Até a Eternidade / Les Petits Mouchoirs

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3.0 out of 5.0 stars

Belo, belo filme, este Até a Eternidade, no original Les Petits Mouchoirs, que Guillaume Canet fez em 2010. Foi o terceiro longa-metragem dirigido pelo jovem ator, roteirista e diretor, depois de Mon Idole, de 2002 (que não vi), e do ótimo Não Conte a Ninguém/Ne le dit à personne, de 2006.

Canet, aos 37 anos de idade, escreveu tudo – o argumento, o roteiro e os diálogos. Reuniu um grande time de ótimos atores, e teve imenso talento para dirigi-los. As interpretações são irrepreensíveis, maravilhosas.

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É um filme sobre a vida o amor a morte. Sobre amizade, em especial, e as pequenas mentiras que os amigos contam uns para os outros – ou as verdades que omitem uns dos outros, o que acaba sendo também mentira. (Eu não conhecia a expressão mouchoir, do título Les Petits Mouchoirs, como sinônimo de mensonge, mentira; para mim, mouchoir era apenas lenço; nem mesmo o Petit Larousse traz essa acepção. Mas os títulos do filme em inglês e em Portugal não deixam dúvida: Little White Lies, Pequenas Mentiras Entre Amigos.)

O filme abre com um plano-sequência deslumbrante, de tirar o fôlego

Canet começa seu filme num tour-de-force. Uma câmara de mão nervosíssima acompanha um sujeito numa boate apinhada. Veremos que ele se chama Ludo, e é interpretado por Jean Dujardin, que no ano seguinte, 2011, estrelaria o tremendo sucesso O Artista. Ludo cheira pó, bebe, dança, paquera, fala, numa rapidez espantosa, num frenesi, como se o mundo fosse acabar daí a dez minutos.

De repente, resolve ir embora da boate. Despede-se do amigo Éric (Gilles Lellouche), sai para a rua – está amanhecendo em Paris -, bota o capacete, sobe na moto e sai.

A câmara de Guillaume Canet e seu diretor de fotografia Christophe Offenstein faz aqui um plano-seqüência de beleza rara, absurda. Acompanha Ludo desde dentro da boate até a rua, e vai seguindo sua moto; num cruzamento, Ludo pára a moto, e a câmara, que vinha atrás dele, fica emparelhada, a seu lado; o sinal abre, a moto sai em boa velocidade, a câmara continua atrás, sem um único corte – um plano-sequência fascinante, estrondoso.

Um outro sinal se abre para Ludo. Um caminhão gigantesco vem na transversal, avança o sinal fechado e pega a moto com tudo.

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Logo após o acidente, oito amigos vão ao hospital ver Ludo

Ludo é um homem de muitos amigos. Oito deles reúnem-se no corredor do hospital. Só poderão vê-lo na UTI muito rapidamente, com roupas apropriadas e máscaras no rosto. Dividem-se em dois grupos. Se a  visão é chocante para o espectador, imagine-se quão chocante é para os amigos.

À saída do hospital, todos atordoados, tontos de tristeza, discutem. Exatamente por aqueles dias, iriam sair de férias, como sempre faziam, ano após ano; iriam, todos eles, para a casa de praia de Max (François Cluzet), na região de Bordeaux.

E então, o que fazer? Cancelar as férias? Mas Ludo estava na UTI, e ficaria lá um bom tempo, e em UTI não pode ficar acompanhante.

Decidem manter a viagem de férias – só que vão encurtar o período. Em vez de um mês, ficarão na praia por 15 dias; na volta, a possibilidade de Ludo já ter saído da UTI seria maior.

Nas seqüências seguintes, vamos conhecendo as pessoas que formam aquele grupo. É muita gente, e é natural, portanto, que o espectador leve um tempinho para entender quem é quem.

Mas Canet não tem pressa. Se começou sua narrativa a 220 por hora, ele agora desacelera. Les Petits Mouchoirs é um filme longo, de 154 minutos, mais de duas horas e meia. Como é um belo filme, sensível, com atores maravilhosos, nem parece ser longo; passa depressa.

Um grupo grande de amigos – pessoas comuns, gente como a gente

A narrativa vai nos revelando pouco a pouco quem são aqueles amigos.

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* Max (o papel, como já foi dito, de François Cluzet (à direita na foto acima), que havia sido o protagonista de Não Conte a Ninguém) é o mais rico da turma. É dono de um hotel. Mas, se tem mais dinheiro, também tem mais preocupações. Na verdade, veremos que é um sujeito sempre estressado, sempre grilado com as coisas.

* A mulher de Max, Véronique, que todos chamam apenas de Véro (Valérie Bonneton), é o contrário do marido. É uma pessoa tranquila, um tanto natureba, com aquelas preocupações dos naturebas quanto à comida, à bebida, ao cigarro. O casal tem dois filhos aí na faixa dos 6 a 8 anos.

