Uma Promessa / A Promise

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3.0 out of 5.0 stars

A história original é de Stefan Zweig, o caudaloso e genial escritor judeu-austríaco nascido em Viena quando Viena era assim uma das capitais culturais do mundo. Ele nasceu em 1881, quando Sigmund Freud começava a dar aulas na Universidade de Viena; nos anos seguintes, gerações de escritores e artistas importantes passariam pela capital da Áustria.

A história se passa na Alemanha, a partir de 1912 – dois anos, portanto, antes do início da Primeira Guerra Mundial, que chegou a ser chamada de a guerra para acabar com todas as guerras, mas a rigor foi a causa básica da Segunda, que começaria em 1939.

Os atores que interpretam os papéis centrais não são alemães, e não falam em alemão. São das Ilhas Britânicas, todos os três – o veterano Alan Rickman, um londrino, a jovem e maravilhosa Rebecca Hall, igualmente londrina, e mais o garotão Richard Madden, escocês de uma cidadezinha chamada Elderslie.

Uma história criada por um austríaco, com personagens alemães, interpretados por atores ingleses falando inglês. E o diretor do filme, e um dos roteiristas, é o francesíssimo Patrice Leconte.

Só isso aí, só essa mistura de nacionalidades já é o maior barato.

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Franceses lutaram contra ingleses em uma guerra que durou cem anos. Depois foram aliados contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial – e as exigências, as cobranças duríssimas feitas aos derrotados ao final da guerra acabariam sendo uma das sementes do apoio do povo alemão ao nazismo de Adolf Hitler.

No nazismo, os alemães invadiram e governaram a França, enquanto bombardeavam a Inglaterra.

Hoje os três países estão em paz, e juntos – só a direita britânica impede que o país símbolo da estabilidade democrática e do respeito às leis se junte de fato e de vez à Europa unificada.

Não dá para deixar de pensar nessas coisas, quando a gente vê Uma Promessa/A Promisse, oficialmente uma co-produção França-Bélgica, mas na prática um filme que une velhos rivais, adversários, inimigos – franceses, ingleses, alemães.

Patrice Leconte rema contra a corrente e seu filme tem belos créditos iniciais

Stefan Zweig foi um escritor extremamente, mas extremamente prolífico. Vou voltar a falar dele mais abaixo, mas gostaria de registrar já que a novela que deu origem a este filme chama-se Widerstand der Wirklichkeit, e foi traduzida para o inglês como Journey into the Past, jornada para o passado, viagem para dentro do passado. Widerstand der Wirklichkeit, me informa Inês Lemos da Luz, de Munique, significa “resistência da realidade”.

Não dá para afirmar com certeza, mas as indicações são de que a novela teria sido escrita em 1929, mas só foi publicada em 1976, ou seja, 34 anos após a morte do autor – ele e a mulher se mataram em 1942, em sua casa em Petrópolis, Rio de Janeiro.

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Nesta época em que virou mandamento o espectador só ver os nomes de quem fez o filme depois que ele acaba, Patrice Leconte remou contra a maré. A Promise tem créditos iniciais comme il faut, direitinho. Vemos imagens um tanto borradas, estudadamente impressionistas, um tanto flu, de detalhes de uma siderurgia, enquanto vão desfilando os nomes dos atores e dos chefes de cada equipe. Está lá, por exemplo, o nome de  Gabriel Yared, um dos grandes compositores para o cinema desta época atual, junto com Alexandre Desplat, Dario Marianelli, Rachel Portman, Michael Nyman.

O primeiro nome do elenco a aparecer é o de Rebecca Hall, essa garota prodigiosa, tão jovem (é de 1982, sete anos mais nova que minha filha), que já brilhou em vários filmes importantes ou até nem tanto, mas tornados melhores por sua presença – só para citar alguns, O Palácio de Joe/Joe’s Palace (2007), Vicky Cristina Barcelona, Frost/Nixon (os dois de 2008), Atração Perigosa/The Town, Sentimento de Culpa/Please GivePronto para Recomeçar/Everything Must Go (os três de 2010), O Despertar/The Awakening (2011).

Rebecca Hall só aparece quando o filme está com nove minutos.

O jovem é estudioso, esforçado, talentoso – e por isso cai nas graças do patrão

Os primeiros nove minutos – que incluem os créditos iniciais – contam, muito rapidamente, a impressionante ascensão profissional do jovem Friedrich Zeitz na gigantesca empresa siderúrgica de Herr Karl Hoffmeister.

O jovem Friedrich Zeitz é interpretado por Richard Madden, que, como foi dito acima, é um escocês. É quatro anos mais novo que a jovenzinha Rebecca Hall, e já tem 17 títulos na filmografia, inclusive o papel de Robb Stark na série Game of Thrones. Herr Karl Hoffmeister é o papel do veterano Alan Rickman. Acho Rickman um excelente ator, mas ele muitas vezes exagera, over-act. Não exagera por ruindade – exagera quando dão para ele papéis em que é necessário exagerar. Aqui, ele começa exagerando – e vai suavizando sua forma de atuar ao longo da narrativa.

