Três Mulheres me deixou chocadíssimo. Perdi na época do lançamento, só vim ver agora.
Escrito, produzido e dirigido por Robert Altman, lançado em 1977, é um dos filmes mais cult do grande realizador, reverenciado, adorado por Deus e o mundo.
O excelente Roger Ebert escreveu o seguinte, abrindo seu novo texto sobre o filme após novas revisões, em 2004:
“E então eu mergulhei mais uma vez nas misteriosas profundezas de 3 Women, um filme que foi imaginado em um sonho. (…) Já vi muitas vezes a obra-prima de Robert Altman, já fiz por duas vezes uma análise de quadro-por-qudro, e ainda assim sempre parece estar acontecendo algo enquanto eu o vejo. Sonhos recorrentes são assim: nós já os tivemos antes, mas não terminamos com eles, e voltamos sempre porque contêm enigmas não resolvidos.”
Sou fã de Roger Ebert. E sou fã de Altman. De carteirinha. Neste site aqui há loas e loas a diversos filmes do realizador, nas mais diferentes fases de sua carreira extraordinária:
O Perigoso Adeus / The Long Goodbye (1973),
Cerimônia de Casamento/A Wedding (1978),
Um Casal Perfeito/A Perfect Couple (1979),
O Exército Inútil/Streamers (1983),
Honra Secreta/Secret Honor (1984),
Short Cuts – Cenas da Vida/Short Cuts (1993),
Kansas City (1996),
A Armação/Gingerbred Man (1998),
A Fortuna de Cooke/Cookie’s Fortune (1999),
Assassinato em Gosford Park/Gosford Park (2001),
A Última Noite/A Prarie Home Companion (2006).
Mas estou velho demais para ter papas na língua, e então lá vai: achei Três Mulheres um dos filmes mais pavorosamente chatos que já vi nos últimos 50 e tantos anos.
Ah, e já vem spoiler logo a seguir. Quem não viu o filme – gente feliz! – não deveria ler a partir daqui.
Um roteiro escrito por uma cabeça muito, mas muito doidona
O filme é absolutamente ininteligível. Nos últimos 40 minutos da narrativa, Peggy, a personagem de Sissy Spacek, depois de uma queda na piscina do condomínio onde mora (que a deixa em coma por um período), vampiriza a alma de Millie, a personagem de Shelley Duvall, assume a personalidade dela. Sabe-se lá por quê, como. E depois, sabe-se também lá por que e como, Peggy e Millie assumem novas personalidades e passam a ser filhas de Willie, a personagem de Janice Rule.
Pode ser também, segundo algumas interpretações – como a de Roger Ebert –, que as três mulheres sejam uma pessoa só. Talvez uma pessoa só que tenha sonhado tudo aquilo. Três mulheres à procura de uma personalidade. Não, não – três personalidades à procura de uma mulher. Ah, sei lá.
Mas a questão não é que tudo isso é ininteligível ou sem sentido. Isso é o de menos.
A questão é que o filme é extremamente chato, porque, nos 80 minutos antes da queda de Peggy na piscina – voluntária? acidental? –, acompanhamos o dia-a-dia dela e de Millie – e as duas são personagens chatas, desinteressantes, até um tanto abjetas.
Então é tudo absolutamente e absurdamente chato, aborrecido, desagradável.
Por que raios alguém teria interesse em passar duas horas acompanhando o dia-a-dia da vida daquelas pessoas, meu Deus do céu e também da terra?
É meio como participar de uma reunião de AA e ficar ouvindo aquelas histórias dos bêbados – sendo que você nunca bebeu uma gota de álcool de vida!
A sensação que tive foi de que Altman viu Persona (1966) depois de fumar três charutões à la Bob Marley e resolveu fazer seu Persona particular. Para se inspirar um pouco mais, viu também, depois de fumar quatro charutões à la Bob Marley, Ano Passado em Marienbad (1961), e aí, antes que passasse o efeito do fumo, escreveu o roteiro.
Claro: as atuações são absolutamente extraordinárias – em especial das duas principais atrizes, Sissy Spacek e Shelley Duvall. Eu seria absolutamente louco se não reconhecesse isso. As duas estão brilhantes, extraordinárias.