* Marie (a maravilhosa Marion Cotillard, que também é a senhora Guillaume Canet na vida real), teve um caso importante com Ludo; tinham sido bastante apaixonados. Ela acabava de passar um longo período na Amazônia, aparentemente fazendo um documentário. Como seu maior amigo Éric, é uma tremenda de uma galinha; tem casos e casos e mais casos.

* Éric (o papel de Gilles Lellouche, como já foi dito) é um bon-vivant. Trabalha, um tanto esparsamente, como ator; acabou de fazer o segundo filme, interpretando um personagem bem pouco importante. Cheira pó, bebe, fuma – e paquera, e namora. Está apaixonado por Léa (Louise Manot), uma dançarina, mas não cuida dela nem da relação como deveria. Léa, ensaiando com seu grupo, não poderá ir junto com o grupo para a praia; fica de ir mais tarde.

* Vincent (Benoît Magimel) é fisioterapeuta, massagista. Casou-se muito jovem com Isabelle, Isa (Pascale Arbillot), bela mulher, pessoa tranquila, do bem. O casal tem um filhinho de uns 7 anos, e parece estar enfrentando aquele período em que a chama da paixão já não é mais a mesma.

* Antoine (Laurent Lafitte) parece ser o mais jovem da turma. Tem 35 anos, mas seu jeito é de garotão imaturo. Publicitário, no momento desempregado, Antoine é daquelas pessoas monotemáticas: só fala de Juliette (Anne Marivin), sua namorada, sua paixão. Sua paixão, mas atualmente meio ex-namorada; pediu um tempo, não estão se vendo.

Ou seja: pessoas comuns. Gente como a gente.

Nas férias, haverá momentos de grande alegria, mas também muitas tensões

Serão, inicialmente, sete adultos, mais as três crianças, na bela, confortável casa de praia: Max e Véro, Marie, Éric, Vincent e Isa, Antoine.

zzmouchoirs7Na praia, vão visitar várias vezes Jean-Louis (Joël Dupuch), que vive ali, criando ostras, nunca sai de junto do mar, e tornou-se grande amigo de toda aquela turma. Jean-Louis parece ser o porto seguro de todos eles, o homem um pouco mais velho, mais experiente, um sujeito mais sábio que escolheu viver um tanto longe deste insensato mundo das metrópoles.

Haverá momentos de grande alegria, naquelas férias logo após o acidente quase fatal com Ludo, mas também haverá muitas tensões, atritos, rusgas, desentendimentos.

É um filme pessoal, e os personagens têm muito do próprio autor e diretor

No excelente site AlloCine, há diversas informações interessantes sobre o filme. Está lá, por exemplo, que Guillaume Canet descreveu Les Petits Mouchoirs como o filme mais pessoal que já realizou até agora. Nunca tinha tido tanta facilidade em escrever um roteiro, em que botou um pouco de si mesmo e de sua história em cada um dos personagens. Houve uma época em que ele próprio deixou de viajar de férias com um grupo de amigos próximos porque estava hospitalizado, com uma infecção.

A princípio, Canet pensou em interpretar ele próprio Antoine, o mais garotão da turma, o monotemático em sua paixão por Juliette. Mas aí ficou conhecendo Laurent Lafitte, gostou dele e o convidou para o papel.

Vários dos atores são amigos de Canet de longa data. Ele e Marion Cotillard se conhecem há cerca de 15 anos, embora estejam vivendo juntos há apenas uns dois ou três anos. (Os dois já tiveram um filho.) Jean Dujardin é seu amigo desde que eram crianças – fizeram a primeira comunhão juntos. De Benoît Maginal, o realizador é amigo desde 1994, quando fizeram juntos um telefilme.

zzmouchoirs99François Cluzet e Valérie Bonneton, que fazem um casal no filme, já foram casados na vida real.

Aparecem dois filmes dentro de Les Petits Mouchoirs – filmes que passam na TV, e alguns dos personagens vêem. Um deles é Espantalho, com Gene Hackman e Al Pacino, de 1973, um filme que Canet adora. O outro é Coup de Tête, de Jean-Jacques Annaud, outro filme que o diretor admira, com o ator Patrick Dewaere – outro ídolo de Canet.

Dessas pequenas e gostosas informações do AlloCine, a que pareceu mais interessante, fascinante mesmo, é o fato de que Joel Dupuch (na foto acima), que interpreta Jean-Louis, é na vida real um criador de ostras em Cap Ferret. Canet o conheceu vários anos atrás, e arranjou para ele um papel pequeno em Não Conte a Ninguém. Aqui, o personagem de Jean-Louis tem enorme importância, e aparece na tela quase tanto quanto Marion Cotillard, Gilles Lellouche ou Benoît Magimel. E trabalha como se fosse um ator de imensa experiência!

