Em Busca do Amor / The City of Your Final Destination

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3.0 out of 5.0 stars

The City of Your Final Destination, de 2009, lançado no Brasil como Em Busca do Amor, é o filme mais recente de James Ivory, o realizador elegante conhecido como o mais inglês dos diretores americanos. Nestes últimos cinco anos, não se tem notícia de um novo projeto dele, que está, em 2014, com 86 anos de idade.

O filme leva a grife Merchant Ivory Productions, mas é o primeiro feito sem a mão de Ismail Merchant, o indiano que foi o parceiro de Ivory por 44 anos, desde 1961 até sua morte em 2005.

Na verdade, mais que formar uma dupla, James Ivory e Ismail Merchant foram parte de um trio, juntamente com a escritora Ruth Prawer Jhabvala, alemã de origem indiana que assinou os roteiros de praticamente todos os filmes realizados pelo americano e produzidos pelo indiano a partir de 1963. É dela também o roteiro deste The City of Your Final Destination, baseado em um livro do escritor americano Peter Cameron.

Muitas das obras desse trio maravilhoso, afinadíssimo, tratam de gente das classes abastadas – aristocratas, ou simplesmente ricos, ou no mínimo classe média quase alta: Uma Janela para o Amor/A Room with a View (1985), Retorno a Howards End (1992), Vestígios do Dia (1993), Jefferson em Paris (1995), A Taça de Ouro (2000), À Francesa/Le Divorce (2003).

The City of Your Final Destination segue essa mesma e nobre linhagem. Fala de uma família de alemães muito ricos, os Lund, que, ainda nos anos 1930, fugiram da Alemanha nazista e se instalaram no interior do Uruguai, onde compraram grande extensão de terras.

Quase toda a ação do filme se passa no Uruguai, em especial na propriedade dos Lund ainda existente. Por algum motivo logístico, as filmagens não foram no próprio Uruguai, e sim do outro lado do Rio de La Plata, no interior da província de Buenos Aires.

A viúva e a amante do escritor vivem juntas na grande casa da família Gund

zzcity3O casal Gund original que emigrou da Alemanha para o Uruguai teve dois filhos, Adam (interpretado por Anthony Hopkins, useiro e vezeiro nos filmes do trio Ivory-Merchant-Prawer Jhabvala) e Jules. Os dois foram enviados na juventude para estudar em bons colégios ingleses. Jules Gund escreveu um romance, O Gondoleiro, bastante inspirado na vida dos próprios pais – eles costumavam passar temporadas anuais em Veneza, e, nos tempos em que sobrava dinheiro, tinham até mesmo levado de Veneza para as margens do Rio de la Plata uma gôndola, que nos dias de hoje um tanto apodrece na área dos barcos da propriedade uruguaia.

Jules casou-se com uma mulher rica, culta e insuportavelmente chata, Caroline (interpretada por Laura Linney, estupidamente bem no papel, depois de fazer tantos papéis de mulheres chatas). Não teve filhos com ela, mas teve uma filha com uma garotinha européia órfã que foi parar no Uruguai de passagem, Arden Langdon (interpretada, maravilhosamente bem, por Charlotte Gainsbourg).

De um modo extremamente peculiar, fora dos padrões, Jules levou a amante e a filhinha Portia (Ambar Mallman) para morar na grande casa que havia sido construída por seus pais.

Na época em que se passa a ação, os dias de hoje, Jules já está morto, mas Caroline, a esposa viúva, Arden, a amante viúva, e a garota Portia vivem juntas na propriedade, chamada Ocho Rios.

Quanto a Adam, vive em outra bela casa dentro da imensa propriedade – e vive com Pete (Hiroyuki Sanada), um japonês bem mais jovem que conheceu ainda na Inglaterra. Pete é ao mesmo tempo capataz, faz-tudo e amante de Adam.

Um jovem professor americano é incumbido de escrever a biografia do escritor

Esse relato acima, escrevi na ordem cronológica. Achei mais simples, mais direto, mais claro.

