História dentro de história é isso aí: Kiss Me, Kate, o filme de George Sidney de 1953, é a transposição para o cinema da peça musical Kiss Me, Kate, que havia estreado na Broadway de Nova York em 1948 e no West End de Londres em 1951, e conta a história de como foi encenado na Broadway uma versão musical da peça A Megera Domada, escrita por William Shakespeare entre 1590 e 1592.
A graça mais fantástica é que a dupla de atores-cantores que vai fazer os papéis de Petruchio e Katherine na adaptação musical de A Megera Domada havia sido casada na vida real. Estavam divorciados, na aparência se odiavam, no fundo nem tão fundo assim ainda se amavam loucamente – mas cada um tinha um novo caso rolando. E os dois, Lilli Vanessi e Fred Graham, acabarão, na noite de estréia do musical, no teatrão da Broadway lotado, brigando de verdade, trocando sopapos e tapas furiosos no palco, exatamente como o bardo imaginou que Petruchio e Katherine faziam na história original.
Lilli Vanessi que interpreta Katherine é interpretada por Kathryn Grayson, Pouca gente sabe hoje da existência dela, mas Katrhyn Grayson era uma senhora cantora, dotada de uma bela voz de soprano. Nascida em 1922, foi ouvida no rádio pelos caçadores de talento da Metro-Goldwyn-Mayer e fez seu primeiro filme em 1941, aos 19 aninhos de idade.
Fred Graham que fez Petruchio é o papel de Howard Keel, ator com pinta de galã e voz esplêndida, treinada, de barítono, tremendo sucesso em musicais tanto nos palcos da Broadway quanto nos filmes de Hollywood – ele foi o protagonista de Ardida Como Pimenta/Calamity Jane (1952) e Sete Noivas para Sete Irmãos (1953).
O filme tem as maravilhosas canções que Cole Porter fez para o musical
Já há elementos aí mais do que suficientes para fazer de Kiss Me, Kate, um gostoso filmusical na melhor tradição dos filmusicais da Metro, o estúdio que sem dúvida fez algumas das obras-primas do gênero.
Mas ainda tem mais. Tem até Bob Fosse, de quem falo mais adiante. Antes de mais nada, tem mais a cereja do bolo: todas as várias canções para a peça Kiss Me, Kate – uma obra do casal Samuel e Bella Spewack – haviam sido escritas por Cole Porter, um dos gênios da Grande Música Americana.
Cole Porter escreveu letra e música de umas 15 canções para o musical da Broadway. A quantidade de versos inteligentes, engraçados, espertos, levemente safados que há nelas é um absurdo, é um show de talento, é criatividade sobrando, saindo pelo ladrão.
Quando a Metro lançou o filme, algumas das canções da peça já haviam sido gravadas por cantores importantes, e eram grandes sucessos no rádio e na jovem televisão. Diversas dessas canções continuariam sendo regravadas nas décadas seguintes, como “Too darn hot”, “Why can’t you behave”, “Wunderbar”, “From this moment on”, “Always true to you in my fashion”.
Uma delas é uma obra-prima, das melhores de todas as canções da Grande Música Americana – “So in love”. É a primeira a ser cantada no filme, que é para deixar o espectador boquiaberto desde o começo.
“So in love” é uma daquelas músicas que dá para a gente fazer uma playlist só com ela. Ella Fitzgerald fez uma gravação fantástica, é claro – Ella gravou quase tudo de Cole Porter. Julie London gravou, com aquela voz suave, sensual. A erudita Kiri Te Kanawa gravou com a orquestra de Nelson Riddle. A maravilhosa canadense k. d. lang gravou. Caetano Veloso fez um belo cover em seu disco de músicas americanas de 2004, A Foreign Sound.
