Quando Harry conheceu Sally, foi uma catástrofe. Uma gloriosa, gigantesca, absurda catástrofe. Eram personalidades opostas, antípodas. Não concordavam com absolutamente nada do que o outro dizia. Por exemplo: tinham opiniões completamente diferentes sobre o final de Casablanca.
Sally entendia que Ilsa Lund, o personagem de Ingrid Bergman, queria mesmo era entrar no avião com Victor Laszlo (Paul Henreid). Imagina se aquela mulher belíssima iria querer passar o resto da vida com um dono de bar? Não – dizia Sally -, de jeito nenhum; Ilsa queria ficar com aquele homem importante, um herói, que depois da guerra poderia até ser o presidente de seu país.
Harry, evidentemente, tinha certeza de que era o contrário. Que Ilsa queria ficar com Rick Blaine-Humphrey Bogart. Mas foi forçada por Rick, até então o cínico, o que não tomava partido de nada a não ser dele mesmo, e que, naquele momento, abria mão do grande amor de sua vida – e do grande amor da vida dela – para que Ilsa ficasse com Laszlo, porque Laszlo precisava dela para continuar sua luta contra o nazismo.
Era um gesto de altruísmo daquele camarada tido até então como o maior egoísta da praça. Em nome de um ideal maior – a luta contra o nazismo –, Rick Blaine escolhia a felicidade de Victor Laszlo em vez da sua própria e da mulher de sua vida.
Um novo clássico que cita o clássico dos clássicos
Quando Harry conheceu Sally… When Harry Met Sally…
Se os exibidores brasileiros não gostaram da tradução literal, por que então não deixaram só Harry e Sally? Por que tinham que acrescentar essa bobagem – Feitos um para o Outro?
Por que, raios, fazer um título que é um spoiler?
Bem. A bobagem do título à parte, quis começar esta anotação com a discordância entre Harry e Sally sobre Casablanca por dois motivos. Primeiro, porque discutir sobre Casablanca já mostra bastante sobre os dois personagens – jovens classe média, que frequentaram escola, que gostam de bom cinema, que vêem filmes clássicos.
Segundo, porque, assim como Casablanca é o clássico dos clássicos, When Harry Met Sally…, lançado em 1989, tornou-se muito rapidamente um novo clássico. É, sem dúvida, um dos melhores novos clássicos da comédia romântica feita depois dos anos 60.
Harry e Sally é tão bom, e tão novo clássico, quanto seus contemporâneos ingleses Quatro Casamentos e um Funeral e Simplesmente Amor/Love Actually. Na minha opinião, esses três filmes são das melhores comédias românticas que já foram feitas; estão à altura dos grandes clássicos dos anos 1930 a 1950, os anos gloriosos das comédias românticas eternas.
Pausa para interrogações hamletianas
Tenho mesmo que fazer uma sinopse deste filme que todo mundo já viu?
Às vezes, ao fazer estas anotações, me pego com interrogações hamletianas.
Fiz um site sobre filmes. O site não pretende ser enciclopédico, abranger todos os filmes importantes – na verdade, é uma coisa pessoal, apenas para juntar minhas opiniões sobre os filmes que vi e de que gostei ou detestei.
Mas, se é para ter os filmes de que mais gostei e alguns que mais detestei, tem que ter os clássicos, antigos ou novos.
Mas os clássicos todo mundo já viu, já tem sua opinião formada sobre eles.
Interrogações hamletianas. Faz sentido uma sinopse de Harry e Sally, um filme que todo mundo viu? Mas, visto de outro lado, faz sentido um site de filmes sem uma sinopse de Harry e Sally?
Começa em 1977, passa para 1982, depois para 1987
A narrativa começa na Universidade de Chicago, em 1977 – 12 anos, portanto, antes do ano em que o filme foi lançado, 1989. Harry (Billy Crystal) está se despedindo da namorada, Amanda (Michelle Nicastro), aos beijos, aos que os americanos chamam de French kiss, o beijo de língua, que aqui no Brasil chamamos apenas de beijo. Seis anos mais tarde, Meg Ryan estrelaria outra comédia romântica, chamada exatamente French Kiss, no Brasil Surpresas do Coração, mas isso é apenas uma coincidência.
