Anotação em 2010: Os afetos, as desilusões, os problemas, as alegrias de três mulheres na faixa dos 35 anos em Paris, hoje. Como a direção é de Cécile Telerman, a trama é boa e aborda temas sérios, as personagens são muito bem construídas e interessantes, interpretadas por três belas e talentosas atrizes francesas, é um bom, agradável, interessante filme.
Os créditos iniciais aparecem sobre fundo preto, e não já sobre imagens – mas, enquanto vão rolando os nomes dos atores e dos membros da equipe, vamos ouvindo vozes de mulheres em off, mulheres fazendo compras, experimentando roupas. Com base nesses diálogos iniciais, e a foto da capa do DVD – três mulheres caminhando carregando pacotes de compras –, Mary, o gatilho mais rápido do Oeste, sentenciou: “uma espécie de Sex and the City francês”. A lembrança, de fato, é inevitável.
Sim, é uma espécie de Sex and the City. Mas é francês, dirigido por uma mulher – e isso faz diferença. Como dizia o jornalista Paulo Duarte, são alguns milhares de anos de civilização a mais.
O filme não é sisudo, ou chato – muito ao contrário, o tom é bem humorado, os diálogos, sempre muito bons, são cheios de sacadas engraçadas –, mas não é leviano, superficial, simplificador, reducionista.
Quando terminam os créditos iniciais, lá estão elas, em uma loja de roupas. Juliette (Mathilde Seigner) está sozinha, provando uma calça apertadíssima e cara. Marie (Judith Godrèche) e Florence (Annie Parillaud) estão juntas – ouvem a voz conhecida de Juliette no provador de roupas ao lado e vão até lá; fazem aquela festa com gritinhos que as mulheres fazem quando se encontram. As três são amigas de infância.
Corta, e temos uma linda tomada das três belas jovens senhoras caminhando por uma calçada ampla de uma avenida, falando as três ao mesmo tempo. Mas não ouvimos as pequenas bobagens que elas certamente estão falando: a diretora Cécile Telerman, assim como Lelouch fez genialmente em algumas cenas de Um Homem, Uma Mulher, corta o som das vozes – pois afinal estão falando apenas banalidades sem importância – e nos deixa com uma música ao fundo.
Cenas da vida de Juliette, Marie, Florence
O que o espectador vai ver a partir daí são cenas das vidas de Juliette, Marie e Florence.
Juliette-Mathilde Seigner, advogada, não se dá bem no amor; é a única solteira das três. Quando a ação começa, está com um namorado, mas, com menos de dez minutos de filme, ele dá o fora nela. Exigente, ansiosa, nervosa, Juliette é uma consumidora voraz, uma gastadora do dinheiro que tem e do que não tem. As contas estouradas no banco vão fazê-la conhecer o gerente Simon (Pascal Elbé), com quem travará duras batalhas – para Juliette, o fato de sua conta ficar no vermelho é culpa do gerente de banco, e não dela.
Marie-Judith Godrèche é médica; está casada há uns 15 anos com Pierre (Mathias Mlekuz), um pintor apaixonado por seu trabalho, mas sem o mínimo interesse em tentar vender quadros. Veremos que, na verdade, Pierre é bastante folgadão, e quem carrega o bonde nas costas – as contas, os cuidados com os dois filhos, com a casa – é Marie.
Florence-Anne Parillaud é publicitária, trabalha há quase oito anos numa agência cujo dono é um chato de galocha – não é à toa que o apelido dele é Calígula (Pascal Elso). Florence parece ainda não perceber, mas seu marido, Julien (Thierry Neuvic), também é um chato de galocha, sempre distante, ausente, workaholic fanático, eternamente preocupado com ganhar mais e mais grana.
Depois de algum tempo, uma grande reviravolta – ou não?
Poucos dias antes de ver este Tudo por Prazer, feito em 2005, tinha visto o filme que Cécile Telerman fez em 2009, Algo que Você Precisa Saber/Quelque Chose à te Dire; os dois filmes têm Mathilde Seigner, Pascal Elbe e Marina Tomé no elenco, e seus roteiros foram escritos pela diretora e por Jérôme Soubeyrand. É, portanto, daquele tipo de cineasta que gosta de trabalhar sempre com o mesmo grupo de colaboradores – uma bela característica, que sempre admiro.
Algo que Você Precisa Saber leva um bom tempo para revelar onde exatamente quer chegar. Até quase a metade da ação, o que se vê é um drama familiar, apenas. Só lá pela metade ele tem uma fantástica reviravolta e, embora continue, é claro, sendo um drama familiar, vira também quase um thriller, um filme de suspense.
Fiquei então imaginando se, como no seu filme mais recente, Cécile Telerman faria alguma reviravolta na sua trama. Acho que não é um spoiler contar que, não, aqui não há grande reviravolta. O tema da diretora é este mesmo: as vidas de três mulheres de 30 e tantos anos na Paris de hoje. Não há fogos de artifício, nem na linguagem cinematográfica, nem na trama criada pela diretora e seu co-roteirista. Como dizia Dylan, it’s life and life only.
Não são vidas especialmente cheias de grandes aventuras, de forma alguma, as de Juliette, Marie e Florence; são vidas normais, ordinárias no sentido de comuns. Gente como a gente.
