Nota:
Anotação em 2010: Este novo filme de Peter Jackson tem uma beleza visual impressionante, de babar, e um grande elenco em ótimas atuações, no qual se destaca, mais que tudo, essa garotinha de talento absurdo, Saoirse Ronan.
Saoirse Ronan criou uma extraordinária Briony Tallis – um dos personagens mais complexos que já apareceram no cinema nos últimos anos – em Desejo e Reparação, de 2007, a transposição para a tela do romance magistral de Ian McEwan. No mesmo ano, em um filme menor que o anterior, mas uma produção caprichada, requintada, Atos que Desafiam a Morte, ela simplesmente roubou a cena, mesmo contracenando com Guy Pearce, Timothy Spall e Catherine Zeta-Jones.
Neste Um Olhar do Paraíso/The Lovely Bones, de 2009, ela também está entre gente grande – Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Susan Sarandon, Stanley Tucci – e de novo rouba a cena.
Os efeitos visuais espetaculares pontuam todo o filme – praticamente metade das tomadas é ocupada por efeitos especiais, o tal olhar do paraíso do título brasileiro do filme, a visão de uma adolescente morta, Susie Salmon, a personagem interpretada por Saoirse Ronan. É um visual esplendoroso – daqueles que dá vontade de rever, e rever de novo, imagens oníricas, surreais, irreais, assustadoramente impressionantes –, mas é Saoirse Ronan que brilha mais. Até mesmo com a voz – ela é a narradora da história. O texto que os roteiristas criaram para a a garota Susie descrever sua trágica história é excelente, e fica ainda mais valorizado pela voz expressiva da jovem atriz.
“Meu assassino era um homem da nossa vizinhança”
Aos 14 anos, Susie é a filha mais velha de Jack e Abigail Salmon (interpretados por Mark Wahlberg e Rachel Weisz), um casal ajustado, feliz, classe média, numa pequena cidade da Pensilvânia, no início dos anos 70. Abaixo dela vem Lindsey (Rose McIver), de uns 12 anos, e Buckley (Christian Ashdale), de uns 7. Susie é inteligente, criativa, alegre, numa família de gente que se gosta, gente carinhosa. O acontecimento mais espetacular da vida dos Salmons, nos conta a voz de Susie-Saoirse Ronan, foi quando Buckley, no meio de uma brincadeira, engoliu um graveto e parou de respirar; Susie pegou o carro da família, botou o garoto lá dentro e o levou para o hospital.
Vemos Susie num corredor do hospital com a avó materna, Lynn (interpretada por Susan Sarandon), e ouvimos a voz da narradora dizendo uma frase assim (não é literal; cito de memória): “Vovó me disse que, segundo os budistas, quem salva a vida de alguém tem uma vida longa. Como sempre, vovó estava errada”.
Estamos aí com uns 10 minutos de filme, e a narradora, de 14 anos de idade, conta que não teria uma vida longa.
Passam-se mais uns poucos minutos, e a voz em off da narradora diz (aqui é literal, transcrito pelo iMDB):
– “Meu assassino era um homem da nossa vizinhança. Tirei uma foto dele, uma vez; ele apareceu do nada e acabou com a foto. Ele acabou com um monte de coisas.”
Peter Jackson é hoje um tanto o que Spielberg foi nos anos 70
O diretor neo-zelandês Peter Jackson é um fenômeno. Fiquei pensando que ele tem sido assim, nos últimos anos, uma espécie do que foi Steven Spielberg nos anos 70: um incrível fazedor de filmes espetaculares que arrebatam o público ao redor do mundo. Um fazedor de blockbusters – a trilogia O Senhor dos Anéis, entre 2001 e 2003, foi um tremendo sucesso de público no mundo inteiro, e ainda arrebanhou um monte de prêmios, Oscars inclusive. Os três filmes levaram 17 Oscars, fora outras 13 indicações da Academia. Me dei ao trabalho de somar os números apresentados no iMDB: a trilogia ganhou, ao todo, 263 prêmios. Um absurdo.
Depois, em 2005, ele ainda fez a terceira versão de King Kong – um exercício de como levar ao extremo dos extremos o exagero do exagero do exagero.
Quatro filmes de sucesso espetacular, quatro blockbusters, quatro filmes com criaturas de ficção, seres não humanos.