Ex-marido e ex-mulher que brigam demais – e, claro, ainda estão apaixonados
Para a filmagem do musical de Samuel e Bella Spewack, a roteirista Dorothy Kingsley transformou Cole Porter em personagem. O compositor aparece logo no início do filme, interpretado por Ron Randell. Chega ao belíssimo apartamento em Manhattan do amigo Fred Graham, que iria produzir e dirigir a peça Kiss Me, Kate – além de interpretar Petruchio. Haviam combinado de estarem juntos, os dois, para receber a visita da ex-mulher de Fred, Lilli Vanessi, que seria convidada naquela ocasião para fazer o papel de Katherina.
Cole Porter comenta com Fred que achou estranho ele ter marcado o encontro justamente ali no apartamento em que Lilli e ele tinham vivido juntos – não teria sido melhor marcar num lugar mais, digamos, neutro? E Fred diz mas que nada, somos adultos, somos civilizados.
Estamos no iniciozinho de 109 minutos de uma comédia musical em que tanto Fred quanto Lilli vão demonstrar ad nauseam que aquela afirmação dele é o maior papo furado: os dois ex vão discutir e brigar e discutir e brigar exatamente como Petruchio e Katharina, os personagens que irão interpretar.
Lilli Vanessi chega ao apartamento, faz festa com Cole Porter, mal dirige a palavra ao ex-marido.
Os dois amigos apresentam para ela as partituras das canções que Cole Porter escreveu para o espetáculo.
Lilli Vanessi pega a partitura de “So in love”, e começa a cantar a canção. O ex-marido a acompanha.
Afastados um do outro, bravos, magoados um com o outro, e evidentemente ainda apaixonados um pelo outro (ih, já usei essa frase antes), os dois astros da Broadway cantam juntos a belíssima canção de amor em que se jura amor eterno.
Alguém disse que ex-marido, ex-mulher é para sempre. Não me lembro do autor, mas é uma pérola. Uma das maiores verdades que há.
Ódio de ex-mulher pela namorada nova… Sai de baixo!
Ao final do dueto, Fred e Lilli estão quase se beijando.
Mas é preciso complicar a história – e então toca a campainha e entra em cena uma jovem mulher que vai logo tirando o casaco e se mostrando em traje de cantora de vaudeville, de night club safado, as maravilhosérrimas coxas à mostra.
É Ann Miller, a única atriz-bailarina dos musicais de Hollywood que tinha as pernas tão belas quanto as de Cyd Charisse.
Interpreta aqui Lois Lane, uma jovem cantora e dançarina que Fred Graham havia descoberto em alguma boate de Nova York. Encantado com a moça, material bruto, pouco lapidado, mas gostosa demais da conta, Fred havia oferecido a ela o terceiro papel mais importante na versão musical de A Megera Domada – o de Bianca, a belíssima irmã mais jovem de Katherine.
É claro que não era para as duas, a ex-mulher, atriz e cantora tarimbada, famosa, e a atual namoradinha, gostosa mas exibida demais, quase vulgar, se encontrarem assim tão cedo, naquela ocasião. O combinado era Lois Lane chegar ao apartamento de Fred bem mais tarde, depois que que Lilli tivesse ido embora.
Mas a garotinha não era de cumprir horário. E então tira o casaco, e dança uma das músicas que Cole Porter havia composto, “Too darn hot” – uma canção especialmente sugestiva, safada, cheia de duplo sentido, como muitas que o compositor fez.
Tudo ali, coxas maravilhosérrimas à mostra, diante do nariz de Lilli.
Ex-mulher é para sempre. E ódio de ex-mulher pela namorada nova… Sai de baixo!
Para complicar mais as coisas (e fazer o espectador rir muito), surgem dois bandidos
Mas Kiss Me, Kate está só começando, “Too darn hot” é apenas a segunda música de de um toal de 15 que serão cantadas no filme.
As coisas vão piorar bastante.