Harry e Amanda estão se frenchkissando na Universidade de Chicago quando Sally pára seu carrinho junto deles. Sally, claro, vem na pele de Meg Ryan, aquela gracinha, aquele anjinho, o biotipo perfeito para ser a namoradinha da América – e a verdade é que, nos anos 1990, ela foi uma das mais belas namoradinhas que a América já teve, e ousaria dizer que jamais terá.
Amanda, amiga de Sally, faz a apresentação: esta é Sally, este é Harry.
Sabendo que Sally viajaria em seu carrinho para Nova York, e como Harry também estava indo da Windy City para a Big Apple, Amanda havia sugerido que os dois fossem juntos.
Há, então, a viagem de 18 horas entre Chicago e Nova York.
É uma catástrofe.
Não há um único tema em que Harry e Sally concordem.
O final de Casablanca é apenas uma das discordâncias.
O tema principal é que Harry acha que homem e mulher não podem ser amigos, porque haverá sempre o sexo interferindo.
Harry deixa claro que gostaria de comer Sally. Sally acha Harry um nojo, um asco.
Sally deixa Harry junto do monumento a George Washington, na Washington Square.
Na terceira vez em que se encontram, dez anos depois da primeira, ficam amigos
Corta, um letreiro diz “cinco anos mais tarde”, e estamos portanto em 1982. Sally está beijando, e beijando de língua, frenchkissing, um lourão altão, num aeroporto. Nessa etapa saberemos que Sally estava com 26 anos, o que, feita a conta simples, dá que naquela viagem de carro de Chicago para Nova York, em que achava que Ilsa Lund tinha de fato escolhido viver com Victor Laszlo, estava com apenas 21 anos.
Quantas besteiras são permitidas a quem tem apenas 21 anos?
Harry caminha pelo aeroporto, vê o casal se beijando. Pára. Reconhece o lourão, Joe (Steven Ford): haviam sido colegas.
Sally reconhece Harry de cara, mas gostaria de não ser reconhecida por ele. Ele aparentemente não a reconhece.
Mas, como esta é uma comédia romântica, os dois acabam embarcando no mesmo vôo. E Harry está sentado na fileira atrás de Sally. E aí, lá pelas tantas, cai a ficha, e Harry diz para Sally: “Universidade de Chicago!” O homem que está sentado ao lado de Sally, educadamente, se oferece para trocar de assento com Harry.
Quando Harry encontrou Sally pela segunda vez, foi outra catástrofe.
Passam-se então mais cinco anos antes que Harry e Sally voltem a se encontrar. Estamos então – não há letreiros dizendo isso, mas basta que a gente faça a continha básica – em 1987, e portanto Sally está com 31 anos.
Da terceira vez em que se encontram, dez anos depois da primeira, ele está saindo do casamento, abandonado pela mulher, Helen (Harley Kozak). E ela está saindo do relacionamento sem casamento com Joe, aquele lourão do aeroporto de cinco anos antes, porque ela queria casar e ele não.
E então, nesta terceira vez, Harry e Sally ficam amigos.
Um belo filme que nos faz lembrar da juventude
Umas 439 mil comédias românticas são feitas em cada década. O que é que faz uma comédia romântica ser melhor que as outras, tão melhor que algumas viram espuma do xampu da mocinha, enquanto umas poucas viram ícones, novos clássicos?
Não tenho a mínima idéia.
Se eu tivesse alguma resposta à pergunta, estaria fazendo uma tese de doutorado. A centésima bilionésima tese de doutorado a respeito das comédias românticas.
(Burt Bacharat e seu parceiro Hal David poderiam dizer que, oh, lord, o mundo não precisa de uma centésima bilionésima primeira tese de doutorado. Mas aí seria uma canção, e não uma anotação sobre um filme.)
De qualquer forma, são muitas as razões pelas quais When Harry Met Sally… virou um novo clássico.
Há a seqüência do orgasmo fingido. Ela é de fato extraordinária; já virou antológica, com toda razão.
Certamente terá ajudado o filme a virar tão depressa um clássico o fato de que ele nos faz lembrar da juventude. Todo filme que fala de geração, que identifica os personagens com uma geração, atrai imensa simpatia. Mesmo para quem não pertencia àquela geração específica.
Saindo da universidade em 1977, Harry e Sally, portanto, eram da geração de meados dos anos 50. Mais ou menos a minha, da Mary, das minhas ex-mulheres e namoradas, dos meus amigos. Nós que nos amávamos tanto, e amávamos tanto a revolução. A geração que ouviu Crosby, Stills and Nash cantar “We can change the world”. Nós que achávamos que iríamos mudar o mundo, e o mundo nos mudou.
