Sra. Dalloway ou A Última Festa / Mrs. Dalloway

Nota: ★★★☆

Anotação em 2010: Suave, belo, triste, melancólico filme. Elegante, contido, inglês até a medula, embora dirigido por uma holandesa, Marleen Gorris. A sempre magnífica Vanessa Redgrave, essa deusa, atriz maior, está soberba, maravilhosa.

Não li o romance de Virginia Wolf em que o filme se baseia; confesso que nunca li Virginia Wolf na vida; é uma das muitíssimas lacunas do meu pequeníssimo conhecimento. Não posso dizer o quanto o roteiro de Eileen Atkins foi fiel à cultuada escritora.

Mas o que dá para dizer é que o filme baseado em uma de suas obras mais conhecidas é permeado por uma profunda melancolia – é uma história outonal, crepuscular, de fim de ciclo, fim de época, fim de vida. Um olhar terno e amargurado sobre a passagem do tempo, a comparação entre o que as pessoas eram quando bem jovens e o que são agora que estão próximas da morte; o que foi, o que poderia ter sido, o que não foi – um exame do que eram os projetos, os sonhos, as possibilidades, na comparação com o que de fato aconteceu.

Não sei se tem a ver, mas fiquei com a sensação de que Mrs. Dalloway faz lembrar muito Os Vivos e os Mortos/The Dead, que John Huston fez uma década antes, em 1987, baseado num conto de outro autor das Ilhas Britânicas, James Joyce. Os Vivos e os Mortos “se passa em uma noite de Reis, em Dublin, em 1904, e a ação se concentra quase toda na casa das tias de Gabriel Conroy (Donal McCann, extraordinário), que, com sua mulher Gretta (Anjelica Huston, talvez em seu melhor momento) e outros convidados, participarão da ceia onde se repartirão memórias, poesias, canções, pequenas ironias, pedaços de ganso assado da tia Kate e fatias do Christmas Puddim”.

O texto entre aspas está neste site e foi escrito por Sandro Vaia; é um dos pouquíssimos textos que estão aqui e não foram escritos por mim; Sandro é apaixonado pelo filme que Huston “dirigiu numa cadeira de rodas”, e em que “ele parece usar a voz de Joyce para cantar sua última ode à aventura humana, na qual sua participação se encerraria em breve”.

         Uma festa para uma pequena multidão de convidados

Como em Os Vivos e os Mortos, boa parte da ação de Mrs. Dalloway se passa em um único dia – em Londres, em 1923. A personagem central, a Mrs. Dalloway do título (o papel de Vanessa Redgrave, naturalmente), dará à noite uma festa, para uma pequena multidão de convidados, gente nobre e rica, em sua bela mansão. Na festa, reencontrará dois amores de sua juventude, Peter e Sally (Michael Kitchen e Sarah Badel).

Ao longo de todo o dia, enquanto se dedica aos preparativos para a festa, Mrs. Dalloway é perseguida por lembranças dos dias em que era jovem e tinha toda a vida à sua frente, e convivia, na mansão rural dos pais, com os jovens Peter e Sally – interpretados, quando jovens, por Alan Cox e Lena Headey, enquanto ela mesma, então Clarissa, é feita por Natascha McElhone, essa atriz de beleza admirável, forte, absolutamente fora do padrão Barbie.

O roteiro alterna o tempo todo as duas épocas – os tempos da juventude na mansão rural e os tempos da velhice na mansão londrina.

Esse esquema de idas e vindas no tempo tem sido usado demais, em diversos filmes, e ele me cansa um pouco.

Só para citar um desses muitos filmes: em Ao Entardecer/Evening, de 2007, o personagem da mesma Vanessa Redgrave está à morte, e é perseguida por lembranças do tempo em que era muito jovem – e a ação vai e vem no tempo incessantemente. Há dezenas de outros exemplos.

Repito: não sei se Virginia Wolf usou esse esquema de idas e vindas no tempo – mas a opção da roteirista Eileen Atkins me parece a correta. É através desse jogo passado-presente que se realça o que o filme quer mostrar, os abismos entre o que achávamos que nossas vidas nos trariam e o que a vida acabou de fato nos trazendo.

         Não grande tragédia, não dor insuportável – apenas melancolia

Um suave, triste, melancólico balanço da vida que foi, dos sonhos do que teria podido vir a ser. Nenhuma grande explosão, nada de fogos de artifício – apenas alguns suspiros, sussurros. Nenhuma grande tragédia, nenhuma dor insuportável – apenas melancolia.

Os jovens Peter e Sally, espírito aberto, inteligentes, à frente de seu tempo, cheios daquela certeza jovem de que poderiam mudar o mundo, igualmente apaixonados pela bela Clarissa, acreditavam que ela poderia vir a ser grandiosa. Clarissa, no entanto, tinha medo de grandes saltos; achava que a paixão de Peter era exigente demais, sufocante; preferia algo mais seguro, mais pé na terra, mais mediano.

A Clarissa velha não consegue afastar dos pensamentos as memórias da juventude – mas sua preocupação hoje é que sua festa funcione, que dê certo, que as pessoas se divirtam.

Os caminhos entre a possibilidade da grandiosidade e a realidade medíocre são mais curtos do que podemos imaginar quando somos jovens.

         No livro tal qual no filme, o passado invadindo o presente

Fui dar uma olhada em Mrs. Dalloway, o romance que nunca tive coragem de enfrentar, embora tenha um exemplar dele desde 1972. É exatamente – dá para perceber perfeitamente com uma rápida olhada no primeiro capítulo – da forma com que Eileen Atkins escreveu o roteiro: é a mistura dos tempos continuamente, os 18 anos em Bourton, a propriedade no campo, se mesclando com a mais que maturidade na mansão em Westminster.