Depois de tanta magia, de tanta ficção/fantasia, de tantos seres não humanos, em 2009 Peter Jackson veio ao mundo real, em que adolescentes são assassinados por vizinhos psicóticos.
Adolescentes do mundo real e psicose, no entanto, não eram novidade na carreira dele. Em 1994, com Almas Gêmeas/Heavenly Creatures, filme de produção simples, orçamento normal, regular, senão pequeno, o diretor havia chamado a atenção do mundo inteiro. Era a história de duas adolescentes de classe média na Nova Zelândia que vivem em um mundo de fantasia – e da fantasia passam para a tragédia. Não dá para evitar a lembrança: naquele seu filme de 1994, Jackson dirigiu uma jovem de talento absurdo, então com 19 aninhos de idade – Kate Winslet.
Ao retornar ao universo de adolescentes do mundo real, após quatro aventuras pelo reino da magia, da ficção/fantasia, ele volta a dirigir uma jovem atriz de talento absurdo. (Saoirse Ronan nasceu – é necessário o registro – em Nova York, em 1994. Estava, portanto, com 15 anos quando fez o filme.)
Só que, de tanto se aventurar pela magia, Peter Jackson não consegue mais passar sem ela. Sua história da garota assassinada pelo vizinho voa pelo sobrenatural, pelo que vem depois da morte – o que dá ao diretor o ensejo de fazer aquelas imagens extraordinárias.
O narrador que conta sua história no além-túmulo
E aqui gostaria de fazer uma pequena digressão sobre essa coisa do narrador que conta a história depois de morrer. É uma bela sacada de narrativa. Antes de vê-la no cinema, ouvi nas canções. Joan Baez gravou duas vezes em estúdio “Long Black Veil”, canção que teve diversas outras gravações, inclusive uma de Mick Jagger com os irlandeses do Chieftains. É uma belíssima folk song assinada pela dupla Wilkin-Dill, em que o narrador descreve a epopéia que viveu e que o levou a ser condenado à morte por um crime que não cometeu; e sua amada costuma visitar à noite seu túmulo, de onde ele conta sua história, embaixo dos pés dela.
Depois Neil Young fez “Powderfinger”, um rock rascante, cortado por riffs fortes de guitarra, em que o narrador – um jovem colonizador do Oeste americano – detalha como os ladrões foram chegando à fazenda da família dele e deram um tiro em sua face. Os canadenses do Cowboy Junkies depois fizeram uma versão bem mais lenta da música, realçando a força dos versos de seu conterrâneo.
Belas narrativas do além-túmulo.
Esta aqui, feita por Peter Jackson, é também uma bela, e tristíssima narrativa. O diretor é um dos autores do roteiro, ao lado Fran Walsh e Philippa Boyens; é a transposição para a tela de um romance que foi um grande best-seller nos Estados Unidos, de autoria de Alice Sebold.
Em várias das minhas anotações, faço críticas aos filmes em que o diretor usa e abusa de trejeitos, tiques, invencionices formais. Chamo isso de fogos de artifício, e desço a lenha.
Peter Jackson usa todos os fogos de artifício possíveis e imagináveis, e inclusive os inimagináveis – e no entanto não dá para criticá-lo. Seus fogos de artifício são incrivelmente bem feitos, e belos. Seu filme é muito, muito bom.
Um Olhar no Paraíso/The Lovely Bones
De Peter Jackson, Inglaterra-EUA, 2009
Com Saoirse Ronan (Susie Salmon), Mark Wahlberg (Jack Salmon), Rachel Weisz (Abigail Salmon), Susan Sarandon (vovó Lynn), Stanley Tucci (George Harvey), Michael Imperioli (Len Fenerman), Rose McIver (Lindsey Salmon), Christian Ashdale (Buckley Salmon), Reece Ritchie (Ray Singh)
Roteiro Peter Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens
Baseado no livro de Alice Sebold
Fotografia Andrew Lesnie
Música Brian Eno
Montagem Jabez Olssen
Produção Wingnut Pictures, DreamWorks, Film 4
Cor, 136 min
***1/2
Título em Portugal: Visto do Céu
Parece que o filme não teve boa aceitação de crítica nem de público, mas eu gostei, embora tenha achado profundamente triste e denso; ele me deixou impressionada mesmo algumas horas depois do término, ainda que o diretor não tenha usado cenas de violência (ainda bem).
