Anotação em 2010 (postada em fevereiro de 2011): Mais um filme do cinema independente americano falando sobre famílias disfuncionais – e é um bom filme. Se o tema genérico é bastante comum, este Um Amor de Verão/Middle of Nowhere tem, no entanto, uma especificidade interessante. Fala de tráfico e uso de droga entre jovens comuns, classe média, não marginais, criminosos – e fala desse assunto pouco usual de forma natural, suave, sem alarde, sem grande grilo.
Não me lembrava de ter ouvido falar do diretor, John Stockwell, nem dos atores – Eva Amurri, Anton Yelchin, Willa Holland. Peguei para ver para conhecer algo novo, desconhecido – e porque, além desses nomes desconhecidos, o elenco tem a grande Susan Sarandon.
Gostei do filme. É uma trama interessante, bem conduzida; a direção é boa, firme, tranquila, talentosa sem tentar criativóis. E os atores que para mim são desconhecidos estão ótimos. Em especial, essa moça Eva Amurri é surpreendentemente boa. Atua como se fosse uma veterana. E é bonita, de uma beleza estranha, nada Barbie, com uns olhos imensos, um rosto extremamente expressivo; mulher grande, opulenta, gostosa. É uma revelação que impressiona – e é uma das melhores coisas de um filme que tem várias qualidades.
Depois de ver o filme, indo ao IMDb para pegar os nomes dos atores, do diretor de fotografia, do autor da trilha sonora, me surpreendo com a informação de que Eva Amurri – que no filme interpreta Grace, filha de Rhonda, o papel de Susan Sarandon – é filha da grande atriz na vida real.
Bem, mas vamos por partes, como Jack, como Dexter.
Uma estudante aplicada, séria, com uma mãe que é um desastre
Um Amor de Verão conta a história do encontro de dois adolescentes, Dorian (Anton Yelchin) e Grace (o papel de Eva Amurri). O espectador conhece Dorian primeiro. Tem 17 anos, é inteligente, é extremamente articulado, tem um vocabulário rico e se expressa de forma quase requintada – mas gosta de um baseado, e é bastante anti-social, anti-convencional, o que provoca profundo desconforto nos pais, casal muitro rico do Estado de Mississipi. Como punição por suas atitudes anti-sociais, Dorian é enviado para passar o verão sob a tutela de um tio rigoroso, numa pequena cidade – o meio do nada do título original –, onde terá que trabalhar num parque aquático, a principal atração do lugar.
Só depois que o espectador acompanha a chegada de Dorian à pequena cidade no meio do nada é que fica conhecendo Grace, garota de 19 anos, no momento em que ela está conversando com uma funcionária a respeito de seu pedido de uma bolsa de estudos – com excelentes notas, ela foi admitida na faculdade de Medicina, mas tem que obter a bolsa, ou então pagar US$ 12 mil. Se não conseguir uma coisa nem outra, sua vaga estará perdida. A questão é que sua situação não é boa, conforme explica a funcionária: a garota tem dívidas em seu cartão de crédito de US$ 37 mil. A bolsa, portanto, não sairá.
E então ficamos conhecendo a mãe de Grace, Rhonda – o papel de Susan Sarandon. Rhonda é um desastre ambulante. É irresponsável, fútil, consumidora voraz. Foi ela que gastou a fortuna no cartão de crédito emitido em nome da filha, comprando roupas caras, extravagantes. Fia-se no sonho de que será indenizada na Justiça por um acidente de carro, e então tudo vai dar certo. Tem um caso com o cunhado, irmão de seu marido, que morreu seis anos antes; já tinha caso com ele antes da morte do marido. E não teria direito de ser mãe, se ser mãe exigisse concurso de provas e títulos. Não dá a mínima pelota para a filha mais velha, inteligente, aplicada, trabalhadora, e reserva toda a atenção à filha mais jovem, Taylor Elizabeth (Willa Holland), garota lindíssima, padrão clássico, tradicional, que pretende Rhonda transformar em modelo.
Mais tarde, os problemas familiares – tanto de Dorian quanto de Grace – vão se revelar ainda mais profundos do que isso que é apresentado ao espectador nos primeiros 15 minutos do filme, e que, naturalmente, não vou adiantar.
Dorian e Grace vão se conhecer no tal parque aquático – os dois trabalham lá como instrutores, salva-vidas, pajens de crianças, ela porque precisa de dinheiro, ele porque a família riquíssima exige que ele trabalhe em alguma coisa. Grace conta para uma amiga que precisa arranjar US$ 12 mil até o fim do verão, ou perderá a vaga na universidade. Ao que a amiga responde: – “É, vai precisar fazer muito boquete!”
Dorian ouve o diálogo. Está sem carro, Grace tem um. Dorian, o rico desajustado, vai oferecer parceria a Grace, a pobre certinha, estudiosa, no rendoso ramo de distribuição a domicílio de maconha.
Um delicado equilíbrio entre um suave humor e pequenas e grandes tragédias
A roteirista Michelle Morgan (quase homônima da bela atriz francesa Michèle Morgan, que fez muito sucesso nos anos 50 e 60) e o diretor John Stockwell conseguem obter um delicado equilíbrio entre a graça, um suave humor, e as durezas, as pequenas (e algumas até grandes) tragédias da vida desses dois personagens díspares. Na minha opinião, não derrapam nem na graça nem na barra pesada.
En passant, ben em passant, fingindo que não estão nem aí, ainda conseguem fazer uma interessante radiografia dessa coisa que é a hipocrisia e o absurdo com que os governos, as leis tratam a questão da droga. Verdade que escolheram uma droga suave, a maconha – mas, mesmo assim, é uma droga ilegal.