Um brilho de encontro do diretor Rob Reiner com a roteirista Nora Ephron
E há ainda o brilho do encontro de Rob Reiner com Nora Ephron. Ela escreveu, ele dirigiu. São bons de serviço, são mestres na arte da comédia romântica; ela escreveu também o roteiro de Sintonia de Amor/Sleepless in Seattle, a bela homenagem ao clássico Tarde Demais para Esquecer/An Affair to Remember, de 1957, com a mesma Meg Ryan e Tom Hanks. E co-escreveu e dirigiu, com a mesma dupla Meg-Tom, Mens@gem para Você, atualização da peça que havia dado origem ao clássico A Loja da Esquina, de 1940, dirigido pelo mestre Ernst Lubitsch, com James Stewart e Margaret Sullavan.
Comédias românticas dos anos 1990 citando velhos clássicos.
Rob Reiner é bom em tudo que faz – drama pesado, comedinha romântica.
Nora Ephron e Rob Reiner entenderam-se perfeitamente bem.
Consta que Harry tem muito do diretor. Reiner, parece, é dado a períodos de depressão, assim como Harry. E Sally tem a ver com a autora e roteirista. Nora era uma mulher otimista, alegre, que gostava de controlar as situações, a pessoa que estava sempre bem com tudo. Exatamente como Sally. (Nora Ephron morreu em junho de 2012, aos 71 anos de idade.)
Uma imensa quantidade de diálogos que faíscam de inteligência
A quantidade de diálogos brilhantes que há no filme é, só por ela mesma, uma homenagem às comédias clássicas de Hollywood dos anos 1930, 1940.
Que eu me lembre, nenhuma outra comédia romântica dos anos 1980/1990 tem tantos diálogos brilhantes quanto este When Harry Met Sally…
Desde que vi o filme pela primeira vez (numa belíssima sala do Barbican Centre, em Londres), jamais me esqueci da frase dita por Harry para o grande amigo Jess (Bruno Kirby), que está para se casar com a grande amiga de Sally, Marie (Carrie Fisher): – “Anotem seu nome em cada um de seus discos, de seus livros, para que não briguem pela posse de cada um deles depois.”
E quer saber? Essa deveria ser uma verdade universal.
A sequência em que Harry e Sally apresentam seus amigos Jess e Marie na tentativa de que um se interesse pelo outro é uma maravilha.
Marie sempre havia tentado apresentar homens para Sally. Ela mesma, tadinha, estava enfiada numa relação sem saída com um homem casado, que havia anos dizia que iria se divorciar, mas não se divorciava jamais. E então Sally e Harry combinam que vão apresentar seus respectivos melhores amigos, para ver se rola um namoro.
Só que, no jantar a quatro, Sally não vê graça em Jess, nem Harry vê graça em Marie. Jess se interessa é por Marie, e vice-versa. Na saída do jantar, os dois homens ficam conversando entre eles, e as duas mulheres, entre elas. Jess pergunta a Harry se tudo bem ele se encontrar com Marie; Harry diz que tudo bem, mas não já, porque Sally anda muito sensível e poderia se sentir rejeitada.
Ao mesmo tempo, o mesmo diálogo acontece entre as mulheres. Sally pede a Marie que não rejeite Harry de cara, porque ele anda muito sensível e poderia se sentir rejeitado.
Os quatro se reúnem, e caminham juntos por meio minuto. Jess diz que não está a fim de caminhar, e vai pegar um táxi. Meio segundo depois, Marie e ele entram num táxi, deixando Harry e Sally sozinhos.
“Coloquem seu nome nos seus livros agora mesmo, antes que eles se misturem”
Será igualmente brilhante a sequência em que Harry e Sally visitam os amigos Jess e Marie, agora noivos. Jess tinha comprado uma mesa de centro, redonda, estilo faroeste, e Marie não tinha gostado. Perguntam a opinião dos outros. Para agradar ao amigo, Harry diz que a mesa é legal.
Mas Harry havia acabado de reencontrar Helen, a mulher que o abandonara. Ele estava com Sally numa loja, tentando achar um presente para o casal de amigos; estava alegre, descobrira um aparelho de karaokê, cantara, incentivara Sally a cantar junto com ele – e de repente Helen tinha aparecido e o apresentado ao novo marido, Ira (Kevin Rooney).