Lois Lane tem um namorado – e já faz muito tempo -, com quem trabalhava em cabarés, night-clubs bem menos refinados que o mundo do grande teatro da Broadway. Chama-se Bill Calhoun (Tommy Rall, bom dançarino), e Lois conseguiu para ele, na montagem de Kiss Me, Kate, o papel de Lucentio, um dos três homens que cortejam a bela Bianca. Fred Graham é tão bobo – ou está tão envolvido com a moça gostosa, ou as duas coisas – que não percebe que o tal Bill não é apenas amigo de Lois.
Lois – o espectador verá isso rapidamente – ainda por cima sustenta o namorado malandrão, que, como bom malandrão, gosta de jogar, e sempre perde. No dia mesmo em que Kiss Me, Kate iria estrear, Bill perdeu US$ 2 mil – uma fortuninha ainda hoje, uma fortuna imensa em 1953 – na jogatina ilegal de um gângster da cidade. Pagou a dívida com uma promissória que ele assinou com o nome de… Fred Graham, é claro.
É o pretexto inventado pelo inventivo casal Sam e Bella Spewack para que cheguem ao camarim de Fred, na noite de estréia, dois bandidos do grupo do tal gângster, para cobrar dele os US$ 2 mil.
Essa dupla de bandidos vai se demonstrar uma das coisas mais engraçadas, mais divertidas, mais gostosas de toda essa história cheia de graça.
A apresentação que eles fazem da canção “Brush Up Your Shakespeare” (dê uma escovadinha no seu Shakespeare, rememore, atualize, lustre seu Shakespeare) é absolutamente deliciosa. Os atores chamam-se Keenan Wynn e James Whitmore – na história, Lippy e Slug, o primeiro, o gângster bonzinho, o segundo, o gângster bravo. Teoricamente bravo, apenas, porque os dois são é hilários, como devem ser os gângsteres de uma comédia musical.
Tem também o ricaço texano Tex Callaway (Willard Parker), que a estrela Lilli Vanessi está namorando, noivando, quase casando.
Depois que, durante o primeiro ato, Lilli, no papel de Katherine, a megera, dá um monte de porrada em Fred, no papel de Petruchio, e Fred retribui com uma série de palmadas na bunda de Lilli – palmadas de ex-marido bravo, não de colega de teatro –, ela liga para Tex, e pede que ele apareça na rua do teatro com uma ambulância. Pretende fugir com o ricaço texano, deixar para sempre essa vida de estrela da Broadway bem no meio da noite de estréia.
Andando nas coxias do teatro, Tex Callaway é identificado por Lois Lane. A moça, mais rodada do que poderia parecer à primeira vista, já havia feito programas em Houston – e, como ela diz para ele, jamais se esquece da fisionomia de um homem rico.
Não pretendia me estender tanto relatando as histórias de Kiss Me, Kate. Mas acabei me entusiasmando, porque as histórias de fato são muito engraçadas, e tudo é muito misturado, a trama é bem engendrada.
Hermes Pan deixou que o jovem Bob Fosse criasse a coreografia de um dos números
Necessário é falar, ainda que só um pouco, de Bob Fosse.
Bob Fosse dirigiu apenas cinco filmes na vida. Cinco pérolas: Charity, Meu Amor (1969), uma adaptação para musical da Broadway de As Noites de Cabíria, de Federico Fellini; Cabaret (1972), aquela obra-prima; Lenny (1974), pesada reconstituição do final da vida trágica do comediante Lenny Bruce; All That Jazz (1974), aquela outra absurda obra-prima, e Star 80 (1983), outra pesada biografia de pessoa do show-business, a coelhinha da Playboy Dorothy Stratten.
Mais que de cinema, era um homem de teatro, dos musicais da Broadway. Foi um dos grandes coreógrafos do teatro americano. (Tive a sorte, a honra imensa de ver um dos shows deles na Broadway, o Dancin’, coisa de louco.)
Bob Fosse teve em Kiss Me, Kate, o filme, o papel de Hortênsio, um dos três pretendentes à mão da bela Bianca.
