Jogando com Prazer / Spread


Nota: ★☆☆☆

 Anotação em 2010: Jogando com Prazer aborda um tema não muito usual: o mundo dos garotos (e garotas) de programa, jovens bonitos que vivem de vender sexo para mulheres e homens ricos – no caso específico, em Los Angeles, a cidade dos sonhos.

O grande problema é o tom. O diretor David Mackenzie não se decidiu se fazia uma condenação desses putos e putas, ou se fazia uma elegia a eles. O resultado é um filme no mínimo ambíguo – e no mínimo amoral.

O protagonista é Nikki, garotão bonitão, gostosão, que saiu de sua cidade e foi para Los Angeles com a intenção de levar uma boa vida aproveitando-se de suas imensas (na sua própria opinião) qualidades: ser garotão, bonitão e gostosão.

Nikki é interpretado por Ashton Kutcher, ele mesmo um garotão que se deu muito bem em Los Angeles, em Hollywood: nascido em 1978 no Iowa, em 1997 estudava engenharia bioquímica no seu Estado natal e trabalhava numa fábrica como faxineiro, ganhando US$ 12 por hora, segundo detalha o iMDB; largou os estudos e o emprego para ser modelo. No ano seguinte, conseguiu um papel num episódio de TV, e em 2002 estava na lista das 25 jovens estrelas mais quentes da revista People. Nas telas, já comeu Michelle Pfeiffer, em Por Amor/Personal Effects, e Cameron Diaz, em Jogo de Amor em Las Vegas/What Happens in Vegas, e na vida real, certamente entre muitas outras, Brittany Murphy e Demi Moore, com quem se casou em 2005.

         Orgulhoso, o narrador diz que conquistou muito do que queria

Nikki, o protagonista, é também o narrador. Quando o filme começa, ele está numa casa milionária com uma vista espetacular para Los Angeles, a cidade que desde o início do século passado, quando começaram a surgir os primeiros estúdios numa região então desocupada e mais tarde conhecida como Hollywood, é a maior fábrica de sonhos do mundo. E ele vai contando para o espectador – com muito orgulho – que, como fazem diariamente 30 mil pessoas, veio para Los Angeles em busca de sucesso e muita mulher bonita. E que conquistou muito do que sonhava conquistar.

Em seguida o vemos chegando a uma festa cheia de gente bonita, bem vestida e tendo ou aparentando ter muito dinheiro. A câmara passeia por aquele mundo de gente e mostra algumas garotas com as coxas de fora – mas o narrador Nikki nos conta que não está atrás de uma jovem, e sim de uma mulher madura e cheia de dinheiro. E então ele e o espectador vêem Anne Heche, no papel de Samantha. Anne Heche, boa atriz, rosto bonito, magrinha, mignonzinha, famosa por seu casamento de anos com a atriz e apresentadora Ellen DeGeneres, foi definida uma vez por Harrison Ford, com quem trabalhou em Seis Dias e Sete Noites, como uma das atrizes mais sexy do mundo. Na pele de Samantha, ela aparece com um vestido longo preto e os cabelos louros bem compridos – ao contrário do seu visual mais conhecido, que é de cabelos curtinhos. Nikki identifica sua presa de imediato, e parte para a abordagem, explicando para o espectador o que é preciso fazer para conquistar uma coroa. Três minutos depois Nikki e Samantha estão trepando loucamente.

Nessa altura, Mary desistiu de ver o filme, com o sábio argumento de que a vida é curta demais para gastar tempo com filme ruim. Mais tarde vi o resto do filme sozinho, já que sou louco e agora além disso tenho um site em que me imponho a obrigação de botar um filme novo por dia – mas confesso que usei algumas vezes a tecla de fast forward do DVD.

Lá pelas tantas, Samantha-Anne Heche diz uma frase forte para o personagem de Nikki. Eles estão num impasse, como seria de prever, depois de algumas semanas em que ela o sustenta e ele leva uma boa vida na casa milionária dela, aquela que havíamos visto na abertura do filme. E ela diz uma frase do tipo (não anotei; não é literal):

– “Você tem juventude, boa aparência e um troço de 15 centímetros. É tudo o que você tem. Não é inteligente e nem sequer divertido. Aproveite a vida enquanto pode, porque as qualidades que você tem vão desaparecer muito rapidamente.”

Nikki contesta o tamanho de seu instrumento de trabalho:

– “Dezessete centímetros.”

         O filme parece uma elegia à prostituição dos jovens

Me lembrei de Perdidos na Noite/Midnight Cowboy, de John Schlesinger, de 1969, em que um sujeito bronco e bonitão – exatamente como Nikki –, interpretado por um então jovem Jon Voight, sai de sua cidadezinha e vai para Nova York sonhando em viver como comedor de senhoras solitárias.  O personagem de Jon Voight, assim como o de Dustin Hoffman, sofre pra danar, come o pão que o diabo amassou. É um filme forte, duro, pesado.

É verdade que o predador Nikki acabará sendo vítima de seu próprio veneno. Mas não aprende muito. Nem ele, nem o filme: este Jogando com o Prazer, ao contrário de Perdidos na Noite, é um filme que parece babar pelo glamour dos bairros ricos de Los Angeles, pela beleza daqueles jovens que se prostituem. Ele de fato parecia uma elegia àquele tipo de prostituição.

Tsc, tsc. Aí é difícil, né?

Ah, sim, duas últimas observações. Ashton Kutcher usa o tempo todo esses jeans que andam na moda, em que o cós fica nos quadris, bem abaixo da cintura. Coisa ridiculamente horrorosa. Daqui a uns dois anos vai parecer tão grotesco quanto seria usar hoje um jeans boca de sino como os que foram modismo nos anos 70. Esses modismos são imbecis como os modismos que alguns diretores novatos (e outros nem tão novatos) gostam de usar e só servem para deixar os filmes datados, com gosto de coisa velha.

E, finalmente, é o seguinte: Anne Heche, definitivamente, fica muito melhor de cabelinho curto.

Jogando com Prazer/Spread

De David Mackenzie, EUA, 2009

Com Ashton Kutcher (Nicki), Anne Heche (Samantha), Margarita Levieva (Heather), Sebastian Stan (Harry), Rachel Blanchard (Emily), Maria Conchita Alonso (Ingrid), Sonia Rockwell (Christina) 

Argumento e roteiro Jason Dean Hall e Paul Kolsby

Fotografia Steven Poster

Música John Swihart

Produção Barbarian Films, Katalyst Films

Cor, 91 min

*

Título em Portugal: Playboy Americano

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