Mas também não são vidas chatas, aborrecidas. São normais – com alegrias e desilusões, surpresas e coisas previsíveis.
Uma diretora que tem simpatia por seus personagens
Poderia ser apenas um filme bonzinho, correto. É bem mais do que isso graças à grande sensibilidade da diretora, ao delicioso humor dos diálogos inteligentes e ao imenso talento das três atrizes, todas do primeiro time do cinema francês de sua geração. É uma maravilha ver as atuações de Mathilde Seigner, Judith Godrèche e Annie Parrillaud.
Um belo filme.
E aqui me permito uma digressãozinha.
Há diretores que têm profundo desprezo por seus personagens. Chabrol é o exemplo mais típico: todos os seus trocentos filmes são um derramamento de bílis, de fel, diante dos personagens, pequenos burgueses que ele considera estúpidos, idiotas. No cinema italiano, como várias vezes já disse nas minhas anotações, esse é um fenômeno recorrente, quando se trata de pessoas da classe média para cima: para os diretores italianos, todos eles comunistas ou socialistas, se uma pessoa não é operária, se tem um pouquinho mais do que o mínimo para sobreviver, é necessariamente um chato, ou neurótico, ou profundamente infeliz, ou sacana, ou todas as alternativas anteriores juntas.
Felizmente, Cécile Telerman, assim como, por exemplo, Danièle Thompson, não é desse tipo.
Seu filme mostra as pequenas pequenezas da vida dessa gente classe média, sua incapacidade de enfrentar bem os problemas que surgem. Mas não são todos eles uns imbecis. Cécile Telerman parece gostar dos personagens que cria. Tem simpatia por eles. Ela é muito mais Frank Capra ou François Truffaut que Claude Chabrol. Graças ao bom Deus.
Ela estréia como se fosse veterana
Tudo por Prazer foi o primeiro filme dirigido por Cécile Telerman – e, até agora, ela só dirigiu dois, este aqui e Algo que Você Precisa Saber. Nascida na Bélgica, estudou Direito; trabalhou no departamento jurídico da Sociedade dos Autores do CNC, o centro nacional da cinematografia da França. Tornou-se diretora administrativa da Sagittaire Films, uma empresa distribuidora de filmes de arte, e mais tarde foi co-fundadora, com um amigo de infância, de uma produtora especializada em documentários.
De fato, uma fascinante trajetória.
É de babar: já em sua estréia, a cineasta parecia uma veterana. Não tenta inventar, não cede a maneirismos: cria uma boa história, e a conta bem.
Que faça muitos filmes.
Tudo por Prazer/Tout pour Plaire
De Cécile Telerman, França-Bélgica, 2005.
Com Mathilde Seigner (Juliette), Anne Parillaud (Florence), Judith Godrèche (Marie), Pascal Elbé (Simon), Thierry Neuvic (Julien), Mathias Mlekuz (Pierre), Pascal Elso (Caligula), Marina Tomé (mulher do instituto de beleza)
Argumento Cécile Telerman
Roteiro e diálogos Cécile Telerman e Jérôme Soubeyrand
Fotografia Matthieu Poirot-Delpech
Música Adrien Blaise
Produção La Mouche du Coche Films, Les Films de la Greluche, Canal+
Cor, 105 min
***
Título em inglês: Thirtyfive Something
Puxa! Como assim, mulheres na faixa dos 35 anos já são “jovens senhoras”? Pra mim, mulheres só deviam começar a ser chamadas de senhoras lá pelos… acho que 85 anos é um bom número.
Vou ali me enforcar num pé de cebolinha e volto depois que assistir ao filme (apesar de eu de-tes-tar qualquer coisa que lembre Sex and the City).
Ih, cacilda, cometi de novo esse erro. Na redação quase só de mulheres da Marie Claire, uma vez cometi a besteira de, na reunião de pauta, chamá-las de jovens senhoras, e quase fui linchado.
Mas eu acho que é um elogio, um cumprimento, uma coisa maravilhosa, ser jovem senhora.
Como a garotinha Christine que havia acabado de casar com o Antoine Doinel em Domicílio Conjugal, que, para cada pessoa que a chama de Mademoiselle, responde, orgulhosíssima: Pas Mademoiselle! Madame!
Um abraço, Jussara!
Hehehe, preciso rever esse meu conceito então, mas não me agrada muito ser chamada de jovem senhora. E desde que convencionaram chamar todo mundo de senhora e senhor nos atendimentos ao público, que isso vem infernizando, pois mesmo que a pessoa tenha 20 anos ela vai ser chamada inevitavelmente de senhor/senhora.
Sempre gostei de “senhorita”, embora seja pouquíssimo usado no Brasil.
Por outro lado fui criada chamando os mais velhos de senhor e senhora e confesso que acho bonito (quando é falado com educação, convicção e respeito e não apenas por convenção nem automática e irritantemente), mas as gerações mais novas aboliram e hoje raimundo e todo mundo virou “você”. Portanto, se eu tiver filhos vou ensiná-los a me chamar de senhora, hahaha. Go figure!
Falar do filme que é bom, nada, né? Mas é que não encontrei as legendas e ma français est trés bizarre.