Nem dá muito para reparar em quem é o Hortênsio, porque em praticamente todas as vezes em que ele aparece está ao lado dos outros dois pretendentes, Lucencio, o papel do tal Bill Calhoun (Tommy Rall), e Gremio (Bobby Van).
Os números musicais em que os três aparecem são esplendoros – em especial o último, ao som de “From This Moment On”. A canção é cantada por Ann Miller, Bob Fosse, Tommy Rall e Bobby Van – e a coreografia é arrasadora.
Foi todinha feita pelo próprio Bob Fosse. O coreógrafo Hermes Pan, que assina os outros números todos, deixou o jovem promissor criar ele mesmo a coreografia de “From This Moment On”.
Dá vontade de voltar o DVD e ver de novo, e depois de novo. Estamos ali diante do momento em que nasce um gênio.
Bob Fosse é de 1927 – estava, portanto, com 26 anos em 1953, quando o filme foi lançado. Morreria em 1987. A rigor, cedo demais, apenas 60 anos. Para o tanto que fumou, bebeu e etc e etc, e a quantidade de beleza que criou, foi até bastante.
A peça, o maior sucesso de Cole Porter, teve 1.077 apresentações na Broadway
Por trás daquela diversão que a gente vê na tela, daquele talento de tanta gente envolvida na produção, há uma nota bem triste.
O filme mostra, naquelas sequenciais iniciais no apartamento de Fred Graham, um Cole Porter jovem, saudável, alegre, bem disposto. (Ele só aparece naquelas sequências – não volta a surgir na tela depois.)
Na vida real, o Cole Porter que compôs aquelas belas canções para o musical da Broadway Kiss Me, Kate, já não estava nada bem de saúde. Movimentava-se numa cadeira de rodas, desde um acidente em que um cavalo caiu sobre suas pernas, e necessitava de cuidados médicos constantes.
É absolutamente incompreensível como um homem doente pôde criar aquelas canções tão maravilhosas – e tão bem humoradas.
Kiss Me, Kate foi a primeira vez que Cole Porter compôs o que é chamado de “integrated musical” – uma peça em que as canções se encaixam perfeitamente com a ação, fazem parte da própria ação, são integradas a ela. É algo completamente diferente dos musicais que são, como sintetizam os americanos, “história, pára para uma canção, recomeça a história”.
Tem-se como verdade indiscutível que o primeiro musical integrado escrito e estreado na Broadway foi Oklahoma, de 1943, música de Richard Rodgers, letras e libreto de Oscar Hammerstein II, baseado na peça Green Grow the Lilacs, de Lynn Riggs.
Cole Porter levou, portanto, cinco anos para responder com uma obra sua àquela da dupla Rodgers-Hammerstein. George & Ira Gershwin, Irving Berlim, Cole Porter e Rodgers-Hammerstein são tidos como os quatro maiores criadores, os gênios da Grande Música Americana – em geral nessa ordem mesmo. Não costuma haver muita polêmica quanto a isso, é assim uma espécie de axioma.
Com o tempo, demonstrou-se que Kiss Me, Kate foi a peça musicada por Cole Porter de maior sucesso. A primeira montagem teve, como era o costume, uma pequena temporada fora de Nova de York, para os ajustes finais, de três semanas e meia, no Shubert Theatre na Filadélfia, antes de estrear na Broadway, a 30 de dezembro de 1948, onde ficou durante 1.077 apresentações. Não reconheço nenhum dos nomes a seguir: John C. Wilson, diretor, Hanya Holm, coreografia, e, no elenco, Alfred Drake, Patricia Morison, Lisa Kirk, Harold Lang, Charles Wood Harry Clark.
Em 1949, o espetáculo ganhou o Tony, o Oscar do teatro – o primeiro Tony dedicado especificamente ao melhor musical.