O filme começa com os créditos iniciais, e, ao fundo, cenas de várias épocas e lugares diferentes. Um carro num campo. Gôndolas em Veneza. Um garotinho e uma mãe diante de um espelho em que ela experimenta jóias. (Não dá para perceber ainda que são o então jovem Adam e sua mãe, muitas décadas atrás.)

zzcity2Ao fim dos créditos, e quando a ação de fato começa, um rapaz que mora numa casa no meio do campo recebe uma carta postada no Uruguai. O rapaz é o protagonista da história; chama-se Omar Razaghi (interpretado pelo americano de origem egípcia Omar Metwally). Veremos que é professor de Literatura em uma universidade americana – o filme não diz explicitamente de que lugar, embora no livro fique claro que é Lawrence, Kansas –, e seu contrato com a universidade especifica que ele deverá escrever a biografia do falecido escritor Jules Gund.

Omar vive com uma colega, ela também professora de Literatura, Dierdre (Alexandra Maria Lara, ótima). O espectador vê o casal relendo a carta que acabava de chegar do Uruguai. “Não vemos necessidade de uma biografia autorizada de Jules Gund no momento, ou em qualquer outro momento do futuro”, diz a carta, assinada por Adam Gund, Caroline Gund e Arden Langdon.

Dierdre comenta: “Uma bela combinação: o irmão, a viúva, a amante, a filha. Provavelmente é por isso que não querem autorizar uma biografia. É tortuoso, é incestuoso demais.”

Mas em seguida Deirdre se apega a uma outra frase da carta: “Seu pedido gerou muita discussão entre os administradores”. A frase indica, diz Dierdre, que nem todos concordam com a decisão de não autorizar a biografia.

Dierdre, o espectador verá, é uma daquelas pessoas determinadas, ativas, práticas, extremamente seguras de si. Decide que Omar tem que ir ao Uruguai conversar com os herdeiros da propriedade dos Gund e dos direitos autorais do livro de Jules Gund, tentar obter deles a autorização para escrever a biografia do falecido escritor.

E em seguida Dierdre está (exatamente como Mary faria) diante do computador, consultando os vôos para Montevidéu. Conclui que o mais barato – embora mais demorado – é viajar para Houston, depois São Paulo, depois Montevidéu.

E em seguida lá vai Omar para o interiorzão do Uruguai.

É impressionante a quantidade de nacionalidades das pessoas envolvidas na produção

zzcity9Os filmes de James Ivory se passam nos mais diversos países. Claro, Retorno a Howards End e Vestígios do Dia se passam basicamente no campo inglês, com uma ou outra sequência em Londres. Maurice se passa em Cambridge, Inglaterra. A maior parte de Uma Janela para o Amor se passa na Itália. A Taça de Ouro, na Itália e em Londres. Jefferson em Paris e À Francesa, na capital da França. Verão Vermelho, na Índia. A Condessa Branca, em Xangai, China. Alguns de seus filmes até mesmo se passam em seu país natal, os Estados Unidos, como Um Triângulo Diferente/The Bostonians, Cenas de uma Família/Mr. And Mrs. Bridge, Um Caso Meio Incomum/Slaves of New York.

Não é surpresa alguma, portanto, que a imensa maior parte de seu filme mais recente se passe no interiorzão do Uruguai.

O que fascina é a quantidade de pessoas de nacionalidades diferentes, o número de países envolvidos na produção.

O diretor e o autor do livro são americanos; a roteirista, como já se disse, é alemã de origem indiana. O autor da trilha sonora, Jorge Drexler, é uruguaio. O diretor de fotografia, Javier Aguirresarobe, é espanhol. As filmagens foram na Argentina, no Canadá e nos Estados Unidos.

No elenco, nos papéis principais, estão o americano de origem egípcia Omar Metwally, a americana Laura Linney, o galês Anthony Hopkins, a inglesa de nascimento criada na França Charlotte Gainsbourg, o japonês Hiroyuki Sanada e a argentina Norma Aleandro. E mais essa fantástica Alexandra Maria Lara, romena de nascimento, criada na Alemanha, para onde emigraram seus pais, e que já trabalhou em filmes alemães, ingleses, americanos e franceses.

Globalização é isso aí.