Então Harry estava na mais profunda fossa.
E é aí que ele fala a frase que jamais esqueci. Aqui vai ela inteira, e literalmente.
Harry: – “Agora está tudo maravilhoso, todo mundo é feliz, todo mundo esta apaixonado e isso é maravilhoso. Mas vocês deveriam saber que mais cedo ou mais tarde vocês vão estar berrando um com o outro sobre quem vai ficar com este prato. Este prato de oito dólares vai custar a vocês mil dólares em telefonemas para os advogados.”
Marie protesta suavemente: “Harry…”
Harry (cada vez mais bravo e falando cada vez mais alto): “Por favor, Jess, Marie. Façam-me um favor, para o bem de vocês mesmos. Coloquem seu nome nos seus livros agora mesmo, antes que eles se misturem e vocês já não saibam mais qual é de quem. Por algum dia, acreditem ou não, vocês enfrentarão 15 rounds de discussão sobre quem vai ficar com essa mesa. Essa estúpida mesa de roda de carroça estilo Roy Rogers vendida em liquidação!”
Jess: “Achei que você gostasse da mesa!”
Harry (berrando, antes de sair da sala e da cena): “Eu estava sendo gentil!”
Ao longo da narrativa, casais de velhinhos contam suas histórias
Uma outra pérola, outra maravilha de When Harry Met Sally… são os depoimentos de casais de velhinhos.
Ao longo do filme, entre uma série de sequências e outra, pontuando toda a narrativa, vemos depoimentos de casais de velhinhos. Os casais estão sempre sentados em um mesmo sofá, e a câmara está sempre fixa diante deles, mostrando-os inteiros, dos pés à cabeça. Contam suas histórias, como se fossem entrevistados de um documentário, ou um programa jornalístico.
As histórias são deliciosas, os atores que fazem os velhinhos são todos ótimos.
Às vezes a mulher interrompe o marido, às vezes a mulher e o marido vão completando as frases um dos outros. Quando vemos um casal de velhinhos chineses, só o homem fala; a senhorinha ouve tudo com ar de aprovação, mas não dá um pio.
Aí vai o depoimento do primeiro casal, para mostrar o tom da coisa:
– “Eu estava sentado com meu amigo Arthur Kornblum, num restaurante, era a cafeteria Horn & Hardart. E essa bela jovem entrou, e eu me virei para Arthur e disse, Arthur, está vendo aquela moça? Vou me casar com ela. E duas semanas depois estávamos casados. Já se passaram mais de 50 anos e continuamos casados.”
Os depoimentos são de histórias verdadeiras, que o diretor Rob Reiner ouviu de casais da vida real. Mas quem aparece na tela não são os casais da vida real, e sim atores.
Harry fala demais sobre “Auld Lang Syne”. Sally simplifica: “É sobre velhos amigos”
Nas festas de virada de ano, costuma-se tocar “Auld Lang Syne”. É uma maravilhosíssima canção folk das ilhas britânicas, uma melodia triste, melancólica, belíssima. Jamais entendi o que diz a letra – escrita pelo poeta escocês Robert Burns em 1788; bem, na verdade, nunca fiz um esforço para entender a letra. Um dia ainda leio com atenção o longo verbete sobre a canção na Wikipedia.
(Para quem eventualmente não se lembrar de “Auld Lang Syne”, aqui vai a versão do escocês Dougie McLean, na minha opinião uma das mais belas, se não a mais de todas as trocentas que há no YouTube.)
O fato é que, na segunda festa de virada de ano em que Harry e Sally estão juntos, toca-se “Auld Lang Syne”. E então Harry dana a falar sobre a canção – Harry é um falador, um paroleiro, um palrador, um falastrão, fala rápido e sem parar. A página do IMDb com as grandes falas de When Harry Met Sally… traz uns 97 diálogos, mas não traz as considerações de Harry sobre “Auld Lang Syne”. Tive que rever a cena e pegar na unha.
Harry: “O que essa canção quer dizer? Minha vida inteira nunca soube o que essa canção quer dizer. ‘Should old acquaintances be forgot.’ Isso significa que nós deveríamos esquecer os velhos conhecidos? Ou quer dizer que, se acontecer de esquecê-los, nós deveríamos nos lembrar deles, o que não é possível, porque então já teríamos nos esquecido deles antes?”