Mas então, já que falei desse quesito, avanço também sobre outro. A trilha sonora, de autoria de Gerald Busby… Não sei quem é esse cara, o que mais ele já fez, mas a trilha que ele compôs para este filme é exasperantemente chata. Todas as melodias são feitas para dar um tom de que vem aí surpresa, vem aí pavor, vem aí terror. É cansativo, chato, exasperante – exatamente como todo o filme, em seu conjunto.
Bem, mas esta é apenas a minha opinião, e, como eu sempre digo, minha opinião não vale mais que uma moeda furada de 2 guaranis paraguaios. Então vão aqui outras opiniões.
“Uma filme completamente não convencional”
Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4: “Filme brilhante, cheio de clima, que obriga o espectador a pensar, sobre uma estranha jovem (Spacek) que consegue um emprego em uma clínica para convalescentes idosos e se liga à colega Duvall, que se imagina uma borboleta social. A relação entre as duas e o envolvimento com uma mulher quieta, amarga (Rule) forma a ‘trama’. Filme hipnótico para fãs de Altman, difícil para os outros; um filme completamente não convencional.”
O próprio Jean Tulard escreveu o verbete sobre o filme em seu fabuloso Guide des Films. Deu 1 estrela. Transcrevo os dois parágrafos – o primeiro sempre é uma sinopse, o segundo, a avaliação crítica:
“Pinky Rose (o papel de Sissy Spacek) se liga a um estabelecimento de geriatria na Califórnia e é iniciada a seu novo trabalho por Millie Lammoreaux (o de Shelley Duvall). As duas mulheres simpatizam uma com a outra e dividem um apartamento. Mas quando Pinky descobre que elas têm o mesmo amante, Edgar Hart, ela tenta se suicidar. Em seguida ela toma mais e mais a personalidade de Millie. A mulher de Hart, Willie, põe no mundo uma criança natimorta e Hart se mata acidentalmente com um revólver. Millie, Pinky e Willie vão viver juntas.”
Ahn… Mestre Tulard comete aqui alguns pequenos equívocos.
Pinky descobre que Millie é amante de Hart e fica chocada porque é uma traição a Willie, a mulher do sujeito. Até aí, ela, Pinky, não tinha tido absolutamente nada com Hart. Millie se revolta quando Pinky diz que ela não deveria ser amante de Hart, em respeito à mulher dele, e diz que, se não estiver contente, a outra pode muito bem sair do apartamento, se mudar. Aí então Pinky se joga na piscina – ou cai. Creio que a intenção de Altman foi deixar um pouquinho em aberto essa questão. Ele indica que deve ter sido tentativa de suicídio mesmo, mas, quem sabe? Pinky é mesmo desastrada, sem jeito, quando criança caía muito…
Só mais tarde, depois que sai do coma e volta para casa e assume a personalidade de Millie é que Pinky passa a conviver com Hart.
E há também um outro equívoco do mestre quando afirma que “Hart se mata acidentalmente com um revólver”. Isso também é deixado bem em aberto. Há referências à morte de Hart como tendo sido acidental – mas pode perfeitamente ter sido uma armação do trio de mulheres. Ou de uma só, se é que o trio na verdade é invenção, é imaginação de uma única mulher.
Bem, feitas essas correções sobre fatos mostrados no filme, vem agora o parágrafo do Guide des Films com a avaliação crítica de Jean Tulard:
“Pensamos nos filmes anteriores sobre mulheres feitos por Antonioni, Bergman ou Cukor. Aqui, Jean-Loup Bourget faz a pergunta: ‘Três mulheres, três Parcas, três Moiras? Seria em vão tentar procurar os equivalentes termo a termo porque as três mulheres têm a tendência de trocar sua identidade. E Altman? Como não observar que ele é em definitivo o único homem da história, puxando invisivelmente os cordões, Zeus indulgente?”
Hum… Mestre Tulard não quis dar ele mesmo sua opinião, e recorreu a Jean-Loup Bourget, um crítico francês especialista em cinema americano, autor do livro Le Mélodrame Hollywoodien e de um especificamente sobre Douglas Sirk. Me parece que mestre Tulard quis tirar o dele da reta – com todo respeito.