Não gosto de filmes que misturam as coisas, fico meio nauseada com o surrealismo e as cenas sem sentido (talvez por isso nunca tenha gostado de Alice no País das Maravilhas, nem mesmo do livro), mas aguentei firme e forte pq queria acompanhar o desfecho – graças ao roteiro e ao suspense que ele conduziu bem – , mas acho que ele não soube ligar as cenas da vida após a morte com as da vida na Terra. Além disso os fogos de artifício, como vc chama, não me agradaram. Parece que ele ficou mais preocupado com o fantasioso, o exagero, o colorido surreal do que com a história e com os outros personagens.
Ainda assim, o suspense que se formou depois da metade do filme, a atuação da Saoirse, do Stanley Tucci e da Susan Sarandon, sempre ótima mesmo num papel pequeno, salvaram o filme. E o tema vida após a morte sempre me interessa – apesar de alguns falarem que o tema principal não era esse. Whatsoever.
A menina Saoirse, ouso dizer, será melhor que Kate Winslet, caso não se perca pelo caminho. Ela é muito, muito boa (e fisicamente se parece muito com uma prima minha, têm até a mesma idade; o que acho que me incomodou um pouco – por causa da morte horrorosa da personagem dela).
Eu não vi o filme e pelo que li não me parece que o vá fazer, mas pode ser que mude de ideias.
Dele gostei mesmo foi de “Amizade sem Limites/Heavenly Creatures”. Acho que ele acertou em cheio. E foi o primeiro filme da Kate Winslet, que é uma senhora actriz.
Caro José Luís, é um belo filme. Acho que você deveria experimentar.
Um abraço.
Sérgio
Gostei. A Ronan é muito talentosa. Achei muito estranha a cena que a irma acha o livro, muito amadora, não entendo a cena como entrou no filme, tem alguma explicação pra não ter sido refeita? Depois tb vi as criticas negativas e acho que é porque esperavam muito do filme e ele é só um bom filme. Parabens pelo site que está cada vez melhor!
Eu amo muito a Saoirse, acho ela linda e sou superfã dela, ela tem muito talento e eu amei a atuação dela em Um Olhar do Paraíso! Amei o filme. Ele foi muito bem feito e acho que todos devem ver pelo menos uma vez. O filme é bom mas acima de tudo triste, lindo e triste. Amei o final, muito lindo. Recomendo a todos!
Beijos,
Sofi
ela morreu na sua vida real
Gostei do filme! Tanto que revejo quase todos os dias algumas partes que me interessaram mais .. achei que o diretor se equivocou com o final, pois não foi o esperado pelo público (creio eu). Os efeitos especiais foram muito bem feitos, as tonalidades fortes em algumas cenas tornou o filme mais “VIVO”. Além dos atores se encaixarem perfeitamente aos papéis da trama.
adorei o filme.. tenho filhas adolescentes. e mexeu muito comigo esse filme..toda vez que passa na net assisto..hj mesmo passou. abraços
Para mim, Peter Jackson é um dos cineastas mais injustamente superestimados do cinema. De filmes de terror “trash” repulsivos realizados na Nova Zelândia, ele ganhou fama e reconhecimento da crítica mundial com o repulsivo “Almas Gêmeas” (1994), um filme sensacionalista e tendencioso que em alguns momentos parece até romantizar o crime, ao retratar as protagonistas como personagens “graciosos” e “simpáticos” aos olhos do público. Logo depois, Jackson dirigiu o besteirol “Os Espíritos” (1997, com o Michael J. Fox) até alcançar a aclamação universal com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, uma epopeia pseudo-cristã que se apóia nos efeitos especiais para esconder a sua falta de conteúdo. Com tanta simbologia católica, presentes também nos livros originais, não é de espantar que essa trilogia seja tão cultuada por católicos ultraconservadores (como o padre olavista Paulo Ricardo). Depois de realizar a pior versão do King Kong já vista no cinema, Jackson dirigiu esse drama açucarado com pretensões espirituais que parece não ter agradado muito o público nem a crítica. Embora eu seja fã da Kate Winslet e da Saoirse Ronan, eu não consigo rever os filmes desse charlatão chamado Peter Jackson.