Ao que Sally retruca: – “Bem, talvez signifique apenas que nós deveríamos nos lembrar que já tínhamos esquecido deles, ou algo assim. De qualquer jeito, é sobre velhos amigos.”
Anyway, it’s about old friends.
Que absoluta maravilha!
A sequência do orgasmo fingido é hilariante – mas também é séria
Este texto já está do tamanho de Guerra e Paz, e todo mundo está cansado de saber sobre a antológica seqüência do orgasmo fingido, mas não dá para não falar dela.
Harry e Sally já haviam virado amigos, dez anos depois dos dois primeiros e catastróficos encontros. O filme está com 45 minutos, e os dois estão conversando em uma lanchonete bastante cheia. Harry falou de uma de suas trepadas – depois do final do casamento com Helen, voltou a dar trepadas com mulheres de encontros eventuais.
Sally: – “A maior parte das mulheres já fingiu uma vez ou outra.”
Harry: – “Bem, elas não fingiram comigo.”
Sally: – “Como você sabe?”
Harry: – “Porque eu sei.”
Sally: – “Ah. Certo. Está certo. Eu esqueço. Você é homem.”
Harry: – “O que será que você quer dizer com isso?”
Sally: – “Nada. É só que todos os homens têm a certeza de que nunca aconteceu com eles e todas as mulheres uma vez ou outra já fingiram, então você faça as contas.”
E então, ali no meio da lanchonete notada, Sally finge o orgasmo, gemendo e gritando cada vez mais alto.
A lanchonete pára para assistir ao espetáculo.
Harry não sabe onde meter a cara.
Meg Ryan dá um show de interpretação.
É hilariante, é uma delícia, é uma maravilha. Mas é também absolutamente sério. Todo homem deveria aprender um pouco de humildade com o significado dessa seqüência.
Ao final do show literalmente espetacular, uma senhora de meia idade vira para o garçom e diz:
– “Vou querer o mesmo que ela está comendo.”
Detalhinho saborosíssimo, que vejo na curtinha resenha/crítica de Leonard Maltin (classificação do guia dele: 3.5 estrelas em 4): a senhorinha que diz essa fala é a mãe do diretor Rob Reiner.
O roteiro foi indicado ao Oscar e ganhou o Bafta
Dane-se o tamanho do texto. Aí vão alguns detalhinhos sobre o filme que estão no IMDb:
* Antes de se decidirem por When Harry Met Sally…, Nora Ephron, o diretor Rob Reiner e o produtor Andrew Scheinman chegaram a pensar nos seguintes títulos: Just Friends, Playing Melancholy Baby, Boy Meets Girl, Blue Moon, Words of Love, It Had To Be You, Harry, This Is Sally e How They Met.
* O jeito de Sally pedir as comidas e bebidas – longas explicações de detalhes ínfimos, de deixar os garçons e os cozinheiros absolutamente malucos – se inspira no jeito da própria autora e roteirista Nora Ephron de fazer seus pedidos.
* Sobre a sequência do orgasmo fingido, o roteiro original dizia apenas que Harry e Sally conversavam sobre o fato de que as mulheres fingem orgasmo. Foi de Meg Ryan a idéia de botar Sally de fato fingindo o orgasmo. A frase que encerra a sequência, dita pela mãe do diretor Rob Reiner, foi sugerida por Billy Crystal.
* A sequência hoje antológica não foi feita em estúdio, e sim num restaurante na E. Houston Street de Nova York. Na mesa em que Billy Crystal e Meg Ryan se sentaram para filmar a cena há hoje uma placa com o seguinte: “When Harry Met Eally… Esperamos que você tenha o que ela teve”.
* O papel de Harry foi recusado por Albert Brooks. E o de Sally chegou a ser oferecido a Molly Ringwald, a atriz que tinha tido um extraordinário sucesso no filme A Garota de Rosa-Shocking, lançado três anos antes. É o tal negócio, comento eu: como Deus, Hollywood às vezes escreve certo por linhas tortas.
Mais duas informaçõezinhas. O filme custou cerca de US$ 16 milhões, e rendeu US$ 92 milhões.
Teve uma única indicação ao Oscar, na categoria de melhor roteiro original. Não levou. Mas levou o Bafta, o Oscar britânico, na mesma categoria.