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Friedrich Zeitz é o absoluto exemplo de tudo o que o petismo detesta na vida: é trabalhador, sério, dedicado, honesto. É o sujeito que se dá bem na vida porque a Alemanha de 1912 levava a sério, a seriíssimo, a meritocracia, essa coisa que os petistas odeiam figadalmente.

Órfão, pobre, criado pelo Estado, ele soube desde sempre que só haveria uma forma de se dar bem na vida – a mesma que me foi ensinada por um professor de Filosofia lá no Colégio de Aplicação, na Rua Carangola: estudar, estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar.

Primeiro colocado na turma de engenharia siderúrgica, foi contratado pela grande empresa. A secretária do patrão, Frau Hermann (Maggie Steed), avisa a ele, numa das primeiras sequências do filme: não fale com Herr Hoffmeister, ele é ocupado demais. Só se dirija a ele se ele fizer alguma pergunta a você.

O patrãozão percebe de imediato o potencial do rapaz recém-formado. Dá a ele maiores e maiores oportunidades dentro da empresa. Muitissimo rapidamente, o fedelho recém saído da faculdade vira o braço direito do dono da grande siderurgia.

O filme retrata um fascinante triângulo amoroso

E então estamos com nove minutos, ainda nem chegamos aos dez minutos do filme que dura 98, e, numa das visitas então tornadas frequentes de Friedrich à mansão de Herr Hoffmeister, surge Fraulein Hoffmeister, na beleza nada comum, nada óbvia, na pele escandalosamente fascinante de Rebecca Hall.

Ela surge do alto da escada. Brinca com ele, diz algo como “finalmente nos conhecemos”.

Ele pergunta, educamente, se ela é a Fraulein Hoffmeister, ou seja, a esposa do patrão.

Ela responde, rindo, que claro que é – afinal, a mãe de Herr Hoffmeister é que ela não é!

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Então o filme não tinha chegado sequer a dez minutos quando diz exatamente a que veio. Karl Hoffmeister, riquíssimo industrial, dono de uma grande siderurgia, mais que o dobro da idade da jovem mulher, coração fraco, cardiopata, passa a confiar num jovem empregado, e dá para ele postos cada vez mais elevados na gerência da empresa. A jovem, muito, muito jovem esposa vai ficar bastante próxima do jovem, muito, muito jovem empregado queridinho do marido.

O novo filme de Patrice Leconte chegou aos dez minutos com este espectador aqui dizendo, como o gago da piada: Fo – fo – fo – fo – fo – fo – fodeu!

Ahn… Bem, fodeu em termos. Figurativamente, sim, é claro: não tem jeito, não tem saída – a jovem Lotte Hoffmeister e o jovem Friedrich Zeitz vão se aproximar, e se aproximar, e se aproximar, e…

Mas esta é uma história de Stefan Zweig. O homem tinha princípios morais absolutamente rígidos, e então seus personagens também têm.

Triângulo amoroso é uma das coisas mais comuns neste mundo de Deus e o diabo. Dá mais triângulo amoroso no mundo do que chuchu na cerca. Há todo tipo possível e imaginável de triângulo amoroso – e também muitos impossíveis e inimagináveis.

Não li a novela, não sei o quanto Patrice Leconte e Jérome Tonnerre foram fiéis ao texto de Zweig. Mas o triângulo amoroso que o filme A Promise mostra é um dos mais fascinantes de que tenho notícia.

Patrice Leconte faz filmes dos mais diversos gêneros

Fiquei um tanto impressionado ao verificar que meu 50 Anos de Filmes já tem seis filmes de Patrice Leconte. Este site não tem todos os filmes que vi – tem apenas os filmes sobre os quais, por um motivo ou outro, resolvi escrever, comentar. Aconteceu então que já tinha tido vontade – antes deste Uma Promessa – de comentar sobre seis filmes de Leconte!

Caindo no Ridículo / Ridicule (1996),

A Mulher e o Atirador de Facas/La Fille sur le Pont (1999),

A Viúva de Saint-Pierre/La Veuve de Saint-Pierre (2000),

Uma Passagem para a Vida/L’Homme du Train (2002),

Confidências Muito Íntimas/Confidences Trop Intimes (2004),

Meu Melhor Amigo/Mon Meilleur Ami (2006).

Penso nesses filmes e não consigo definir um estilo, um jeitão Patrice Leconte de fazer filmes. Me ocorre que ele parece assim uma espécie de John Huston, que gostava de se definir como uma realizador que não tinha estilo, que passeava por todos os gêneros, sem se fixar em nenhum deles.

