3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Eis aí uma comedinha romântica do cinemão americano que é interessante, divertida, com muitas qualidades – até mesmo boas qualidades morais. Ao contrário do que diz o título brasileiro, Novidades no Amor, o tema principal do filme não é novo: mulher madura envolve-se com homem bem mais jovem.
A protagonista, interpretada pela estonteante galesa Catherine Zeta-Jones, chama-se Sandy, uma mulher de 40 anos (exatamente a idade da atriz, nascida em 1969), casada, uma filha e um filho garotos aí na faixa dos 6 a 8, dona de casa em tempo integral, classe média alta, vivendo em uma bela casa de subúrbio. Antes mesmo que terminem os créditos iniciais, Sandy descobre que o marido, Frank, a trai com uma amiga do casal – Frank dá uma rapidinha com a moça na própria casa da família, enquanto Sandy cuida da festa de aniversário de Frank Jr.
Vai daí que os créditos iniciais ainda estão rolando e Sandy, mais os filhos Frank Jr. e Sadie, está chegando a Nova York, para começar uma nova vida enquanto aguarda o divórcio. A nova vida vai incluir, naturalmente, procurar trabalho. Sandy tem diploma de jornalismo em Stanford, uma das mais respeitadas universidades americanas, uma também respeitável pós-graduação e nenhuma experiência profissional – aquele tipo bem comum de mulher, ainda hoje, que abre mão da carreira para cuidar do marido, da casa, dos filhos.
Estamos em uma comédia romântica, não num drama realista
Sandy conseguirá, bem rapidamente, um emprego numa emissora de TV dedicada a esportes, uma das ESPN da vida – um emprego de checadora de dados, bem abaixo das qualificações do currículo, mas de qualquer maneira um emprego em Manhattan. Conseguirá, também rapidamente, porque estamos em uma comédia romântica e não num drama realista, alugar um apartamento bastante razoável, também em Manhattan. O apartamento fica em cima de um café, onde trabalha o outro protagonista, Aram Finklestein – interpretado por Justin Bartha, um ator de quem eu jamais tinha ouvido falar.
Aram, 25 anos de idade, diploma de Sociologia em universidade prestigiada, filho de casal judeu rico, ainda não se encontrou na vida, nem na profissional, nem na afetiva. Esteve absolutamente apaixonado por Alice (Stephanie Szostak), uma garotinha francesa, e estavam para se casar, quando ele descobriu que ela só queria o casamento para garantir o greencard, o visto de permanência nos Estados Unidos, e seu interesse na verdade era um amiguinho que se passava por seu irmão mas na verdade era seu namorado. E então Aram – rapaz bom, sensível, inteligente – está emocionalmente mais perdido que cego no meio do tiroteio.
E aqui faço um parêntese para dizer que o ator que faz o pai de Aram não é propriamente um ator, embora tenha um belo currículo no cinema. É Art Garfunkel, ator em filmes importantes, como Ardil 22/Catch 22, de 1970, e Ânsia de Amar/Carnal Knowledge, de 1971, os dois de Mike Nichols, amigo do rapaz. Art Garfunkel é gente finíssima, a metade de um dos melhores duos da história, Simon & Garfunkel. Por ter escalado o velho Art para o papel, para que ele ganhe uma graninha, tiro o chapéu para o diretor e roteirista Bart Freundlich.
E aí a coroa divorciante conhece o garotão perdido
A desculpa que Freundlich vai arranjar para que Sandy e Aram se aproximem é, primeiro, a proximidade entre o café onde Aram trabalha e o apartamento alugado por Sandy, e, em segundo lugar, o fato de que Sandy, precisando de alguém para tomar conta das crianças quando ela está trabalhando ou eventualmente saindo à noite, recorrerá ao rapaz.
Até aí, nenhuma novidade.
Sem precisar fazer pesquisa alguma, dá para enumerar vários filmes mais ou menos recentes que tratam de encontros de mulheres maduras com rapazes bem mais jovens. O primeiro que vem à lembrança, claro, é o extraordinário Terapia do Amor/Prime, de 2005, em que a quarentona Uma Thurman se envolve com um rapazinho de por aí, 23, 24, 25, interpretado por Bryan Greenberg. Temos aí mais coincidências (ou seria plágio?): nos dois filmes, o rapaz é judeu, e mora com os pais, judeus bem de vida de Manhattan.