Um filme feito por gente que aprendeu com quem veio antes e tem orgulho disso
Não dá para não falar, ainda que rapidissimamente, sobre a trilha sonora. When Harry Met Sally… é um novo clássico que rende homenagem a velhos clássicos. É coisa de gente que aprendeu com quem veio antes e se orgulha disso. E então ouvimos, ao longo de toda a narrativa, algumas das mais belas pérolas da Grande Música Americana.
La crème de la crème.
“It Had To Be You”, com Frank Sinatra. “Our Love Is Here To Stay”, com Louis Armstrong and Ella Fitzgerald. “Let’s Call The Whole Thing Off”, de novo com Louis Armstrong and Ella Fitzgerald. “Where Or When”, com Ella Fitzgerald. “But Not For Me”, com Harry Connick Jr. “Autumn In New York”, com Harry Connick, Jr. e seu trio. “I Could Write A Book”, com Harry Connick Jr. “Have Yourself A Merry Little Christmas”, com Bing Crosby. “Don’t Get Around Much Anymore”, com Harry Connick Jr. “Auld Lang Syne”, com Louis Armstrong
Cada um na sua cama, falando ao telefone e revendo o final de Casablanca
Quando Harry e Sally passam a ser amigos, a partir do terceiro encontro, dez anos após o primeiro, falam de novo de Casablanca.
Mais tarde, num final de noite, vêem na TV – junto com o espectador – a seqüência final de Casablanca, cada um em seu apartamento. Rob Reiner faz split screen, a coisa da tela dividida, mostrando Harry na cama dele e Sally na cama dela. O espectador menos atento poderá não se lembrar, mas não deixa de ser homenagem a outros clássicos da comédia romântica; Rock Hudson e Doris Day participaram de várias cenas assim, em tela dividida, cada um em seu apartamento, em Confidências à Meia-Noite/Pillow Talk.
A tela está cortada em dois, mas é como se Harry e Sally estivessem na mesma cama – coisa que jamais havia acontecido.
Os dois vêem o final de Casablanca enquanto conversam ao telefone.
Agora com 31 anos, Sally já sabe que Ilsa Lund queria mesmo era ficar com Rick Blaine. E sequer se lembra de ter tido opinião diferente.
Clássico é clássico.
Anotação em maio de 2013
Harry e Sally – Feitos um para o Outro/When Harry Met Sally…
De Rob Reiner, EUA, 1989
Com Billy Crystal (Harry Burns), Meg Ryan (Sally Albright)
e Carrie Fisher (Marie), Bruno Kirby (Jess), Steven Ford (Joe),Harley Kozak (Helen), Lisa Jane Persky (Alice), Michelle Nicastro (Amanda), Kevin Rooney (Ira)
Argumento e roteiro Nora Ephron
Fotografia Barry Sonnenfeld
Montagem Robert Leighton
Produção Castle Rock Entertainment. DVD MGM
Cor, 95 min
R, ****
Título em Portugal: Um Amor Inevitável.
Por cá chamou-se “Um Amor Inevitável” e teve bastante sucesso.
Eu, que nem aprecio nada comédias românticas, tenho que me render a este filme – é mesmo uma delícia.
Este filme é tão bom, mas tão bom, que até consegui abstrair Billy Cristal e adorar tudo, sem restrições. Uma façanha!
Assisti pela primeira vez na adolescência, e quando revi já não lembrava de nada, ou quase nada, a não ser da sequência do orgasmo, que ficou muito famosa e ganhou vida própria.
Concordo com você que filmes que falam sobre uma geração atraem simpatia mesmo de quem não é daquela geração.
Ele é muito bom, e é quase impossível não gostar (como não gostar de um filme cujos personagens discutem sobre Casablanca?). Eu me identifiquei várias vezes com algumas falas da personagem de Meg Ryan, e dei risada, mesmo sendo coisas tristes (as risadas foram pela identificação e por já ter superado os acontecimentos). A Nora Ephron era ótima, escrevia uns roteiros muito bons, sempre com um olhar apurado e feminino, que fazia o espectador ter essa identificação pelo menos em algum momento; uma pena ter morrido cedo, poderia continuar a escrever até os 90 anos, no mínimo.
Gosto dos outros filmes escritos por ela, que você citou: Sintonia de Amor e Mensagem para Você (que foi lançado na mesma época que a internet no Brasil).