“Podia relembrar cenas e cenas em Bourton – Peter furioso. (…) O que lhe interessava era a situação do mundo; Wagner, a poesia de Pope. (…) E ei-la que ainda se achava argumentando no St. James Park, ainda provando que faria bem – como o fizera – em não se casar com ele. Pois no casamento é preciso um pouco de liberdade, um pouco de independência entre pessoas que moram juntas, dia após dia, na mesma casa; o que Richard lhe concedia, e ela a ele.”

Preciso ler Mrs. Dalloway.

         As ilhas em que se faz o melhor cinema do mundo hoje, na minha opinião

Feito em 1997, Mrs. Dalloway, o filme, foi lançado no Brasil em VHS pela Paris Filmes, com o título de Sra. Dalloway. Parece que saiu agora, em meados de 2010, em DVD pela primeira vez, pela Casablanca Filmes. Mary achou o filme na locadora como lançamento, com um novo título – A Última Festa. Só quando o filme começou e vi o título original foi que percebi que já havia visto – e verifiquei que tinha sido em meados de 1998. Naquela época, anotei apenas quatro linhas: “Suave, bonito. Deve ter sido o primeiro filme da diretora Marleen Gorris depois de A Excêntrica Família de Antonia, que levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro batendo O Quatrilho. Vanessa Redgrave está soberba.”

Estava certo, quando fiz a rápida anotação para mim mesmo. A Excêntrica Família de Antonia é de 1995, e Mrs. Dalloway veio logo a seguir, na filmografia de Marleen Gorris, dois anos depois. Dame Vanessa estava com 60 anos, quando fez o filme; Natascha McElhone, inglesa como Vanessa, estava com 28, mas parecia de fato ter uns 18, como a Clarissa jovem.

Ao rever o filme agora, 13 anos depois que ele foi feito, fiquei pensando, mais uma vez, que estou correto quando digo que o melhor cinema do mundo, nas duas últimas décadas, tem sido o feito nas Ilhas Britânicas. Mesmo quando a diretora é holandesa.

Sra. Dalloway ou A Última Festa/Mrs. Dalloway

De Marleen Gorris, Inglaterra-Holanda, 1997.

Com Vanessa Redgrave (Mrs. Clarissa Dalloway), Natascha McElhone (Clarissa jovem), Michael Kitchen (Peter Walsh), Alan Cox (Peter jovem), Sarah Badel (Lady Rosseter), Lena Headey (Sally jovem), John Standing (Richard Dalloway), Robert Portal (Richard jovem), Oliver Ford Davies (Hugh Whitbread), Hal Cruttenden (Hugh jovem), Rupert Graves (Septimus Warren Smith), Amelia Bullmore (Rezia Warren Smith), Margaret Tyzack (Lady Bruton), Robert Hardy (Sir William Bradshaw), Richenda Carey (Lady Bradshaw)

Roteiro Eileen Atkins

Baseado no romance Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf

Fotografia Sue Gibson

Música Ilono Sekacz

Produção First Look Pictures, Bayly/Paré, Bergen Film), BBC Films. DVD Casablanca Filmes

Cor, 97 min

R, ***

9 Comentários para “Sra. Dalloway ou A Última Festa / Mrs. Dalloway”

  1. Acabei de ler o romance e agora fiquei ansiosa para ver o filme. Vim procurar algo sobre o filme e achei seu texto.
    Pelo o que vc diz, parece que um personagem fundamental do romance está ausente no filme, o Septimus, personagem-chave para entender a protagonista. No romance, as memórias da juventude de Mrs Dalloway não são o núcleo da narrativa, embora sejam frequentes. Na verdade, os pensamentos de Clarissa são mais existencialistas do que simples memórias.
    Porém, o cinema não tem qualquer obrigação de repetir o enrendo literário. Tem sua própria aura.

    Quanto ao romance, é genial, muito técnico, experimental, diria que é bastante cerebral.

    Grata pelo texto!

  2. “O filme é deplorável, isso se nos preocuparmos com o senso estético e artístico. Transpor o romance Wolfiano ao cinema foi deprimente, simplesmente reuniu-se atores sen capacidade interpretativa, cliches britanicos, direçao e arte mais que insatisfátorios, figurinos insípidos e uma tentativa vã de representar-se o fluxo de consciencia qual perfeitamente imbuído de peculiaridade no mundo literário. Foi uma acepçao errônea tentar concentrá-lo na arte cinematográfica se é que um filme como este pode ser arte.”

    Sergio, este foi o comentário com certeza de um Tresloucado, de alguém que estava surtando, e se achou o DEUS do cinema. Acho que ele quis dar uma de um crítico severíssimo de cinema. Na minha opinião, quanta merda ele falou. Atores sem capacidade interpretativa… O que diría Vanessa Redgrave se ouvisse isto? Direçao e Arte, ruíns… figurinos insípidos… e, dizer que este filme não é arte…
    Acho que este cara está no lugar errado.
    Como voce diz, toda discordância é benvinda, mas a opinião deste sujeito , é tudo menos discordar de alguma coisa.
    Não sei … me deu vontade de te mandar e muita curiosidade de saber a tua opinião sôbre o comentário deste sujeito.
    Parabéns pelo site. Boa tarde.

  3. Sergio. o comentario deste sujeito(Gustavo), estava postado no “Interfilmes.co ” em 29/09/2008. Bem lá atráz mas, não deixa de ser um tresloucado do mesmo jeito.
    Abraço e boa tarde.

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