Beirando os 50, Michelle Pfeiffer viveu duas personagens que se envolvem com garotos bem mais jovens: na comedinha Nunca é Tarde para Amar/I Could Never Be Your Woman, de 2007, e no drama pesado Por Amor/Personal Effects, de 2009.
Uma terceira loura, Anne Heche, também aos 40 anos, como Catherine Zeta-Jones, dá casa, comida, roupa lavada e sexo para um garotão bonito (interpretado por Ashton Kutcher, na vida real casado com a madura Demi Moore) e bem dotado como o Homem de Itu da pornochanchada brasileira, no filme Jogando com Prazer/Spread, de 2009.
Até aqui, portanto, depois de três exemplos recentes, a novidade neste Novidades no Amor é que a coroa enxuta do filme é morena.
A família de subúrbio se muda para a capital do mundo
Mas não é um filme idiota. De forma alguma.
Há dezenas de filmes – comedinhas ou dramas ou policiais ou filmes de terror – que mostram gente da capital do mundo, do umbigo do Império, saindo de Nova York para viver nos subúrbios, ou em área rural. Não são tão comuns os filmes em que a migração se dá no sentido contrário – e o diretor Bart Freundlich conseguiu criar um monte de boas situações e boas piadas sobre a adaptação da família do subúrbio aos modos e costumes de Manhattan. Deparam-se de cara com sujeito que faz xixi no meio da rua, com um lumpen exibicionista que abre o casaco diante da mãe e de seus dois meninos. Há boas gozações – depois do encontro com o exibicionista, Sandy vai com os filhos a aulas de autodefesa na selva de concreto, e a seqüência que vem aí é hilariante, com piadinhas dentro de piadinhas. Só um exemplo: a instrutora de autodefesa, mulher durona, incentiva as senhoras que estão ali para aprender a atacar seus eventuais atacantes a descarregar sobre eles a raiva que sentem de seus maridos. Uma das mulheres reage: eu sou gay. Ao que a instrutora responde de bate-pronto: maravilha, me procure depois da aula.
Há momentos em que Freundlich perde a mão e abusa do uso grosserias escatológicas. Poderia ter passado sem isso. Mas constrói boas situações e personagens, como o colega de Aram que só pensa em sexo e estuda teatro, a amiga de Sandy sempre preocupada em arranjar-lhe um namorado e o médico que é sua primeira tentativa – sujeito grosseiríssimo, que, no primeiro encontro, dentro do táxi após jantar, pede a Sandy que pegue no pau dele.
É de uma conversa entre Sandy e sua amiga preocupada em arranjar-lhe um amante, ainda que eventual, que sai a expressão que é o título original do filme, The Rebound. Rebound, segundo os dicionários, é ricochete, ou então impulso. No filme, não é exatamente isso – é uma expressão de gíria, que ainda não consta no meu relativamente novo Longman: quer dizer algo do tipo tira-atraso, quebra-galho. Uma trepada quebra-galho, quando você está há tempos sem trepar.
Um diretor que não é a sutileza em pessoa, mas é bem intencionado
O diretor Freundlich – que já havia feito um filme interessante sobre relações familiares, O Mito das Digitais/The Myth of the Fingerprints, de 1997 – não chega a ser propriamente a sutileza em pessoa.
Mas é um bom sujeito, bem intencionado. O protagonista masculino que ele criou, esse Aram Finklestein, traz, sim, novidades. Depois de décadas de yuppismo, é excelente ver um personagem, no lugar mais competitivo do universo, que está mais preocupado com a vida pessoal, com as amizades, com o relacionamento com as outras pessoas, do que com a carreira, o dinheiro, a ascensão, o emprego. Um homem hétero, porém sensível.
Este ainda é um tipo raro no cinema: um homem hétero, porém sensível, não troglodita, não idiota. Esse tipo existe na vida real – mas o cinema ainda fala muito pouco dele.