Aparentemente, todo mundo, ou quase todo mundo, naquela cidade cujo nome propositalmente não é explicitado, aquele fim de mundo, aquele meio do nada, fuma maconha – os jovens nas festinhas na casa dos pais, os adultos no campo de golfe.
É uma atitude corajosa, essa, do filme, em abordar sem rodeios, sem grande alarde, de forma quase natural, como já disse lá em cima, a coisa do pequeno tráfico da droga entre pessoas da classe média, e até média alta. Me lembro que, por ter ousado colocar em cena pessoas fumando maconha, numa boa, a comédia Simplesmente Complicado/It’s Complicated, de Nancy Meyers, de 2009, com Meryl Streep, Steve Martin e Alec Baldwin, teve problemas com a censura por faixa etária nos Estados Unidos; quiseram colocar o filme na mesma categoria dos filmes pornôs, a classificação X.
Vejo no IMDb que Um Amor de Verão – título besta, que indica algo que não existe – teve classificação R, de Restricted, a que vem logo abaixo de X.
Mas a coisa da maconha, do tráfico, não é o que mais importa na trama, no filme. Um Amor de Verão vai mais fundo nas questões familiares, no fosso entre as gerações, nas incompetências dos pais, os biológicos e os adotivos, na procura dos adolescentes por um sentido, por seu espaço no mundo. E nas pequenas peças que a vida prega na gente: muitas vezes as aparências enganam, e nos interessamos pela pessoa errada, embora a certa estivesse ao nosso lado.
Eva Amurri – um nome para se guardar, uma jovem veterana
Pois então Eva Amurri, essa moça que tem talento, além de uma beleza estranha e fascinante, é filha de Susan Sarandon!
Susan Sarandon ficou tanto tempo casada com Tim Robbins que nunca me ocorreu que ela tivesse uma filha do primeiro casamento. Vamos lá ver como é isso.
Eva Maria Livia Amurri nasceu em Nova York, em 1985, filha de Susan Sarandon e do diretor Franco Amurri. Susan e Amurri não foram casados no papel – embora esse detalhe não signifique absolutamente nada. A garota tinha um ano de idade quando a mãe iniciou sua relação com Tim Robbins; tinha sete quando o padrasto a colocou como figurante em seu maravilhoso Bob Roberts, de 1992. Em 1995, Robbins a colocou de novo num pequeno papel, em Os Últimos Passos de um Homem/Dead Man Walking. Representou uma filha da personagem de sua mãe em Doidas Demais/The Banger Sisters. Fez séries de TV – passou por Friends, Californication, House. Ao todo, tem 21 títulos no currículo. Então ela é de fato uma veterana.
Está sensacional neste filme aqui. Que tenha bons papéis, boas chances, porque talento, tem.
O garoto Anton Yelchin também está muito bem no filme. De fato não me lembrava do nome, mas já vi dois filmes com ele, no mínimo, que já estão no site: Alpha Dog, de Nick Cassavetes, de 2006, e Lembranças de um Verão/Hearts in Atlantis, de Scott Hicks, de 2001.
O diretor John Stockwell – que foi ator em 30 filmes e/ou episódios de séries de TV – não tem lá um currículo respeitável, pelo que vejo agora. Dirigiu oito filmes, dois deles para a TV. Antes deste filme aqui, tinha feito Turistas, que tudo indica ser um imenso abacaxi, sobre um grupo de americanos que se dá mal em férias num distante, remoto, pobre e obscuro país chamado Brazil.
Ou estava escondendo o jogo, ou está aprendendo, porque este aqui é um bom filme.
Um Amor de Verão/Middle of Nowhere
De John Stockwell, EUA, 2008
Com Eva Amurri (Grace Berry), Anton Yelchin (Dorian Spitz), Willa Holland (Taylor Elizabeth Berry), Susan Sarandon (Rhonda Berry), Justin Chatwin (Ben Pretzler)
Argumento e roteiro Michelle Morgan
Fotografia Byron Shah
Música Ferraby Lionheart
Produção Bold Films, Louisiana Media Productions, Nowhere Films
Cor, 95 min
***
No começo não levei muita fé, mas depois acabei gostando.
Não sei se por causa da Susan Sarandon ou se pela personagem de mãe despirocada, ele me lembrou o Em Qualquer Outro Lugar, filme em que ela tb vive uma mãe doidivanas, cuja filha é vivida pela Natalie Portman.
Eu adoro a Susan, pra mim, ela está sempre bem.
Os meninos estão ótimos tb, incluindo a atriz que faz a irmã mais nova de Grace.
Eva lembra muito a mãe, mas não cheguei a achá-la bonita, no máximo, exótica (e com um rosto bem jovem para a idade). Mas espero que decole no mundo do cinema.
Só achei meio nada a ver uma menina estudiosa e certinha como Grace, ter ido por uma caminho tão torto para conseguir dinheiro pra entrar na universidade. Ela poderia tentar a vaga novamente, no ano seguinte, apelar para a tal tia, enfim…
O Dorian, apesar de desajustado e pra quem eu não dava nada, se mostrou um bom rapaz, cabeça boa, surpreendeu. Aquilo que vc falou no texto, de as aparências enganarem, às vezes.
Apesar dos dramas da história, o filme conseguiu uma certa leveza.
Não vi Turistas, mas lembro que foi bastante comentado quando foi lançado aqui; quiseram boicotá-lo pq parece que fala mal do Brasil, mas acho que não deu em nada.