A história dessa coisa de metalinguagem se inspirou num caso real
Mais informações sobre a peça, o filme e sua produção, a maioria tirada da página de Trivia do IMDb:
* Por mais que possa parecer um produto de mentes especialmente inventivas, criativas, a história básica do musical inspira-se num caso real. O casal de atores Alfred Lunt e Lynn Fontanne encenou em 1935 A Megera Domada – e, na época em que se apresentavam no palco como Petruchio, o sujeito durão que, com mão de ferro, dobra, tange, doma a fera que era aquela Katherine filha de um rico senhor, os atores viviam brigas homéricas fora do teatro.
Um sujeito chamado Arnold Saint-Subber – que depois viraria um produtor da Broadway – testemunhou aquele caso de metalinguagem, um casal que brigava na vida real e no palco representava um casal que brigava. E teve a idéia de pedir ao casal Spewacks que escrevesse uma peça contando a história. Foi Bella Spewack que chamou Cole Porter para escrever as canções.
* O filme foi rodado e apresentado, no lançamento, em 3D – naquele início de anos 50 a terceira dimensão estava na onda, era uma das armas do cinema para combater sua então grande rival, a emergente televisão.
Isso explica – diz o IMDb, e vai na frase uma boa dose de ironia – por que os atores volta e meia jogam coisas na audiência: era para tornar mais visível, sensível, a coisa da terceira dimensão.
De fato, como os atores jogam coisas na direção da câmara! Ao cantar “I hate men”, a megera Katherine, interpretada no palco por Lilli Vanessi, por sua vez interpretada na tela por Kathryn Grayson, não pára de derrubar coisas no chão, na direção de onde está a câmara/o público. A cada vez que ela enfatiza o refrão, em caixa alta, EU ODEIO OS HOMENS, ela joga alguma coisa que está na mesa no chão – até que afinal derruba a própria mesa.
Mas é o que eu sempre penso: os modismos passam, os filmes ficam. O 3D veio, ficou, foi embora, voltou – assim como os discos quadrafônicos, a tela Cinerama 3 projetores. Os modismos passam, os filmes ficam.
* Howard Keel gostava de dizer que ele não foi a primeira escolha para o filme, que o estúdio queria Laurence Olivier ou Danny Kaye.
* Apesar de ser bela, boa atriz e excelente cantora, Kathryn Grayson não foi a primeira escolha para o papel central. O plano A era ter Deanna Durbin no papel.
Dá para imaginar que Deanna Durbin seja tão desconhecida hoje quanto Kathryn Grayson e Howard Keel, mas, em 1935, no auge da Grande Depressão, aos 14 anos de idade, ela foi a atriz mais bem paga do mundo. Seus filmes salvaram da falência o estúdio que a tinha sob contrato, a Universal. Em 1948, aos 27 anos, no auge da carreira, abandonou tudo. Casou-se pela terceira vez (com Charles David, um diretor), e mudou-se para a França, para a pequena cidade de Neauphlé-le-Château. Em 1949, deu sua última entrevista – e nunca mais falou com jornalistas. Morreria lá mesmo, em Neauphlé-le-Chateau, em 2013, aos 91 anos.
Pois o produtor Jack Cummings visitou Deanna Durbin na cidadezinha francesa, tentou convencê-la a voltar – em vão. Como já haviam sido em vão tentativas de produtores para convencê-la a interpretar Lilli na montagem de Kiss Me, Kate bem mais perto de onde morava, no West End de Londres. Quem representou Lilli em Londres, nas 400 apresentações no Coliseum Theatre, de março de 1951 a fevereiro de 1952, foi Patricia Morison, que havia sido a Lilli original na Broadway.
* Apesar de todo o sucesso da peça, o filme foi um fracasso nas bilheterias. A MGM teve, segundo consta, um prejuízo der US$ 544 mil na época – equivalente a uns US$ 5 milhões em 2017, quando foi feita a anotação no IMDb.