Com Aram Finklestein, Freundlich procurou assim uma espécie de nova consciência social, nestes tempos em que parece que não restou mais nada para sonhar. Interessante: Aram é um personagem bem atual, atualissíssimo, que de certa forma reflete o capitalismo depois da grande crise global de 2008-2009. Ele antecipa os propósitos do Fórum Econômico Mundial de Davos versão 2010, a busca de um capitalismo humano.
É um tanto idílica a peregrinação de Aram pelo coração dos terceiros mundos, mas é salutar, é bem-vindo. Assim como é bem-vinda a moral final da história, diferente da de tantos outros filmes sobre relacionamentos de mulheres maduras com homens bem mais jovens.
É o tal negócio. Outro dia cunhei uma frase que eu mesmo achei muito boa (quando o Criador distribuiu a modéstia, eu tinha ido passear em outro lugar), e que cabe como uma luva para o cinema de uma maneira geral e para o personagem de Aram Finklestein em particular: Criamos uma sociedade que respeita o cinismo e abomina, ou no mínimo despreza, quem pretende ser sério e bom.
Aram pretende ser sério e bom – e o filme não o despreza. Muito ao contrário. E isso é uma maravilha.
Novidades no Amor/The Rebound
De Bart Freundlich, EUA, 2009
Com Catherine Zeta-Jones (Sandy), Justin Bartha (Aram Finklestein),
Argumento e roteiro Bart Freundlich
Fotografia Jonathan Freeman
Música Clint Mansell
Produção The Film Department, Process Productions
Cor, 95 min
***
Adorei o texto, bem verdade o que você disse. Adoro o filme!! Vi no mínimo umas 10 vezes (juro) e acho que você conseguiu ver muito bem o que ele transmite 😀
Adorei seu blog também (até agora li apenas 3 textos: Novidades no amor, Chicago e Caso 39) e acho que você escreve muito bem, vai direto ao ponto.
Ps: Você saberia me dizer qual o nome da música que a Sandy canta na festa de aniversário do Frank Jr.?? Eu não consegui descobrir até agora, e nas listas da trilha sonora na internet não tem. :/ Se souber me avisa, por favor 😀
Olá, Júlia!
Infelizmente não não me lembro da música a que você se refere.
Eis aqui as músicas que tocam no filme, segundo o IMDb. Mas imagino que você já havia visto esta lista…
• “Everytime You Go Away”
Hall & Oates
• “Monk’s Feathers”
Written by Brad Hatfield Performed by Brad Hatfield
• “Crazy World”
by J Majik and Wickaman featuring Kathy Brown
• “Israelites”
Written by Desmond Dekker and Leslie Kong Performed by Desmond Dekker & The Aces
• “And So It Goes”
Written by Alexander Norris, Steven Stern & Scott E. Lean Performed by Tony Liberto – This Is Big Band Courtesy of Selectracks -a division of Bug
Um abraço.
Sérgio
bela crítica!! achei o filme bem sensível, nao esperava muito, me surpreendeu… gostaria de ver mais tipos como esses dois no cinemão, essa mocinha e esse mocinho. um encanto!
Para a colega de cima, a música é a da Tina Turner, What’s Love Got to do with it?
Abraços!!
Ótimo texto, e claro, ótimo filme.
Alguém pode me dizer a música que a Catherine canta no carro?
Já procurei e não achei e nenhum lugar, conheço a música, mas me deu um branco! rsrs
Também gostaria de saber a música q ela Caterine canta no carro ? Será q é alanis morrisete
Olá, Ricardo.
Infelizmente não posso ajudar você – nem a Lívia. Tudo o que posso dizer é a relação das músicas que tocam no filme é aquela que transcrevi um pouco acima, aí entre os comentários sobre o filme. Essa lista foi dada pelo IMDb, o site mais absolutamente completo que existe sobre filmes. A página é esta aqui: https://www.imdb.com/title/tt1205535/soundtrack?ref_=tt_ql_sm
Um abraço.
Sérgio
Olá Livia e Ricardo,
A música que a Catherine Zeta Jones canta no carro :
Meredith Brooks – I’m a bitch i’m a lover