O único senão desse filme foi terem escalado Billy Crystal para o papel de Harry. Cara chato, com zero carisma e desprovido de beleza (se fosse pelo menos bonito ficaria mais fácil aturar; a falta de carisma do ator faz com que a verborragia do personagem às vezes fique cansativa). Mas como disse a Carla, logo acima, o filme é tão bom que a gente até consegui abstrair a presença dele. Difícil foi abstrair a maquiagem pesada, os cortes de cabelo horrorosos e roupas idem, frutos dos eternamente bregas anos 80 (mas ao menos isso tinha um lado bom: o cinema de Hollywood ainda não era obcecado com escova, alisamento e fios de cabelo impecavelmente no lugar, clareamento dental e magreza excessiva – os atores eram magros, mas a gente percebe que era algo natural).
A trilha sonora é mesmo deliciosa, e eu adoro quando você coloca detalhes/curiosidades sobre os filmes, nos seus textos.
A fala do Harry já no finalzinho é uma das mais românticas desse tipo de filme; mas eu estava pensando que os detalhes que nos fazem gostar de determinada pessoa são às vezes os mesmos que nos irritam depois, quando a relação está acabando. Why God, why?
Assisti esse filme pela primeira vez hoje, 21/08 de 2015 porque estou selecionando alguns “clássicos da Sessão da Tarde” pra ver. Curiosamente eu havia assistido uma outra comédia romântica ontem, mais adolescente, chama Amor ou Amizade, e percebi que a premissa do filme é a mesma: os dois se conhecem quando mais jovens, os anos vão passando e eles vão se tornando amigos, até que transam, dizem que foi um erro, mas no fim ficam juntos. A diferença é que Harry e Sally – além de ter vindo antes – tem uma doçura a mais, além da trilha ótima e direção maravilhosa (com as histórias dos velhinhos, a coisa ficou mais incrível ainda). Não sei porque demorei tanto a assistir.
Abraços!
Revendo o filme agora na TV a Cabo, me surpreendo com a horrorosa substituição de duas canções do filme por temas instrumentais horrorosos ( “It Had to Be You”, do Frank Sinatra; e o tema de “Agora Seremos Felizes”, com Judy Garland, que não lembro o nome). O que pode ter acontecido?
Olá, Cristiano.
Eu precisaria rever o filme (tenho o DVD) para conferir se houve mesmo substituição das canções…
O IMDb diz que “It had to be you” aparece em duas versões, no filme, uma com Frank Sinatra e outra com Harry Connick Jr, que pode ser instrumental… Se quiser conferir: http://www.imdb.com/title/tt0098635/soundtrack?ref_=tt_trv_snd
Um abraço.
Sérgio
Bom dia!
Estava procurando onde assistir Harry e Dally, pois estava atrás de filmes que foram lançados no ano de meu nascimento, fiquei na dúvida se escolhia o Batman de Burton, O filme do Spike Lee ou essa comédia romântica, pensei que seria o certo escolher Harry e Sally, porque sou a louca do romance e não queria escolher um filme só por ser cult, ou me fazer parecer mais nerd.
E mais uma vez meu instinto não falhou, eu amei revisitar essa obra, um clássico realmente, cheio de referências lindas ao cinema.
Os diálogos são tão perfeitos que eu poderia assistir o dia todo, a Meg é fabulosa! Sou apaixonada pelo trabalho dela, e apesar de não gostar de mais nada que o Billy Cristal tenha feito na vida, eu gosto dele nesse filme e acho a química deles perfeita. O fato dele não ser um galã me mostra que um cara baixinho e um tanto quanto insuportável pode ser nosso número e tá tudo bem, se fosse o Brad Pitt eu com certeza não gostaria tanto, ou não prestaria tanta atenção ao que importa nesse filme, que é o roteiro incrível, cheio desses diálogos tão inteligentes e cheios de mecanismos sensoriais. Eu amo o jeito que o Harry olha para a Sally, é uma interpretação ótima do Billy.
Tem cenas memoráveis ao longo de todo o filme, mas o desfecho é realmente bom e comovente, as coisas que ele fala para ela na virada do ano são tão reais, tão desprovidas de poesia, mas tão tocantes. Foi tão romântico que nos faz acreditar que existe por aí um Harry chato para cada uma de nós que faz pedidos bem explicadinhos e pede todos os molhos à parte.