki)

Argumento e roteiro Harry e Jack Williams

Fotografia Adam Etherington

Música Dominik Scherrer

Montagem Emma Oxley e Robin Hill

Casting Kahleen Crawford e Danny Jackson

Produção BBC Scotland. Distribuição Netflix.

Cor, 240 min (4h)

**1/2

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