Dame Pauline Kael, a primeira-dama da crítica americana, a língua mais ferina do Leste (e também do Oeste), simplesmente não incluiu o filme que todos os demais críticos consideram uma das maiores obras-primas do cinema mundial em seu livro 5001 Nights at the Movies.
Duas personagens chatas e desagradáveis e desinteressantes. Como o filme
Roger Ebert deu 4 estrelas, a cotação máxima. Eis aqui trechos da crítica dele que consta do Cinemania de 1997:
“3 Women de Robert Altman é, de um lado, um retrato direto da vida numa comunidade no deserto da Califórnia esquecida por Deus, e, de outro, uma misteriosa exploração das personalidades humanas. Suas especificidades são tão reais que você quase pode tocar nelas, e sua conclusão é tão surreal que nós podemos criar a nossa própria.”
E mais adiante:
“Todo o primeiro trecho do filme – a primeira hora – é um engraçado, satírico e às vezes triste estudo da comunidade e suas pessoas. Quase todas elas haviam falhado em alguma outra coisa, em algum outro lugar. O macho dominante é Edgar (Robert Fortier), que já havia sido um dublê de cinema, agora é um bêbado, permanentemente com uma garrafa de cerveja na mão. Ele é casado com Willie (Janice Rule), que nunca fala, e está grávida, e pinta murais. Tudo isso é terrivelmente novo para Pinky: beber uma cerveja (o que ela faz como se estivesse descobrindo o princípio do vidro), ou mudar-se para o apartamento de Millie (que ela declara solenemente ser o lugar mais belo que ela já havia visto).”
Pois é, eu diria. Que criatura é essa Pinky? De onde foi que surgiu essa pessoa, interpretada por uma atriz que tinha na época do lançamento do filme 28 anos (Sissy Spacek é de 1949), que parece ter 16 anos de idade, e nunca viu um copo de cerveja na vida, nunca viu uma pintura numa parede, e acha o pequeno apartamento de Millie-Shelley Duval a coisa mais bela que já viu na vida?
Não, ela não deve ter vindo do interior profundo do Texas, como se diz que Pinky veio, porque mesmo no mais profundo interior do Texas copo de cerveja e pintura em parede não são novidade, e um apartamento decorado de um jeito suavemente brega não é, seguramente, a coisa mais bela do mundo.
Pinky deve ter vindo de Plutão, ou de bem mais longe.
Na verdade, Pinky é uma personagem que não se sustenta de pé. Não tem qualquer lógica, é absolutamente inverossímil.
E, sobretudo, é chata. Desagradável. Desinteressante.
Mais chata e desagradável e desinteressante que ela, só Millie.
As duas são chatas e desagradáveis e desinteressantes exatamente como este filme de um grande realizador em momento de absoluta falta de contato com o planeta Terra.
E chega. Já perdi tempo demais com este filme.
Bem, se o eventual leitor quiser ver a íntegra da nova avaliação de Roger Ebert sobre o filme depois de mais uma de várias revisões, em 2004, está aqui.
Anotação em novembro de 2015
Três Mulheres/3 Women
De Robert Altman, EUA, 1977
Com Shelley Duvall (Millie Lammoreaux), Sissy Spacek (Pinky Rose), Janice Rule (Willie Hart)
e Robert Fortier (Edgar Hart), Ruth Nelson (Mrs. Rose), John Cromwell (Mr. Rose), Sierra Pecheur (Ms. Bunweill), Craig Richard Nelson (Dr. Maas), Maysie Hoy (Doris), Belita Moreno (Alcira), Leslie Ann Hudson (Polly), Patricia Ann Hudson (Peggy), Beverly Ross (Deidre), John Davey (Dr. Norton)
Argumento e roteiro Robert Altman
Fotografia Chaerles Rosher Jr.
Música Gerald Busby
Montagem Dennis Hill
Produção Lion’s Gate Films. DVD Versátil.
Cor, 124 min.
1/2
Eu não sou fã do Altman mas, apesar do seu aviso, tenho que ver, sou obrigada, afinal, ele tinha uns elencos da hora pros filmes dele…
Não faça isso, não, Senhorita. A vida é curta – curta.
Tem 20 filmes do Altman ótimos, pra que vai ver este que é porcaria?
Um abraço!