“Um estudo sobre vários tons de controle e submissão”

No AllMovie, o respeitabilíssimo site, Nathan Southern escreve que The City of Your Final Destination “representa um conquista maravilhosa em todos os níveis”. E prossegue (vai sem aspas, para me dispensar de ser literal:

zzcity5O filme entrelaça e desenvolve vários fios temáticos. No início, ele se declara descaradamente um estudo sobre vários tons de controle e submissão. Com um olhar agudo, Ivory e Jhabvala começam sua história nos Estados Unidos, observando a relação profundamente disfuncional entre Omar e a namorada Deirdre (uma formidável Alexandra Maria Lara), uma jovem tão dominadora que raramente dá espaço para que o passivo Omar respire. De fato, como um personagem do filme dirá mais adiante, tudo indica que a idéia de fazer uma biografia do escritor Jules Gund é dela, e não dele. Sentimos o tempo todo que Omar é seguro pelas rédeas de Deirdre.

Nathan prossegue:

O roteiro traça um excepcional paralelo entre entre nossa impressão inicial de Deirdre e (a partir do momento em que a ação se passa no Uruguai) a gélida Caroline, que também é uma mulher que gosta de exercer poder e dominação. Enquanto uma se sente responsável por impedir a idéia de se fazer uma biografia, a outra se sente responsável por fazer com que ela seja escrita.

Simultaneamente, Jhabvala contrasta a natureza controladora de Caroline com a submissão sincera e tranquila de Arden, e as maquinações de Adam, que tenta usar Omar para atender a seus próprios objetivos.

É uma bela (e longa) análise, essa que Nathan Southern faz.

Eu diria que The City of Your Final Destination, assim como tantos outros da trinca Ivory- Merchant- Jhabvala, aborda casos em que, de uma maneira ou de outra, uma pessoa ou um grupo ousa ir contra convenções sociais, ao costumes aceitos, à moral vigente em seu tempo e seu lugar. Muitos dos personagens de seus filmes ousam – às vezes muito discretamente, muito suavemente – remar contra a maré, ir contra o fluxo da maioria.

zzcity8Com extrema elegância, com parcimônia, sem fogos de artifício, sem efeitos especiais (nos sentidos estrito e figurado), os filmes assinados por James Ivory fazem a louvação das pessoas que ousam remar contra a maré do conformismo, da subjugação ao que é desejado e imposto pela maioria. É isso que faz, nesta história às vezes insólita, Adam, o ricaço já idoso, o personagem de Anthony Hopkins, ao assumir publicamente, num fim de mundo, no interiorzão de um pequeno país da América do Sul, seu relacionamento com o rapaz bem mais jovem. É isso que fez seu irmão Jules (que não aparece em momento algum do filme, a não ser em fotos), ao exigir que a esposa aceite na mesma casa a garotinha que ele seduziu e engravidou.

Pelo que eu percebo, o que James Ivory e seus cúmplices em tantos belos filmes querem dizer é que a História avança quando cada pessoa faz um movimento – por menor que seja – para a frente, para algo melhor, para algo que a maioria em volta ainda não apóia, ainda não assimila, contra o que, na verdade, a maioria em volta luta.

Não são as revoluções – em geral sanguinárias, assassinas – que fazem o mundo avançar. É um trabalho de formiguinha. A grande revolução pode ser um pequeno gesto. Para mim, isso é o que diz este belo filme, assim como as outras pérolas que Ivory- Merchant- Jhabvala nos deram.

Anotação em abril de 2014

Em Busca do Amor/The City of Your Final Destination

De James Ivory, EUA, 2009

Com Omar Metwally (Omar Razaghi), Anthony Hopkins (Adam Gund), Laura Linney (Caroline Gund), Charlotte Gainsbourg (Arden Langdon), Hiroyuki Sanada (Pete), Alexandra Maria Lara (Dierdre), Ambar Mallman (Portia), Norma Aleandro (Mrs. Van Euwen), Norma Argentina (Alma), Luciano Suardi (Doctor Pereira)

Roteiro Ruth Prawer Jhabvala

Baseado no livro de Peter Cameron

Fotografia Javier Aguirresarobe

Música Jorge Drexler

Montagem John David Allen

Produção Hyde Park International, Merchant Ivory Productions. DVD Califórnia.

Cor, 117 min.

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