Impressionante o talento de Guillaume Canet como diretor de atores. E também como roteirista, e como realizador.

Anotação em dezembro de 2012

Até a Eternidade/Les Petits Mouchoirs

De Guillaume Canet, França, 2010

Com François Cluzet (Max Cantara), Marion Cotillard (Marie), Benoît Magimel (Vincent Ribaud), Gilles Lellouche (Éric), Jean Dujardin (Ludo), Laurent Lafitte (Antoine), Valérie Bonneton (Véronique Cantara), Pascale Arbillot (Isabelle Ribaud), Joël Dupuch (Jean-Louis), Anne Marivin (Juliette), Louise Monot (Léa), Hocine Mérabet (Nassim), Maxim Nucci (Franck)

Argumento, roteiro e diálogos Guillaume Canet

Fotografia Christophe Offenstein

Montagem Hervé de Luze

Produção Les Productions du Trésor, Europa Corp., Caneo Films, M6 Films, Canal+. DVD Califórnia Filmes.

Cor, 154 min

***

Título em inglês: Little White Lies. Em Portugal: Pequenas Mentiras Entre Amigos.

9 Comentários para “Até a Eternidade / Les Petits Mouchoirs”

  1. Que maravilha! Que maravilha! Que maravilha!
    Para mim, este filme é uma obra-prima.
    É um filme também, Sergio, que fala sôbre solidariedade,traição,a atração pelo mesmo sexo, saudade e . . . vida.
    Um elenco de fato, maravilhoso. Todos estão ótimos.E,tem ainda a divina Marion Cotillard.
    Trilha sonora muito linda a fotografia idem.
    Por algum tempo questionei essa amizade. Eles tinham um amigo muito mal numa UTI. Havia clima para saírem de férias? Uma vez que fôsse, não poderíam ser adiadas? Ou ao menos até o amigo sair de lá? Ou ainda, será que é aquela coisa de ” a vida continua “?.

    O Ludo tinha uma importância na vida de cada um deles;achei então que pouco se apresentou sôbre ele.
    É como dizes,são gente igual a nós com suas qualidades e defeitos, acêrtos e falhas.
    Aquela cena perto do final quando Jean-Louis passa aquele sermão, foi um sôco no estômago de todos eles,mais forte ainda que a pancada que o caminhão deu na moto do Ludo.
    Um final comovente e brilhante.
    Assisti outro filme muito lindo também com o ator François Cluzet, ” Intocáveis “.
    Ainda sôbre ele, acho-o muito parecido com o Dustin Hoffman.
    ” Até a Eternidade ” , um filme que não se esquece.
    Um abraço !!

  2. Embora tenha deixado algumas questões sem resolver, o filme é mesmo muito bom.

    É realmente impressionante a realização do Guillaume Canet. O roteiro e os diálogos não parecem ter sido escritos por alguém de apenas 37 anos.
    Uma pena que ele tenha desistido do papel de Antoine, não gostei do ator esquisitão. O personagem mostra um fato que hoje é bastante comum na nossa sociedade: marmanjos na casa dos 30 que não querem amadurecer, e se portam como adolescentes. Ridículos e patéticos. O Éric é outro, que mesmo perto dos 40, não demonstra maturidade, e só pensou em valorizar a namorada depois que a perdeu. Típico. Além disso usa tênis de cano longo (só se usa tênis de cano longo em duas circunstâncias: na adolescência – dependendo do gosto – ou quando se é jogador de basquete. Quer dizer…). O bom foi que ele deu o próprio prognóstico depois de ter levado o passa-fora: é um canalha egoísta, e quando estiver com 60 anos vai ser do tipo que correrá atrás das meninas de 20.

    Para mim os personagens mais interessantes são o Vincent e o Jean-Louis. A Véro também é legal pelas chamadas sem medo que dá no marido – e ele sempre a obedece, hehehe.

    Não sei se é porque a Marion é mulher dele, mas o Canet não economizou nos closes e cenas com ela, só que a personagem (bissexual?) meio que deixou a desejar.

    Concordo com o Ivan: acho que faltou falar mais do tal Ludo. Será que ele era realmente uma pessoa tãão boa? Ou virou mártir só porque morreu?

    Gostei das crianças, apesar de aparecem pouco, e também da trilha sonora.

    And last but no least: não entendo um filme atual mostrar apenas celulares ultrapassados, do começo do século (ainda que um MacBook de última geração, tenha aparecido algumas vezes na história). E como você já disse aqui, é de fato fantástico que os personagens de filmes de todo e qualquer país usem apenas computadores da Apple.

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