É bom deixar claro desde logo: só loucos varridos, ou então aficionados por filmes a ponto de ver qualquer coisa, ou então apreciadores de qualquer tipo de comedinha romântica deveriam ver este Minhas Adoráveis Ex-Namoradas, no original Ghosts of Girlfriends Past. Qualquer outro tipo de pessoa acharia o filme uma absoluta porcaria.
O filme é, de fato, uma absoluta porcaria. Mas eu me enquadro em todos aqueles três tipos de pessoa descritos acima, e então não apertei a tecla stop quando, aí por uns cinco, sete minutos de narrativa, já estava na cara que era mesmo uma porcaria.
E – quer saber? Lá pela metade do filme, já convencido de que não apertaria mesmo a tecla stop, já conformado com o fato de que sou louco varrido, que gosto de qualquer coisa, que gosto bem de uma comedinha romântica, mesmo que ruim, deixei de pensar demais, e me diverti.
É assim: Connor Mead, garanhão comedor implacável de tudo quanto é mulher que aparece pela frente, bonitaço, riquíssimo e famosíssimo fotógrafo mas machista filho da mãe porco-chauvinista insensível (o papel de Matthew McConaughey) sai de Nova York e viaja até a fan-tás-ti-ca propriedade da família em Massachusetts onde no dia seguinte vai se realizar a cerimônia de casamento de seu irmão mais novo, Paul (Breckin Meyer).
Como é um machista filho da mãe porco-chauvinista insensível, tenta, na véspera do casamento do irmão, convencê-lo a cascar fora, a abandonar a idéia hedionda de casar. Porque o casamento é uma droga, o unir-se a uma mulher prometendo fidelidade é uma das idéias mais cruéis que a humanidade já teve.
Paul, o irmão caçula, adora, venera Connor – mas não ouve os conselhos dele, porque está absolutamente apaixonado pela noiva, Sandra (Lacey Chabert, na foto abaixo).
E aqui vem uma das boas sacadas deste filme pavorosamente ruim – sim, ele é pavorosamente ruim, mas tem algumas boas sacadas. Sandra, a mulher por quem Paul é loucamente apaixonado, não chega a ser bonita, e é, a rigor, uma pentelha histérica, chata de galocha, desagradável.
Minha mãe adorava citar ditados populares, e um dos que ela citava muito era “quem ama o feio, bonito lhe parece”. O amor pode ser cego, caolho, vesgo, míope, mas love is all, love is all you need, love makes the world go round, para citar apenas, pela ordem, Cat Stevens, John Lennon e Bob Dylan, sem chegar a Vinicius, Drummond, Pessoa, Shakespeare. E, quando se ama, o que importa se a amada é, como Sandra, sequer bonita e uma pentelha histérica, chata de galocha, desagradável?
O protagonista é tão machista safado que canta até a mãe da noiva do irmão!
Voltando à sinopse/relato sobre a trama:
Quando Connor chega ao palácio em que vai se realizar o casamento de Paul e Sandra, Paul fica emocionado: não achava que o irmão famosérrimo, um dos grandes fotógrafos de Nova York-umbigo-do-mundo, se disporia a vir.
Duas das três damas de honra de Sandra já haviam dado para Connor. A terceira estava doidinha para dar.
Connor é tão cafajeste, tão filho da mãe, tão machista porco-chauvinista insensível, que chega mesmo a cantar a mãe da noiva, Vonda (interpretada por uma Anne Archer que fez plásticas demais com cirurgiões ruins demais).
Na abertura da narrativa, antes de Connor chegar ao palacete em que se está para realizar o casório, o filme mostra, com exageros exageradíssimos, como Connor é machista filho da mãe porco-chauvinista insensível. Ele manda a secretária botar em um chat três das últimas mulheres que havia comido, e, de uma vez só, falando com as três, rompe o namoro, e deixa as três chorando miseravelmente.
Pois bem: quem está organizando a cerimônia de casamento de Paul e Sandra é Jenny (o papel da gracinha um tanto desengonçada mas gracinha Jennifer Garner).
O espectador percebe logo que entre Connor e Jenny houve uma história.
As comedinhas românticas, ao contrário da vida real, são previsíveis
Por que será que perco tanto tempo falando sobre um filme porcaria? Deveria perguntar isso à minha analista, se tivesse uma.
Uma das coisas que aprecio nas comedinhas românticas é que elas são previsíveis. Você bate os olhos nos dez primeiros minutos do filme, e já está cansado de saber como ele vai terminar.