Sérgio
Ai, você fala assim eu fico mais curiosa ainda rsrsrsrsrs. Provavelmente eu assisti esses 20 por causa do elenco e não achei nenhum ótimo não kkkkkkk
Esse filme parece ser muito chato mesmo, e com uma história completamente sem nexo (pelo o que se lê no seu texto e nas sinopses). Como é que podem considerá-lo uma obra-prima? Eu gosto de Altman desde a adolescência, e gosto também de Sissy Spacek, mas não vai dar pra encarar, não (até li o spoiler). Esse é um daqueles casos de “não vi e não gostei”.
[como eram os anos 1970, ele deve ter fumado não só os 7 charutões, mas tomado uns ácidos fortes durante a concepção deste “filme brilhante”.]
e se eu disse que gostei bastante do filme? ahahaha abraços!
Que bom que você gostou do filme, Iara!
É aquela velha coisa: o que seria do amarelo se todos só gostassem do vermelho?
É uma maravilha que haja opiniões diferentes. E a minha, como digo sempre e não canso de repetir, não vale nem três guaranis furados.
Um abraço!
Sérgio
O filme retrata situações como: compulsão sexual, codependencia, carência emocional, projeção, isolamento e também algumas adicções. A pessoa quando nao tem conhecimento de si mesma, se coloca em cada situação bizarra… E depois continua agindo “bizarramente” movida pela culpa! O filme é sensacional e eu estou impactada até agora. Não é filme pra qualquer um.
A primeira metade do filme acaba sendo chata porque a personalidade das 3 mulheres é chata, cada uma à sua maneira. Mas tudo o que acontece depois torna o filme muito rico e profundo emocionalmente. E o uso visual da água durante todo o filme é fantástico – simbolicamente, a água é normalmente associada com às emoções, e fisicamente ela distorce o que vemos através dela, o que seria uma incrível metáfora (acredito que foi de caso pensado). Lynch com certeza bebeu muito dessa fonte pra fazer sua obra-prima Cidade dos Sonhos (também muito inspirado em Persona), seguindo a mesma lógica onírica, enigmática e com interpretações abertas. Todos esses estão entre os filmes mais instigantes que eu já vi, que te faz continuar vivendo aqueles dramas e criando teorias!…
Tipo, concordo com as anotações do artigo; as 2 atrizes principais dão um show e são de primeira, mas o filme é de quinta! Assisti no box especial (DVD) da Versátil.
Bom dia Sérgio,
Pode por favor fazer a crítica à obra The Player / O Jogador (1992) ?
Está faltando no seu site. Adquiri o Blu-ray de 2010 descatalogado da Warner Bros. Sátira deliciosa, Roger Ebert 4/4.
Gostaria de ler a sua opinião, visto que dá notas muito baixas a vários Great Movies de Altman segundo Roger Ebert.
Cumprimentos,
Afonso
Olá, Afonso!
Agradeço pelo comentário, por sua gentileza.
Você me fez perceber algumas coisas. A primeira: pô, não estou mal de Altman. Tenho no site anotações sobre 12 filmes do grande diretor! Não é nada mal!
A segunda: quatro filmes tiveram a cotação máxima de 4 estrelas: “A Fortuna de Cookie”, “Short Cuts”, “Assassinato em Gosford Park” e “A Última Noite”.
Quatro filmes tiveram a cotação de 3 estrelas.
Só dois filmes tiveram cotação baixa – este “Três Mulheres” e “O Perigoso Adeus”.
O que comprova que sou admirador do Altman como você…
Gostei demais de “O Jogador”, quando vi, anos e anos atrás. Gostaria muito de rever e escrever sobre ele. Vou tentar achar, Afonso.
De novo, muito obrigado! Um abraço.
Sérgio
Sinceramente, não achei que o filme é chato e sim que ele trás uma vibe completamente fora da nossa zona de conforto. Vale lembrar também que filmes com esse ar são característicos de suspense daquela época e também pelo que vi, não tem uma dublagem aqui no país. Tanto Pinky quanto Millie tem desenvolvimentos ótimos no decorrer do filme, só não acho que o título dela levar a Willie, já que ela pra mim é apenas uma personagem secundária. Não achei a análise / crítica boa, procure se aprofundar mais na trama e se possível não escreva como um jovem adolescente que critica tudo. Filme maravilhoso galerinha, o suspense é de dar água na boca.