Rever Kiss Me, Kate dá vontade de rever A Megera Domada – e vice-versa
Leonard Maltin deu 3.5 estrelas em 4: “Brilhante filmagem do musical de Cole Porter para a Broadway, adaptado de A Megera Domada de Shakespeare. Grayson e Keel são antigo casal cujas vidas fora e dentro do palco se misturam. Entre as canções estão ‘So in Love’ ‘Always True to You in My Fashion’, ‘Brush Up Your Shakespeare’ (apresentada deliciosamente por Wynn e Whitmore); o número ‘From This Moment On’, em que brilham Fosse and Carol Haney, é excepcional. Originalmente em 3-D.”
Pauline Kael, a prima donna da crítica americana e uma chata de galocha, escreve, na tradução de Sérgio Augusto para a edição brasileira de 1001 Noites no Cinema: “Os gorjeios de Grayson são meio discutíveis, e também sua atuação agitada e amadorística, e tem muita comédia maluca fora de hora, por parte de todo o elenco. Mas também tem uma maravilhosa trilha sonora de Cole Porter (…) E tem Howard Keel, com seu forte barítono e seu riso bonachão; um cavanhaque negro dá-lhe mais queixo e, com sua grande altura, ele está hilariante nas calças listradas de Petruchio. E tem a dança de Bob Fosse, Tommy Rall e Bobby Van – o número deles, coreografado por Fosse, é um dos pontos altos da história do filme musical; com sua rapidez e profissionalismo, vemos o estilo de Fosse em sua primeira realização fílmica.”
O texto de Dame Kael é mais longo do que o seu normal. Ela desce a lenha em Kathryn Grayson, “muito consciente de suas deficiências como atriz”, para, na comparação, elogiar Ann Miller. Segundo ela, a moça das pernas maravilhosas, “que obviamente adora representar, mostra-se viva e divertida; não executa apenas seu sapateado habitual, porque está trabalhando com três dançarinos atléticos, e com Carol Haney também.”
Sim, sim, o “riso bonachão” de Howard Keel como Petruchio.
Quando ouvi as risadas que Howard Keel dá como Petruchio, o cara que doma a megera, me lembrei imediatamente das risadas de Richard Burton como o mesmo Petruchio, na versão da peça de Shakespeare dirigida em 1967 por Franco Zeffirelli.
Richard Burton domava no filme operístico de Zefirelli uma Katherine interpretada por sua esposa, Elizabeth Taylor.
Devem ter brigado em casa mais do que todos os Petruchios e as Katherine juntos, os dois atores de personalidade forte demais, Burton e Liz.
Rever A Megera Domada com Burton e Liz dá vontade de rever Kiss Me, Kate. E vice-versa.
Anotação em maio de 2018
Dá-me um Beijo/Kiss Me, Kate
De George Sidney, EUA, 1953
Com Kathryn Grayson (Lilli Vanessi, Katherine), Howard Keel (Fred Graham, Petruchio), Ann Miller (Lois Lane, Bianca), Keenan Wynn (Lippy, o gângster bonzinho), James Whitmore (Slug, o gângster bravo), Bobby Van (o ator que faz Gremio), Tommy Rall (Bill Calhoun, Lucentio), Kurt Kasznar (o ator que faz Baptista, o pai de Katherine e Bianca), Bob Fosse (o ator que faz Hortensio), Ron Randell (Cole Porter), Willard Parker (Tex Callaway), Dave O’Brien (Ralph), Claud Allister (Paul), Ann Codee (Suzanne), Carol Haney (dançarina)
Roteiro Dorothy Kingsley
Baseado na peça musical de Samuel Spewack e Bella Spewack
Baseada na peça A Megera Domada, de William Shakespeare
Fotografia Charles Rosher
Canções Cole Porter
Montagem Ralph E. Winters
Produção MGM. DVD Warner Bros.
Cor, 109 min (1h49)
R, ***1/2
Título na França: Embrasse-moi, chérie. Em Portugal: Beija-me, Catarina.
Não é a adaptação mais fiel, mas com certeza é a mais divertida 🙂