O eventual leitor eu não sei, é claro, mas eu, aqui, euzinho, acho que adoro comedinhas românticas porque elas não são como a vida. Na vida, e nos filmes verdadeiramente bons de suspense, a gente não sabe o que vai acontecer no momento seguinte. Como vai ser minha morte? Vou morrer de um jeito limpo – como diz a trágica canção de Eric Bogle –, ou vai ser uma coisa obscena?
A gente não tem como saber como será nossa morte, se limpa – um enfarto fatal – ou se obscena – um vegetal, ou quase, meses e meses e meses infernizando a família.
Mas, nas comedinhas românticas, a gente sabe tudo – desde sempre.
Nesta comedinha romântica aqui, a gente sabe, desde a primeira tomada, que o machista filho da mãe porco-chauvinista insensível do protagonista vai necessariamente deixar de ser machista filho da mãe porco-chauvinista insensível. Vai cair para ele a ficha de que love is all, love is all you need, love makes the world go round.
O que acaba ficando gostosinho neste filme porcaria é a forma em que se dá a mudança do personagem de porcaria absoluta para um ser amantissíssimo.
Aparecem fantasmas – conforme antecipa o título original.
O primeiro fantasma que aparece é do Tio Wayne (Michael Douglas), o camarada que transformou o jovem Connor em um sujeito machista filho da mãe porco-chauvinista insensível.
Dá-se no filme um duelo de titãs, para citar o nome de um filme com o pai de Michael, Kirk Douglas: quem é o ator mais canastrão desta comedinha boba – Matthew McConaughey ou Michael Douglas?
De fato, é um duelo de titãs. Matthew McConaughey exagera a interpretação do único personagem que ele sabe interpretar, o de Matthew McConaughey. Michael Douglas, incitado ao duelo de titãs, não se faz de rogado: exagera sua capacidade de ser a caricatura dele mesmo.
Comparada a esses dois absurdos, a estranha Jennifer Garner parece uma atriz do quilate de uma Judy Dench, uma Meryl Streep, uma Jane Fonda.
É possível que eu tenha sido impiedoso demais com o filme…
Talvez eu esteja sendo impiedoso demais.
No belo site AllMovie, Perry Seibert diz que, quando as piadas são boas – ou até só não horrorosas –, os atores se saem bem. “Claro que McConaughey foi escolhido para papéis como este há anos, mas isso é porque ele é bom nisso. O homem sabe como misturar sua atitude descontraída – sua marca registrada – com um tanto de vulnerabilidade que o torna atraente para homens e mulheres que gostam desse tipo de filme. Mas é Michael Douglas que rouba a cena porque ele tem as melhores falas – o personagem dá ao filme a pequena energia fresca que ele possui. Mas ‘frescor’ não é a questão. Afinal, as pessoas que querem ver este filme gostariam que ele fosse exatamente o que elas esperam. É o equivalente à fast food – ninguém precisa que seja bom, apenas adequado. E Ghosts of Girlfriends Past é inteiramente adequado.”
Leonard Maltin dá 2 estrelas em 4, diz que o filme é uma tépida releitura de Um Conto de Natal como comédia romântica, que a fotografia é ruim, que Michael Douglas rouba as cenas, e que o roteiro é previsível.
É. Talvez eu tenha sido impiedoso demais.
Anotação em junho de 2014
Minhas Adoráveis Ex-Namoradas/Ghosts of Girlfriends Past
De Mark Waters, EUA, 2009
Com Matthew McConaughey (Connor Mead), Jennifer Garner (Jenny Perotti), Michael Douglas (Tio Wayne), Breckin Meyer (Paul), Lacey Chabert (Sandra), Robert Forster (sargento Volkom), Anne Archer (Vonda Volkom), Emma Stone (Allison Vandermeersh)
Roteiro Jon Lucas e Scott Moore
Fotografia Daryn Okada
Música Rolfe Kent
Montagem Bruce Green
Cor, 100 min
Produção Jon Shestack Productions, New Line Cinema, Panther. DVD PlayArte.
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Sérgio, se eu fosse você (ainda bem que não sou, vc ia sair no maior prejuízo), escreveria assim: porcaria típica de Hollywood. A resenha seria isso, essas 4 palavras. E criaria uma categoria, PTH. Nela cabem uns 98,99% dos filmes produzidos hoje. Faturam direitinho. O cacau entra. Isso é o que importa. Como vc é uma alma superior, dotado de uma paciência sem limite, viu e ainda escreveu esse tanto…