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Leconte é da minha geração, um pouquinho mais velho do que eu, de 1947. Diz dele mestre Jean Tulard, em seu Dicionário de Cinema – Os Diretores: “Começou com um cinema descontraído, cômico, gentilmente cruel com Les Bronzés, filme-culto, sobretudo Les Bronzés font du Ski. Logo vieram os filmes policiais, Les Specialistes e M. Hire, baseados em Simenon, refilmagem de qualidade de    Panique de Duvivier. Alcançou novo sucesso com O Marido da Cabeleireira, de uma curiosa e perturbadora sensualidade, aquela que se encontra nos salões de beleza. Mas o melhor filme de Leconte continua sendon Tandem, admiravelmente interpretado por Rochefort e Jugnot.”

O Dicionário do mestre Tulard, evidentemente, está precisando de uma edição mais atualizada…

Patrice Leconte resolveu alterar o final da história para mostrar um pouco de esperança

Stefan Zweig era daquele tipo de intelectual muitíssimo bem formado e informado, sério, compenetrado. Estudou muito. Estudou na Áustria, na França e na Alemanha. Em 1913, estabeleceu-se em Salzburg, de onde saiu em 1934 fugindo do nazismo. Passou um período na Inglaterra e, em 1940, emigrou para o Brasil com a segunda mulher, Charlotte Elizabeth Altmann. Charlotte, o mesmo nome da principal personagem feminina de A Promessa.

Escrevia prolificamente, massivamente. Escreveu poemas, ensaios, romances, peças de teatro, livros de História, biografias, autobiografia; traduziu poemas de Baudelaire, Verlaine. Um de seus livros de ensaios, Três Mestres, estuda a fundo a obra de Balzac, Dickens e Dostoiévski.

Entre os vários filmes baseados em obras de Zweig estão o classicão Carta de uma Desconhecida (1948), O Segredo de um Homem (1988) e o recentíssimo O Grande Hotel Budapeste (2014), que o roteirista e diretor Wes Anderson credita como sendo “inspirado nos escritos de Stefan Zweig”.

Fascinado pelo Brasil, escreveu um ensaio a que deu o título de Brasil, o País do Futuro. Sim, é dele a expressão país do futuro, que a gente já nasce ouvindo.

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A carta que deixou antes de se matar juntamente com Lotte, na sua casa em Petrópolis, em 1942, aos 60 anos de mostra a força de seu caráter:

“Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente lúcida, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e a meu trabalho, tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais e em parte alguma poderia eu reconstruir minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. Depois de 60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações. Assim, em boa hora e conduta ereta, achei melhor concluir uma vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a Terra. Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes.”

Segundo o site AlloCiné, que traz absolutamente tudo sobre o cinema francês, o diretor Patrice Leconte decidiu mudar o final da história escrita por Zweig. Em todo o resto foi fiel ao autor – mas deu outro final. “A única adaptação foi o fim”, disse o realizador. “Zweig era um escritor e um homem muito pessimista – seu suicídio prova isso. Ele concluiu essa obra com um fim extremamente desencantado.”

Tendo a concordar com Patrice Leconte. É preciso ter alguma esperança na vida.

Anotação em março de 2015

Uma Promessa/A Promise

De Patrice Leconte, França-Bélgica, 2012

Com Rebecca Hall (Lotte Hoffmeister), Richard Madden (Friedrich Zeitz), Alan Rickman (Karl Hoffmeister), Toby Murray (Otto Hoffmeister), Maggie Steed (Frau Hermann), Shannon Tarbet (Anna, a namorada de Friedrich)

Roteiro Patrice Leconte e Jérôme Tonnerre

Baseado na novela Widerstand der Wirklichkeit, literalmente Resistência da Realidade, em inglês Journey into the Past, de Stefan Zweig

Fotografia Eduardo Serra

Música Gabriel Yared

Produção Fidélité Films, Wild Bunch, Scope Pictures, Orange Cinéma Séries, La Wallonie. DVD Paramount.

Cor, 98 min

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6 Comentários para “Uma Promessa / A Promise”

  1. Estava gostando demais de vir aqui ler o seu ponto de vista sobre os mais variados filmes, estava até mesmo ficando viciado, mais depois do dia de hoje tchau meu chapa.
    Depois deste seu comentário triste e lamentável, vai tomar no centro do olho do seu cu e procura ajuda psicológica, isso tem cura e pode ser perfeitamente tratado e curado, isso é ódio visceral e sem nenhuma razão objetiva.
    “Friedrich Zeitz é o absoluto exemplo de tudo o que o petismo detesta na vida: é trabalhador, sério, dedicado, honesto. É o sujeito que se dá bem na vida porque a Alemanha de 1912 levava a sério, a seriíssimo, a meritocracia, essa coisa que os petistas odeiam figadalmente.”

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